Introdução
De acordo com as recomendações da prática de atividade física para adultos, para adquirir benefícios à saúde os indivíduos devem realizar pelo menos 150 minutos semanais de atividade em intensidade moderada ou 75 minutos de atividade vigorosa1,2. Contudo, dados disponíveis sugerem que 31% da população adulta mundial não atende as recomendações mínimas para prática de atividade física2.
O local de trabalho tem sido foco de pesquisas sobre inatividade física, visto que baixos níveis de atividade física influenciam negativamente à saúde do trabalhador. Indivíduos que não atendem as recomendações da prática de atividade física são mais suscetíveis ao absenteísmo e afastamento do trabalho por desenvolvimento de doenças3, são mais propensos a desenvolver distúrbios ocupacionais, como lesões por esforço repetitivo4; apresentam maiores níveis de estresse e indisposição para realização de tarefas cotidianas5.
Estudos realizados com servidores públicos encontraram prevalência de baixo nível de atividade física de 49.4% no estado da Bahia, nordeste do Brasil6, e 56.7% no sul do Brasil7. Essas prevalências podem variar, a depender do local do estudo e da atividade laboral dos trabalhadores7. Ademais, têm sido investigados os possíveis fatores correlatos ao baixo nível de atividade física de trabalhadores7-9. Mulheres demonstraram ser menos ativas quando comparadas aos homens7, entretanto, para as variáveis sociodemográficas como a idade, a escolaridade e o nível econômico, os resultados apresentam‐se controversos8,9.
Baixos níveis de atividade física também preocupam os órgãos de saúde, porque é fator de risco para várias doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como, por exemplo, o diabetes mellitus tipo 2 e a hipercolesterolemia10. Tais doenças são consideradas fatores de risco para desenvolvimento de outras doenças como as cardiovasculares, que estão entre as principais causas de mortalidade no Brasil10.
Assim, ressalta‐se a relevância de avaliar a atividade física total dos indivíduos e os fatores correlatos, como indicadores sociodemográficos e situação pregressa de saúde, a fim de nortear o planejamento de programas de promoção da atividade física de acordo com a realidade encontrada. Por fim, estudos realizados com trabalhadores adultos se fundamentam em diferentes razões: (a) preocupação com a diminuição do nível de atividade física total com o avanço da idade11; (b) influência do tipo de atividade laboral no nível de atividade física total7; (c) a presença de uma doença crônica pode representar alterações no cotidiano do indivíduo, interferindo ou interrompendo a produtividade no trabalho3. Portanto, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de baixos níveis de atividade física e a associação com fatores sociodemográficos, e a presença isolada e simultânea de hipercolesterolemia e diabetes em servidores de uma universidade pública do estado do Paraná (PR), Brasil.
Método
Amostra
O estudo foi desenvolvido no município de Maringá, localizado no estado do PR, sul do Brasil. A cidade é considerada a terceira maior do estado e a sétima mais populosa da região sul do Brasil. O índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) é de 0.80812, estando na faixa de desenvolvimento humano muito alto (IDHM entre 0.8‐1). Entre 2000‐2010, a taxa de atividade da população adulta, ou seja, o percentual dessa população que era considerada economicamente ativa, passou de 70.91% em 2000 para 72.46% em 2010. O último censo publicado traz que, das pessoas adultas que estavam envolvidas em algum trabalho remunerado, apenas 0.63% trabalhavam nos setores de utilidade pública12.
O delineamento desta pesquisa é do tipo analítico transversal, constituindo uma população formada por servidores públicos estaduais de uma universidade pública da cidade de Maringá‐PR, Brasil. O estudo foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Estadual de Maringá‐PR, Brasil (parecer número 517/2009), e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para verificar o número de servidores administrativos e docentes da instituição, recorreu‐se à diretoria pessoal da referida universidade (DPE), a qual forneceu a relação com todos os dados, sendo 2658 servidores administrativos e 1490 docentes.
Os participantes deste estudo foram selecionados por meio de uma amostragem aleatória simples. Para o cálculo amostral, adotou‐se prevalência do desfecho de 63%, conforme dados do Vigitel para o estado do PR, Brasil13, erro tolerável de cinco pontos percentuais e nível de confiança de 95%. Assumindo uma população de 4148 funcionários, a amostra necessária para um desenho aleatório simples seria de 330 funcionários. Foram acrescentados 5% para eventuais perdas e recusas, dessa forma a amostra final foi estimada em 345 funcionários.
Procedimentos
A variável dependente foi nível de atividade física. O Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) versão 8‐curta14 foi empregado para analisar essa variável. Este questionário é composto por oito questões e tem como objetivo fazer com que o entrevistado relate as atividades físicas desenvolvidas em uma semana anterior, classificando‐as em relação à quantidade de atividades físicas realizadas. Cinco categorias são geradas de acordo com as respostas relatadas: «muito ativo»; «ativo»; «irregularmente ativo A»; «irregularmente ativo B»; «sedentário». Sendo que, o critério de recomendação para a prática de atividade física é de frequência mínima de cinco dias na semana, ou duração mínima de 150 minutos por semana. As cinco categorias do instrumento IPAQ foram dicotomizadas neste estudo, passando a serem classificadas como: «insuficientemente ativos» - para os indivíduos que obtiveram os níveis de atividade física de «irregularmente ativos A»; «B» e «sedentários»; e «ativos» - para os indivíduos que obtiveram os níveis de atividade física de «muito ativos» e «ativos».
As informações sociodemográficas (sexo, idade, situação conjugal, escolaridade, jornada de trabalho e nível econômico) e a presença de doenças (hipercolesterolemia e diabetes mellitus tipo 2) foram coletadas por meio de um questionário autoadministrado. A pergunta administrada para a presença das doenças foi: «Você tem ou já teve algumas dessas doenças? Colesterol alto (hipercolesterolemia), diabetes mellitus tipo 2». As opções de resposta foram: «Não» e «Sim». Para fins de análise no presente estudo, além da presença de hipercolesterolemia e diabetes, foi criada uma terceira varável relacionada às doenças que foi a presença simultânea de hipercolesterolemia e diabetes, ou seja, foram analisados também os indivíduos que reportaram ter ambas as doenças.
A variável idade foi coletada em anos completos, posteriormente categorizada em «16‐39 anos» e «≥ 40 anos». O nível econômico foi identificado pelo questionário da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa do ano de 200815, que divide a população brasileira em 5 classes econômicas, por ordem decrescente de poder de compra («A1», «A2», «B1», «B2», «C1», «C2», «D» e «E»). No presente estudo, as categorias foram dicotomizadas em «classe alta» (A1; A2; B1; B2) e «classe baixa» (C1; C2; D; E).
A variável situação conjugal foi categorizada em «sem companheiro» (solteiro, separado ou viúvo) e «com companheiro» (casado). O nível de escolaridade dos servidores foi categorizado em «> 12 anos de estudo» e «≤ 12 anos de estudo». A jornada de trabalho dos servidores foi outra variável independente analisada no presente estudo e categorizada em «≤ 8 horas/dia» e «> 8 horas/dia».
Tratamento estatístico
As análises foram realizadas por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. Empregou‐se a estatística descritiva e inferencial. Na estatística descritiva empregou‐se a frequência absoluta e relativa. Na estatística inferencial empregou‐se o teste qui‐quadrado de heterogeneidade e de tendência linear. Nas análises bivariáveis e multivariáveis foram empregados os testes de Wald e a regressão logística binária para estimar odds ratio (OR) e intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Foram desenvolvidos dois modelos de regressão ajustados, sendo que o primeiro foi para investigar os fatores sociodemográficos associados aos baixos níveis de atividade física. Todas as variáveis foram incluídas no modelo de regressão ajustado, independentemente do valor de p da análise bruta. O segundo modelo de regressão foi criado para identificar se as doenças (hipercolesterolemia, diabetes e a presença simultânea das dois) estavam associadas aos baixos níveis de atividade física. Essa análise de regressão foi ajustada por todas as variáveis sociodemográficas. Ao final, consideraram‐se significativamente associados ao desfecho sob análise aqueles fatores cujo p‐valor foi inferior a 0.05. As análises não foram estratificadas por sexo, porque não houve interação entre sexo, desfecho e as demais variáveis.
Resultados
Participaram da pesquisa 345 funcionários, sendo que a maior parte da amostra foi composta pelo sexo feminino (56.81%), com idade igual ou superior a 40 anos (65.1%); estudaram mais de 12 anos (75.29%) e trabalhavam menos que oito horas diárias (71.2%). Referente às doenças, 25.7% dos servidores relataram ter ou já ter tido hipercolesterolemia, e 7.8% relataram ter diabetes mellitus tipo 2. Dos servidores investigados, 4.4% relataram a presença das dois doenças (tabela 1).
Na análise bruta (tabela 2), o indicador que se associou com baixos níveis de atividade física foi a escolaridade, demonstrando que servidores que estudaram mais de doze anos apresentaram maiores chances de serem insuficientemente ativos (OR: 1.71; IC 95%: 1.01‐2.87). Na análise ajustada, os resultados indicaram que os servidores com maior grau de escolaridade apresentaram 73% mais chances de serem insuficientemente ativos, quando comparados aqueles com menor grau de escolaridade.
IC: intervalo de confiança; OR: odds ratio.
*p < 0.05.
† Análise ajustada por todas as variáveis, independente do p‐valor na análise bruta.
Na tabela 3 observa‐se que a prevalência de baixos níveis de atividade física em pessoas que apresentaram somente hipercolesterolemia foi de 33.3%. Na análise de regressão logística bruta e ajustada por fatores sociodemográficos não foi encontrada associação entre a presença de hipercolesterolemia e baixos níveis de atividade física (p>0.05). A prevalência de baixos níveis de atividade física foi de 41.7% nas pessoas que apresentavam somente diabetes. Tanto na análise bruta, quanto na ajustada, não houve associação entre a variável dependente (baixos níveis de atividade física) e a presença de diabetes. Ao analisar a presença simultânea de hipercolesterolemia e diabetes, foi encontrado que os indivíduos com ambas as doenças apresentaram prevalência de 66.7% de baixos níveis de atividade física. Na análise bruta, foi encontrado que as pessoas com as dois doenças tiveram 2.91 vezes mais chances de terem baixos níveis de atividade física (p=0.06). Na análise ajustada pelas variáveis sociodemográficas, foi encontrado que os servidores que apresentavam as dois doenças tiveram 5.04 vezes mais chances (p=0.02) de serem insuficientemente ativos do que aqueles que não apresentavam as dois doenças (tabela 3).
Discussão
Dois principais achados se destacam nesta pesquisa: 1) os servidores com mais de doze anos de estudo apresentaram maiores chances de serem insuficientemente ativos, quando comparados àqueles com menores anos de escolaridade; 2) os servidores que relataram a presença concomitante de diabetes e hipercolesterolemia apresentaram maiores chances de serem insuficientemente ativos do que aqueles que nunca tiveram essas dois doenças.
A prevalência encontrada para a inatividade física foi de 41.8%. Prevalências semelhantes foram apresentadas por outros autores16,17. Pesquisa realizada no ano de 2002, com 704 funcionários adultos da Universidade de Brasília, Brasil, identificou que 48.3% dos servidores não praticavam nenhum tipo de atividade física durante a semana18. Estudo transversal de base populacional, realizado em Senegal com trabalhadores adultos, relatou prevalência de inatividade física de 43.3%17.
Cada vez mais, as pessoas realizam atividades ocupacionais que demandam menor esforço físico e também se locomovem com meios de transporte que não requerem grande gasto de energia, o que acarreta altas taxas de inatividade física7. Além do desenvolvimento de DCNT, como hipercolesterolemia, diabetes mellitus tipo 2, obesidade e doenças cardiovasculares, a prática insuficiente de atividade física pode aumentar as chances de o indivíduo desenvolver osteoporose, câncer, depressão, ansiedade, dentre diversos outros agravos à saúde10. Para tanto, é importante que os servidores recebam orientações com intuito de incentivar a prática regular de atividade física, eis que a inatividade física aumenta de 20‐30% o risco de morte precoce10.
Os servidores com alta escolaridade apresentaram maiores chances de serem insuficientemente ativos. Estudo transversal de base populacional, com 559 indivíduos de 20‐59 anos, também encontrou resultados semelhantes, quanto maior a escolaridade maior a probabilidade de o indivíduo ser inativo18. Por outro lado, o estudo epidemiológico transversal realizado com 4225 trabalhadores brasileiros do estado de Santa Catarina mostrou que os trabalhadores com menos escolaridade apresentaram maiores chances de serem insuficientemente ativos19. A literatura afirma que pessoas com escolaridade mais elevada, geralmente, trabalham com atividades predominantemente sedentárias, como trabalhar em frente ao computador e/ou geralmente sentadas, ao contrário dos indivíduos de menor escolaridade que frequentemente se envolvem em trabalhos mais braçais que necessitam de movimentação corporal7, o que pode justificar maiores níveis de atividade física nesse subgrupo.
No presente estudo foi encontrado que 4.4% dos servidores apresentaram simultaneamente diabetes e hipercolesterolemia. Isso ocorre porque o controle glicêmico é o principal fator que interfere nas concentrações lipídicas de indivíduos com diabetes. Sujeitos diabéticos tendem a apresentar níveis mais altos de triglicerídeos e colesterol, quando comparados a não‐diabéticos20. Dessa forma, intervenções que conscientizem os servidores sobre a importância da manutenção de níveis glicêmicos adequados podem auxiliar a diminuir os valores de colesterol alto no sangue.
Os trabalhadores que tinham simultaneamente diabetes e hipercolesterolemia apresentaram maiores chances de serem insuficientemente ativos, quando comparados aos que nunca tiveram essas doenças. Uma possível justificativa para isso é que a inatividade física altera a ação e regulação da enzima lipoproteína lípase, que está relacionada com o aparecimento de DCNT, como a hipercolesterolemia21 e diabetes22. A lipoproteína lípase tem a função de retirar os triglicerídeos do plasma, resultando na diminuição do colesterol total, e os baixos níveis de atividade física reduzem a ação dos sinais moleculares responsáveis pela ativação desta enzima23, desacelerando o catabolismo das lipoproteínas ricas em triglicerídeos24.
Outro fato que justifica os achados deste estudo é que, devido à ausência de gasto energético proveniente da prática de exercício físico, a utilização de substratos energéticos derivados da utilização de gordura fica reduzida à oxidação de ácidos graxos24. Esta diminuição de utilização de ácidos graxos como combustível metabólico também causa aumentos da trigliceridemia, por meio de aumento da produção da lipoproteína de baixa densidade (VLDL). No mais, a inatividade física aumenta os períodos de hiperglicemia após ingestão calórica, o que causa hiperinsulinemia prolongada, propiciando o desenvolvimento de diabetes23.
Por se tratar de estudo transversal, realizado em população específica de servidores de uma determinada universidade, torna limitada a extensão dos resultados para trabalhadores em geral. Ainda que o fato dos servidores saberem que estavam participando de pesquisa que avaliaria o incremento da prática de atividade física, pode, por si só, ter influenciado os resultados encontrados, no que diz respeito à prevalência de funcionários ativos na amostra.
O presente estudo apresenta contribuição para a área, pois trouxe dados referentes ao nível de atividade física de servidores públicos de uma universidade do estado do PR, podendo servir de parâmetro comparativo para próximas investigações realizadas com trabalhadores dessa natureza. Ademais, os achados referentes a associação entre a hipercolesterolemia e diabetes mellitus tipo 2 com a inatividade física intensificam a necessidade de planejamento de programas voltados para o incentivo da prática de atividade física, a fim de diminuir os riscos à saúde gerados por essas doenças.
Conclui‐se que a prevalência de baixos níveis de atividade física pode ser considerada alta, conforme o que relata a literatura. Além disso, os subgrupos de servidores de uma universidade pública, que apresentou maior chance de ter baixos níveis de atividade física, foram aqueles com alta escolaridade e com presença simultânea de hipercolesterolemia e diabetes.