INTRODUÇÃO
A obesidade tem sido um dos problemas de saúde pública mais alarmantes nos países desenvolvidos e em desenvolvimento (WHO, 2006). O balanço energético positivo é resultado de dois fatores comportamentais, mantidos por período prolongado: a alimentação hipercalórica e o comportamento sedentário (WHO, 2006; SBH, 2005). Durante a adolescência, o jovem passa por profundas mudanças físicas, psicológicas e sociais, incidindo em novos comportamentos e responsabilidades que contribuirão para a transição da fase de dependência para a de independência (Kvaavic et al., 2009). O excesso de peso gera aumento da gordura visceral podendo favorecer o desenvolvimento de doenças metabólicas futuras (IDF, 2007; WHO, 2006; SBH, 2005), mas de imediato pode afetar o bem-estar psicossocial do adolescente, sobretudo do sexo feminino (Matsudo, 2017; DBO, 2016; Guerra et al., 2016; Pereira, 2016; Massuça & Proença, 2013; Santana et al. 2013).
A interação social proporcionada pela convivência entre os pares influência o conceito abstrato que o adolescente cria sobre si, por meio dos feedbacks das pessoas que o jovem atribui significância (professores, amigos e pais), e também acerca das experiências dessa convivência (Gárcia-Sanchés, 2013; Jelalian et al., 2011; Adams & Bukowski, 2008; Villa Sánches & Escribano, 1999). Nesse sentido, o autoconceito é definido como a percepção que o indivíduo tem a respeito de suas competências, incluindo aspectos físicos, acadêmicos e sociais (Bandeira, Arteche e Reppold, 2008; Santana, 2003), possibilitando a completa diferenciação de si em relação ao meio (Bee, 1996). Nessa fase da vida, o adolescente busca se associar à grupos de identificação para fortalecer o sentimento de autovalorização, a caracterização de sua identidade e a internalização do seu autoconceito diante das diversas formas de interação com o meio, seja como aluno, filho, amigo, namorado e atleta, dentre outros (Harter, 1999; Villa Sánches; Escribano, 1999).
O termo autoconceito apresenta certas divergências em relação a sua definição e diferenciação quanto a autoestima (Monteiro, 2012; Bandeira, Arteche e Reppold, 2008). A autoestima é a atribuição de valor que o indivíduo faz sobre si, de forma afetiva, unidimensional e geral (Monteiro, 2012). García e Gómez (2010) consideram que a autoestima depende do autoconceito que o indivíduo tem nos diferentes domínios (físico, social, acadêmico, atlético dentre outros), já que ela parte de uma análise afetiva para estabelecer a autoestima da pessoa, de forma geral. O autoconceito é mais amplo e multidimensional e o mesmo indivíduo pode ter autoconceito alto ou baixo em diferentes domínios (García; Gómez, 2010).
Nesse sentido, a partir da fase da puberdade, as adolescentes valorizam a aparência física e constroem o conceito de serem ou não serem bonitas (Gárcia-Sanchés, 2013; Jelalian et al., 2011; Kvaavic et al. 2009; Adams & Bukowski, 2008). A aparência física considera aspectos como altura, massa corporal e sua distribuição para criar uma representação mental da pessoa sobre seu próprio corpo. Então, no domínio do autoconceito físico, a aparência física é avaliada pelo do grau de satisfação do indivíduo com seu corpo, se o indivíduo se considera bonito. No mais, o autoconceito pode ser expresso como uma avaliação global, que é representada por “um julgamento global ao invés de uma avaliação por domínios”, ele representa a satisfação do indivíduo consigo próprio, mostra se a pessoa, em geral, é feliz (Bandeira, Arteche e Reppold, 2008, p. 85). Assim, o objetivo desse estudo foi analisar a relação entre as medidas antropométricas, o percentual de gordura e o autoconceito físico e global de adolescentes do sexo feminino.
MATERIAL E MÉTODOS
Participantes
Foram investigados 101 adolescentes do sexo feminino, estudantes do ensino médio de uma Escola Técnica Estadual, com idade entre 15 e 17 anos, localizada na região leste da cidade de São Paulo. A instituição tem 360 adolescentes matriculados nesse grau de ensino. Todas as participantes eram alfabetizadas e sem limitações cognitivas.
Instrumentos
O autoconceito das participantes foi mensurado pela versão da Escala de Autopercepção de Harter para Adolescentes brasileiros (alfa de Cronbach 0,60 a 0,88). Embora essa escala apresente nove domínios diferentes, para esse estudo, somente os domínios do autoconceito físico e autoconceito global foram utilizados (Bandeira, 2008).
Para a classificação do IMC- (índice de massa corporal) dos participantes foram utilizadas as curvas da Organização Mundial da Saúde - OMS (2007), ajustadas para sexo e idade. Para o cálculo do percentual de gordura foi aplicada a equação de Slaughter et al. (1988). A referência da circunferência de cintura seguiu a recomendação do IDF (2007), que considera que ≤80 cm é o limite de normalidade considerando uma boa saúde para adolescentes do sexo feminino.
Procedimentos
Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu, sob o registro nº. 118072/2017. E está de acordo com a Declaração de Helsinque, conforme revisão de outubro de 2000. As participantes tiveram contato com a pesquisa durante uma palestra realizada na própria escola, ministrada aos responsáveis das adolescentes abordando os objetivos e a importância acadêmica do estudo. Os responsáveis pelas participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e as adolescentes assinaram, o Termo de Assentimento demostrando ciência e concordando em participar de todas as etapas da pesquisa. As adolescentes que cumpriram com os aspectos legais de sua participação foram orientadas quanto a data da coleta. Após a orientação quanto ao preenchimento da escala de autoconceito, as adolescentes a preencheram de forma individual, acomodadas em cadeiras e mesas individuais, em uma sala de aula da própria instituição. As participantes também foram instruídas a não conversassem com as demais colegas até o término do preenchimento. As dúvidas em relação a compreensão das questões foram individualmente esclarecidas pelos aplicadores. A estação de coleta das variáveis antropométrica foi montada em outra sala da escola para garantir privacidade às participantes, que eram conduzidas até o local de coleta após o preenchimento da escala. As participantes estavam vestindo roupas leves, com camiseta, bermuda ou shorts e sem tênis, conforme a orientação da equipe de coleta.
As medidas antropométricas incluíram: massa corporal, aferida com a balança digital HN-289 Balança Digital Corporal - Omron, com capacidade para 150 kg e precisão 0,01 Kg; estatura, medida com estadiômetro de alumínio da marca Sanny com precisão de 0,1 cm; circunferência de cintura, medida por uma fita métrica metálica de 2 metros com precisão de 0,1 cm, no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca. Para garantir a fidedignidade das medidas todas as variáveis foram repetidas por 3 vezes e calculada a média. Para calcular o percentual de gordura corporal foram medidas as pregas cutâneas tricipital e geminal usando o adipômetro científico Prime Med. A30 de Aço, modelo A30, com classificação científica 0,1 cm.
Tratamento Estatístico
Para o tratamento dos dados utilizou-se o pacote estatístico SPSS na versão 21.0 para Windows. Foram realizadas análises descritivas e testes de normalidade. Para as variáveis que se ajustaram à normalidade foram feitas análises paramétricas com o teste t de Student para grupos independentes, divididas pela circunferência abdominal. Para as variáveis que não se ajustaram a normalidade, foram feitas análises não paramétricas pelo teste de correlação de Spearman (Field, 2009). Para todas as análises, foi adotado o nível de significância de p<0,05.
Resultados
Na tabela 1 são apresentados os valores de média e desvio padrão das adolescentes. A faixa etária das participantes variou entre 15,1 e 18,6 anos, com circunferência de cintura e percentual de gordura corporal apresentando valores médios abaixo da classificação de risco para o desenvolvimento de doenças metabólicas, sendo a primeira ≤ 80 cm (IDF, 2007) e a segunda ≤ 30 (Lohman et al., 1992).
A distribuição das participantes é apresentada na tabela 2, mostrando que 72,3% das adolescentes apresentavam-se na classificação do IMC por percentil como eutrófico, enquanto 21,8% estavam na faixa de excesso de peso para a estatura (WHO, 2007). Além disso, também 72,3% da amostra apresentou circunferência de cintura dentro dos parâmetros de normalidade, conforme considera o IDF (2007).
Na tabela 3, são apresentadas as comparações das médias dos grupos divididos pela circunferência de cintura. As adolescentes com valores iguais ou menores que 80 centímetros alcançaram significativamente maior pontuação na escala de autoconceito físico em comparação ao grupo com circunferência maior que este valor. Já o autoconceito global não apresentou médias significativamente diferentes quando comparados por essa mesma variável.
A tabela 4 apresenta os resultados dos testes de correlação entre os domínios do autoconceito físico e o autoconceito global, com as variáveis antropométricas e o percentual de gordura. Foram encontradas correlações negativas entre o autoconceito físico e a circunferência de cintura. O autoconceito global não apresentou correlação com nenhuma das variáveis avaliadas.
DISCUSSÃO
O objetivo do presente estudo foi verificar a relação entre os índices antropométricos, circunferência de cintura, IMC e o percentual de gordura corporal com o autoconceito físico e global de adolescentes do sexo feminino. Para tal foram verificadas as diferenças entre os grupos levando-se em consideração a circunferência de cintura conforme os parâmetros de saúde preconizados pelo IDF (2007). Essa análise demonstrou que as adolescentes que apresentavam cintura ≥ 80 cm também tinham menores escores de autoconceito físico.
Ao correlacionar as variáveis investigadas, identificou-se uma correlação inversa com efeito pequeno (r=-0,266) e entre o autoconceito físico e a circunferência de cintura. Esses achados são reforçados pelos estudos de Mitchell et al. (2012) que identificou valores correlacionais próximos aos encontrados ao analisar a relação entre o autoconceito físico e circunferência de cintura em alunos do ensino fundamental (r= -0,260, p<0,001). García-Sáchez et al. (2013) também encontraram correlação negativa entre essas variáveis ao estudar adolescentes espanhóis (r= -0,304; p<0,05), mostrando que a circunferência de cintura elevada pode estar associada a um autoconceito físico menor.
Embora esse estudo não tenha encontrado correlação entre IMC e percentual de gordura corporal com o autoconceito das adolescentes, vários estudos encontraram resultados contrários, associando o menor autoconceito físico com maiores valores de IMC (Mitchell et al. 2012; Jelalian et al., 2011; Wallander et al., 2009; Adams e Bukowski, 2008; O'dea, 2006; Savoye et al., 2005). Um estudo longitudinal conduzido por O’dea (2006), acompanhou por 5 anos 2.379 meninas e mostrou que a condição de ter um maior IMC estava relacionado com um menor autoconceito físico e global, e que esse quadro não tendeu a mudanças com o avanço da idade, o que pode sugerir possíveis problemas que são refletidos na idade adulta. Além disso, outros estudos apontaram a associação do IMC mais alto com outras dimensões do autoconceito, principalmente na dimensão social (Strauss, 2000; Brown et al., 1998;).
Contudo, apesar de dois terços da amostra ter sido classificada como eutrófica com parâmetros de gordura corporal dentro da normalidade para essa população, podemos apontar que nesse estudo a circunferência de cintura elevada foi significativamente associada a avaliações mais pessimistas do autoconceito físico de adolescentes do sexo feminino (p=0,008), mas sem significância no autoconceito global (p=0,304).
O presente estudo possui algumas limitações, dentre elas o corte transversal que embora seja rápido e prático para observar fenômenos em determinada população não permite estabelecer a relação causa-efeito. Nesse sentido, não conduz ao entendimento se o autoconceito físico mais baixo seja o causador da circunferência de cintura aumentada por associação de outros fatores, como por exemplo, a busca por dietas palatáveis como recompensas psicológicas levando ao aumento do tecido adiposo, ou se o aumento da circunferência de cintura causa uma avaliação negativa da aparência física associada ao feedback dos pares. Outrossim, não pode ser interpretado de forma generalizada, pois não foi uma amostra significativa de adolescentes e a escolha por conveniência não permite o entendimento de outros fatores, como estilo de vida e influencias sociais, que podem ser específicos desse grupo, como por exemplo maior instrução já que os alunos ingressam nessa escola por meio de avaliação de conhecimento (Vestibulinho). Contudo, há a necessidade de novos estudos que acompanhem tamanhos amostrais significativos para buscar relacionar causa-efeito e aumentar o poder estatístico dos resultados, que aborde mais variáveis relacionadas a importância hierárquica dos domínios do autoconceito do adolescente e inclua outras dimensões do autoconceito.
CONCLUSÃO
Conclui-se que por meio das análises das variáveis observadas, podemos apontar nesse estudo que a circunferência de cintura elevada foi significativamente associada a avaliações mais pessimistas do autoconceito físico de adolescentes do sexo feminino, mas sem significância no autoconceito global.
APLICAÇÕES PRÁTICAS
A baixa aptidão física provocada pela falta de atividades físicas e o comportamento alimentar contemporâneo com alta ingesta de produtos hipercalóricos pode trazer consequências metabólicas danosas para a saúde, principalmente a saúde cardiovascular dos adolescentes. O aumento do peso corporal, do percentual de gordura e da circunferência de cintura são alguns dos indicadores que podem prever riscos à saúde da população. O presente estudo pode apontar, que além dos problemas metabólicos amplamente citados na literatura, esses indicadores parecem estar associados mesmo que de forma pequena, com o autoconceito de jovens, sugerindo uma relação negativa, danosa ao bem-estar da jovem com circunferência de cintura aumentada. Dessa forma o estudo demostra que o aumento de indicadores antropométricos de sobrepeso, pode se relacionar com aspectos biopsicossociais de jovens adolescentes do sexo feminino.