Introdução
O treinamento resistido (TR) vem sendo apresentado como um estímulo para ganhos de força, potência, hipertrofia e resistência muscular1. Assim, estudos com o propósito de avaliar as adequadas manipulações das variáveis metodológicas do TR (como, por exemplo, volume, intensidade, ordem do exercício, intervalo entre as séries em sessões de treinamento ou para exercícios multi e monoarticulares) parecem ser relevantes para a compreensão e prescrição do TR2-6.
O teste de uma repetição máxima (1RM) é recomendado para a avaliação da força dinâmica muscular7 e considerado gold standard para a avaliação desta valência física. Ainda, é comumente utilizado como parâmetro para a manipulação da intensidade das cargas8 no TR. Alguns fatores podem influenciar na aplicação do teste de 1RM, como familiarização ao teste9, aquecimento prévio10, seguimento corporal avaliado11, amplitude de movimento12 e ainda relutância em continuar o teste, devido ao medo do risco de lesão pelo elevado valor da carga13.
Assim, estratégias que possam minimizar a influência (muitas vezes, psicológica) do avaliado no valor dos resultados de testes parecem ser interessantes, para que se obtenha a maior fidedignidade e reprodutibilidade no teste. A privação visual pode diminuir estabilidade dinâmica de caminhada e aceleração, quando comparada a condições sem privação visual14. Contudo, Maior et al.15 mostraram que o teste de 1RM em homens, realizado com privação visual, obteve no supino horizontal (5.37%), leg press 45° (8.25%) e puxada pela frente (5.12%), valores significativamente maiores comparado com os testes (1RM) realizados nos mesmos exercícios sem privação visual. Adicionalmente, Maior et al.16 verificaram que a privação visual acarretou em valores de carga absoluta e relativa em mulheres treinadas significativamente mais elevados no supino horizontal, leg press e puxada pela frente, comparado ao protocolo sem privação visual.
Apesar de já estar demonstrada influência da privação visual na obtenção das cargas de 1RM15,16, são escassos os estudos que verificam esta estratégia na obtenção das cargas em exercícios multi e monoarticulares. Desta forma, conhecer o padrão de influência de condições de privação visual no teste de 1RM para distintos exercícios (multi e monoarticulares) poderá contribuir para quantificação das cargas do TR, possibilitando assim testes e prescrições mais precisas. Por estes motivos, o objetivo do presente estudo foi verificar os valores do teste de 1RM nos exercícios multi e monoarticulares (agachamento na barra guiada [AG] e rosca bíceps direta [RD]), com e sem privação visual. É hipotetizado que não ocorrerão diferenças estatísticas entre os testes com e sem privação visual, tanto para ambos os tipos de exercícios (multi e monoarticulares).
Método
Amostra
A amostra foi composta por doze homens (23.00 ± 4.80 anos; 80.76 ± 8.09 kg; 1.76 ± 0.05 cm) aparentemente saudáveis, selecionados voluntariamente e que estavam engajados há pelo menos doze meses no TR, se exercitando com duração aproximada de uma hora, no mínimo três vezes por semana. Foram excluídos deste experimento os indivíduos que, nos últimos seis meses, foram acometidos de lesões articulares, contraturas musculares, comprometimentos cardiovasculares nos últimos doze meses e os indivíduos submetidos a cirurgias articulares. Foram excluídos do experimento os indivíduos que faziam uso de qualquer tipo de recurso ergogênico, ou esteroide anabólico. Ainda, não foi permitida a utilização de cafeína ou álcool nos dias de verificação. Os voluntários foram previamente esclarecidos sobre os objetivos do estudo e os procedimentos aos quais seriam submetidos, e responderam negativamente ao Physical Activity Readiness Questionnaire (PAR‐Q)17. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos sob o protocolo n.° 17774513.9.0000.5433.
Procedimentos
Os testes de 1RM, para os exercícios de AG e de RD, foram realizados em sessões distintas (cada sessão separada por 48 horas). Os procedimentos de testes de 1RM seguiu as recomendações da American College of Sports Medicine7. Resumidamente, após o aquecimento, um máximo de cinco tentativas foram realizadas para cada sessão de testes de 1RM (com ou sem privação visual), com um mínimo de cinco minutos de recuperação entre as tentativas máximas. Um intervalo de cinco minutos foi respeitado entre as tentativas. Assim, a maior carga levantada com sucesso em cada sessão foi anotada com precisão.
Os sujeitos foram orientados a não realizar exercícios físicos 48 horas antes de cada teste, vestir roupas adequadas, estarem devidamente hidratados e alimentados há, no mínimo dois horas, antes do teste. Todos os testes foram realizados no mesmo horário do dia. O aquecimento para cada sessão foi constituído de dois séries com 40% da carga utilizada pelos avaliados em seus treinos cotidianos, especificamente no exercício testado (AG ou RD). Encorajamento verbal foi realizado para todos os sujeitos e em todas as sessões, de forma padronizada.
Todos os testes iniciaram na fase excêntrica do movimento, foi caracterizado 1RM o valor em kg da tentativa realizada anteriormente à tentativa que houve falha concêntrica. A execução dos exercícios seguiu recomendações previamente estabelecidas18. Resumidamente, o AG (fig. 1) teve sua posição inicial no ângulo de 90° de amplitude, a partir da articulação do joelho, para cada participante. Em seguida, o avaliado estendia totalmente os joelhos. Um marcador sensorial (tato) foi utilizado como parâmetro para execução correta da amplitude. O aquecimento e o teste de 1RM foram realizados rigorosamente, seguindo a determinação da marca sensorial.
A RD (fig. 2) realizou‐se apoiando a parte dorsal do tronco na parede e com os joelhos flexionados, utilizando uma barra reta. A partir da extensão completa, o participante realizou a flexão e extensão total dos cotovelos, sem movimentar nenhuma outra articulação.
Quatro sessões de familiarização foram conduzidas, com o intuito de minimizar os erros do estudo. Uma excelente reprodutibilidade das cargas de 1RM foi verificada durante as dois últimas sessões de familiarização, tanto para o AG (r = 0.98; p < 0.01) como para RD (r = 0.99; p < 0.01) (sem privação visual). Após 48 horas das dois sessões de familiarização, os indivíduos completaram quatro visitas ao laboratório de coleta de dados. Em dois visitas, os avaliados realizaram os procedimentos do teste de 1RM (descrito anteriormente) nos exercícios selecionados (um a cada dia) sem privação visual. Logo após, em mais dois dias não consecutivos, os avaliados executaram os mesmos procedimentos do teste de 1RM (descrito anteriormente) nos exercícios selecionados (um a cada dia) com privação visual. No protocolo de privação visual, o participante foi submetido a uma condição de privação do sentido da visão por um tecido preto amarrado na cabeça na altura dos olhos, impedindo totalmente a visualização das barras e anilhas destinadas aos exercícios selecionados. A seleção do exercício e a estratégia visual realizada em cada teste foram definidas aleatoriamente. A maior carga de cada teste foi anotada, como a carga de 1RM para os distintos exercícios e protocolos de privação visual.
Analise estatística
Todos os resultados foram apresentados segundo sua média ± desvio padrão. Inicialmente, foi testada a normalidade dos dados pelo teste de Shapiro‐Wilk. Todos os resultados apresentaram distribuição normal. Assim, em seguida, foi realizado o teste t de Student para amostras pareadas entre os protocolos com e sem privação visual para cada exercício selecionado (multi e monoarticular). Adicionalmente, para determinar a magnitude dos resultados de carga de 1RM nos distintos protocolos (com ou sem privação visual), o tamanho do efeito (a diferença entre o protocolo com privação visual e sem privação visual, dividido pelo desvio padrão do protocolo com privação visual), foi calculado. Os limites propostos por Cohen19 foram aplicados para determinar a magnitude do efeito do protocolo. O nível de significância adotado foi de p < 0.05. Para os tratamentos estatísticos descritos, foi utilizado o software Prisma versão 5.0 (GraphPad, Inc).
Resultados
No exercício de multiarticular (AG) não houve diferença estatística significativa entre as comparações de protocolos visuais, tanto para a força máxima absoluta (1RM) (p = 0.422), quanto para a força relativa (p = 0.397). Para o exercício monoarticular (RD), diferenças não importantes foram observadas entre os protocolos com ou sem privação visual, para a força máxima absoluta (p = 0.220) e força relativa (p = 0.230). Adicionalmente, a magnitude da diferença de ambos os protocolos visuais foi pequena para ambos os exercícios testados, tanto para a força máxima como relativa. A tabela 1 apresenta claramente os dados e estatísticas de força máxima absoluta e relativa para os exercícios multi (AG) e monoarticulares (RD) testados.
Discussão
O principal achado do presente estudo observou que distintos protocolos visuais (com ou sem privação visual) durante o teste de 1RM não proporcionaram diferenças significativas para a carga de 1RM testada. Este achado sugere que, independentemente do tipo de exercício (multi ou monoarticulares), a privação visual pode não interferir no teste de 1RM. O teste de 1RM é usualmente utilizado com método gold standard e recomendado pelo ACSM7 para verificação da força muscular máxima. Há mais de 40 anos que testes de força com esta metodologia (1RM)20 são aplicados, contudo, a privação visual gera discussões sobre as possibilidades de uma maior acurácia no teste, principalmente por questões psicológicas16.
Em estudo anterior15, foi comparado o efeito de distintas metodologias de privação visual na força muscular máxima (teste de 1RM). Neste estudo, doze homens treinados possibilitaram aos autores concluírem que a utilização de privação visual no teste de 1RM pode possibilitar um incremento da carga avaliada para os exercícios multiarticulares de supino horizontal com barras e anilhas, leg press de anilhas e puxada pela frente. Estes resultados demonstram que, aparentemente, a privação parece ser um método para se elevar a acurácia das respostas de força máxima para homens treinados.
Em outro estudo, Maior et al.16 compararam o valor de carga deslocada por mulheres durante a execução do teste 1RM em distintas situações, com e sem privação visual. Onze mulheres treinadas realizaram o teste de 1RM para o exercício de supino horizontal, leg press e puxada de frente, com e sem o método de privação visual. Foi verificado aumento significativo da força muscular absoluta e relativa para os testes de 1RM com privação visual, em relação ao teste sem privação visual em todos os exercícios avaliados (todos multiarticulares). Os autores concluíram que com privação visual o teste de 1RM, hipoteticamente, tem sua autoeficácia cognitiva aumentada, pelo fato de evitar que o sujeito visualize a carga de teste e, consequentemente, subestime o seu desempenho. Contudo, nossos dados não corroboram com este estudo, pois tanto para exercícios multi e monoarticulares não verificamos diferenças entre os métodos com ou sem privação visual durante o teste de 1RM. Possivelmente, o elevado número de sessões de familiarização (4) possibilitou maior segurança aos avaliados, influenciando no desempenho no teste de 1RM, independentemente do método de privação visual.
Realizamos este protocolo de familiarização, pois esta é uma estratégia utilizada a fim de eliminar qualquer efeito de aprendizado motor ao longo dos testes de força21,22. O American College of Sports Medicine7 recomenda a realização de sessões de familiarização com o equipamento específico, com a finalidade de obter um valor reprodutível para verificações de 1RM, o qual tem sido amplamente utilizado como teste gold standard para a verificação da força dinâmica muscular máxima23. Entretanto, os resultados provenientes de estudos atuais21,22,24 não permitem inferências quanto ao número ideal de sessões de familiarização necessárias para uma boa correlação entre o teste e o reteste. Entretanto, com o intuito de minimizar quaisquer riscos com relação a ganhos de força relacionados à aprendizagem motora durante os testes, realizamos um número familiarizações recomendados anteriormente24.
Em deslocamentos curtos não se mostra fundamental na relação entre a manutenção postural e privação visual. Pelo fato de que a privação visual não exclui formas de atualização da posição e da direção a ser realizada por ações motoras, mas sim pelo conhecimento prévio sobre a postura desejada15. Conseguirmos discriminar a falta das informações visuais (pelo método de privação visual), através da utilização de outras fontes sensoriais25. Nesse caso, o sistema vestibular e somato‐sensorial provavelmente teria sua ação aumentada, para que não diminua a força do acoplamento entre as informações visuais e a oscilação corporal25. Assim, estas afirmações corroboram com os nossos resultados, em que a privação visual não mostrou qualquer relação com desvios posturais e de equilíbrio corporal. E ainda não demonstrou alteração significativa entre os métodos com e sem privação visual nos testes de 1RM para exercícios multi e monoarticulares.
A elevada acurácia na realização do teste de 1RM pode ajudar na definição da intensidade e o volume de treinamento, que são variáveis de extrema importância para o desenvolvimento da força muscular. Técnicos e treinadores devem compreender e aplicar os conhecimentos científicos sobre a correta forma de execução do teste de 1RM, a fim de minimizar erros no teste e, consequentemente, alcançar objetivos específicos ao longo de sessões de treinamento.
De acordo com os resultados do estudo, podemos concluir que, para exercícios multi e monoarticulares, o método de privação visual não promove diferenças importantes no deslocamento de cargas na execução do teste de 1RM. Este resultado relata que homens jovens não subestimam o seu desempenho e, de nenhuma forma, são influenciados pelo método de privação visual. Entretanto, pouco se sabe sobre o mecanismo pelo qual o indivíduo subestimaria a sua carga de treinamento. Assim, novas pesquisas devem ser realizadas sobre o método de privação visual, que se encontra pouco esclarecido na literatura científica.