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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.21 no.65 Murcia Jan. 2022  Epub 28-Mar-2022

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.477281 

Originais

Índices de vulnerabilidade social e programático para idosos que vivem no domicilio

Alisson Fernandes Bolina1  , Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues2  , Darlene Mara dos Santos Tavares3  , Vanderlei José Haas3 

1 Universidad de Brasília - Campus Darcy Ribeiro.Brasília, DF, Brasil. alissonobolina@unb.br

2 Escuela de Enfermería de Ribeirão Preto, Universidad de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil.

3 Universidad Federal do Triângulo Mineiro. Uberaba, MG, Brasil.

RESUMO:

Objetivos:

Construir os Índices de Vulnerabilidade Social e de Vulnerabilidade Programática para idosos que vivem no domicílio e verificar a associação entre os componentes da vulnerabilidade (individual, social e programática).

Métodos:

Trata-se de um estudo de base populacional do tipo inquérito domiciliar e transversal conduzido com 701 idosos comunitários. Realizou-se análise espacial exploratório, descritiva e bivariada (p≤ 0,05) e de Componentes Principais.

Resultados:

Através dos índices, verificou-se que os setores censitários periféricos apresentaram níveis de vulnerabilidade social muito elevados e que as principais variáveis representativas do componente programático foram - acesso ao dentista pelo SUS, à medicamentos e procura do mesmo local de atendimento. Constatou-se que apenas 3,9% dos idosos não apresentavam nenhuma condição de vulnerabilidade (individual, social e programático).

Conclusão:

Os idosos estão expostos as múltiplas condições de vulnerabilidade; sendo os Índices de Vulnerabilidade Social e Programática importantes ferramentas de tomada de decisão pelos gestores.

Palavras chave: Idoso; Idoso Fragilizado; Populações vulneráveis; Indicadores básicos de saúde; Enfermagem

INTRODUÇÃO

A vulnerabilidade é empregada para designar as suscetibilidades do idoso a problemas e danos de saúde, aumentando o de mortalidade1. Contudo, alguns experts da área compreendem que a vulnerabilidade no idoso é “mais do que o impacto de danos físico, emocional e mental, é resultado da construção social e do contexto histórico”2.

Para a operacionalização do conceito de vulnerabilidade adotado neste estudo3, considerou-se a vulnerabilidade individual como sendo o risco biofisiológico para o desenvolvimento de agravos à saúde4); a social a condições ambientais e sociais adversas que determinam situações de risco à saúde5; e a programática, que diz respeito ao acesso e utilização dos recursos de saúde por parte dos idosos3.

Sob tais definições, o processo de envelhecimento aumenta a vulnerabilidade biológica a eventos adversos4,6. Sabe-se, também, que as condições sociais desfavoráveis e o acesso restrito aos serviços de saúde podem agravar essa condição.7 Apesar da concepção multidimensional da vulnerabilidade, um corpo crescente de estudos na geriatria e gerontologia tem focado em associar à fragilidade física com as condições adversas de saúde8.

A concepção mais aceita da fragilidade no Brasil e no mundo é comumente relacionada em termos de vulnerabilidade individual biofisiológica, que inclui uma maior suscetibilidade individual para o desenvolvimento de desfechos adversos de saúde.6 Entretanto, cada vez mais os experts da área têm reconhecido a importância de considerar a concepção numa perspectiva integral8.

Embora exista uma interrelação entre os conceitos, a vulnerabilidade vai além dos aspectos biológicos, pois também engloba as questões sociais e contextuais a que estão expostos os idosos no decorrer do envelhecimento2. Portanto, a idéia subjacente ao conceito de vulnerabilidade requer não simplesmente responsabilizar o indivíduo por sua condição de saúde, mas, sobretudo, incorporar planos coletivos e sociais3.

Considerando que a avaliação programática é um dos componentes do conceito de vulnerabilidade adotado, na literatura científica não se identificou um instrumento que avaliasse esse componente; assim, desenvolveu-se, no presente estudo, um Índice de Vulnerabilidade Programática relacionado ao uso e acesso do idoso aos serviços de saúde. Destaca-se que os índices são variáveis que possibilitam fornecer um retrato de um objeto de avaliação, a fim de auxiliar a tomada de decisão pelos gestores de saúde9.

Em relação ao idoso, a literatura nacional traz sinais de iniquidade social e de acesso aos recursos de saúde pelos idosos10. Dado que o idoso apresenta maior necessidade de cuidados de saúde em decorrência do processo de envelhecimento7, dimensionar o componente programático da vulnerabilidade pode fornecer subsídios para concepção de estratégias para a melhoria da assistência direcionada ao idoso, considerando as diretrizes do Sistema Único de Saúde.

Para o estudo de vulnerabilidade, a avaliação social também é um dos componentes da definição de Ayres et al.3, porém não foi identificado no município deste estudo dados para essa análise e seus indicadores. De acordo com a literatura, na Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte - MG está disponível, em domínio público, o Índice de Vulnerabilidade da Saúde5. Este índice é considerado uma medida sintética que visa identificar áreas de risco e vulnerabilidade social, contribuindo para a tomada de decisões pelos gestores municipais.

Perante o exposto, este estudo objetivou construir os Índices de Vulnerabilidade Social e de Vulnerabilidade Programática para idosos comunitários e verificar a associação entre os componentes da vulnerabilidade (individual, social e programática).

MÉTODO

Estudo de base populacional quantitativo, do tipo inquérito domiciliar, transversal e observacional realizado com idosos que vivem no domicílio do município de Uberaba - MG.

Esta pesquisa foi encaminhada e aprovada pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, sob nº 1780.154.

Para definição da amostra, utilizou-se a técnica de amostragem por conglomerado em múltiplo estágio. O tamanho amostral foi calculado utilizando-se prevalência de incapacidade funcional nas Atividades Instrumentais Vida Diária de 28,8%, precisão de 1,5% e intervalo de confiança de 95%, para uma população finita estimada em 36.703 idosos. Assim, chegou-se a uma amostra mínima de 673 idosos. Considerando a possibilidade de perda da amostragem de 20%, o número máximo de tentativas foi de 808 idosos. Destaca-se que para seleção dos participantes, foram sorteados 50 % dos setores censitários do município (204), fixando-se, em seguida, quatro idosos por setor para garantir a autoponderação amostral. Obteve-se, portanto, amostra total de 816 idosos (Figura 1).

Figura 1:  Composição final da amostra, Uberaba, MG, Brasil, 2014. 

A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a abril de 2014 nas residências dos idosos. Constituíram critérios de inclusão: ter 60 anos ou mais, não apresentar declínio cognitivo e residir na zona urbana.

A perda da amostragem decorreu de: setores censitários sem idosos (n=32), sem casas (n=36 idosos) e que não perfizeram o número de idosos (n=19) Foram excluídos: idosos que não concluíram os testes do fenótipo de fragilidade (n=24) e não identificaram as coordenadas geográficas (n=4) (Figura 1).

Antes de iniciar a entrevista, realizou-se a avaliação cognitiva do idoso por meio da aplicação do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), traduzido e validado no Brasil.11

A caracterização dos dados sociodemográficos e econômicos contemplou as seguintes variáveis: sexo (masculino e feminino); faixa etária, anos de idade (60|-70, 70|-80 e 80 e mais); estado civil (com e sem companheiro); escolaridade, anos de estudo (sem escolaridade, 1├4, 4├9, 9 e mais); arranjo domiciliar (sozinho e acompanhado); e renda individual mensal em salários mínimos (< 1, 1, 1 ┤3, 4 e mais).

Para a avaliação da vulnerabilidade social, elaborou-se o IVS para o município do presente estudo recorrendo-se ao Índice de Vulnerabilidade da Saúde.5 A construção do IVS, no presente estudo, baseou-se nos dados do último Censo Demográfico, considerando como unidade de análise os setores censitários. Em Uberaba, verificou-se que haviam 435 setores censitários classificados como urbanos. Deste total, incluiu-se 392 setores para o cálculo do IVS devido a exclusão de 17 por apresentarem dados sigilosos ou construídos por domicílios exclusivamente coletivos e 26 por estarem fora dos limites da área urbana, apesar de serem classificados como tal.

O IVS foi elaborado a partir da análise de oito indicadores divididos em duas dimensões (saneamento e sociodemográfica).5 Para o cálculo de cada indicador, primeiramente foram selecionadas as variáveis de interesse no rol de dados de domínio público disponibilizados no sítio eletrônico do IBGE. Em seguida, construiu-se uma planilha eletrônica no programa Excel® com as variáveis de interesse para o cálculo do IVS.

Após o cálculo dos oito indicadores, realizou a padronização de escala com o intuito de possibilitar a comparação e a agregação dos mesmos, visto que cada indicador apresentava uma medida de escala. Para tanto, empregou-se a seguinte fórmula:

Posteriormente, atribui-se pesos a cada indicador e suas dimensões.5 Com base no cálculo final do IVS, os setores censitários foram categorizados de acordo com os seguintes pontos de cortes proposto pelo Índice de Vulnerabilidade em Saúde.5 Posteriormente, os idosos foram avaliados considerando o nível de vulnerabilidade do vetor no qual reside, sendo a variável recategorizada em baixa, média e elevada/muito elevada vulnerabilidade social.

A vulnerabilidade individual foi avaliada por meio de cinco componentes do fenótipo de fragilidade4, conforme descrito em estudo prévio12. Os idosos com três ou mais desses itens foram classificados como frágeis e aqueles com um ou dois itens, como pré-frágeis. Idosos com todos os testes negativos para a síndrome de fragilidade foram considerados não frágeis;4 sendo assim, considerados não vulneráveis nessa dimensão.

O componente programático foi analisando mediante um índice de acesso e a utilização dos serviços de saúde, intitulado Índice de Vulnerabilidade Programática. Destaca-se que a avaliação do acesso e utilização dos serviços de saúde utilizou-se 32 itens de duas seções do questionário da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios13.

Para o cálculo do índice, atribuíram-se, a cada categoria de respostas previamente codificadas do instrumento, pesos individuais (de 0 a 1), sendo que o maior valor representa um melhor acesso/utilização para o item. Para atender este critério, excluíram-se cinco variáveis do instrumento, por serem de natureza qualitativa. Posteriormente, foram somados os pesos individuais para compor o escore gerado, que foi submetido ao teste de aderência à distribuição normal e, mesmo utilizando-se transformações, tais como a logarítmica, não foi apontada aderência.

Optou-se, portanto, por utilizar a técnica de Análise de Componentes Principais14 para sumarizar as informações contidas no total de variáveis em um número pequeno de componentes que explica a maior variância dos dados, a partir de combinações lineares entre elas. Essa análise gera coeficientes ou cargas fatoriais, que representam os pesos atribuídos a cada variável para cada um dos componentes.

Com base nisso, foram selecionados os primeiros dez componentes principais que retiveram, aproximadamente, 78% da variância (autovalores > 1,0). Para cada componente, selecionou-se a variável com maior carga fatorial e, estas foram incluídas no cálculo do escore de vulnerabilidade programática. Portanto, o índice representativo da vulnerabilidade programática (vulprog) resultou na multiplicação das cargas fatoriais pelo valor das variáveis selecionadas, conforme demonstrado pela equação, a seguir.

Destaca-se que os menores escores representam maior vulnerabilidade neste componente. Posteriormente, o escore foi classificado em três categorias, utilizando-se os pontos de corte correspondentes aos tercis da distribuição (baixa, média e elevada) vulnerabilidade nesse componente.

Para o tratamento dos dados, foram construídas planilhas eletrônicas no programa Excel®. Após verificação da consistência, o banco de dados foi exportado para o Statistical Package for the Social Sciences- SPSS 22.0 para fins de análise dos dados. A construção dos mapas temáticos e a análise espacial descritiva exploratória utilizou o programa QGIS, versão 2.12.

As variáveis categóricas foram analisadas por meio de frequências absolutas e percentuais e para as numéricas utilizou-se média e desvio-padrão. Para representar a distribuição dos setores segundo o IVS espacialmente, foi realizado análise espacial descritiva exploratória. Enquanto, para verificar à associação entre os componentes de vulnerabilidade, foi empregado medidas de associação em Tabelas de contingências (teste qui-quadrado). Os testes foram considerados significativos quando p<0,05.

RESULTADOS

Na amostra estudada, a maior parte dos idosos foi do sexo feminino (n=468; 66,8%), na faixa etária de 60├ 70 anos (n=302; 43,1%), sem companheiros (n=406; 57,9%), morando acompanhado (n=552; 78,7%), com 4 ├ 9 anos de estudo (n=303; 43,2%) e com redimento de 1 salário mínimo (n=317; 45,2%).

Na análise do IVS do município deste estudo, verificou-se que a maioria dos setores censitários apresentava médio risco vulnerabilidade social (n=194; 49,49%), seguido de baixo risco (n=116; 29,59%). Pôde-se observar que a distribuição espacial desses setores não ocorreu de maneira homogênea e aleatória, conforme demonstrado na Figura 2. Verificou-se que os setores localizados na periferia do município apresentaram níveis de vulnerabilidade social muito elevados, enquanto aqueles das áreas centrais foram classificados, em sua maioria, como baixo e médio níveis (Figura 2).

Figura 2:  Distribuição espacial dos setores censitários do município de Uberaba - MG segundoo IVS, Uberaba, MG, Brasil, 2014. 

Com base no setor censitário de residência dos participantes, pôde-se verificar que 53,8% (n=377) dos idosos moravam em áreas de média vulnerabilidade social; 30,5% (n=214) baixa; e 15,7% (n=110) elevada/muito elevada.

Em relação ao Índice de Vulnerabilidade Programática, as variáveis representativas de cada componente, em ordem decrescente da carga fatorial e de importância, foram: 1) acesso ao dentista pelo SUS (0,8219); 2) principal motivo de não ter comprado os medicamentos (0,7916); 3) procura do mesmo local de atendimento (0,7779); 4) ter recebido os medicamentos de uso contínuo gratuitamente (0,6356); 5) procura por atendimento de saúde pelo mesmo motivo nas duas últimas semanas (0,5558); 6) receitados medicamentos no último atendimento (0,5402); 7) consulta ao dentista (0,5175); 8) compra dos medicamentos que não recebeu gratuitamente (0,4944); 9) utilização de medicamentos de uso contínuo (0,3613) e 10) busca de atendimento relacionado à própria saúde nas duas últimas semanas (0,3583). Destaca-se que o primeiro e o segundo componentes corresponderam, respectivamente, a 27,15% e 10,52% da variância explicada. Os demais apresentaram variâncias similares entre 7,58 e 3,71.

A partir dessa análise, verificou-se que o escore de vulnerabilidade programática dos idosos variou de 0,129 a 4,93, com média 1,90 e desvio-padrão de 0,61. Com base nos tercis de distribuição, os idosos foram classificados em baixa (escore > 2,09), média (escore entre 1,76 e 2,09) e elevada (escore < 1,76) vulnerabilidade programática.

Quanto ao componente individual, identificou-se que 16,0% (n=112) dos idosos eram frágeis; 52,2% pré-frágeis (n=366) e 31,8% não frágeis.

Analisando-se a relação entre os componentes de vulnerabilidade observou-se que a maior parte (n=224; 32,0%) apresentava as três condições de vulnerabilidade social, individual e programática, concomitantemente. Também foi constatado baixo percentual de idosos que apresentaram somente uma das vulnerabilidades, sendo 7,1% (n=50) elevada/muito elevada vulnerabilidade social; 5,8% (n=41) pré-fragilidade/fragilidade e 6,8% (n=48) média/elevada vulnerabilidade programática. Apenas 3,9% (n=27) não apresentavam nenhuma dessas condições (Figura 3).

Figura 3:  Distribuição dos idosos segundo a condição de vulnerabilidade individual, social e programática, Uberaba, MG, Brasil, 2014. 

Na comparação da distribuição dos idosos segundo a vulnerabilidade individual, social e programática (Tabelas 1 e 2), constatou-se menor proporção de idosos frágeis (n=30; 26,8%) com elevada vulnerabilidade programática em relação aos pré-frágeis (n=125; 34,2%) e não frágeis (n=92; 41,3%) (p=0,011). Não foi evidenciada diferença significativa na comparação entre a vulnerabilidade individual e o componente social (p>0,05), da mesma maneira, entre as vulnerabilidades social e programática (p>0,05).

Tabela 1:  Associação dos componentes da vulnerabilidade social e individual dos idosos, Uberaba, MG, Brasil, 2014. 

*p<0,05.

Tabela 2:  Associação dos componentes da vulnerabilidade social e programático da dos idosos, Uberaba, MG, Brasil, 2014. 

*p<0,05.

DISCUSSÃO

O impacto da vulnerabilidade social na saúde dos idosos tem sido limitada as características socioeconômicas. Uma vez que as circunstâncias sociais são complexas, experts da área têm considerado o conceito de vulnerabilidade social de forma holística, quantificando-o por meio de indicadores. Pesquisa demonstrou o amplo potencial de aplicá-los na determinação de risco para desfechos adversos na condição de saúde de idosos15.

Ao se considerar a distribuição espacial do IVS, constatou-se que aqueles localizados na periferia apresentaram níveis mais elevados de vulnerabilidade social, o que corrobora com outro estudo realizado no Brasil16. Considerando os princípios do Sistema Único de Saúde, a redução da desigualdade social deve contemplar a garantia de acesso aos serviços de saúde e a recursos de proteção social a populações mais vulneráveis. Portanto, a população deste estudo também foi avaliada segundo o índice de vulnerabilidade programática, o que pode contribuir para avaliar, indiretamente, a equidade do Sistema de Saúde9.

Em protocolo de revisão sistemática, os autores concluíram que os serviços odontológicos foram os que apresentaram maior desigualdade social na acessibilidade, corroborando com o presente estudo ao demonstrar que o acesso ao dentista foi a variável mais representativa do Indicador de Vulnerabilidade Programática17. Em países com sistema universal de saúde, como o Brasil, o aumento da oferta de serviço públicos odontológicos pode contribuir na acessibilidade dos idosos e, consequentemente, surtir efeitos na saúde bucal dessa população. Além disso, é relevante aumentar o conhecimento do idoso acerca das doenças bucais e do tratamento precoce, com intuito de prevenir perdas dentárias18)(19)(20.

Quanto ao acesso à medicamentos, sabe-se que o custo dos medicamentos foi o principal problema referidos pelos idosos na utilização dos serviços de saúde, sendo considerado uma das principais formas pelas quais se pode manifestar a desigualdade social21. Esses dados denotam indícios de insuficiente acesso aos medicamentos pelos idosos dentro do SUS. Ainda, assim, a ampliação da Estratégia Saúde da Família tem contribuído na melhoria do acesso a esses recursos22.

Destaca-se que a ESF é considerada a proposta prioritária para melhoria do sistema de saúde na consolidação dos princípios do SUS. Contudo, a qualidade da ESF está diretamente relacionada à capacidade de efetivar o atributo do primeiro contato da população, isto é, torna-se o serviço prioritário da população sempre que ocorrer um novo problema/episódio que necessite de atenção à saúde23. Embora o presente estudo não tenha avaliado o local específico de atendimento, essas informações corroboram indiretamente com os dados evidenciados visto que a regularidade do local de procura de atendimento foi considerada uma das variáveis indicadoras de vulnerabilidade programática.

Neste estudo, observou-se também que a maior parte dos idosos apresentava as três condições vulnerabilidade concomitantemente. Sabe-se que o processo de envelhecimento pode surgir vulnerabilidade de ordem biológica, a qual, ao interagir com o processo sociocultural, com os efeitos acumulativos de condições deficitárias de educação, de renda e de saúde no decorrer da idade e os hábitos de vida atual7, podendo expor os idosos a múltiplas condições de vulnerabilidade.

É consensual que os componentes da vulnerabilidade se correlacionam e, ainda, influenciam nas condições de saúde de idosos17. Em particular, houve menor proporção de idosos frágeis com elevada vulnerabilidade programática em relação aos pré-frágeis e não frágeis. A despeito disso, verificou-se que 5,8% e 7,1% dos idosos apresentaram somente fragilidade física e elevada/muito elevada vulnerabilidade social, respectivamente. Infere-se que nem toda população vulnerável apresenta a condição de fragilidade, ou seja, a vulnerabilidade social e a fragilidade podem estar relacionadas e, ainda, se sobreporem; entretanto, tratam-se de construções distintas que acometem os idosos; o que também foi sugerido por outros pesquisadores17. Esses achados sustentam aportes desenvolvidos por Ayres et al.3 em que os componentes individual, social e programático são interdependentes.

Esta investigação apresentou potenciais limitações: a) delineamento transversal que inviabiliza a relação de casualidade dos eventos estudados; b) utilização de um indicador sintético de vulnerabilidade social não permite identificar esse aspecto em nível individual, por considerar a homogeneidade dentro do setor censitário. Sugere-se a realização de estudos de coorte multicêntricos e, que considerem medidas individuais de vulnerabilidade social pode contribuir no planejar políticas de cuidado a essa população, especialmente os mais vulneráveis.

Apesar das limitações deste estudo, os achados evidenciam a importância de uma compreensão ampliada da vulnerabilidade no idoso, tendo como eixo norteador os aspectos individual, social e programático. Acredita-se que esses aportes representem uma possibilidade de mudança de paradigma que melhor subsidie intervenções de enfermagem no cuidado ao idoso.

Entretanto, a aplicabilidade do conceito de vulnerabilidade na prática ainda constitui um desafio, visto que o sistema de saúde se encontra fragmentado e desarticulado, focado no modelo biomédico e, portanto, incapaz de oferecer um cuidado integral e contínuo23 à população idosa. A população idosa, diante dessa conjuntura, torna-se uma das prejudicadas em virtude da sua maior suscetibilidade e, consequentemente, maior necessidade de utilização dos recursos de saúde, o que denota investimento em práticas inovadoras que transcendam os limites dos aspectos biológicos.

A construção do IVS e do Índice de Vulnerabilidade Programática, neste estudo, pode contribuir para disponibilizar uma tecnologia de fácil acesso e rápido de ser utilizado, tanto para avaliação da população por meio de pesquisas quanto para os gestores na tomada de decisões em termos de políticas públicas, tendo em vista a necessidade de assegurar justiça social.

CONCLUSÃO

Os dados deste estudo sugerem que os Índices de Vulnerabilidade Social e Programática representam importantes ferramentas de avaliação pelos gestores municipais de saúde, especialmente considerando as múltiplas condições de vulnerabilidade em que os idosos podem estar expostos (individual, social e programática) durante o processo de envelhecimento. Tais dados revelam a necessidade de se considerar uma abordagem multidimensional da vulnerabilidade para o planejamento de diversos serviços de atenção a essa população.

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Recebido: 19 de Abril de 2021; Aceito: 14 de Setembro de 2021

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