Introdução
A hipertensão arterial (HA) é considerada um problema de saúde pública, atingindo 25% da população adulta e ultrapassando os 50% em idosos1. Ainda que predomine na população adulta e idosa, sua prevalência em crianças e adolescentes já é representativa2-4 e apresenta altas taxas que chegam a 12%5. Estudos têm demonstrado associação entre indicadores antropométricos, excesso de gordura, aptidão cardiorrespiratória e sedentarismo com HA em crianças e adolescentes4-7.
Dentre os indicadores antropométricos para a avaliação da obesidade e sobrepeso em crianças, tanto a localização quanto a quantidade de gordura estão associadas com HA8,9. As medidas da circunferência da cintura (CC) e a relação cintura/quadril (RCQ) são indicadores mais utilizados na mensuração da gordura distribuída na região central do corpo, porém, nos últimos anos, novos indicadores foram propostos para esta finalidade, como o índice de conicidade (IC) validado em homens adultos e a relação cintura/estatura (RCEst)2, que parece estimar com mais especificidade a quantidade de gordura na região central, além de apresentar forte e positiva correlação com a HA8.
Neste sentido, a RCEst tem sido utilizada de forma eficiente em estudos populacionais de diferentes faixas etárias, uma vez que se baseia no pressuposto de que para determinada estatura existe um grau aceitável de gordura armazenada na porção central do corpo10,11. Existem evidências de que a RCEst está associada com os fatores de risco cardiovasculares, inclusive com pontos de corte capazes de predizer o risco em diferentes populações12,13.
Outro indicador antropométrico que representa de maneira mais específica a gordura localizada na região central é o IC, uma vez que seus valores são determinados com base nas medidas de peso, estatura e CC, e apesar de ter sido inicialmente validado para homens adultos, também tem apresentado associação com fatores de risco cardiovascular em crianças5. Seu pressuposto teórico está baseado na ideia de que pessoas que acumulam gordura na região central do tronco apresentam forma parecida com um duplo cone, ou seja, 2 cones com uma base comum, dispostos um sobre o outro, enquanto aquelas com menor quantidade de gordura na região central teriam a aparência de um cilindro. Pitanga e Lessa12 demonstraram que o IC é o indicador de obesidade central que melhor discrimina o elevado risco coronariano em pessoas do sexo masculino.
Adicionalmente, o nível de atividade física (NAF) e/ou a aptidão cardiorrespiratória está associado com a presença da síndrome metabólica14 e com valores alterados de pressão arterial (PA) em crianças e adolescentes, particularmente com a incidência de HA nesta faixa etária15,16. Estudos epidemiológicos indicam que o sedentarismo, bem como os baixos níveis de aptidão cardiorrespiratória, está entre as principais variáveis que apresentam associação com a PA elevada e a HA em crianças17,18. Burgos et al.18 demonstraram que ocorre uma relação inversa entre os níveis de aptidão cardiorrespiratória e os valores de PA, e, de acordo com Santos et al.17, um estilo de vida ativo com NAF mais elevado pode agir de maneira protetora contra a HA, preservando a saúde das crianças e adolescentes por meio de práticas saudáveis.
Embora a prevalência da HA em crianças e adolescentes seja baixa, evidências substanciais da genética e estudos epidemiológicos confirmam que as raízes da HA e sua trajetória final são definidas na primeira e segunda décadas de vida, uma vez que é nessa fase que os hábitos e costumes que serão praticados na vida adulta são adquiridos, sendo importante a sua identificação o quanto antes. Diante do exposto, e da carência de estudos envolvendo essa temática com amostra representativa na cidade de Teresina, o presente estudo tem como objetivo verificar a associação dos indicadores de obesidade central, NAF e aptidão cardiorrespiratória sobre a PA de escolares.
Método
Estudo epidemiológico, de corte transversal, com base populacional, no qual a amostra foi obtida de forma randomizada e aleatória, adotando‐se um intervalo de confiança de 95% para escolas públicas da rede municipal de Teresina, Piauí, Brasil. A amostra foi composta por 610 escolares, sendo 306 meninos e 304 meninas.
O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi assinado pelos pais ou responsáveis de cada participante. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/FACIDE) sob o n.° 088/2010.
Foram adotados como critérios de inclusão amostral: estar na idade de interesse do estudo; estar matriculado numa das escolas selecionadas; aceitar fazer parte do estudo; estar presente no dia marcado para a realização dos testes; ter a autorização dos pais e não apresentar qualquer problema osteomuscular que comprometesse a realização dos testes.
A CC foi mensurada no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca, utilizando‐se uma fita antropométrica flexível da marca Sanny (SANY, Brasil), com escala de 0.1 centímetros. A presença de obesidade central foi identificada quando o indivíduo apresentava CC maior que o percentil 75 para a sua idade e sexo.
A PA foi mensurada pelo método oscilométrico, com aparelho automático marca Omron, modelo 742INT (Omron Healthcare, China). A PA foi aferida com o avaliado em repouso, na posição sentada, braço apoiado e na altura do coração. As medidas de Pressão Arterial Sistólica (PAS) e Pressão Arterial Diastólica (PAD) foram utilizadas para o cálculo da pressão arterial média (PAM) da fórmula: PAM = PAD + (PAS ‐ PAD)/3.
Foram definidos como hipertensos aqueles voluntários que apresentaram valores médios de PAS e PAD superior ao percentil 95, levando em consideração sexo, idade e estatura.
O IC foi determinado por meio das medidas de CC e da estatura (ES), expressas em metros, e da MC, expresso em quilogramas sendo calculado por meio da seguinte equação matemática: IC = CC/0.109 √ (MC/ES). A razão cintura/estatura foi calculada pela divisão da CC pela ES.
O NAF dos alunos foi mensurado por meio do Questionário modificado de Estilo de Vida19. O instrumento permite levantar informações sobre aspectos demográficos (sexo e idade) e percepção de NAF, por meio de informações retrospectivas de autorrecordação. Para o cálculo, foi considerado o tipo de atividade física, intensidade do esforço físico (leve, moderado, vigoroso) e a frequência semanal. Para conversão das informações obtidas na atividade física em valores estimados de dispêndio energético, recorreu‐se ao compêndio das atividades físicas proposto por Ainsworth et al.20, que fornece informações sobre o gasto energético, em unidades do equivalente metabólico de trabalho (MET) para cada atividade especifica. Estabeleceram‐se pontos de corte por meio do escore geral obtido da soma total das atividades físicas, usando a classificação de quartis: fisicamente inativos, os escolares com escore abaixo do percentil 25; insuficientemente ativos, os com percentil entre 25‐50; moderadamente ativos, os com percentil entre 50‐75; e ativos, os com valores acima do percentil 75.
Para determinação da aptidão cardiorrespiratória foi aplicado o 20 metros Shuttle Run Test. Esse teste é realizado por meio de corridas progressivas de idas e voltas numa distância de 20 metros, delimitada por 2 cones em cada ponto. O ritmo é cadenciado por um CD gravado especialmente para este fim, que emite um sinal de «bip» que indica a velocidade a ser percorrida em cada estágio. A velocidade inicial do teste é de 8.5 km/h e os incrementos de 0.5 km/h a cada minuto, até à exaustão voluntária.
O consumo de oxigênio máximo (VO2máx) é calculado a partir do último estágio atingido pelo avaliado, utilizando‐se a equação y = 31.025 + 3.238 X-3.248 A + 0.1536 AX, onde: y = VO2 em ml/kg/min; X = velocidade em km/h (no último estágio atingido); A = idade em anos. Essa fórmula é válida para crianças e adolescentes na faixa etária de 6‐18 anos21.
Análise estatística
O tamanho da amostra foi estimado com base no método de cálculo «a priori», utilizando PAS e PAD como variáveis dependentes. Após o desenvolvimento de um estudo piloto, estimou‐se um tamanho de efeito de 0.93 e 0.95 para a PAS e PAD, respectivamente. Portanto, com um alfa de 0.05 e um poder de 0.80 para um teste bicaudal, uma amostra de, pelo menos, 300 participantes por grupo de ativos e sedentários seria necessária para detectar uma diferença significativa entre os grupos de tratamento.
Inicialmente, foi verificada a normalidade dos dados após as estratificações dos grupos, utilizando‐se o teste de Shapiro‐Wilk, quando o grupo estratificado foi até 50 indivíduos, e Kolmogorov‐Smirnov, quando o grupo foi superior a 50 indivíduos.
Foram utilizadas a estatística descritiva e medidas de frequência para verificar a prevalência da HA, NAF e classificação nutricional. Para os dados contínuos, usaram‐se os valores de média e desvio padrão. Foi utilizado o teste qui‐quadrado (χ2) para analisar as proporções entre os diferentes grupos.
Foi usado o test t de Student para amostras independentes, para comparar as diferenças antropométricas, hemodinâmicas e de aptidão cardiorrespiratória, de acordo com o NAF e com a classificação nutricional. Para a análise dos pontos de coorte dos indicadores antropométricos e de aptidão cardiorrespiratória estudados que pudessem identificar a HA, foi adotada a técnica das curvas receiver operating characteristic (ROC). O critério utilizado para aceitação de ponto de coorte válido foi apresentar valores de sensibilidade e especificidade mais próximos entre si e não inferiores a 60%4.
Os modelos de regressão logística bivariada e multivariada foram utilizados para o cálculo do odds ratio (OR), e foram realizados os ajustes para variáveis antropométricas e de performance. Foi adotado o valor de p ≤ 0.05 para apontar as diferenças estatisticamente significantes. Para a análise estatística, foi utilizado o SPSS para Windows, versão 18.0, e o programa Statatm, versão 9.1.
Resultados
A tabela 1 apresenta os dados de PA, aptidão cardiorrespiratória e antropométrica de acordo com a classificação nutricional, estratificado em peso normal e baixo peso versus sobrepeso e obesidade.
Variáveis | Peso normal e baixo peso (n = 512) | Sobrepeso e obesidade (n = 98) |
---|---|---|
PAS (mmHg) | 102 ± 11* | 112 ± 12 |
PAD (mmHg) | 58 ± 7* | 65 ± 7 |
PAM (mmHg) | 73 ± 8* | 81 ± 8 |
VO2máx (ml/kg/min) | 38 ± 15 | 38 ± 12 |
NAF (kcal/sem) | 677 ± 291 | 660 ± 306 |
CC (cm) | 60 ± 5* | 76 ± 9 |
MC (kg) | 28 ± 17* | 45 ± 19 |
IMC (kg/m2) | 16 ± 1.8* | 23 ± 3 |
ES (cm) | 144 ± 10* | 148 ± 9 |
IC | 1.15 ± 0.6* | 1.19 ± 0.7 |
RCEst (cm) | 0.42 ± 0.03* | 0.51 ± 0.05 |
Prevalência HA | 4.3%* | 20,4% |
PAS: Pressão Arterial Sistólica; PAD: Pressão Arterial Diastólica, PAM: Pressão Arterial Media; VO2máx: consumo de oxigênio máximo; NAF: nível de atividade física, CC: circunferência da cintura; MC: massa corporal; IMC: índice de massa corporal; ES: estatura; IC: índice de conicidade; RCEst: relação cintura/ estatura; HA: hipertensão arterial.
* Diferença significativa, p < 0.05.
Os valores médios de PAS, PAD e PAM (p = 0.001), e os valores percentuais de prevalência de HA (p = 0.001) foram menores no grupo de eutróficos (peso normal e baixo peso), quando comparado com o grupo de sobrepesados e obesos. Já aptidão cardiorrespiratória e NAF não apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
A tabela 2 apresenta os dados de PA, aptidão cardiorrespiratória e antropométricos de acordo com a classificação por NAF, estratificado em sedentários e insuficientemente ativos versus moderadamente ativos e ativos.
Variáveis | Sedentários e insuficientemente ativos (n = 309) | Moderadamente ativos e ativos (n = 301) |
---|---|---|
PAS (mmHg) | 104 ± 12 | 103 ± 11 |
PAD (mmHg) | 60 ± 7 | 59 ± 8 |
PAM (mmHg) | 74 ± 8 | 73 ± 8 |
VO2máx (ml/kg/min) | 37 ± 15 | 39 ± 15 |
NAF (kcal/sem) | 440 ± 143* | 914 ± 200 |
CC (cm) | 63 ± 8 | 62 ± 9 |
MC (kg) | 30 ± 16 | 31 ± 20 |
IMC (kg/m2) | 17 ± 33 | 17 ± 32 |
ES (cm) | 145 ± 10 | 144 ± 10 |
IC | 1.16 ± 0.05 | 1.16 ± 0.08 |
RCEst (cm) | 44 ± 5 | 43 ± 5 |
Prevalência de HA | 7.1% | 6.6% |
PAS: Pressão Arterial Sistólica; PAD: Pressão Arterial Diastólica, PAM: Pressão Arterial Media; VO2máx: consumo de oxigênio máximo; NAF: nível de atividade física, CC: circunferência da cintura; MC: massa corporal; IMC: índice de massa corporal; ES: estatura; IC: índice de conicidade; RCEst: relação cintura/ estatura; HA: hipertensão arterial.
* p < 0.05.
As variáveis hemodinâmicas, antropométricas e o VO2máx não diferiram entre os grupos formados por sedentários e insuficientemente ativos versus moderadamente ativos e ativos.
A tabela 3 apresenta o OR das variáveis antropométricas, VO2máx e NAF para a HA para o grupo todo e para o grupo de meninas e meninos, separadamente.
HA - total (n = 610) | HA - meninos (n = 306) | HA - meninas (n = 304) | |
---|---|---|---|
Obesidade | 5.2 (2.4‐11.6)* | 5.5 (1.7‐18.1)* | 5.4 (1.9‐15.1)* |
Obesidade e sobrepeso | 5.7 (2.9‐10.5)* | 7.8 (2.8‐21.9)* | 4.6 (2.1‐10.5)* |
Sedentarismo | 1.07 (0.53‐2.19) | 0.7 (0.19‐2.21) | 1.5 (0.6‐3.5) |
Sedentários e insuficientemente ativos | 1.07 (0.57‐2.01) | 1.5 (0.5‐4.1) | 0.9 (0.4‐1.9) |
Mulher | 1.86 (0.97‐3.6) | ‐ | ‐ |
Cintura > P90 | 6.82 (3.4‐13.6)* | 12.6 (4.4‐36.6)* | 4.7 (1.9‐11.7)* |
IC > P90 | 2.75 (1.28‐5.88) * | 5.4 (1.9‐15.5) * | 1.7 (0.6‐5.1) |
RCEst > P90 | 6.5 (3.3‐12.9) * | 8.5 (2.9‐24.4) * | 5.8 (2.4‐14.3)* |
VO2máx > P90 | 0.4 (0.09‐1.7) | 1 | 1 |
NAF > P90 | 0.94 (0.3‐2.7) | 0.6 (0.1‐3.7) | 1.2 (0.4‐4.1) |
IC: índice de conicidade; RCEst: relação cintura/ estatura; VO2máx: consumo de oxigênio máximo; NAF: nível de atividade física.
*P < 0.05.
Inicialmente, o sexo foi testado como modificador de efeito; contudo, apesar de não apresentar capacidade para mudança do efeito, optou‐se por analisar o grupo total e por extratos masculino e feminino, devido a grande alteração de razão de chance quando comparado os 2 estratos, particularmente em relação a obesidade e sobrepeso, na CC da cintura, na RCEst e no IC.
Os dados mostram que os escolares classificados como obesos apresentam 5 vezes mais chances de ser hipertensos. As variáveis representativas da obesidade central (CC, RCEst e IC) apresentaram razão de chance de 6.82, 6.5 e 2.75 vezes mais chances, respectivamente, de apresentar HA para o grupo todo. Pode‐se observar nestas variáveis que, quando analisados separadamente entre meninos e meninas, os marcadores de obesidade central apresentam maior risco nos meninos. Por outro lado, o VO2máx e o NAF não apresentaram risco, nem proteção para a HA.
A figura 1 mostra as curvas ROC para as variáveis antropométricas e de aptidão cardiorrespiratória, e sua habilidade para predizer a HA.
A RCEst foi a única variável que, de acordo com os critérios estatísticos adotados, mostrou ser válida, uma vez que as demais variáveis apresentaram limite inferior do intervalo de confiança menor que 0.50, e/ou valores de sensibilidade e especificidade menores que 60%.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo verificar a associação dos indicadores de obesidade central, NAF e aptidão cardiorrespiratória sobre a PA de escolares. Nesse sentido, nossos resultados demonstraram que a RCEst foi a única variável com capacidade preditiva para a HA na amostra do presente estudo, de acordo com os critérios estabelecidos, apresentando ainda a partir da regressão logística, razão de chances de 6.5 para a amostra total, de 8.5 para os meninos e 5.8 para as meninas de apresentarem HA; ou seja, meninos e meninas com RCEst acima do percentil 90 apresentam 6.5 e 8.5 vezes mais chances de apresentarem HA, respectivamente. Tais resultados contradizem o estudo de Moser et al.22 realizado em escolares de Curitiba, no qual não houve associação entre a RCEst e a HA. Contudo, corrobora os achados de Beck et al.23, nos quais foram encontrados valores nas áreas sob a curva ROC de 0.77 para moças e 0.93 rapazes, demonstrando que a RCEst apresenta boa capacidade preditiva para a HA. Adicionalmente, este mesmo estudo mostrou que os indicadores IC e CC foram bons preditores da HA.
No presente estudo, a CC apresentou associação positiva com a HA; porém, os valores de OR demonstraram que a razão de chances dos adolescentes apresentarem HA foi maior para o sexo masculino, com 12.6 mais chances, contra 4.7 do sexo feminino, corroborando com Stabelini Neto et al.24, que encontraram razões de chance de 5.9 para os meninos, contra 2.5 das meninas apresentarem HA. A despeito dessa diferença entre os sexos, pode estar havendo interferência da estatura.
Entre os estudos realizados nos últimos anos relacionados ao tema do presente estudo, parece haver uma maior tendência a favor de variáveis representativas do acúmulo de gordura na região central do corpo em apresentarem maior associação com a HA8,25, o que valoriza os indicadores antropométricos CC, IC e RCEst. Variáveis como a IC e a RCEst, que pressupõem que para determinada estatura existe um grau aceitável de gordura armazenada na região central do corpo, ganham maior evidência e apresentam forte correlação com os fatores de riscos cardiovasculares, entre eles a HA8,23, inclusive se apresentando como um indicador simples e efetivo para ser usado tanto em adultos, quanto em crianças.
Apesar da associação entre HA e obesidade, especialmente a obesidade central, estar bem estabelecida, os mecanismos fisiológicos que explicam a sua patogênese ainda não estão completamente esclarecidos. Todavia, vários mecanismos têm sido propostos, como a hipervolemia, levando ao aumento do débito cardíaco e redução da resistência vascular periférica; maior estimulação do sistema renina‐angiotensina‐aldosterona; aumento na resistência à insulina e a composição dos lipídios circulantes26. Adicionalmente, Suplicy et al. afirmam que as células adiposas são verdadeiros órgãos dotados de intensa atividade endócrina e metabólica, e, num estudo de revisão bibliográfica, apresentam a participação do tecido adiposo visceral na gênese da hipertensão e doença cardiovascular aterogênica, apresentando outros mecanismos que podem explicar a associação entre a obesidade central e a HA. Destaque para a expressão da leptina e a participação ativa do tecido adiposo no controle do dispêndio energético e do apetite, através de seus efeitos sobre o sistema nervoso simpático e função cardiovascular; aumento da liberação do inibidor do ativador de plasminogênio 1 (PAI‐1); elevação do angiotensinogênio que apresenta seus níveis séricos elevados na obesidade devido à sua maior síntese pelos adipócitos, o que geraria mais angiotensina II e elevação da PA, seja pelos efeitos diretos do peptídeo sobre o rim, ou pela ativação simpática; aumento da secreção de citocinas atuantes em mecanismos responsáveis pela sensibilidade à insulina, como é o caso do fator de necrose tumoral alfa (TNF‐α) e moléculas de sinalização, recentemente identificadas, como a resistina e a adipsina - proteína estimuladora da acilação (acylation stimulating protein [ASP]) (27.
O NAF e o VO2máx não apresentaram associação e capacidade preditiva com a HA no presente estudo, o que corrobora outro estudo28. Por outro lado, outros estudos18,24 revelam correlação positiva e significativa entre a quantidade de escolares classificados como normotensos e o NAF, ao mesmo tempo em que se observa aumento de crianças classificadas como limítrofes e hipertensas à medida que piora o NAF. Todavia, os motivos pelos quais uma possível associação entre PA e capacidade cardiorrespiratória em adolescentes ainda não está clara, e possíveis divergências encontradas na literatura podem estar relacionadas a questões metodológicas28.
É importante que mais estudos nesta área sejam realizados, preferencialmente estudos longitudinais, uma vez que existe uma lacuna na literatura em relação a entender a associação entre as variáveis estudadas no presente estudo e a PA em estudos longitudinais; uma vez que políticas de saúde e de acompanhamento poderão ser implementadas, a fim de melhorar e evitar problemas de saúde que apresentam a sua origem na infância. Todavia, apesar de não termos conhecimento de estudos desta natureza na literatura realizados em Teresina, podemos ter uma estimativa desse contexto ao analisarmos os resultados do estudo de Martins et al.29, que avaliou o estado nutricional, o NAF e os níveis de PA de estudantes da Universidade Federal do Piauí, em Teresina, e encontrou prevalência de PA aumentada em 9.7% dos universitários, além do sedentarismo em 52% da amostra. Ademais, perceberam a PAM se correlacionando significativamente com o IMC e CC.
Uma limitação do presente estudo foi a não mensuração da maturação sexual, uma vez que, apesar dos estudantes se apresentarem dentro de uma faixa etária com idades semelhantes, diferentes estágios púberes poderiam ter sido encontrados, o que poderia alterar os resultados, caso as análises fossem realizadas de acordo com o estágio de maturação sexual.
Em conclusão, os dados do presente estudo mostram que crianças que apresentam obesidade, e em especial a obesidade central, apresentam maiores razões de chances de ser hipertensos e com maior risco para os meninos. Os valores de PA sistólica, diastólica e média, bem como os valores percentuais de prevalência de HA, foram menores no grupo de eutróficos. Destacando ainda que a RCEst foi a única variável que, de acordo com os critérios estatísticos adotados, mostrou ser válida para predizer a HA nos sujeitos desse estudo.