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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.18 n.54 Murcia Apr. 2019  Epub Oct 14, 2019

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.2.322041 

Originais

Fatores de risco para ansiedade e depressão no período pré-operatório de cirurgia cardíaca

Eduardo Tavares Gomes1  , Paulo Cesar da Costa Galvão2  , Karolayne Vieira dos Santos3  , Simone Maria Muniz da Silva Bezerra4 

1Enfermeiro. Mestre em Enfermagem. Enfermeiro Assistencial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil

2Enfermeiro. Residente em Enfermagem Cardiovascular do Hospital Agamenom Magalhães. Recife, PE, Brasil.

3Enfermeira. Residente em Enfermagem Cirúrgica do Hospital Getúlio Vargas. Recife, PE, Brasil.

4Enfermeira. Pós-Doutora em Enfermagem Fundamental. Professora do Programa Associado de PósGraduação em Enfermagem da Universidade de Pernambuco / Universidade Estadual da Paraíba. Recife, PE, Brasil.

RESUMO:

Objetivo

avaliar os fatores de risco de ansiedade e depressão no período pré-operatório de cirurgia cardíaca

Método:

Trata-se de um estudo seccional, realizado entre janeiro e junho de 2017, em um hospital universitário de referência em cardiologia no nordeste do Brasil. Foram avaliados 174 pacientes utilizando-se um questionário próprio e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS) e calculadas asOdds Ratiospara avaliar o risco

Resultados:

Na avaliação da ansiedade, foram fatores de risco significativos: sexo feminino, anos de estudo, ausência de acompanhante, experiência prévia de cirurgia cardíaca e o cancelamento da cirurgia durante o internamento. Quanto à depressão, revelaram-se fatores de risco: sexo feminino e tempo de internamento maior de 15 dias

Conclusão:

O enfermeiro tem instrumentos disponíveis para reconhecer a ansiedade e a depressão, incluindo os diagnósticos de enfermagem e as escalas validadas, assim como tem papel preponderante na atuação nestes casos. Deve ser um desafio institucional dinamizar o serviço de forma a evitar prolongamentos do internamento e cancelamentos de cirurgia por questões estruturais.

Palavras-chave: Ansiedade; Depressão; Cirurgia Cardíaca; Período pré-operatório; Enfermagem

INTRODUÇÃO

O período pré-operatório é considerado a fase em que o individuo se torna mais vulnerável em suas necessidades, em particular as psicológicas, tornando-se mais propenso a um desequilíbrio emocional, angústia, medo, que se traduzem muitas vezes em ansiedade e depressão1 2

O período pré-operatório representa não só a possibilidade de cura assim como de fracasso e/ou insucesso1 3. A cirurgia cardíaca tem a peculiaridade de envolver o órgão popularmente reconhecido como o mais nobre e diretamente relacionado com a manutenção da vida3. O desconhecido, junto a possibilidade de insucesso, agravam a angústia que os pacientes tem de enfrentar e, por consequência, a ansiedade e a depressão1 3. A despeito dos benefícios que traz ao paciente, a cirurgia também lhe gera sofrimento em muitos aspectos, desde a dor e os riscos a que o expõe ao afastamento de sua vida cotidiana, incertezas e limitações envolvidas4

Inicialmente, para os pacientes, a cirurgia cardíaca pode representar uma intervenção mágica a livrar-lhe do risco de infarto e morte, da dor e desconforto que a doença cardíaca lhe obrigou a conviver5. Contudo, logo em seguida encontram-se, geralmente, nesse período, a ansiedade, depressão, estresse, medo e outros sentimentos e emoções negativos que exigem do paciente a elaboração de estratégias de adaptação e enfrentamento5 6

A cirurgia cardíaca tem sido relacionada a altos índices de ansiedade no pré-operatório. O internamento por motivos cardiológicos, mesmo não cirúrgicos, já tem grande repercussão nos níveis de ansiedade. No pré-operatório de cirurgia geral, a presença de ansiedade e depressão, aferida pela Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS) foi estimado em 44,3% e 26,6%, respectivamente7. Em estudo no pré-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica, a presença de ansiedade e depressão investigada com a mesma escala apresentou-se em 34,4% e 28,1%, respectivamente, reforçando a importância do uso dessa escala na detecção precoce desses sintomas8.

Apesar de haver evidências de que a cirurgia cardíaca é um grande estressor e que repercute em níveis significativos de ansiedade e depressão pré-operatórias, é de suma importância compreender quais fatores que pioram ou aliviam o quadro e quais recursos, intrínsecos ou extrínsecos aos pacientes, pode o enfermeiro mobilizar nas suas intervenções4

Cabe ao enfermeiro desenvolver uma assistência que englobe os fatores de risco, mas para tal é necessário conhecer os fatores intervenientes. Além do sentido de buscar entender essas lacunas na relação terapêutica entre profissional e paciente, mais pesquisas devem ser realizadas com o intuito de fornecer evidências para o cuidado integral. Com a incorporação de novas evidências, fruto de pesquisas bem-delineadas, os protocolos assistenciais poderão ser reformulados considerando-se dimensões negligenciadas até então na atenção à saúde.

O presente estudo teve por objetivo avaliar os fatores de risco de ansiedade e depressão no período pré-operatório de cirurgia cardíaca.

MÉTODO

Trata-se de um estudo seccional, observacional, com abordagem quantitativa realizado nas enfermarias de coronariopatias, miocardiopatias e valvulopatias de um hospital universitário de referência em cardiologia Nordeste do Brasil, entre os meses de janeiro a abril de 2017.

Para delimitação da amostra foi realizado um cálculo através da equação de cálculo do tamanho amostral para médias, considerando que a variável-desfecho é quantitativa contínua. Para o cálculo, utilizou-se um erro α de 5%, que corresponde à diferença entre o valor estimado pela pesquisa e o verdadeiro valor; um nível de confiança de 95%, que é a probabilidade de que o erro amostral efetivo seja menor do que o erro amostral admitido pela pesquisa. O desvio-padrão adotado com referência foi encontrado em um estudo internacional que avaliou a ansiedade e a depressão, utilizando-se da mesma escala, em 142 pacientes que se submeteram a cirurgia cardíaca, dois dias antes do evento. O valor do desvio-padrão encontrado no referido estudo foi de 8,729. O erro máximo adotado foi de 1,5 ponto na média. Considerando a população finita de 200 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, em média, para um período de cinco meses de coleta, a amostra foi estimada em 130 pacientes. . Foi determinada uma meta de coletar, no entanto, 30% a mais (169 pacientes), considerando as possíveis perdas, sendo, ao final, coletados um total de 174 pacientes.

Com base na programação cirúrgica semanal divulgada pela equipe do bloco cirúrgico às sextas-feiras, a partir da segunda-feira, eram realizadas visitas às enfermarias para averiguar os pacientes que eram elegíveis à pesquisa e que tinham conhecimento pela equipe da indicação cirúrgica. Todos os pacientes haviam sido informados da indicação cirúrgica e da data prevista da cirurgia pela equipe. Foram incluídos pacientes internados em período pré-operatório de cirurgia cardíaca de revascularização miocárdica, troca ou plastia valvar, com concordância escrita e excluídos os que apresentassem: doença da aorta ou cardiopatia congênita, nível de consciência rebaixado, comunicação verbal prejudicada ou qualquer condição clínica ou psicológica que prejudiquem a entrevista ou a tornem desconfortável; uso prévio de anti-depressivo; diagnóstico médico prévio referido de transtornos de humor, de ansiedade ou qualquer outro transtorno psiquiátrico; recusa em qualquer etapa da entrevista.

Os dados foram coletados pelos pesquisadores utilizando-se um instrumento próprio contendo: um questionário elaborado para levantamento sócio-demográfico, como sexo, idade, procedência, renda, escolaridade, tipo de cirurgia, tempo de internamento, etc e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão.

A Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS) é composta por 14 questões, sendo sete para avaliar ansiedade e sete para depressão, sendo cada item pontuado numa escala de 0 a 3, num total de 21 pontos para cada escala. Será adotado o ponto de corte de: sem ansiedade ou depressão de 0 a 8, com ansiedade ou depressão > 9 em cada sub-escala, respectivamente(7-8). Essa escala tem sido utilizada por seu uso rápido e simples (em até dez minutos), por ter sido demonstrada sua validade e confiabilidade em vários estudos e por não conter avaliação de sintomas somáticos8).

O armazenamento dos dados primários deu-se através de planilhas do software Microsoft Excel 2013. Os dados foram analisados com recursos de estatística descritiva e inferencial, utilizando o softwareStatistical Package for the Social Sciences- SPSS 20.0. Através do teste de Normalidade Kolmogorov-Smirnov foram verificados que os desfechos avaliados apresentaram nenhuma distribuição normal (<p=0,05). Para avaliar o risco de ansiedade e depressão entre grupos dicotomizados pelas variáveis coletadas, calculou-se asOdds Ratio, que são apresentadas com o intervalo de confiança de 95% e p-valor, considerado nível de significância estatística do teste para p <0,05. A consistência interna dos itens das escalas foi avaliado pelo alfa de Cronbach. A fidedignidade da aplicação na amostra foi considerada alta, tanto para a subescala Ansiedade (alfa de Cronbach = 0,815), quanto para Depressão (alfa de Cronbach = 0,845), indicando sua boa representação da informação desejada

Os pacientes foram avaliados no período da tarde, antes do horário de visitação dos parentes, considerando que a rotina de visita das equipes de enfermagem e médica são realizadas pela manhã. A coleta de dados aconteceu em duas fases principais. Na primeira etapa os participantes do estudo foram informados quanto aos procedimentos e objetivos da pesquisa e convidados à participação mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Na segunda etapa foram realizadas as entrevistas e aplicado o instrumento de coleta.

As entrevistas foram realizadas à beira-do-leito, com anuência do enfermeiro responsável pelo setor no horário bem como dos acompanhantes, que foram orientados a não intervir em nenhuma resposta se permanecessem ao lado dos pacientes. Os pacientes foram abordados e convidados a participar da pesquisa, concordando por escrito após esclarecidos sobre os objetivos, risco e benefícios envolvidos. A pesquisa foi elaborada pautada nos preceitos da Resolução CNS nº436/12, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (Parecer nº1.915.220 / CAAE: 30622414.7.0000.5192).

RESULTADOS

A distribuição do sexo é bem equilibrada tendo 50,6% de homens e 49,4% de mulheres. A maioria dos pacientes (54,6%) era casado, católica (55,2%), e proveniente do interior (49,1%), casada ou com companheiro (54,6%). A média idade foi de 59,16±13,86 anos, sendo que 55,7% tinham acima de 60 anos. Maior parte da amostra afirmou-se sem atividade laboral (66,7%) tendo apenas um terço deles ativos no mercado de trabalho (33,3%). A renda média observada entre eles é de 1,31±0,96 salários-mínimos vigente no período (R$880,0), sendo que 70,7% declarou receber até 1 salário

Apenas um pouco mais de um quinto da amostra (22,5%) já foi submetida a uma cirurgia cardíaca prévia. Em 34,5% dos casos houve cancelamento da cirurgia e o número médio de cancelamentos observado é de 0,57± 0,98 (Tabela 1).

Em média os pacientes ficaram internados por 22,06±11,08 dias, sendo que 70,7% mais do que 15 dias; o período médio de pré-operatório igual a 20,95±29,78 com 56,9% dos pacientes em até 15 dias e 43,1% com período superior a 15 dias, conforme aTabela 2. Para a grande maioria dos pacientes houve um acompanhante (85,6%) e visita religiosa (65,5%), porém uma visita diária não foi observada tão frequentemente (25,3%). Apenas em 6,9% dos casos houve uma solicitação de visita religiosa.

Tabela 1. Dados da cirurgia e internamento pré-operatório. . Recife, Pernambuco, Brasil, 2017. 

*Md±dp: média±desvio-padrão

O valor médio encontrado para a ansiedade foi igual a 5,68±4,79, inferior ao ponto de corte (8 pontos) que classifica os pacientes como ansiosos, sendo que apenas 27,6% dos pacientes encaixam-se nessa classificação. Para a subescala depressão, os valores são ainda melhores, com média de escores de 3,99±4,40, tendo apenas 17,8% dos pacientes depressivos.

Não houve associação significativa entre características sócio-demográficas e a ansiedade no período pré-operatório, apenas na questão do gênero, as mulheres se mostraram mais ansiosas 3,46 vezes em relação aos homens (p<0,01), e a escolaridade maior que 5 anos estudo se mostrou como fator de proteção (OR:0,487; IC: 0,247-0,962; p=0,037) (Tabela 2).

Tabela 2. Fatores de risco para ansiedade relacionados à características sócio-demográficas no período pré-operatório de cirurgia cardíaca. . Recife, Pernambuco, Brasil, 2017. 

*odds ratio†intervalo de confiança (95%) ‡teste de qui-quadrado

Testando-se dados relacionados à cirurgia e dados do internamento como fatores de risco para ansiedade, de forma estatisticamente significativa, pode-se afirmar que o cancelamento da cirurgia aumenta em 1,96 vezes o risco de ansiedade e que a ausência de acompanhantes aumentava em 2,37 vezes (Tabela 3).

Tabela 3. Fatores de risco para ansiedade relacionados à cirurgia e internamento no período pré-operatório de cirurgia cardíaca. . Recife, Pernambuco, Brasil, 2017. 

*odds ratio†intervalo de confiança (95%) ‡teste de qui-quadrado

ATabela 4apresenta que, no tocante à depressão, o risco era aproximadamente três vezes maior entre as mulheres (p=0,008). Os outros aspectos sócio-demográficos não foram estatisticamente significativos como fatores de risco ou proteção para a presença de depressão (Tabela 4).

Tabela 4. Fatores de risco para depressão relacionados às características sócio-demográficas no período pré-operatório de cirurgia cardíaca. Recife, Pernambuco, Brasil, 2017. 

*odds ratio†intervalo de confiança (95%) ‡teste de qui-quadrado

Não houve diferença em relação a maioria dos dados da cirurgia ou do internamento para influenciar o risco de depressão entre os avaliados. O tempo de internamento maior que 15 dias aumentou em 7,6 vezes o risco de depressão (p=0,002) (Tabela 5).

Tabela 5. Fatores de risco relacionados à cirurgia e internamento para depressão no período pré-operatório de cirurgia cardíaca. . Recife, Pernambuco, Brasil, 2017. 

*odds ratio†intervalo de confiança (95%) ‡teste de qui-quadrado

DISCUSSÃO

Outros estudos com amostras similares encontraram frequências aproximadas de ansiedade e depressão8 9 10 11 12 13 14. Uma revisão sobre o tema apontou que as prevalências para ansiedade e depressão chegam a 41,5% e 28,3%, respectivamente4

Outras referências revelam que esses sintomas são relevantes no período pré-operatório e que podem durar por semana após a cirurgia, podendo interferir na recuperação e adaptação dos pacientes a nova realidade11 14 15. A associação da ansiedade com mortalidade pós-operatória chegou a ser referenciada em aumentos de até cinco vezes no risco12. Há referências de que estes transtornos de humor pré-operatórios refletem em maior incidência de ansiedade e depressão pós-operatória, e que a mesma resulta em maior mortalidade a longo prazo(11)(15)(16). Ainda acerca da repercussão pós-operatória, um outro seguimento com 1071 pacientes mostrou que a ansiedade pré-operatória, que perdura após à cirurgia, é preditora de dor torácica pós-operatória por dois anos17).

Um estudo espanhol recente obteve médias de ansiedade e depressão muito próximos aos encontrados com uma amostra de pacientes em pré-operatório de cirurgia cardíaca, de mesmo tamanho (n=100), aferidos com a mesma escala13).Ficou evidenciado nestaa pesquisa que a idade menor que 65 anos seria fator de risco para ansiedade pré-operatória, contudo, na amostra ora apresentada não houve diferença significativa em função da idade13. Esta publicação não encontrou diferenças entre gêneros, enquanto nossos achados revelaram o gênero feminino como fator de risco para ansiedade e depressão13, enquanto que na nossa amostra mulheres se mostraram mais ansiosas 3,46 vezes em relação aos homens, e risco aproximadamente três vezes maior para depressão (p<0,01; p=0,008), conforme asTabelas 2eTabela 4. Em consonância com os resultados apresentados, esta pesquisa apontou que o aumento na permanência hospitalar está associada a maiores escores de depressão e, ainda, que a ansiedade pre-operatória está relacionada a aumento da dor pós-operatória, apesar de não evidenciar relações com outros desfechos como tempo de ventilação mecânica, de permanência em unidade de terapia intensiva e óbito13

Outro estudo mostrou associação fraca entre a ansiedade estado no pré-operatório de cirurgia cardíaca com a idade (r=0,226; p<0,001), maiores valores entre as mulheres, correlação negativa com escolaridade (p<0,001) e escores maiores entre pacientes com companheiros que entre os sem (solteiros, viúvos e divorciados)(18). O gênero feminino foi associado de forma estatisticamente significativa a maiores escores de depressão em um estudo realizado com pacientes com doença cardíaca pós-intervenção percutânea19.

NaTabela 3, verifica-se que a escolaridade maior que 5 anos estudo se mostrou como fator de proteção (OR:0,487; IC: 0,247-0,962; p=0,037) para ansiedade. Uma coorte internacional revelou que pacientes com traço de ansiedade no pré-operatório e menores níveis de instrução formal apresentavam maior mortalidade a longo prazo, seguidos por dez anos, tanto quanto o EUROSCORE, que avalia o risco da cirurgia cardíaca através de variáveis clínicas20.

A presença de acompanhante mostrou-se como fator de proteção tanto para a ansiedade quanto para a depressão, sendo que a ausência de acompanhantes aumentava o risco de ansiedade em 2,37 vezes, conforme aTabela 3. Um estudo nacional comparou a variação da ansiedade em um grupo controle no período pré-operatório, um grupo acolhido por uma enfermeira treinada e um grupo que recebeu visita de familiares e verificou que a presença dos familiares no período foi responsável pela maior redução dos escores21

Em média os pacientes ficaram internados por 22,06±11,08 dias, sendo que 70,7% mais do que 15 dias; o período médio de pré-operatório igual a 20,95±29,78 com 56,9% dos pacientes em até 15 dias e 43,1% com período superior a 15 dias.

O tempo de internamento maior que 15 dias aumentou em 7,6 vezes o risco de depressão (p=0,002), conforme aTabela 5. O aumento dos sintomas depressivos também já foi evidenciado em outros estudos12 20 22. Apesar de avaliar uma pequena amostra e não considerar a depressão, um estudo apontou que o tempo curto de espera pela cirurgia, (aproximadamente 6 dias) também pode estar relacionado ao medo e ansiedade23

Apesar de não ter sido achado na literatura outra referência na cirurgia cardíaca que confrontasse os resultados do presente estudo, deve ser ressaltada a relevância de uma situação que ocorre comumente no sistema público de saúde: o cancelamento da cirurgia. Os pacientes que tiveram essa experiência apresentaram risco quase que o dobro (OR=1,96; p<0,05). As cirurgias podem ser canceladas por situações clínicas como infecções indesejadas a serem tratadas previamente, assim como por questões estruturais, incluindo falta de reserva de sangue, de material específico ou não para a cirurgia.

Estudos de abordagem qualitativa revelam que para os pacientes a ideação da doença é associada a uma situação limite e que a demora na realização da cirurgia pode resultar em maiores complicações ou até mesmo a morte3 22. Os sentimentos relacionados ao período pré-operatório de cirurgia cardíaca envolvem a ansiedade da espera, o medo da cirurgia e a expectativa de futuro após a cirurgia, religiosidade e introspecção(22). A cirurgia também pode ser compreendida nos seus aspectos potencializadores de os indivíduos reorganizarem suas vidas e suas relações22.

Ainda no campo da abordagem qualitativa, uma pesquisa investigando as estratégias que os pacientes se utilizam para lidar não apenas com a ansiedade e a depressão às vésperas da cirurgia cardíaca, mas com toda a repercussão psicoemocional do evento para o individuo, reconheceu que este enfrentamento baseia-se na presença e no apoio da família, na qualidade das relações interfamiliares, na utilização de recursos espirituais e na participação em programa de reabilitação que, além do condicionamento físico, possibilitam a interação social24. Outras referências encontraram que o principal suporte para o enfrentamento da cirurgia cardíaca foi a espiritualidade e que a presença da crença em deus é considerada como fator importante para esse enfrentamento3 25. A ansiedade pré-operatória, por sua vez, teve, em outra amostra, associação significativa e negativa com a esperança, e positiva com comportamento de evitação e de raiva e com coping religioso negativo26.

Por fim, um estudo nacional concluiu que a cirurgia cardíaca, apesar de ser considerada um grande estressor e trazer grande impacto na vida dos pacientes, na amostra estudada, teve papel fundamental na melhora da qualidade de vida, depressão e ansiedade dos sujeitos em todos os aspectos avaliados, corroborando com o valor positivo da cirurgia além do aspecto clínico27.

Os enfermeiros devem estar atentos a ansiedade e depressão no período pré-operatório, incluindo os diagnósticos e intervenções de enfermagem na sistematização da assistência prestada, devendo atentar também para a possível relação com o déficit de conhecimento da doença ou do procedimento1 3.

Recente revisão sistemática aponta que a educação pré-operatória oferecida ou coordenada pelo enfermeiro tem efeito na ansiedade pré-operatória e em melhorar a recuperação física ou psicológica, devendo ser ainda explorada a relação com a redução da dor e da permanência no hospital visto que a análise dos estudos não foi conclusiva quanto a estes aspectos28.

A falha no estabelecimento de relações terapêuticas com os profissionais leva a falta de orientação quanto à cirurgia e à ausência de apoio, por parte da equipe de saúde, causando a permanência dos pacientes em estado ansioso e deprimido durante toda a internação. A presença de informações sobre a cirurgia, ao contrário, contribui para a redução dos níveis de ansiedade29.

O presente estudo teve por limitação a questão de os achados, apesar de confrontados com a literatura e encontrados em outras pesquisas, refletirem a realidade de apenas um serviço. Em outros ambientes hospitalares e outras rotinas de assistência pré-operatória interdisciplinar os resultados podem ser diferente. Além disso, não foram consideradas relações com a qualidade de vida com a ansiedade traço da personalidade e com sintomas cardiovasculares prévios, visto que a literatura tem mostrado que tais fatores tem influência principalmente na ansiedade às vésperas da cirurgia cardíaca, tampouco foram considerados escores preditivos de risco para a cirurgia, como o EuroSCORE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aos principais fatores de risco para ansiedade e depressão encontrados devem ser dada atenção especial mulheres, pacientes sem acompanhantes, aos que já passaram por cirurgias anteriores, aos que passam mais tempo de internamento e por cancelamentos do agendamento da cirurgia

Destacamos dois fatores que podem ser considerados modificáveis: tempo de internamento e cancelamento da cirurgia. Torna-se um desafio dinamizar o serviço de forma a evitar prolongamentos do internamento e cancelamentos de cirurgia por questões estruturais. Identificar o motivo dos cancelamentos para esses pacientes, assim como o motivo da demora na realização da cirurgia deve ser alvo de novas pesquisas e, além disso, profissionais e gestores em saúde devem evitar que tais eventos ocorram.

As instituições que atendem o paciente no período perioperatório de cirurgia cardíaca devem favorecer e incentivar estratégias de ação preventivas dos transtornos de humor, em particular nos momentos que antecedem a cirurgia.

O enfermeiro tem instrumentos disponíveis para reconhecer a ansiedade e a depressão, incluindo os diagnósticos de enfermagem e as escalas validadas, assim como tem papel preponderante na atuação nestes casos. Deve o enfermeiro articular com a equipe multiprofissional de forma a elaborar a melhor abordagem para o paciente.

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Recebido: 18 de Fevereiro de 2018; Aceito: 02 de Junho de 2018

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