INTRODUÇÃO
O paraquedismo é uma modalidade desportiva que se encontra num processo evolutivo, nomeadamente ao nível da segurança técnica dos equipamentos, contribuindo para maiores níveis de segurança dos seus praticantes. Inúmeros estudos indicam que as fatalidades ou as lesões que ocorrem na modalidade se devem a erro humano, (causado pela inexperiência do praticante ou pelo não cumprimento das normas de segurança) e não ao nível da falha do equipamento (Jong, Westman & Saveman, 2014; Zakowski, Wagner & Domzalski, 2019).
O paraquedismo gera nos praticantes alterações ao nível da ansiedade (Hare, Wetherell & Smith, 2013), possuindo características muito próprias em relação ao perfil de personalidade (Delk, 1973; Van Roekel, Vrijen, Heininga, Masselink, Bos & Oldehinkel, 2017). Um olhar sobre a literatura existente permite concluir que a forma como o traço de ansiedade tem sido definido, analisado e medido, tem vindo a sofrer alterações, muito pelo reconhecimento multidisciplinar que a ansiedade desportiva tem tido nos últimos anos (Lazarus, 2000; Prieto Andreu, 2017; Pineda-Espejel, Morquecho-Sánchez & Alarcón, 2020). Quando um praticante de uma modalidade desportiva se depara com um momento potencialmente de risco, realiza uma análise acerca da situação podendo a mesma ser positiva, geradora de stress, controlável ou simplesmente irrelevante (Marquez, 2006). Quando gera stress o praticante experiencia diversas emoções que resultam da valorização cognitiva da ameaça por ele interpretada (Estrada & Pérez, 2008).
A variabilidade da frequência cardíaca (VFC) nos praticantes de paraquedismo é uma resposta fisiológica que difere da maioria das modalidades desportivas, pois não se constitui apenas como um mecanismo de controlo de treino e taxa de esforço, mas sobretudo uma resposta aos níveis de ansiedade gerado pelo momento do salto, que em muitos casos se manifestam 24 horas antes do mesmo (Hynynem, Konttinen & Rusko, 2009). As características individuas na personalidade do individuo, mais concretamente na procura de sensações, também contribuem para a existência de diferenças na VFC (Allison, Peres, Boettger, Leonbacher, Hastings & Shirtcliff, 2012). Margis, Picon, Cosner e Silveira (2003) referem que em situações em que um individuo deteta uma situação que potencialize um estado de alerta, o seu Sistema Nervoso Autónomo (SNA) é ativado provocando respostas de aumento da Frequência Cardíaca (FC), sudorese, dilatação das pupilas entre outras. A coativação do Sistema Nervoso Simpático (SNS) e Sistema Nervoso Parassimpático (SNP) pode facilitar o ideal funcionamento comportamental, emocional e cognitivo em ambientes de alta intensidade (Allison et al. 2012). A investigação de Singh, Petrides, Gold, Chrousos e Deuster, (1999) aponta que os indivíduos que apresentam FC mais elevadas em resultado de uma exposição a situações que gerem angústia e ameaças obtiveram concentrações maiores de cortisol e da hormona adrenocorticotrófica (ACTH) o que indica que a tensão psicológica influencia a atividade neuro endócrina e cardíaca. Isso resulta na secreção das hormonas epinefrina e norepinefrina na corrente sanguínea, tendo como consequência direta a vasoconstrição dos vasos, provocando um aumento da pressão arterial, e da tensão muscular, alteração FC e da variabilidade dessa frequência (Taelman, Vandeput, Spaepen & Van Huffel, 2009). A FC aprovisiona a variabilidade permanente a curto, médio ou longo prazo, o que permite ajustar as necessidades fisiológicas às restrições ambientais (Bricout, DeChenaud & Favre-Juvin, 2010).
Desde há bastante tempo que existe uma preocupação nos estudos científicos em analisar quais os efeitos produzidos no ser humano quando o mesmo é exposto a situações que gerem bastante stress (Martin & Myrivk, 1976; Ursin, Baade & Levine, 1978; Aloe, Bracci-Laudiero, Alleva, Lambiase, Micera & Tirassa, 1994). O paraquedismo nomeadamente o “salto tandem” foi segundo Price e Bundesen (2005) o protocolo utilizado em inúmeros estudos para reproduzir um agente stressor em contexto ecológico.
A importância de gerar conhecimento no mundo atual está em crescimento e no campo da ciência do desporto o foco é dirigido a todos os agentes envolvidos, sejam treinadores, atletas, médicos etc. (Ibáñez, Garcia-Rubio & Feu, 2019).
A pertinência do presente estudo deve-se ao facto de não ter sido encontrado em bases de dados científicas, revisões sistemáticas na modalidade de paraquedismo em que o seu objeto de estudo seja dirigido às áreas da Fisiologia, Psicologia e Psicofisiologia. As escassas revisões que encontramos são dirigidas sobretudo para tipo de lesões e mortalidade causadas pela prática da modalidade (Bricknell & Craig, 1999; Griffith & Hart, 2002; Candel & Merckelback, 2004).
O contributo para o conhecimento científico numa modalidade ainda pouco estudada é um dos nossos pressupostos. Como refere Tod (2019), as revisões nomeadamente as de escopo visam numa primeira análise analisar evidências existente sobre uma determinada temática de forma a contribuir para futuras investigações.
Os principais objetivos desta revisão são: a) identificar e sintetizar na literatura atual os artigos que se debruçaram sobre a modalidade de paraquedismo, centrados nas temáticas da ansiedade, traços de personalidade e medição dos valores da FC; b) registar os instrumentos utilizados; c) caraterizar a amostra envolvidas em função do número de sujeitos, género, experiência dos praticantes, tipo de salto e a área em que se enquadram; d) gerar novas questões que possam ser desenvolvidas em estudos posteriores.
METODOLOGIA
Desenho
A presente investigação é uma investigação teórica, sob a forma de revisão sistemática (Ato, López-Garcia & Benavente, 2013), tendo por base a análise de artigos originais que dirigiram os seus estudos para a área da ansiedade, traços de personalidade e variabilidade da frequência cardíaca na modalidade de paraquedismo. Recorremos a três bases de dados (Web os Science, MEDline e Scopus), realizando uma revisão sistemática, tendo em conta o objeto de estudo, assente em critérios de elegibilidade sem ter havido um tratamento estatístico nos resultados encontrados.
A pesquisa seguiu a metodologia Preferred Reporting Items for Systematic reviews e Meta-Analyzes (PRISMA) da seguinte forma: (a) definição dos objetivos usando metodologia explícita reprodutível; (b) busca sistemática de evidências seguindo os critérios de elegibilidade; (c) avaliação da validade dos artigos selecionados e (d) apresentação sistemática e síntese das características e resultados dos estudos incluídos (Moher at al., 2015).
As palavras-chave utilizadas foram: skydive, skydiving e parachute usando o campo de pesquisa - Tópico. O indicador booleano usado na pesquisa foi - AND- visto que o objetivo foi identificar o maior número de estudos que cumprissem os requisitos de inclusão, mas que estivessem ligados ao paraquedismo. Para que os documentos fossem aceites e analisados, deveriam preencher os critérios definidos de inclusão e exclusão.
Os critérios de inclusão que foram tidos em conta foram os seguintes: i) estudos ligados à modalidade de paraquedismo; ii) pesquisas em que o objeto de estudo principal fosse a ansiedade, traços de personalidade e monitorização da frequência cardíaca; iii) artigos em inglês; iv) estudos quantitativos; v) amostras com níveis da experiência indiferenciado; vi) documentos entre os anos 2000 até 2018 inclusive.
Os critérios de exclusão foram os seguintes: i) estudos ligado ao paraquedismo, mas cujo objeto de estudo não estivesse relacionado com a ansiedade, traços de personalidade e monitorização da frequência cardíaca; ii) tipo de documentos que não fossem artigos científicos; iii) artigos em que não fosse possível obter o documento completo e desta forma não pudessem ser referenciados; iv) estudos cuja metodologia utilizada fosse somente qualitativa.
Amostra
Os documentos analisados constaram das bases de dados científicas, Web os Science, MEDline e Scopus. Os resultados da pesquisa após a introdução das palavra-chaves identificaram 213 artigos originais. Importa referir que a metodologia PRISMA (Moher, 2015) foi utilizada na realização da pesquisa e não na análise dos documentos. O número final de artigos selecionados para a amostra do estudo foram 21 documentos (ver Apêndice I).
Procedimento
A revisão sistemática em estudos teóricos requer ao nível das ferramentas e procedimentos uma metodologia rigorosa para que possam apresentar com clareza as contribuições científicas resultantes (Thomas, 2015). Desta forma a metodologia PRISMA (Moher et al., 2015) foi respeitada (Figura 1) e dividida em quatro fases: i) Identificação, ii) Seleção, iii) Elegibilidade e iv) Inclusão.
Na primeira fase de identificação, um total de 299 documentos foram referenciados nas três bases de dados, tendo sido utilizado as palavras-chave no título e tópico de forma a identificar todos os artigos relacionados com o objeto de estudo de uma forma generalista (novembro 2019). Durante a fase da seleção foram excluídos os artigos duplicados, pois alguns artigos constavam em mais que uma base de dados, assim 217 artigos foram identificados como sendo originais. Nesta fase os títulos, palavras-chave e os resumos foram lidos na íntegra de forma a selecionar somente artigos em que os autores abordaram o objeto de estudo da presente revisão. No final foram identificados 31 artigos. Na fase da elegibilidade e após leitura integral dos artigos e aplicando os critérios de inclusão e exclusão de forma rigorosa a amostra foi reduzida para 21 artigos (Figura 1). Por fim na fase de inclusão os documentos selecionados foram analisados por meio de oito variáveis (três relacionadas com as áreas de estudo: ansiedade, traços de personalidade e frequência cardíaca e cinco relacionadas com a qualidade contextual do artigo: autor (es) e data, área de estudo, amostra, instrumentos utilizados na recolha de dados e principais conclusões). A exclusão dos documentos deveu-se a vários fatores: i) tipo de documento não ser em formato de artigo científico ou capítulo de um livro (n=75); ii) objeto principal do estudo não estar relacionado com a Psicologia ou Fisiologia desportiva (n=111); iii) objeto principal do estudo não estar dirigido à análise da ansiedade, traços de personalidade e FC (n=10).
Variáveis
A classificação utilizada nos documentos selecionados foi a seguinte: Ano, amostra, área de estudo e instrumentos utilizados na recolha de dados.
Ano: Data de publicação do documento.
Amostra: Número de sujeitos que participaram no estudo, género, nível de qualificação em relação à experiência na modalidade, tipo de salto realizado, número de grupos de categorização da amostra e utilização de praticantes de outras modalidades na amostra.
Área de Estudo: Segundo os objetivos descritos em cada estudo foram classificados/agrupados nas três temáticas abordadas nesta revisão. De referir que alguns estudos abordam mais que uma temática, que na nossa opinião se deve a uma relação estreita entre a psicologia do desporto que aborda temas como ansiedade e traços de personalidade e a fisiologia do desporto que aborda a variabilidade da frequência cardíaca e alteração hormonal nomeadamente o Cortisol.
Instrumentos utlizados na recolha de dados: Os Instrumentos utilizados em cada estudo para a recolha de dados.
Análise de Dados
Realizamos uma análise descritiva de todas as variáveis incluídas no estudo (frequência e percentagem). Desta forma, a análise foi feita caracterizando as seguintes variáveis: a) ano; b) amostra; c) área de estudo; d) instrumentos utilizados. A análise foi concluída com tabelas de contingências para identificar as relações entre as variáveis em estudo.
RESULTADOS
Ano
A figura 2 mostra os resultados pertencentes ao número de documentos publicados de acordo com o ano de publicação. De referir que em cinco anos não foram realizados estudos científicos e no ano de 2009 e 2010 foram realizados três artigos que representam os anos de maior investigação.
Amostra
Em relação à variável amostra iremos explorar qual o número de sujeitos, género, nível de experiência na modalidade, tipo de salto realizado, categorização dos grupos da amostra e por fim se foram utilizados somente indivíduos relacionados com o paraquedismo ou também com outras modalidades, de referir que nos artigos que envolvam outras modalidades desportivas só foram contabilizados os sujeitos ligados ao paraquedismo.
Em relação ao tamanho da amostra dos artigos analisados o número total de sujeitos varia de 15 a 143. Na Tabela 1, constatamos que o grupo onde se registam mais artigos se situa entre um a 25 sujeitos, representado 33% do total. Estes dados indicam-nos que derivado à especificidade da modalidade amostras mais reduzidas são mais utilizadas.
Em relação ao género constatamos diferenças no número de sujeitos, sendo superiores no sexo masculino em relação ao feminino. Em cinco artigos só foram utilizados sujeitos do sexo masculino contrastando com um só do sexo feminino. Observamos claramente que os homens são o género que compõe maioritariamente a amostra, representando 69%. Da totalidade dos 21 artigos a amostra foi de 1048 sujeitos, sendo que 721 eram homens e 327 eram mulheres.
O nível de experiência dos sujeitos na modalidade do paraquedismo foi uma variável em análise, importa clarificar que existem artigos que utilizam amostras independentes integrando mais que um nível de experiência nos seus estudos. Na Tabela 1 é percetível que os níveis de qualificação mais utilizados são: nível avançado registando 41% e o 1º salto (nunca teve nenhuma experiência no paraquedismo) representando 38%.
No paraquedismo existem duas formas de abertura do paraquedas: manual ou automático. Existe também a possibilidade de realizar um salto tandem que consiste num salto de duas pessoas (piloto e passageiro). Nos artigos analisados estas três possibilidades de tipo de salto foram registadas, sendo que 14 artigos utilizaram somente um tipo de salto e sete artigos utilizaram os dois tipos de salto. O salto de queda livre com abertura manual foi utilizado em 57%, e o salto tandem 32%.
Em relação à estratificação da amostra, constatamos que existem estudos que analisam somente um grupo, utilizando um desenho metodológico intra-grupo, mas existem estudos que comparam dois grupos independentes, utilizando um desenho metodológico entre grupo, sendo que o perfil relacionado com nível de qualificação ou características da personalidade definem a diferenciação dos diferentes grupos. Observando a Tabela 1, verificamos que 43% dos artigos utiliza uma amostra, valor idêntico para estudos que utilizam duas amostras independentes. Valor de 14% para quem utiliza três amostras independentes. Em relação à utilização de indivíduos na amostra de outras modalidades, observamos que 17 artigos o objeto de estudo é centrado unicamente na modalidade de paraquedismo representando 81%.
Áreas de Estudo
Para a definição da área de estudo utilizamos o critério - marcadores fisiológicos e/ou psicológicos que foram analisados e/ou instrumentos utilizados na recolha de dados para cada artigo. Observando a Tabela 2 verificamos que, três artigos o seu objeto de estudo se dirigem para a área da Fisiologia, oito artigos para a área da Psicologia (um para a Ansiedade, quatro para os traços de personalidade e três estudam em conjunto a ansiedade e traços de personalidade) e 10 artigos abordam a área da psicofisiologia (seis estudam a ansiedade em conjunto com marcadores fisiológicos, três ansiedade em conjunto com traços de personalidade e marcadores fisiológicos e um traços de personalidade em conjunto com marcadores fisiológicos). Registou-se 48% dos artigos estudaram a área da Psicofisiologia, relacionando sobretudo correlações entre marcadores Fisiológicos sobretudo FC e Cortisol com marcadores psicológicos nomeadamente estado ansiedade, traço de ansiedade e traços de personalidade.
Instrumentos
Ansiedade
Foram vários os instrumentos utilizados para medir o traço de ansiedade em praticantes de paraquedismo. No entanto o STAI - State-Trait Anxiety Inventory, foi o instrumento de medida mais utilizado pelos investigadores pois tem em conta as componentes somáticas e as componentes cognitivas do traço de ansiedade, assumindo desta forma a multidimensionalidade deste conceito (Spielberger, Gorsuch & Lushene, 1970). Os artigos que utilizaram este instrumento foram: Woodman, Cazenave e Scanff, (2008); Mujica-Parodi, Renelique e Taylor, (2009); Woodman, Huggins, Sacnff e Cazenave, (2009); Carlson, Dikecligil, Greenberg e Mujica-Parodi, (2012; Hare, Wetherell e Smith, (2013); Boldak e Guszkowska, (2013); Mujica-Parodi, Carlson, Cha e Rubin, (2014). A concentração de Cortisol constitui também uma variável de mensuração da ansiedade e stress, os artigos que utilizaram este marcador fisiológico para análise da ansiedade, utilizando como instrumento de recolha de dados Kits Salivete (tubo próprio para o efeito, com um rolo de algodão no seu interior) foram: Mujica-Parodi, et al., (2009); Hare et al., (2013); Thatcher, Reeves, Dorling e Palmer, (2003); Carlson et al., (2012); Mujica-Parodi et al., (2014); Meyer, Lee, Böttger, Leonbacher, Allison e Shirtcliff, (2015); Clemente-Suárez, Robles-Pérez e Fernández-Lucas, (2016). Observando a Tabela 3, observamos que dos 13 artigos que aportam no seu objeto de estudo para a temática da Ansiedade, 54% utilizaram o questionário STAI e Kits Salivete como forma de recolha de dados, de referir que três artigos utilizam estes dois instrumentos nas investigações. Os restantes instrumentos tais como: BAI- Beck Anxiety Inventory, TESI- Tension and Effort Stress e Metamotivational States Arousal só foram utilizados num só artigo.
Traços personalidade
Um instrumento foi utilizado em seis artigos e três instrumentos foram utilizados em dois artigos, os restantes instrumentos foram utilizados só num único artigo. O instrumento que foi utilizado em seis artigos foi o SSS - Sensation Seeking Scale, tendo sido projetado para avaliar os traços de personalidade dirigido sobretudo na busca de emoção e aventura, desinibição, busca de experiência e suscetibilidade ao tédio (Zuckerman, 1994)
Os artigos que utilizaram este instrumento foram: Woodman et al., (2008); Woodaman et al., 2009, Guskowska e Boldak, (2010); Boldak e Guskowska, (2013); Allison et al., (2012); Mujica-Parodi et al., (2014). Os três instrumentos que foram utilizados em dois artigos foram: EPQ-R Questionário de Personalidade de Eysenck - Forma Revista, sendo um instrumento de avaliação da personalidade (método objetivo), que se enquadra numa abordagem nomotética (Almiro & Simões, 2014). Os estudos que utilizaram este instrumento foram (Price & Bundesen, 2005; Watson & Pulford, 2004). O NEO PI R, composto por uma escala de 240 itens, de formato tipo Likert que permite avaliar um total de 30 facetas dos 5 principais domínios da Personalidade. Os estudos que utilizaram este instrumento foram (Castanier, Scanff & Woodman, 2010; Mujica-Parodi et al., 2014). E o TAS 20-Toronto Alexithymia Scale, sendo um instrumento de autoavaliação constituído por 20 itens. Ao longo dos anos tem sofrido melhorias por parte dos seus autores de forma a melhorar as propriedades psicométricas da escala, resultando numa melhoria significativa face à versão inicial (Taylor et al., 1997).
Os artigos que utilizaram este instrumento foram (Woodman et al., 2008; Woodman et al., 2009). Observando a Tabela 3, observamos que dos 11 artigos que aportam no seu objeto de estudo para a temática dos traços de personalidade, 55% utilizaram o questionário SSS V e 18% utilizaram EQP-R, NEO PI R e TAS 20 como forma de recolha de dados.
Frequência Cardíaca
Dos 21 artigos incluídos, oito utilizaram instrumentos para medição da FC, no entanto só dois artigos abordaram em exclusivo o estudo da FC (Cavalade, Papadopoulou, Theunissen, & Balestra, 2015; Mazurek, Koprowska, Gajewski, Zmijewski, Skibniewski & Różanowski, 2018). Os instrumentos que foram mais utilizados foram: Holter ECG (Mujica-Parodi et al., 2009; Dikecligil & Mujica-Parodi, 2010; Carlson et al., 2012) e monitores FC Polar (Clemente-Suárez et al., 2016; Hynynen, Konttinen & Rusko, 2009; Cavalade et al., 2015). Observando a Tabela 3, observamos que dos oito artigos que aportam no seu objeto para o estudo da FC, 38% utilizaram os monitores FC Polar e Holter ECG.
Área de estudo e número de sujeitos da amostra
Observando a Tabela 4, é possível constatar algumas evidências na relação entre as áreas de estudos e o número de sujeitos da amostra. Os estudos dirigidos para a área da Fisiologia só utilizam amostras até 25 sujeitos, em sentido oposto os estudos na área da Psicologia o número de sujeitos da amostra é maioritariamente superior a 76 sujeitos. Já na área da Psicofisiologia são utilizadas maioritariamente amostras até 50 sujeitos.
Esta constatação julgamos prender-se sobretudo pelo facto dos procedimentos e instrumentos para a recolha de dados na área da fisiologia ter mais obstáculos, nomeadamente a nível financeiro e da própria aplicabilidade dos instrumentos. Os instrumentos utilizados na Psicologia baseiam-se sobretudo em questionários de autorrelato, o que representa em termos financeiros um baixo custo e de uma aplicabilidade relativamente rápida e simples.
Nível de qualificação e tipo de salto
Derivado à especificidade da modalidade de paraquedismo, em que o risco associado é considerado alto, existiu uma preocupação nas investigações em controlar os aspetos da segurança. Como foram utilizados sujeitos que iriam saltar pela primeira vez de um avião e os comportamentos nesses momentos podem ser imprevisíveis foi utilizado na maioria dos casos o salto tandem de forma a controlar esses mesmos riscos. Só foi registado um estudo que utilizou o salto com abertura Manual, mas que os procedimentos adotados foram idênticos ao primeiro salto de paraquedas de alunos no curso de iniciação à queda livre. Os sujeitos considerados nível avançado realizaram todos saltos de abertura manual. Estas constatações são visíveis na observação da Tabela 5.
Instrumentos e área de investigação
Na tabela 6 observamos a relação entre os instrumentos mais utilizados para cada uma das áreas de estudo.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
O presente trabalho propôs uma revisão sistemática na modalidade de paraquedismo, em que os âmbitos dos seus estudos se dirigiam para as áreas da fisiologia, psicologia e psicofisiologia. O objetivo foi sumariar as investigações realizadas, identificar os instrumentos mais utilizados, caracterizar as amostras e projetar questões para investigações futuras.
Para o estudo da ansiedade o questionário STAI - State-Trait Anxiety Inventory foi o que tive maior consenso entre os investigadores, Spielberger et al. (1970), referem que veio permitir aos investigadores no âmbito do desporto, dispor de um instrumento que avalia o traço e estado de ansiedade. É um instrumento utilizado não só no âmbito desportivo, mas também em populações com perfil comum, como por exemplo lesões (Hernández-Mendo, Montero, & Bonillo, 2011; Chica, Guirval, Garrido, Chaves & Hernández-Mendo, 2019).
Os Kits Salivette para a recolha dos valores de Cortisol através da saliva, é também utilizado como marcador fisiológico de avaliação da ansiedade, possivelmente por este constituir numa medida de mensuração eficaz, acessível, rápida e não invasiva. Este método possibilita que a recolha seja realizada em qualquer situação, sem problemas de reatividade, nem constrangimentos práticos ou éticos comuns aos métodos de coleta de sangue e urina (Soares & Alves, 2006). Foram identificados, no entanto um estudo que utilizou a recolha de amostra de sangue (Mijuca-Parodi et al., 2014) e outro a urina (Hynynen et al., 2009) para a análise dos valores de cortisol. A análise da concentração de cortisol salivar é um marcador bastante estudado em diferentes modalidades desportivas (Kargarfard, Amiri, Shaw, Shariat, & Shaw, 2018; Rowell, et al. 2018), embora há investigadores que analisam amostras de sangue para estudarem os valores de Cortisol (Reynoso-Sánchez et al., 2017).
O estudo do traço e estado de ansiedade no desporto tem tido nos últimos anos um papel de revelo nas investigações, não só em modalidade de risco extremo, mas também em modalidades desportivas de contextos de risco baixo, Cunningham (2000) estudou os níveis de ansiedade em estudantes universitários que participavam num curso de iniciação ao Golfe. Catalá e Peñacoba (2020) referem que determinadas características psicológicas nomeadamente a ansiedade se relacionam com a ausência de lesões desportivas na modalidade de futebol.
Nos artigos analisados onde os investigadores se dedicaram ao estudo dos traços de personalidade, o questionário SSS V, teve uma maior utilização, pois reflete quatro dimensões do traço de personalidade: procura de risco e aventura, procura de experiências, desinibição e suscetibilidade ao aborrecimento. Como se presume, os pressupostos do SSS V contribuem para conhecer as preferências de risco, mas também como uma medida de construção da personalidade em si (Zuckerman, Kolin, Price & Zoob, 1964). Outro instrumento também utilizado que enfatiza diferentes fatores na dimensão da personalidade foi o questionário NEO PI-R. Costa e McCrae (1995) referem que é utilizado para análise dos traços da personalidade focando aspetos variados, nomeadamente as cinco dimensões da personalidade (abertura à experiência, conscienciosidade, extroversão, amabilidade e neuroticismo). É um instrumento abrangente, atual (Gomà-i-Freixanet, et al. 2020) utilizado para compreender a personalidade, sendo amplamente testado quanto à confiabilidade e validade, inclusive a validação transcultural (Costa & McCrae, 1992). EQP- R, foi também utilizado em dois artigos avaliando as três dimensões/fatores essenciais da personalidade - psicoticismo, extroversão e neuroticismo (Almiro & Simões, 2014). Foram também utilizados instrumentos para avaliar doenças psicossomáticas, como a alexitimia, nomeadamente TAS 20 (Taylor, 1988).
Existe um interesse científico em conhecer os traços de personalidade dos praticantes de desportos de risco extremo, Monasterio, Mulder, Frampton e Mei-Dan (2012) abordaram as características da personalidade dos praticantes de Base Jumping (modalidade associada a graves lesões e inclusive a morte) e constataram que a maioria dos praticantes revela um perfil de baixa tendência em se preocupar com futuros problemas, medos de incertezas e introversão. Existe também interesse em comparar os traços de personalidade entre praticantes de desportos de risco extremo com sujeitos que não praticam essas modalidades, Tok (2011) constatou que quem pratica modalidades de risco extremo revela um perfil mais alto ao nível da extroversão e abertura à experiência e mais baixos de consciência e neuroticismo. Julgamos que conhecendo com maior profundidade o perfil dos praticantes podemos aperfeiçoar a oferta desportiva de forma a melhorar o turismo desportivo. Para intervenções ao nível psicológico é de extrema importância conhecer e avaliar a competência psicológica dos atletas, de forma a melhorar os resultados e prestações desportivas (Bonilla, 2019).
Os procedimentos para o registo da FC não foram consensuais sendo o tempo total de utilização dos dispositivos a diferença mais observada entre os vários estudos. Identificamos um estudo que utilizou instrumentos de medida da FC 1 hora antes e retirados 2 horas após o salto (Mijuca-Parodi et al., 2009), outro estudo que registou a FC durante 30 segundos e em 4 momentos diferentes (Woodman et al., 2009), também identificamos um estudo (Dikecligil & Mujica-Parodi, 2010) que registou a FC em quatro condições: duas situações de 5 minutos no laboratório, uma medição de 24 horas e uma no dia do salto tendo sido registado durante 3 horas (2 horas antes e 1 hora após o salto).
A gravação de eletrocardiograma (ECG) usando o Holter tem uma aplicação óbvia na medicina desportiva para registar as FC dos atletas durante o movimento, sendo utilizada já em estudos com alguns anos (Ducardonnet, Escourrou, Pouzols, Porte & Bonnet, 1987). Ao longo do tempo existiu uma enorme preocupação em validar instrumentos para medir com exatidão a FC, e o Holter era o mais fiável embora tivessem a desvantagem de só poderem ser usados em estudos laboratoriais (Thivierge & Léger, 1988). Desta forma, foram desenvolvidos outro tipo de sistemas de monitorização ambulatório que fossem válidos e fiáveis, sendo simultaneamente menos complexos e confortáveis para os usuários (Nault et al., 2019).
A utilização de monitores FC Polar para registo de frequência cardíaca é um instrumento apropriado e validado para monitorizar as respostas de FC em tarefas laboratoriais sendo um dispositivo leve e portátil bastante útil para obter as informações em indivíduos saudáveis (Goodie, Larkin & Schauss, 2000). O uso deste instrumento cresceu bastante nos últimos anos, tendo a utilidade de possibilitar a gravação dos dados da FC durante a prática desportiva para futura análise dos dados e assim ajustar o programa de treino (Hernando, Garatachea, Almeida, Casajús & Bailón, 2016).
Em relação ao sexo, os homens têm uma predominância maior na modalidade de paraquedismo. Esta tendência é também constatada na modalidade de Parapente (Garcia & González, 2019) e Base Jumpers (Monasterio, Mei-Dan, Hackney & Cloninger, 2018). Num estudo realizado por Uchoga e Altmann (2016) concluíram que já na infância os meninos demonstram uma predisposição maior para arriscar e enfrentar desafios e medos em disciplinas como a ginástica comparativamente às meninas.
Em suma e de acordo com os objetivos traçados a presente revisão mostrou que dos 21 artigos que integram a amostra, três dirigem os estudos para a área da Fisiologia, oito para a área da Psicologia e 10 para a área da Psicofisiologia. Os instrumentos mais utilizados para o estudo da ansiedade foram: STAI, Kit Salivette - Cortisol, para o estudo dos traços de personalidade: SSS V, NEO PI R, EQP- R, TAS 20, e para o registo da FC: Holter (ECG) e monitores FC Polar. Em relação às amostras utilizadas as mais predominantes foram até 25 sujeitos do sexo masculino, ao nível da experiência na modalidade foram utilizados os extremos, ou seja, sem experiência na modalidade e nível avançado.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
Julgamos que seria pertinente em estudos futuros na modalidade de paraquedismo clarificar e uniformizar algumas questões, nomeadamente categorização do praticante em relação à experiência na modalidade e protocolo nos procedimentos na recolha de dados. Assim desta forma, lançamos algumas questões que urgem ser analisadas pela comunidade científica: como classificamos ao nível da experiência paraquedistas avançado e iniciante? Qual a altitude padrão para obtenção de dados? Quais os momentos mais pertinentes para obtenção de dados? Que condições atmosféricas devem ser realizados os estudos? Quais os instrumentos mais adequados para identificar, registar e avaliar a ansiedade, traços de personalidade e FC no paraquedismo?