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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.21 no.67 Murcia Jul. 2022  Epub 19-Set-2022

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.503441 

Originais

Melhoria da qualidade do atendimento a pacientes com sepse no contexto de um serviço de emergencia

Damito Robson Xavier-de Souza1  , Isabela Dantas Torres-de Araújo2  , Thaiza Teixeira Xavier-Nobre1  , Zenewton André da Silva-Gama1  , Victor Grabois3  , Vilani Medeiros de Araújo-Nunes1 

1Departmento de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

2Departmento de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brazil

3Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/FIOCRUZ, Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil

RESUMO:

Objetivo:

Descrever o processo de implementação de uma intervenção participativa e multifacetada para melhorar o atendimento à sepse e seus efeitos na melhoria da qualidade do atendimento.

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo quase-experimental do tipo antes-depois realizado em 2017/2018 no serviço de emergência de um hospital do Nordeste do Brasil. A qualidade do atendimento de 564 pacientes com diagnóstico de sepse foi avaliada por meio de nove critérios de processo e um critério de resultado. A intervenção foi participativa e multifacetada, com duração de 10 meses.

Resultados

Após a intervenção, o número de não conformidades diminuiu 67% (843 vs 506), e todos os 10 critérios melhoraram, com uma melhoria significativa (p <0,05) em oito deles. A letalidade diminuiu 10% (p = 0,005).

Conclusão

O modelo de intervenção apresentado foi eficaz na melhoria da qualidade do atendimento à sepse no serviço de emergência, com possibilidade de ampliar sua utilização nos hospitais brasileiros.

Palavras-chave: Sepse; Melhoria de Qualidade; Serviços Médicos de Emergência; Gestão de Riscos; Gestão da Segurança

INTRODUÇÃO

A despeito dos avanços na área médica, a sepse permanece como um grave problema de saúde pública. Estudos epidemiológicos têm mostrado que este agravo causa inúmeras mortes ao redor do mundo e traz grande ônus aos sistemas de saúde públicos e privados 1,2. Embora os números globais sobre a sepse sejam escassos, e por vezes, controversos, estima-se que a cada ano possam ser diagnosticados cerca de 30 milhões de novos casos da doença, com potencial para causar mais de 5 milhões de mortes 3.

No Brasil, a incidência de hospitalizações por sepse aumentou mais de 50% entre 2006 e 2015, com uma taxa de letalidade em torno de 46%, sendo maior em hospitais públicos (55%) que em hospitais privados (37%) 4. Segundo o estudo SPREAD 5, que avaliou 229 Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do país em 2014, quase 30% desse tipo de leito estava ocupado por pacientes com sepse ou choque séptico, e a mortalidade associada foi de 55,4%. Essa alta letalidade fica ainda mais evidente ao se comparar os dados nacionais com os de outros países, como fez o estudo PROGRESS 6, que identificou que a letalidade hospitalar por sepse no Brasil era de 67,4%, superior a países como Argentina (56,6%), Índia (39,0%), Estados Unidos (42,9%) e Austrália (32,6%).

Alguns fatores relacionados à qualidade do cuidado de saúde podem estar associados a esta elevada mortalidade. Em parte, pode ser atribuída ao desconhecimento dos profissionais de saúde sobre os sinais de gravidade associados à doença e a falta de padronização das condutas por parte de muitas organizações, o que leva ao diagnóstico tardio e consequente atraso no início das medidas terapêuticas 7,8. Além disso, problemas relacionados à cultura de segurança, indisponibilidade de recursos e barreiras de acesso aos serviços de saúde também podem influenciar nesses números.

Nas últimas décadas, o reconhecimento da sepse como uma das principais causas de morbimortalidade evitáveis do mundo 9, tem feito surgir iniciativas de melhoria da qualidade baseadas em protocolos gerenciados, voltadas ao diagnóstico precoce e tratamento adequado e oportuno da doença. Uma metanálise identificou que os programas de melhoria de qualidade, aumentam a conformidade com os pacotes de tratamento e redução da mortalidade 10. Nesse interim, a Campanha de Sobrevivência à Sepse (CSS), junto ao Institute for Healthcare Improvement(IHI), tem elaborado a cada quatro anos, programas educacionais e pacotes de tratamento da sepse, ou seja, medidas baseadas em evidências que quando realizadas em conjunto produzem bons resultados 7,11.

Nos países sul-americanos, o Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS) vem se propondo a auxiliar organizações que pretendem melhorar a qualidade assistencial aos pacientes sépticos, a partir da implementação de programas educacionais e da geração e difusão de conhecimentos, baseado nos protocolos da Campanha de Sobrevivência à Sepse (CSS) 5,11. Apesar desse conhecimento, existe carência de publicações sobre iniciativas de melhoria da qualidade em sepse nos países emergentes e de baixa renda 3, sobretudo nos departamentos de emergência, que são a porta de entrada da maioria dos pacientes sépticos.

Nesse contexto, o presente estudo teve por objetivo descrever o processo de implementação de uma intervenção participativa e multifacetada para melhorar a atenção à sepse e os seus efeitos na melhoria da qualidade do cuidado.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para a realização desse estudo, foram seguidas as diretrizes SQUIRE (Standards for Quality Improvement Reporting Excellence) 12, que fornecem um modelo para relatar novos conhecimentos sobre como melhorar a qualidade da assistência à saúde.

Contexto e identificação da oportunidade de melhoria

O presente estudo foi desenvolvido no biênio 2017/2018 no setor de Emergência do Hospital Regional do Cariri (HRC), localizado em Juazeiro do Norte, Ceará, interior do Nordeste do Brasil. O hospital tem caráter terciário, público, estadual e conta com 219 leitos de internação e 90 leitos de emergência, com atendimento mensal de cerca de 2500 pacientes. O HRC integra a rede de hospitais geridos pelo Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH), instituição privada sem fins lucrativos qualificada como Organização Social de Saúde (OSS). Inaugurado em 2011, possui certificado de acreditação nível três pela Organização Nacional de Acreditação e trabalha como linhas estratégicas o atendimento à pacientes com Acidente Vascular Encefálico tipo isquêmico agudo, politrauma e sepse.

Na perspectiva de favorecer um clima organizacional de mudanças, foi criado uma equipe de liderança multidisciplinar com profissionais de conhecimentos relevantes, credibilidade e autoridade para impulsionar melhorias de processo. Esse grupo foi formado por um médico e três enfermeiras (coordenadores do setor de emergência), uma administradora de empresas, uma assessora da qualidade, além da gerente de risco, da coordenadora geral de enfermagem e a diretora geral do hospital (n=9). Após realizar técnica de grupo nominal 13, elegeu-se, participativamente, a assistência ao paciente séptico como alvo de melhoria a ser implementado no departamento de Emergência do HRC.

Intervenção

O planejamento da intervenção seguiu três diretrizes principais: 1) elaboração participativa, que foi assegurada por envolver uma equipe multidisciplinar diretamente relacionada ao problema; 2) baseada em dados, porque as ações da intervenção foram direcionadas aos critérios de qualidade de pior conformidade na primeira avaliação do nível de qualidade após análise a partir de um diagrama de Pareto; 3) e multifacetada, tendo em vista que uma soma de intervenções são mais efetivas para a melhoria 14.

Considerando uma análise qualitativa estruturada com diagrama de causa e efeito e uma avaliação inicial baseada em critérios de qualidade, elaborou-se um diagrama de afinidades (Tabela 1), para ordenar e sistematizar as intervenções propostas pelo grupo em quatro linhas estratégicas: ações gerenciais, ações educativas, sistemas de informação, e reorganização do trabalho.

Tabela 1:  Diagrama de Afinidades orientando as intervenções de melhoria da qualidade. Juazeiro do Norte, CE, 2017 

A partir de então, foi elaborado um plano de ação para a implementação das ações propostas, apresentado em diagrama de Gantt. As iniciativas de mudanças foram socializadas dentro da instituição a partir de capacitações, discussões de casos clínicos, visitas in loco e abordagens individuais aos colaboradores e seguiram as orientações da CSS e do ILAS.

Até a implementação das medidas de melhoria da qualidade, não havia na classificação de risco, a indicação de que o paciente poderia ser portador de sepse. Tendo em vista ser esse o primeiro contato do usuário com um profissional de saúde, o enfermeiro da classificação de risco passou a ser responsável por sinalizar uma possível sepse, a partir da alteração de sinais vitais ou presença de disfunção orgânica. Tão logo isso ocorresse, o paciente deveria passar por atendimento médico imediato e, caso a suspeita fosse confirmada, o protocolo de sepse seria aberto.

Por conseguinte, o nome do paciente passava a ser sinalizado com a cor vermelha no prontuário eletrônico, indicando prioridade de atendimento, e o paciente seguia com uma placa indicativa que era possuidor de sepse, contendo os horários limites de reavaliação. A farmácia realizava a liberação do antimicrobiano o mais rápido possível e o laboratório agilizava a coleta de sangue e liberação de resultado dos exames.

Os dados do desempenho foram avaliados mensalmente pelo comitê de sepse que utilizava os critérios de qualidade construídos para avaliar a conformidade, e a partir desses dados geraram-se indicadores. Os resultados foram apresentados mensalmente nas reuniões com as equipes.

Estudo da intervenção

Para estudar o efeito da intervenção, este projeto de melhoria contemplou um delineamento quase experimental do tipo antes-depois.

A população desse estudo incluiu todos os prontuários dos pacientes diagnosticados com sepse na emergência do HRC. Considera-se sepse como uma condição potencialmente fatal, causada por uma resposta desregulada do organismo à infecção 15. Todos os pacientes que cumpriram esse critério, durante o período em questão, foram analisados nesse estudo. As unidades de estudo foram as planilhas de censo diário dos pacientes que tiveram o protocolo de sepse aberto. Foram excluídos os prontuários de pacientes que não apresentavam sinais de infecção, pacientes com dados indisponíveis ou inexistentes, os que foram a óbito em menos de 3 horas do diagnóstico de sepse e aqueles em cuidados de fim de vida.

A coleta de dados da primeira avaliação foi realizada entre setembro e novembro de 2017, a intervenção ocorreu entre dezembro de 2017 e março de 2018 e a reavaliação entre abril e junho de 2018. Para isso, foi utilizado um instrumento próprio baseado nos 10 critérios elaborados. As fontes para a coleta de dados foram os prontuários e as fichas de triagem do protocolo de sepse. Os dados foram coletados por um médico e uma enfermeira previamente treinados, que avaliaram o nível de cumprimento dos critérios. Para esse estudo, apenas um evento de sepse foi considerado para cada internamento do paciente.

Medidas

Elaborou-se uma lista com 10 critérios (Tabela 2) que definiram a qualidade do serviço avaliado. Cada critério foi detalhado quanto sua definição, exceções e esclarecimentos a fim de que pudessem ser interpretados da mesma forma por diferentes avaliadores.

Tabela 2:  Critérios de avaliação da qualidade do processo de cuidado do paciente com sepse. Juazeiro do Norte, CE, 2017 

* O termo sepse grave entrou em desuso a partir de 2016 e por isso foi alterado na segunda avaliação.

Em relação ao tipo de dados, os nove primeiros critérios analisados foram de processo e o último, de resultado, sendo que todos tiveram avaliados as validades de face, conteúdo e critério (evidência científica).

Após isso, a confiabilidade foi analisada por meio de um estudo piloto com 30 pacientes e dois avaliadores. A concordância dos indicadores foi considerada forte ou perfeita em todos os casos, tendo em vista que tiveram um índice Kappa maior ou igual a 0,8.

Análise dos dados

Para avaliar a qualidade, antes e depois da intervenção, realizou-se o cálculo da estimativa pontual e do intervalo de confiança (IC: 95%) do nível de cumprimento dos 10 critérios de qualidade adotados.

No sentido de avaliar o efeito da intervenção estimou-se a melhoria absoluta e relativa de cada critério. Para verificar a significância estatística da melhoria detectada, realizou-se um teste de hipótese unilateral por meio do cálculo do valor de z, considerando como hipótese nula a ausência de melhoria, que se rejeitava quando o p-valor fosse inferior a 0,05. A escolha do teste unilateral foi porque a hipótese é claramente unidirecional (no sentido da melhoria) e o teste bidirecional seria mais restritivo.

Adicionalmente, foi elaborada uma representação gráfica dos principais problemas de qualidade identificados nas avaliações. De maneira inicial, a partir de uma Tabela de frequências absolutas e relativas de não cumprimentos, e em seguida, construiu-se um Gráfico de Pareto tipo antes e depois, onde foi possível avaliar a melhoria absoluta conseguida e comparar o nível de qualidade entre as avaliações. Para facilitar a visualização do Gráfico, os dados da segunda avaliação foram padronizados para uma amostragem compatível com a primeira.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com seres humanos do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) sob o parecer consubstanciado de nº 2.366.556, de 06/11/2017.

RESULTADOS

Processo de implementação da intervenção

A descrição do processo de implementação da intervenção é recomendada para compreensão dos efeitos de um estudo para melhorar o cuidado de saúde 12. O processo de intervenção durou aproximadamente dez meses, desde a sua concepção até a segunda coleta de dados em junho de 2018. Nas fases iniciais, foi criado um comitê de sepse e designada uma liderança para a melhoria deste processo. As primeiras ações envolveram realizar atualização do protocolo de sepse segundo as evidências científicas mais atuais, seguida da revisão de documentos utilizados para a atenção a estes pacientes (ficha de triagem, guia de antimicrobianos) e a avaliação do nível de qualidade do cuidado entre setembro a novembro de 2017. Após a análise dos dados dos critérios de qualidade, a avaliação foi apresentada às equipes responsáveis e iniciou-se a reestruturação da linha de cuidado da sepse. Foram incluídas ações de sensibilização permanente para adesão ao protocolo, definição de metas, apresentação de indicadores mensais, entre outras ações. O detalhamento da sequência cronológica da implementação da intervenção pode ser visualizado na Figure 1.

Figura 1:  Linha do tempo das ações propostas para melhoria da qualidade. Juazeiro do Norte, CE, 2018 

Melhoria da qualidade da assistência ao paciente com sepse

Observou-se melhoria absoluta em todos os critérios de processo (critério 1-9) e da letalidade (critério 10) que reduziu de 36% para 26% (p=0,005), conforme a Tabela 3. Na pré-intervenção, sete critérios possuíam valores de conformidade inferiores a 75%, com especial destaque para a reavaliação em até três horas (critério dois) e de reclassificação correta (critério quatro), que apresentavam percentual de cumprimento de 23% e 48%, respectivamente. Após intervenção, a melhoria foi significativa (p<0,05) em oito dos 10 critérios e apenas dois deles permaneceram com nível de conformidade inferior a 75%. Nesse momento vale destacar que os critérios "Reavaliação em até 3 horas" e "Coleta de hemoculturas antes do antimicrobiano" obtiveram melhoria relativa acima de 50%, alcançando os maiores índices observados. O cumprimento total dos critérios variou de 0 para 17,5%.

Tabela 3:  Cumprimento dos critérios de qualidade e estimativas de melhoria. Juazeiro do Norte, CE, 2018 

NS: Não significativo, ou seja, p>0,05; * Teste do valor de z unilateral.

Fonte: Própria autoria.

A avaliação inicial mostrou uma frequência absoluta de 843 não conformidades que foram reduzidas para 506, após a implementação das medidas propostas. Foi possível observar no gráfico da segunda avaliação que a melhoria conseguida foi de 67% e que houve redução no número de não conformidades de todos os critérios, o que ilustra a efetividade do projeto (Figura 2).

Figura 2:  Diagrama de Pareto tipo antes e depois. Juazeiro do Norte, CE, 2018 

Apesar da melhoria evidente, os resultados alcançados pelos critérios "Antimicrobiano correto administrado na primeira hora" e "Reposição volêmica adequada" não obtiveram significância estatística, representados por um p-valor acima de 0,05.

Consequências não intencionais da intervenção

Um resultado benéfico inesperado foi a redução da taxa de permanência hospitalar dos pacientes internados com sepse, que caiu de uma média de 16 para 13,7 dias.

Embora uma melhoria constante na medida do desempenho da assistência ao paciente séptico tenha sido observada, houve grande resistência por parte dos médicos cirurgiões e ortopedistas em aderir às medidas propostas, apesar da sensibilização realizada. Outra dificuldade enfrentada foi o alto grau de rotatividade dos profissionais.

DISCUSSÃO

Contribuições do estudo

Este estudo contribuiu para a melhoria da qualidade na assistência ao paciente com sepse na medida em que apresentou um modelo de intervenção capaz de aumentar, com sucesso, a conformidade dos indicadores de qualidade propostos e diminuir a letalidade neste grupo de pacientes considerados prioritário para a atenção hospitalar. Destaca-se de estudos prévios por ter construído indicadores e intervenção específica para pacientes atendidos no departamento de emergência, um ambiente crítico para a atenção oportuna aos pacientes com sepse, quando a maioria dos trabalhos disponíveis abordam o ambiente de UTI 5 14 17 18. Além disso, o estudo incluiu todos os pacientes do período analisado, não sofrendo interferência dos erros aleatórios do processo de amostragem.

Existem poucos estudos nos países de baixa e média renda que avaliam a questão da melhoria da qualidade relacionada à sepse. No Brasil, essas publicações praticamente se restringem às realizadas pelo ILAS, notadamente na região sudeste do país, de tal forma que este estudo, além de fazer parte de um seleto e restrito grupo de publicações nacionais, provavelmente é inédito na região nordeste, sobretudo em departamentos de emergência.

Uma das particularidades deste estudo foi descrever a utilização de ciclos de melhoria participativos e multifacetados como ferramenta de gestão para mudar contextos. Os ciclos de melhoria são procedimentos sistemáticos e com rigor científico para abordar objetivos de qualidade na área da governança clínica e na ciência da melhoria da qualidade do cuidado de saúde e pode se utilizar de diferentes modelos desenvolvidos na indústria, como por exemplo, os propostos por Deming e Juran 13. O enfoque participativo e multifacetado vem sendo descrito e tem demonstrado excelentes resultados 8 14 19 20.

Melhoria da qualidade do cuidado

A melhoria identificada neste estudo pode ser explicada por componentes intrínsecos da intervenção multifacetada implementada, dentre os quais podemos destacar o engajamento da alta e meso gestão. Liderança é o domínio central das iniciativas de melhoria da qualidade que sustenta o desenvolvimento de todas as demais ações e seria improvável que qualquer intervenção estratégica tivesse sucesso sem o apoio de uma liderança forte e consistente 21. Este foi o modelo de gestão encontrado no HRC, que esteve envolvido em todas as fases do projeto, inclusive no apoio às ações de intervenção e na cobrança de resultados.

Além disso, o cenário de intervenção desenvolveu-se num local onde a equipe assistencial está acostumada a trabalhar com abordagem protocolizada e a capacidade organizacional está direcionada ao desenvolvimento de ações que facilitam a melhoria contínua da qualidade. Dentro desse contexto, os colaboradores receberam educação continuada, objetivando trazer as mais recentes evidências sobre a condução de pacientes sépticos, uma vez que a formação de pessoal está entre as principais estratégias associadas com a melhoria do desfecho desses pacientes (8,19. Sabe-se que em países em desenvolvimento há uma grande lacuna entre a prestação de cuidados em saúde baseada em evidências e o tratamento realizado à beira leito 22. No que concerne a sepse, essa baixa conscientização leva a um reconhecimento tardio da doença e consequente atraso nas medidas terapêuticas.

Outro provável fator associado ao resultado alcançado foi a utilização de auditoria contínua e de feedback aos profissionais como instrumentos para impulsionar a adesão aos indicadores. Estabelecer padrões, monitorá-los, identificar e solucionar problemas à medida que surgem são estratégias para aumentar a conformidade aos indicadores 7,23.

É possível citar ainda como fator essencial para melhoria identificada, a reestruturação do protocolo clínico de atendimento ao paciente séptico de tal forma que a ferramenta de triagem passou a ser orientada por enfermeiros. O envolvimento da enfermagem nos processos hospitalares é uma prática conhecida 7 20 24, e a triagem inicial feita por enfermeiro aumentou a conformidade do critério 1 que tratava do diagnóstico precoce da doença, corroborando outras publicações 20,25, sendo este um fator fundamental para reduzir a mortalidade 19.

A redução da letalidade de 10% por sepse identificada neste estudo é reforçada por outros trabalhos que visavam aumentar a aderência aos pacotes de tratamento (17,18. Um estudo realizado em três continentes demonstrou que, para cada 10% no aumento da conformidade com as boas práticas, houve redução na taxa de letalidade na ordem de 3 a 5% 17. No Brasil, um estudo [26] que avaliou 25 instituições públicas demonstrou aumento de conformidade da ordem de 8,3% com os pacotes de tratamento e redução da letalidade de 6,8%. A maior redução da letalidade identificada no presente estudo pode ser explicada pela precocidade na identificação desses pacientes, uma vez que a maioria teve a doença reconhecida ainda na classificação de risco, porta de entrada do departamento de emergência, bem como pela menor gravidade dos pacientes e pelo nível inicial de conformidade com boas práticas desenvolvidas na instituição.

Embora haja divergência na literatura sobre a importância do uso de protocolos para a atenção à sepse, acreditamos que a abordagem protocolizada foi essencial para a melhoria identificada. Alguns estudos dizem que o tratamento à beira leito com uso oportuno de fluidos e antimicrobianos é suficiente para o tratamento da sepse, sem necessidade de documentos norteadores 27 28 29. No entanto, os ensaios foram realizados com um perfil de pacientes mais grave e em centros de excelência, onde o tratamento usual à beira leito pode ser comparável com a abordagem protocolizada, realidade ainda distante de muitos hospitais brasileiros e da população alvo deste estudo.

A intervenção teve menor efeito para dois critérios de qualidade. Quanto à administração do antibiótico correto, acreditamos que a alta rotatividade de profissionais médicos no departamento de emergência, o desconhecimento e desinteresse em buscar o guia de antimicrobiano institucional e a pouca cultura de segurança de alguns colaboradores podem ter influenciado este resultado. Isso pode ter limitado a redução da letalidade, uma vez que a escolha adequada do antibiótico na primeira hora está associada a uma sobrevida de quase 80% 30. Já a melhoria não significativa da liberação do resultado do lactato em até 60 minutos, pode ter ocorrido porque a conformidade desse critério era alta na primeira avaliação, pelo número reduzido de colaboradores do setor de laboratório, o não envolvimento destes nos processos de educação continuada, bem como pela distância desse setor ao departamento de emergência. A elevação desse parâmetro é considerado o melhor marcador de hipoperfusão disponível à beira-leito e seu resultado influencia diretamente nas medidas terapêuticas 7. Sugere-se que esses pontos sejam prioritários em futuras intervenções de melhoria.

Limitações

O estudo foi realizado em centro único, como ocorre com a maioria dos trabalhos de melhoria da qualidade, de forma que deve haver precaução ao extrapolar as estimativas do nível de qualidade encontradas para outros centros. Outra implicação foi a ausência de um grupo de controle paralelo, o que não nos permite afirmar se a simples disponibilidade das recomendações nacionais não teve efeito na melhoria dos processos e resultados. A análise da taxa de letalidade e do tempo de internação foi bruta, sem padronização por possíveis variáveis confundidoras que pudessem ter prevalência diferente nos períodos antes e depois da intervenção. No entanto, o resultado da intervenção é condizente com os relatos de outros estudos, tanto para a assistência à sepse como para outras questões clínicas, sugerindo que o método de melhoria foi determinante para a modificação da realidade local.

CONCLUSÃO

O modelo de intervenção apresentado foi efetivo para melhorar a qualidade do cuidado à sepse em um país emergente, sobretudo no departamento de emergência e esteve associado à redução na taxa de letalidade. As descobertas apresentadas têm implicações para pesquisadores, profissionais de saúde e gestores como uma iniciativa para mudar realidades, uma vez que o método é factível e possivelmente sustentável a longo prazo. Futuros estudos podem identificar os motivos da falta de adesão dos profissionais de saúde a alguns critérios, bem como escalar esse modelo para hospitais de emergência no país, na tentativa de intervir neste importante problema de saúde pública.

Reconhecimentos

Agradecemos à CAPES e à UFRN pelo financiamento da tradução deste estudo e aos profissionais do Hospital Regional do Cariri que participaram deste estudo.

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Recebido: 04 de Dezembro de 2021; Aceito: 21 de Janeiro de 2022

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