Senhor Diretor:
Em Portugal, 37% da população adulta reportou sofrer de dor crónica, provocando além das limitações físicas, problemas psicológicos e sociais que afetam tanto a vida pessoal como profissional1. Em muitos tipos de dor crónica, os fármacos opioides mostram-se como as únicas soluções capazes de proporcionar alívio de dor e consequentemente aumento da qualidade de vida. A terapêutica da dor recorrendo a fármacos opioides é apenas considerada quando todas as abordagens terapêuticas não opioides e adjuvantes falharam2.
Em situações de dor crónica, principalmente em casos de dor oncológica, o doente pode experimentar exacerbações transitórias de dor, que ocorrem apesar de uma terapêutica basal analgésica. Normalmente o início é súbito e de curta duração e torna-se especialmente difícil de tratar. Estes doentes são tratados com um opioide de longa ação para alívio da dor persistente, e têm sempre disponível um opioide de resgate, de rápido início de ação, para estes episódios3. NaTabela 1 encontram-se resumidos os fármacos opioides comercializados em Portugal aprovados para gestão de dor crónica e respetivas formulações de longa ação e terapêutica de resgate.
LC: comprimido/cápsula; CB: comprimido bucal; CE: comprimido efervescente; CLP: comprimido/cápsula libertação prolongada; COD: comprimido orodispersível; N: solução nasal; R: supositório; SO: solução oral; ST: sistema transdérmico.
Os opioides ligam-se a recetores específicos acoplados à proteína G envolvidos na transmissão e modulação da dor, designados classicamente em recetores µ, κ e δ. Os seus efeitos terapêuticos e secundários estão diretamente relacionados com os recetores que estimulam. A maioria dos opioides analgésicos clinicamente relevantes são agonistas dos recetores µ no sistema nervoso central5. O tapentadol e o tramadol, além da ação agonista no recetor µ, também produzem analgesia por um mecanismo que inibe a recaptação de noradrenalina, permitindo maior potência analgésica e maior espectro de ação4.
Os efeitos secundários dos fármacos opioides são comuns a todos ou quase todos os fármacos e são dependentes da dose. Os mais comuns incluem confusão, sonolência, alucinações, pesadelos, boca seca, hipogonadismo, supressão da tosse, obstipação, náuseas e vómitos. Prurido, sudorese, hiperalgesia induzida por opioides, mioclonia e delírios são efeitos secundários menos comuns. A depressão respiratória é um efeito secundário grave, mas é raro se os opioides forem cuidadosamente titulados de acordo com a resposta do doente. Foi também associada a terapêutica opioide a efeitos secundários no sistema imunitário, assim como a função cognitiva. A gestão dos efeitos secundários deve ser feita com efeito preventivo, não só pelo ajuste terapêutico gradual permitindo recorrer sempre à mínima dose eficaz, como pela coadministração de fármacos que permitam minimizar alguns efeitos secundários6.
A tolerância e a dependência são dois efeitos secundários fundamentais de gerir em tratamento com fármacos opioides. A tolerância inicia-se na primeira administração de opioide, e é minimizada com a administração de doses baixas em intervalos de tempo maiores7. Para evitar a dependência física, a administração de opioides não deve ser parada abruptamente quando tomados consecutivamente há duas ou mais semanas, mesmo se a dor já foi suprimida8. Os sinais e sintomas de dependência física incluem rinorreia, lacrimejo, arrepios, hiperventilação, hipertermia, midríase, dores musculares, vómitos, diarreia, ansiedade e hostilidade. A administração de um opioide suprime os sintomas e sinais de abstinência imediatamente7.
Apesar de haver pouca diferença nos efeitos terapêuticos e secundários de doses equianalgésicas entre diferentes opioides, a experiência clínica reporta que alguns doentes respondem favoravelmente a determinados opioides sendo intolerantes a outros, provavelmente devido à variabilidade interindividual existente. Existem dados clínicos que suportam que a mudança de um opioide para outro resulta em aumento dos efeitos terapêuticos ou diminuição dos efeitos secundários em mais de 50% dos doentes6.
A rotação opioide consiste na alteração do fármaco utilizado ou da via de administração e é útil em situações de inadequado controlo de dor, efeitos secundários limitantes ou alterações no estado clínico do doente que limitem a via de administração disponível. Na prática clínica existem escalas equianalgésicas disponíveis tanto em tabelas impressas como em aplicações de internet ou software específico9, servindo apenas como guia para ajustar a dose equianalgésica entre dois analgésicos opioides. A Morfina é considerada o opioide analgésico tipo e é usado na escala analgésica como termo de comparação com todos os outros fármacos opioides5.
Quando devidamente utilizados, os fármacos opioides são seguros e permitem aumentar a qualidade de vida do utente com dor crónica. Apesar dos vários efeitos secundários e potencial de dependência, nenhum analgésico se mostrou suficientemente forte para substituir estes fármacos6.