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Cirugía Plástica Ibero-Latinoamericana
versión On-line ISSN 1989-2055versión impresa ISSN 0376-7892
Cir. plást. iberolatinoam. vol.45 no.1 Madrid ene./mar. 2019 Epub 27-Feb-2020
https://dx.doi.org/10.4321/s0376-78922019000100010
Reconstructiva
Versatilidade do retalho FAMM na cobertura de defeitos intra-orais
*Residente de Cirugía Plástica, Servicio de Cirugía Plástica, Reconstructiva, Maxilofacial y Unidad de Microcirugía, Hospital de Vila Nova de Gaia, Espinho, Oporto, Portugal.
**aCirujano Plásttico, Jefe del Servicio, Servicio de Cirugía Plástica, Reconstructiva, Maxilofacial y Unidad de Microcirugía, Hospital de Vila Nova de Gaia, Espinho, Oporto, Portugal.
**bCirujano Plásttico, Jefe del Servicio, Profesor de la Universidad de Aveiro, Portugal.
***Cirujano Plástico, Adjunto del Servicio, Servicio de Cirugía Plástica, Reconstructiva, Maxilofacial y Unidad de Microcirugía, Hospital de Vila Nova de Gaia, Espinho, Oporto, Portugal.
Introdução e Objetivo
O retalho FAMM (facial artery musculo-mucosal flap), descrito em 1992 por Pribaz et al., é um retalho intra-oral baseado na artéria facial. É composto por mucosa oral, submucosa, músculo bucinador, artéria facial e pelo plexo venoso correspondente, podendo basear-se inferior (fluxo anterógrado) ou superiormente (fluxo retrógrado). É um retalho versátil que pode ser utilizado nareconstrução de defeitos em múltiplas localizações (palato, lábio, língua, pavimento da boca).
Com este trabalho pretende-se demonstrar a utilidade do retalho FAMM na reconstrução de diferentes defeitos intra-orais.
Material e Métodos
Os autores apresentam 3 casos em que se utilizou o retalho FAMM para reconstrução intra-oral: um doente com anquiloglossia cicatricial sequelar de carcinoma do pavimento da boca; uma doente com uma fístula do palato sequela de excisão tumoral; e um doente com exposição intra-oral do arco mandibular anterior por osteonecrose secundária a bifosfonatos.
Resultados
Todos os retalhos sobreviveram a 100% e permitiram uma cobertura estável e duradoura, na ausência de complicações major.
Conclusão
O retalho FAMM permite a reconstrução de defeitos intra e peri-orais com tecido bem vascularizado e de características idênticas à zona a reconstruir, com baixa morbilidade da zona dadora, o que o torna uma excelente opção reconstrutiva para defeitos desta região anatómica.
Palavras-chave: Retalho FAMM; Artéria facial; Reconstrução intra-oral
Introdução
A reconstrução de defeitos intra ou peri-orais resultantes de ressecção tumoral, traumatismos ou anomalias craniofaciais representa um desafio complexo. A restauração morfológica e funcional é essencial, nomeadamente para assegurar a competência oral e a manutenção de um discurso e deglutição adequados; contudo, idealmente, deverá sempre ser realizada com o menor prejuízo estético possível. A técnica reconstrutiva ideal depende de fatores locais (tamanho e localização do defeito) e sistémicos (comorbilidades do doente, antecedentes de radioterapia e/ou esvaziamento ganglionar cervical).
O retalho FAMM foi descrito pela primeira vez em 1992 por Pribaz et al. no encerramento de defeitos da mucosa oro-nasal.(1)Trata-se de um retalho intra-oral axial baseado na artéria facial, que inclui também o plexo venoso correspondente, músculo bucinador, submucosa e mucosa oral. Em virtude da sua robusta vascularização, pode basear-se em fluxo anterógrado ou retrógrado.As dimensões do retalho podem atingir cerca de 7-8 cm de comprimento, 2-3 cm de largura,e uma espessura de aproximadamente 8-10 mm.(2) Está indicado principalmente na reconstrução de defeitos do palato, região alveolar, nariz, pavimento da boca, língua e lábios.(1 2 4 3-5) A única contra-indicação absoluta à sua utilização é a ausência de fluxo doppler ao longo do trajeto da artéria facial. Como contra-indicações relativas incluem-se a presença de dentição e história prévia de radioterapia ou esvaziamento ganglionar cervical.Contudo, vários estudos demonstraram que o retalho FAMM pode ser utilizado na generalidade dos doentes submetidos a esvaziamento ganglionar cervical.(5,6) Em alguns casos, a reconstrução requer dois tempos operatórios, já que pode ser necessáriodividir o retalho ao fim de 3 semanas para melhor adaptação ao defeito e diminuiçãoda morbilidade na zona dadora.
Técnica cirúrgica
Após confirmação de fluxo adequado na artéria facial com doppler (etapa imprescindível nos casos de radioterapia e/ou esvaziamento ganglionar cervical), o seu trajeto deve ser marcado na região intra ou extra-oral. De seguida, e de acordo com a localização do defeito, o retalho deve ser desenhado. O ducto parotídeo deve ser devidamente identificado e preservado. Os retalhos baseados inferiormente (fluxo anterógrado), estão indicados na cobertura de defeitos da região posterior do palato, fossa amigdalina, os retalhos baseados superiormente (fluxo retrógrado), devem ser usados para reconstruir defeitos da região anterior do palato, seio maxilar, região alveolar superior, nariz e lábio superior. A primeira incisão é realizada na extremidade distal do retalho e, de seguida, a artéria facial deve ser identificada e laqueada. O levantamento do retalho é feito de distal para proximal, devendo a artéria facial estar incluída ao longo de todo o retalho. De seguida, deverá ser mobilizado até ao defeito, sendo essencial evitar a torsão do pedículo, sob risco de má perfusão e consequente necrose do retalho. Idealmente, azona dadora deve ser encerrada primariamente; por vezes, pode ser necessário um enxerto de pele.
O retalho FAMM é dotado de uma vascularização robusta, pelo que a taxa de complicações é reduzida na maioria das séries. As mais comuns incluem necrose parcial, hematoma, deiscência, infeção e dificuldades de deglutição e discurso.A necrose completa é incomum e causada principalmente por torsão do pedículo durante a mobilização do retalho.
A complexidade anatómica e fisiológica da região intraoral faz com que a reconstrução de defeitos desta área seja particularmente desafiante; de facto, por vezes a única estratégia reconstrutiva passa pela transferência microcirúrgica de tecidos. O retalho FAMM, ao tratar-se de um retalho de fluxo axial que se pode basear superior ou inferiormente, apresenta uma grande versatilidade, podendo cobrir defeitos em regiões distintas como o palato, pavimento da boca ou lábio.
O objectivo deste trabalho é demonstrar a potencial aplicação do retalho FAMM em diferentes cenários reconstrutivos da cavidade oral.
Material e métodos
Neste trabalho apresentamos 3 casos clínicos de doentes com defeitos intra-orais de pequena/média dimensão em que se utilizaram retalhos FAMM para reconstrução. O retalho FAMM tem sido utilizado pelo nosso serviço desde 2010, tendo sido realizados cerca de 8 casos. A seleção destes casos pretende demonstrar a versatilidade de utilização deste retalho em diferentes etiologias e localizações.
Resultados
Caso 1. Doente do sexo masculino, 58 anos, com antecedentes de carcinoma espinocelular do pavimento da boca à esquerda. Submetido a hemipelviglossectomia esquerda com mandibulectomia marginal anterior, esvaziamento ganglionar supra-omohioideu e reconstrução imediata com retalho livre antebraquial radial. Posteriormente, realizou radioterapia adjuvante. Desenvolveu anquiloglossia e queixas álgicas secundárias a retração cicatricial (Fig. 1). Foi submetido a libertação cirúrgica das aderências cicatriciais intra-orais, tendo resultado um defeito com 4 x 3 cm (Fig. 2). A reconstrução foi realizada com um retalho FAMM de fluxo anterógrado. Após confirmação pré-operatória de fluxo doppler na artéria facial, o trajectointra-oral da artéria foi marcado com doppler; de seguida, foi dissecado um retalhocentrado no pedículo com 7 cm de comprimento e 2 cm de largura (Fig. 3). O retalho foi adaptado ao defeito e suturado com Vicrylrapide® 4-0 (Fig. 4). O retalho permitiu aumentar o diâmetro antero-posterior do pavimento bucal e, dessa forma, aumentar a mobilidade da língua com consequente melhoria funcional ao nível da fala e deglutição, com resultados objectiváveis no primeirosdias após a cirurgia.
![](/img/revistas/cpil/v45n1//1989-2055-cpil-45-01-0057-gf13.jpg)
Figura 1. Anquiloglossia após exérese de carcinoma do pavimento da boca e reconstrução com retalho antebraquial radial e radioterapia, com incapacidade de elevação e protrusão da língua.
A zona dadora foi encerrada diretamente. Não se registaram complicações precoces ou tardias, não sendo necessário dividir o pedículo do retalho.
Caso 2. Doente de 76 anos, sexo feminino, com comunicação oronasal com cerca de 2 cm secundária a exérese de neoplasia do palato (Fig. 5), a qual condicionava alterações fonatórias e passagem do conteúdo alimentar para a região nasal. Tinha sido previamente submetida a tentativa falhada de encerramento da fístula com um retalho mucoperiosteal de transposição. Após identificação da artéria facial com doppler, foi dissecado um retalho FAMM de base inferior com 6.5 x 2.2 cm (Fig. 6), obtendo-se uma cobertura completa e estável (Fig. 7). A zona dadora foi encerrada diretamente com fio de sutura absorvível.
O retalho sobreviveu a 100%, não tendo ocorrido recidiva da fístula ao fim de 3 anos pós-operatório.
Caso 3. Doente de 50 anos, sexo feminino, com antecedentes de carcinoma da mama esquerda, tendo realizado mastectomia radical modificada, quimioterapia e terapia hormonal com tamoxifeno adjuvantes. Encontrava-se medicada com ácido zoledrónico, pelo que desenvolveu um quadro de osteonecrose associada a bifosfonatosdo arco mandibular anterior (dentes 3.3-4.6), com exposição óssea intra-oral extensa (Fig. 8).
![](/img/revistas/cpil/v45n1//1989-2055-cpil-45-01-0057-gf20.jpg)
Figura 8. Reconstrução tridimensional de tomografia computorizada revela osteonecrose do arco mandibular anterior (dentes 3.3-4.6).
Foi submetida a mandibulectomia marginal (Fig. 9) e reconstrução com um retalho FAMM de fluxo anterógrado com 8 x 1.5 cm, suturado à mucosa com Vicryl rapide® 4-0 (Fig. 10).
A zona dadora foi encerrada primariamente.
No pós-operatório apresentou deiscência de pequenas dimensões na extremidade distal do retalho, que cicatrizou por segunda intenção ao fim de aproximadamente duas semanas (Fig. 11). Não foi necessário qualquer procedimento cirúrgico de revisão ao fim de 24 meses pós-operatório.
Discusão
Em nossa experiencia, o retalho FAMM permitiu reconstruir defeitos de diferentes etiologias, dimensões e localizações anatómicas com tecido bem vascularizado e com reduzida morbilidade da zona dadora.
Estão descritas na literatura várias técnicas para reconstrução de defeitos do pavimento da boca, palato e região mandibular anterior, desde retalhos locais e regionais (mucosa, língua, miomucoso de bucinador, submentoniano, platisma, grande peitoral, temporal),(7,8) até retalhos livres (antebraquial radial, anterolateral da coxa, etc.).(9)
O retalho FAMM tem revelado a sua robustez numa variedade de defeitos. Julian Pribaz et al. demonstraram a utilidade deste retalho na reconstrução de defeitos labiais em pacientes com defeitos secundários a traumatismos, resseção de neoplasias, malformações arteriovenosas e osteoradionecrose.(1,2) De facto, vários estudos comprovaram que este retalho pode ser usado em doentes com história prévia de radioterapia.(4,5,10)
A utilização do retalho FAMM na resolução de fístulas do palato foi demonstrada por vários autores; Shettyet al. aplicaram este retalho em 11 doentes com fístulas palatinas, tendo obtido um resultado satisfatório em todos os casos, na ausência de complicações major;(11) está também descrita a sua utilização em casos de fístulas congénitas do palato.(12)
A utilização de bifosfonatos em doentes com metastização óssea por cancro da mama pode causar osteonecrose maxilar e fístulas oro-antrais,(13) as quais podem potencialmente ser reconstruídas com o retalho FAMM. De facto, este retalho permitiu solucionar uma fístula oronasal que recidivou após cobertura com um retalho mucoperiosteal, o que parece corroborar a fiabilidade deste tipo de reconstrução. O sacrifício de parte do músculo bucinador não parece afetar adversamente a mímica facial, embora a funcionalidade deste músculo não tenha sido avaliada após a transferência do retalho.(8)
À semelhança dos casos apresentados, na maioria das séries foi possível o encerramento direto da zona dadora, proporcionando uma cobertura duradoura e estável, sem registo de complicações significativas.(1 2 3 4-5,11) A única complicação registada de deiscência parece ser secundária a tensão excessiva no retalho com consequente necrose distal.
A realização prévia de esvaziamento ganglionar cervical e/ou radioterapia não são, de facto,contra-indicações absolutas à realização do retalho. Conforme demonstrado por vários autores, o retalho FAMM pode ser realizado com segurança na generalidade dos doentes submetidos a esvaziamento ganglionar cervical, bem como a radioterapia.(5,6) No primeiro caso clínico apresentado, o doente tinha sido submetido previamente a esvaziamento ganglionar cervical e radioterapia, o que não impediu a realização (e sucesso) do retalho.
Outra importante vantagem desta técnica é a sua relativa simplicidade face a procedimentos microcirúrgicos, e a rápida recuperação pós-operatória comreduzido tempo de internamento. A utilização intra-operatória de doppler constitui uma etapa essencial durante o procedimento e, em todos os casos, a cirurgia teve uma duração inferior a 2 horas. Dieta por sonda nasogástrica foi mantida nas primeiras 48 horas e, de seguida, foi instituída dieta líquida e mole durante cerca de 4 semanas. No primeiro caso, o doente fez terapia da fala e de deglutição no sentido de maximizar os ganhos funcionais obtidos com a realização do retalho. Nos restantes casos não foi necessária qualquer reabilitação específica.
Conclusão
O retalho FAMM foi utilizado com sucesso na reconstrução de defeitos do pavimento da boca, palato e para cobertura óssea ao nível do arco mandibular anterior.
O reduzido tempo operatório, a baixa morbilidade da zona dadora e o reduzido número de dias de internamento fazem deste retalho uma opção reconstrutiva que deve ser considerada sempre que existem defeitos intra-orais de pequena a média dimensão.
REFERÊNCIAS
1 Pribaz J, Stephens W, Crespo L, et al. A new intraoral flap: facial artery musculomucosal (FAMM) flap. Plast Reconstr Surg. 1992;90(3):421-429. [ Links ]
2 Pribaz JJ, Meara JG, Wright S, et al. Lip and vermilion reconstruction with the facial artery musculomucosal flap. Plast Reconstr Surg 2000;105(3): 864-872. [ Links ]
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Recebido: 21 de Outubro de 2018; Aceito: 21 de Janeiro de 2019