INTRODUÇÃO
Os benefícios físicos e psicológicos da prática de exercício regular estão bem documentados na literatura (Garber et al., 2011; World Health Organization, 2010; Pedersen & Saltin, 2015; Miguel-Calvo, Gallo, Mozas-Majano & Hernández-López, 2011). No entanto, uma elevada proporção da população não cumpre as doses recomendadas de atividade física/exercício (Eurobarometer, 2017). Uma das razões mais comummente reportadas para a prática insuficiente de exercício/atividade física passa pela falta de motivação e interesse em ser fisicamente ativo (Eurobarometer, 2017). Sendo assim, é importante perceber que condições e/ou fatores ligados a esta prática poderão contribuir para uma adesão mais duradoura e consequentes benefícios.
A motivação que energiza, dirige, ativa e mantém os nossos comportamentos (Ryan & Deci, 2017) é um fator fundamental para se conseguir adoptar de forma sustentada a prática de exercício (Teixeira et al., 2012), aliada a maior bem-estar psicológico (Ryan & Deci, 2017), principalmente a motivação que advém de fontes mais internas, ligadas àquilo que entendemos como importante ou que apreciamos (motivações autónomas) por oposição àquelas que advêm de fontes de pressão externas ou autoimpostas (Concha-Viera, Cuevas-Ferrer, Campos-Romero & González-Hernández, 2017; Moreno & Martínez, 2006). O efeito ergogénico do exercício, intimamente associado à resposta afetiva ao exercício, perceção subjetiva de esforço e vitalidade/energia que experienciamos durante e após o exercício, também parece ser decisivo na prática continuada de exercício (Rhodes & Kates, 2015). Identificar formas de potenciar estes benefícios do exercício poderá contribuir para a adesão e manutenção da prática regular de exercício/atividade física ao longo da vida.
A música pode ser um fator chave na prática de exercício/atividade física a longo prazo, dado que pode gerar maiores e melhores níveis de motivação, bem como ser um recurso ergogénico capaz de influenciar positivamente o nosso rendimento durante a tarefa (Bigliassi, Estanislau, Carneiro, Dias & Altimari, 2013; Karageorghis & Terry, 1997). Além disso, pode aumentar os estados de humor e afetos positivos, distrair da monotonia (repetição exaustiva de movimentos) ou do esforço e das sensações de cansaço, fadiga e dor relacionadas com um determinado exercício (Souza & Silva, 2010). A música também é capaz de alterar o nosso estado de espírito, de nos trazer memórias, de gerar emoções, de criar e aumentar a excitação e de reduzir inibições (Thakare, Mehrotra & Singh, 2017). Se estes benefícios psicológicos forem confirmados de forma consistente na literatura, a presença de música durante a prática de exercício (aulas de grupo, programas de exercício estruturado) pode revelar-se um importante facilitador da prática regular e duradoura de atividade física, com o consequente impacto na melhoria da saúde e do estilo de vida da população.
O estudo dos efeitos da música durante o exercício é recente, mas tem vindo a despertar maior interesse da comunidade científica nos últimos tempos. A maior parte dos artigos existentes centra-se nos benefícios da utilização de música a nível físico, como a possibilidade de aumento da intensidade de uma atividade e da sua duração até à exaustão (Atan, 2013). Por outro lado, a literatura que analisa o seu impacto em variáveis de teor psicológico parece ser mais escassa. Deste modo, torna-se importante compilar essa evidência, no sentido de informar futuras iniciativas e intervenções de promoção de uma adesão sustentada à atividade física.
Esta revisão sistemática pretende assim sumariar a evidência científica que tenha investigado o efeito da utilização de música durante a prática de exercício físico estruturado em variáveis psicológicas como a motivação, a vitalidade, a resposta afetiva ao esforço e perceção subjetiva de esforço, e outras relacionadas.
MÉTODOS
Esta revisão sistemática foi realizada de acordo com o PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses; Liberati et al., 2009). Teve um carácter integrador, baseando-se na agregação de resultados de estudos empíricos quantitativos, publicados em revistas com revisão de pares (Fernández-Ríos & Buela-Casal, 2009).
Critérios de elegibilidade
Para serem incluídos nesta revisão, os estudos tinham de estar publicados em inglês, em revistas científicas com revisão de pares, ter amostras de adultos (entre os 18 e os 65 anos) praticantes regulares de exercício estruturado (i.e., aulas de grupo, programas de exercício) ou não estruturado, desde que sem qualquer doença psicológica diagnosticada. A exploração das associações da presença de música durante a realização de exercício estruturado com pelo menos uma das variáveis dependentes (motivação, vitalidade, resposta afetiva ao exercício e perceção subjetiva de esforço), ou outras relacionadas, foi considerada um critério de inclusão, independentemente do desenho de estudo. Não foram colocados critérios ao nível da intensidade ou tipologia do exercício. No caso de estudos de intervenção, não se colocaram critérios em relação ao grupo de controlo/comparação. Estudos de revisão, protocolos, comentários, artigos de opinião, teses/dissertações, estudos qualitativos e estudos de caso foram excluídos.
Estratégia de pesquisa e seleção de estudos
A fase de pesquisa de artigos científicos com revisão de pares, publicados até Janeiro de 2018 ou em fase de impressão, decorreu entre 27 de janeiro e 17 de fevereiro de 2018. Foi realizada em três bases de dados eletrónicas: SPORTdiscus, Pubmed e PsycINFO
A pesquisa incluiu a combinação de vários grupos de termos, de acordo com a estratégia PICO: 1) para a população/amostra abrangida: adult exercisers; 2) referente à intervenção/variável independente: Music OR rhythm OR sound OR music beat OR music tempo OR music speed OR music style OR melody OR music tune; 3) variáveis dependentes (outcomes): Motivation OR motives OR reasons OR regulations OR basic psychological needs OR psychological well-being OR well being OR affect OR mood OR emotion OR affective response OR emotional response OR vitality OR energy OR vigor OR fatigue OR perceived exertion OR effort.
Após a fase de pesquisa, a seleção dos estudos relevantes iniciou-se com a leitura dos títulos e resumos. Os artigos potencialmente relevantes foram guardados para uma leitura integral posterior. Após esta fase, os artigos que cumpriam os critérios de inclusão na íntegra foram escolhidos para integrar esta revisão sistemática de literatura. A seleção dos artigos foi feita por duas pessoas.
Extração de dados e análise de informação
Da leitura e análise dos artigos selecionados foram extraídas para uma tabela as seguintes informações de cada um deles: autores e ano (referência), amostra (idade, género), desenho de estudo, características da intervenção realizada, variável independente (música, condição e instrumentos se utilizados), variáveis dependentes e respetivos instrumentos de medida e resultados principais nas variáveis dependentes. Esta informação é apresentada na Tabela 1, estando os artigos organizados por ordem alfabética.
Relativamente aos resultados, começou-se por fazer uma breve caracterização dos estudos incluídos, seguida de uma apresentação descritiva e integradora dos resultados principais, organizada por variável dependente.
Avaliação da qualidade metodológica dos estudos
A qualidade metodológica foi avaliada com o Quality Assessment Tool for Quantitative Studies, desenvolvido no âmbito do Effective Public Health Practice Project (Thomas, Ciliska, Dobbins & Micucci, 2004). A classificação final da qualidade dos estudos obteve-se através da atribuição de sub-classificações (forte, moderado ou fraco) a um conjunto de 6 tópicos: Representatividade da amostra, desenho de estudo, fatores confundentes, blinding, recolha de dados e Retenção/dropouts. Uma classificação global foi determinada com base nas sub-classificações atribuídas: forte se não houve sub-classificações fracas; moderada se houve uma sub-classificação fraca; fraca se houve mais de duas sub-classificações fracas.
RESULTADOS
A pesquisa efetuada resultou na identificação de 337 artigos, após exclusão de 11 duplicados. Após leitura dos títulos e resumos, 52 artigos foram considerados potencialmente relevantes. Após leitura integral destes 52 artigos, 25 foram excluídos por não cumprirem um ou mais critérios de inclusão. Foram assim incluídos 27 artigos nesta revisão sistemática de literatura (Bood, Nijssen, Van der Kamp & Roerdink, 2013; Brownley, McMurray & Hackney, 1995; Crust, 2008; Edworthy & Waring, 2006; Gabana, Van Raalte, Hutchinson, Brewer & Pettipas, 2015; Guerrero, Fajardo & Corona, 2017; Guillén & Ruiz-Alfonso, 2015; Halfmann & Smith, 2014; Hutchinson & Karageorghis, 2013; Hutchinson, Karageorghis & Jones 2015; Jarraya et al., 2012; Karageorghis & Jones, 2014; Karageorghis et al., 2009; Karageorghis et al., 2010;, Lim, Atkinson, Karageorghis & Eubank, 2009; Lim, Karageorghis, Romer & Bishop, 2014; Lima-Silva et al., 2012; Lopes-Silva, Lima-Silva, Bertuzzi & Silva-Cavalcante, 2015; Macone, Baldari, Zelli & Guidetti, 2006; Mohammadzadeh, Tartibiyan & Ahmadi, 2008; Nakamura, Pereira, Papini, Nakamura & Kokubun, 2010; Sanchez, Moss, Twist & Karageorghis, 2014; Shaulov & Lufi, 2009; Stork, Kwan, Gibala & Martin Ginis, 2014; Szmedra & Bacharach, 1998; Tiev, Manire, Robertson & Barbara, 2010; Young, Sands & Jung, 2009) (Figura 1).
Características dos estudos incluídos
Dos 27 artigos incluídos, 25 foram publicados entre 2000 e a atualidade, sendo os outros 2 da última década do século XX Já no que diz respeito à amostra, 1 estudo incluiu uma amostra unicamente feminina, 7 artigos incluíram uma amostra masculina e os restantes 19 incluíram uma amostra mista. Quatro dos artigos incluíram indivíduos com idade superior a 30 anos, mas os restantes 23 incluíram amostras com idades inferiores a 30 anos. No que respeita ao tipo de estudo, incluiu-se 1 estudo transversal e 26 estudos experimentais.
Relativamente às variáveis analisadas e aos instrumentos de avaliação, 20 estudos mediram a perceção subjetiva de esforço (RPE), maioritariamente através da Escala de Borg de 6-20 (n=13) ou de 0-10 (n=6). A resposta afetiva ao esforço foi avaliada em 12 artigos, principalmente através da Feeling Scale (n=9). A motivação (quantidade) foi avaliada através da Escala de Tenenbaum (n=3). Apenas um estudo avaliou um dos tipos/qualidades da motivação, através do Intrinsic Motivation Inventory. Não foram utilizados outros instrumentos para avaliar os outros tipos/qualidades de motivação em nenhum dos artigos incluídos. O prazer/diversão, constructo muito próximo da motivação intrínseca, foi avaliado por 2 vezes, com diferentes instrumentos. Algumas variáveis foram avaliadas apenas uma vez (por exemplo, o humor e a ansiedade), e alguns instrumentos foram utilizados apenas uma vez (por exemplo, Exercise Induced Feeling Inventory). A Vitalidade não foi avaliada em nenhum dos artigos. As componentes motivacionais da música foram avaliadas através do Brunel Music Rating Inventory-I (n=1) e do Brunel Music Rating Inventory-2 (n=4).
Qualidade metodológica
No que se refere à qualidade metodológica dos estudos, 18 foram classificados com qualidade moderada (Bood et al., 2013; Gabana et al., 2015; Guillén & Ruiz-Alfonso, 2015; Halfmann & Smith, 2014; Hutchinson & Karageorghis, 2013; Hutchinson, Karageorghis & Jones 2015; Jarraya et al., 2012; Karageorghis & Jones, 2014; Karageorghis et al., 2009; Karageorghis et al., 2010; Lim et al., 2009; Lim et al., 2014; Lopes-Silva et al., 2015; Macone et al., 2006; Nakamura et al., 2010; Sanchez et al., 2014; Stork et al., 2014; Tiev et al., 2010) e 9 com qualidade fraca (Brownley, McMurray & Hackney, 1995; Crust, 2008; Edworthy & Waring, 2006; Guerrero, Fajardo & Corona, 2017; Lima-Silva et al. 2012; Mohammadzadeh, Tartibiyan & Ahmadi, 2008; Shaulov & Lufi, 2009; Szmedra & Bacharach, 1998; Young, Sands & Jung, 2009). Esta avaliação derivou do facto das amostras dos vários estudos serem compostas por voluntários ou formadas por conveniência, não sendo representativas da população em nenhum dos casos (sub-classificação de representatividade da amostra fraca), e ainda do facto de não ter sido assegurado que os responsáveis pelas avaliações feitas estivessem cegos no que respeita à condição dos participantes.
Resultados principais
Nesta revisão sistemática pretendeu-se analisar os efeitos da presença de música durante a prática de exercício na motivação, resposta afetiva ao esforço, vitalidade, perceção subjetiva de esforço, entre outras variáveis psicológicas.
Motivação. Um total de 4 estudos analisaram os efeitos da presença de música durante o exercício na quantidade da motivação. Destes, 3 estudos mostraram que a presença de música elevava os níveis de motivação, sobretudo quando a música era considerada motivadora (Gabana et al., 2015; Hutchinson & Karageorghis, 2013; Hutchinson, Karageorghis & Jones 2015), enquanto 1 estudo não revelou efeitos da presença da música (Stork et al., 2014).
Apenas um estudo avaliou o efeito da presença de música na qualidade da motivação, nomeadamente na motivação intrínseca, não tendo sido observados efeitos significativos na condição com música (Karageorghis & Jones, 2014). Porém, 3 estudos que investigaram os efeitos da música no prazer/diversão associado à prática de exercício (um indicador de motivação intrínseca) mostraram que este foi superior na presença de música (Shaulov & Lufi, 2009; Stork et al., 2014; Tiev et al., 2010). Não se encontraram artigos que analisassem os efeitos da música nos restantes tipos motivação (extrínseca) e na amotivação para o exercício. Ou seja, não foi encontrado nenhum estudo que avaliasse a qualidade da motivação na sua plenitude.
Resposta afetiva ao esforço. As respostas afetivas foram significativamente mais positivas na presença de música em 6 estudos (Edworthy & Waring, 2006; Hutchinson & Karageorghis, 2013; Hutchinson, Karageorghis & Jones 2015; Karageorghis & Jones, 2014; Karageorghis et al., 2009; Lim et al., 2014), não se tendo encontrado diferenças significativas em 4 estudos (Karageorghis et al., 2010; Lim et al., 2009; Sanchez et al., 2014; Stork et al., 2014). Alguns estudos sugeriram ainda que certas características podem moderar os efeitos da presença de música na resposta afetiva, designadamente o género, a qualidade motivadora da música e a presença de vídeo. A presença de música parece beneficiar a resposta afetiva ao esforço nas mulheres (Karageorghis et al., 2010), nas pessoas menos treinadas (Brownley, McMurray & Hackney, 1995), quando a música é considerada motivadora (Karageorghis et al., 2010; Hutchinson & Karageorghis, 2013) ou quando é acompanhada de vídeo (Hutchinson, Karageorghis & Jones 2015).
Analisando a qualidade dos estudos e os resultados obtidos, não se considera que esta tenha interferido, uma vez que os 4 artigos em que não se observaram efeitos da presença de música foram avaliados como tendo uma qualidade moderada, bem como 5 daqueles em que se encontraram efeitos.
Perceção subjetiva de esforço. Cinco dos artigos analisados mostraram níveis significativamente menores de perceção de esforço na presença de música (Bood et al., 2013; Hutchinson, Karageorghis & Jones, 2015; Mohammadzadeh, Tartibiyan & Ahmadi, 2008; Szmedra & Bacharach, 1998; Tiev et al., 2010), mas os restantes 14 não encontraram diferenças significativas entre condições (Brownley, McMurray & Hackney, 1995; Edworthy & Waring, 2006; Gabana et al., 2015; Guerrero, Fajardo & Corona, 2017; Guillén & Ruiz-Alfonso, 2015; Halfmann & Smith, 2014; Jarraya et al., 2012; Karageorghis et al., 2009; Lim et al., 2009; Lim et al., 2014; Lima-Silva et al., 2012; Lopes-Silva et al., 2015; Sanchez et al., 2014; Stork et al., 2014; Szmedra & Bacharach, 1998; Tiev et al., 2010; Young, Sands & Jung, 2009). Algumas características parecem moderar os efeitos da presença de música na perceção subjetiva de esforço, nomeadamente a presença simultânea de vídeos que potencia ainda mais a redução da percepção de esforço (Hutchinson, Karageorghis & Jones, 2015) ou o facto da música não ser apreciada, o que pelo contrário, elimina os efeitos positivos da presença de música, elevando a perceção subjetiva de esforço (Nakamura et al., 2010).
Dos 14 artigos em que não foram encontradas diferenças significativas, 9 foram qualificados com uma qualidade moderada e 5 com fraca, enquanto que dos 5 estudos em que houve diferenças significativas, apenas 2 foram avaliados com qualidade fraca. Neste sentido, parece-nos que a qualidade dos estudos não deverá ter interferido nos resultados.
Vitalidade. Não foram encontrados estudos que explorassem os efeitos da presença de música durante o exercício na vitalidade.
Outras variáveis psicológicas relacionadas. A pesquisa efetuada revelou a existência de efeitos positivos da presença de música em outras variáveis psicológicas relacionadas, apesar de cada variável ter sido analisada em um ou dois estudos apenas. Resumindo os resultados encontrados, verificaram-se diminuições significativas da tensão, depressão, confusão e estado de ansiedade (Macone et al., 2006), maiores níveis de envolvimento e absorção no exercício (i.e., flow) e de motivação intrínseca (Karageorghis & Jones, 2014), e ainda maiores níveis de excitação/arousal (Lim et al., 2014). Verificou-se ainda que a velocidade da música e o género poderão ser fatores moderadores destes efeitos positivos da música (Karageorghis & Jones, 2014).
Relação entre as componentes da música e a motivação. Cinco estudos tentaram averiguar se diferentes características da música geram níveis de motivação diferentes nos sujeitos. O ritmo, a velocidade/tempo e a batida da música estão entre as características musicais consideradas mais motivadoras (Crust, 2008; Guillén & Ruiz-Alfonso, 2015; Lim et al., 2009). Outras características como a melodia, o estilo musical, as associações pessoais e o conteúdo emocional, parecem ser capazes de intensificar os afetos positivos dos praticantes de exercício (Lim et al., 2009). As mulheres parecem valorizar mais a melodia da música, enquanto os homens atribuem maior importância à associação da música ao desporto; porém, apenas um estudo de qualidade fraca comparou os géneros (Crust, 2008). Dois estudos não encontraram efeitos distintos das várias componentes da música (Lopes-Silva et al., 2015; Stork et al., 2014).
DISCUSSÃO
O objetivo desta revisão sistemática foi analisar os efeitos que a presença de música poderia ter durante a prática de exercício físico em variáveis psicológicas como a motivação, a resposta afetiva ao esforço, a vitalidade, e a perceção subjetiva de esforço, entre outras. Os resultados da presente revisão realçam o reduzido número de estudos existentes para algumas das variáveis e, paralelamente, a inconsistência dos efeitos encontrados, com exceção do observado para a perceção subjetiva de esforço. Concretamente, verificou-se que apenas 11 estudos analisaram os efeitos da presença de música na resposta afetiva ao exercício, sendo que só cerca de metade revelaram efeitos positivos (n=6). No que respeita à motivação, somente 4 estudos avaliaram os efeitos da presença de música, mas apesar do número reduzido, os resultados foram relativamente consistentes e positivos na sua generalidade (em 3 dos 4 estudos). Similarmente, os efeitos positivos da música no aumento do prazer/diversão durante a prática de exercício foram consistentes, apesar de derivarem de apenas 3 estudos. Relativamente à percepção subjetiva de esforço, foram encontrados bastantes mais estudos (n=22), tendo a maior parte (n=14) sugerido a inexistência de efeitos da presença de música na redução da percepção subjetiva de esforço. Este resultado em concreto parece contradizer a literatura que sugere que a música, pela distração do possível mal-estar derivado do esforço, evocação de emoções e boas recordações, ou simplesmente pelo facto de gostarmos da playlist em si, possa ter na redução da perceção subjetiva de esforço (Hutchinson & Karageorghis, 2013; Karageorghis & Jones, 2014).
Os resultados observados e as suas disparidades poderão ter várias explicações de caráter metodológico como a utilização de protocolos diferenciados (condições experimentais, sessões de exercício, tempo do estudo, entre outros aspetos), o recurso a instrumentos diferentes entre os estudos para a avaliação de uma mesma variável (por exemplo, a Feeling Scale ou o Positive and Negative Affect Schedule usados para avaliar a resposta afetiva), ou a variabilidade nas características das amostras (i.e., níveis de aptidão física, tempo de prática, etc.). Por exemplo, é de esperar que uma pessoa que já pratique exercício regularmente não veja a música como um fator extra tão motivador como alguém que se tornou fisicamente ativo há pouco tempo, uma vez que a primeira já deverá estar bem motivada para manter a sua prática. Relativamente à perceção subjetiva de esforço, poder-se-á pensar que alguém que não esteja habituado a exercitar-se beneficie mais da música como um fator de distração da dor e do cansaço do que alguém treinado e habituado ao exercício. Isto porque a redução da perceção de esforço está fortemente relacionada com condições que incluam estímulos que retirem o foco da nossa atenção das sensações físicas durante o exercício como a fadiga (Nethery, 2000).
Possíveis associações entre várias das variáveis psicológicas analisadas neste estudo e que permanecem relativamente desconhecidas podem também ajudar a explicar a falta de consistência nos resultados. Por exemplo, a perceção de esforço e a resposta afetiva são elementos que não são isomorfos, ou seja, apesar de ligados, são distintos e podem sofrer variações em sentidos contrários dependendo das condições (Boutcher & Trenske, 1990; Elliott, Carr & Orme, 2005). Por outras palavras, numa condição de exercício mais intensa e com música que leve a uma perceção de esforço maior, os níveis de afetos positivos (e não os negativos como é mais habitual) poderão ser mais elevados, pelo contentamento derivado dos resultados que estão a ser obtidos (Edworthy & Waring, 2006). Além disso, a música por si só pode aumentar a motivação intrínseca, o que também poderá ter efeito na resposta afetiva, dado estas duas variáveis estarem ligadas (Elliott, Carr & Orme, 2005; Hutchinson, Karageorghis & Jones, 2015).
É também possível que a interferência de outras variáveis nas associações entre a música e cada uma das variáveis psicológicas em análise possa contribuir para os resultados observados. Relativamente à resposta afetiva ao esforço, o aumento dos afetos positivos poderá ser consequência de um aumento do rendimento/performance que poderá advir da presença de música, mas não diretamente da presença de música, interferindo nas relações analisadas aqui nesta revisão. Porém, e apesar destes efeitos de mediação precisarem de ser estudados com maior profundidade, o que parece acontecer na maioria dos casos é apenas a verificação dos níveis de afetos positivos e negativos respeitantes à prática de exercício com e sem música, negligenciando-se a análise das causas subjacentes a este aumento ou redução dos afetos, que efetivamente poderão ser múltiplas e independentes da presença ou ausência de música (Elliott, Carr & Savage, 2004).
É ainda importante referir que a interpretação dos resultados das diversas investigações em que a música é uma das variáveis são ainda dificultados pelo facto de esta ter inúmeras características específicas, como o estilo (pop, rock, clássica, jazz, entre outras), a velocidade (normalmente referido como número de batimentos por minuto; bpm), o volume (mais alto ou mais baixo), entre outras. Tudo isto leva a uma panóplia de variantes musicais, que podem interferir diferentemente nas respostas psicológicas das pessoas. Também o facto de a música ter ou não letra associada requer mais investigações futuras (Sanchez et al., 2014). No entanto, realça-se que os efeitos positivos ou negativos provenientes da música podem nem estar relacionados com estas características, mas sim com motivos como o reavivar de boas ou más memórias ou até mesmo por nos fazer fantasiar e pensar num futuro mais agradável (Boutcher & Trenske, 1990).
Além de tudo isto, as preferências pessoais de cada um podem interferir com a maneira como a pessoa lidará com a presença de música durante a prática de exercício. A mesma trilha sonora pode ter impactos diferentes em pessoas com gostos musicais diferentes (Gabana et al., 2015; Hutchinson & Karageorghis, 2013). Pesquisas futuras deverão ter isso em consideração e ter grupos experimentais que façam (vs. não) as suas próprias escolhas musicais.
Limitações da evidência. O número de estudos centrados na análise dos efeitos da presença de música em variáveis psicológicas foi muito reduzido, sendo que a maioria dos artigos existentes analisa variáveis físicas como o rendimento, a resistência e a frequência cardíaca. Também se verifica que os estudos experimentais se têm focado em sessões de exercício aeróbio e raramente no trabalho de força e que a perceção subjetiva de esforço tem sido a variável psicológica mais estudada, o que estará potencialmente ligado à facilidade com que esta é medida (Escala de Borg, na grande maioria dos casos). Finalmente, será importante considerar a intensidade do exercício realizado quando se analisa o efeito da música nos fatores psicológicos. Apenas dois dos estudos identificados tiveram este aspecto em consideração (Brownley, McMurray & Hackney, 1995; Hutchinson, Karageorghis & Jones, 2015), mas usando protocolos diferenciados, impossibilitando assim a análise do papel da intensidade do exercício realizado nos efeitos psicológicos induzidos pela presença de música na presente revisão. Similarmente, a análise de outros moderadores dos efeitos da música foi escassa. Deste modo, futuramente, é importante que se procurem considerar os aspectos mencionados, procurando-se a utilização de protocolos mais uniformizados, mas que contemplem diferentes intensidades de treino, preferências musicais (vs. impostas), que explorem diferentes características da música e que utilizem instrumentos mais estandardizados. Será também importante controlar para o efeito da experiência prévia na prática da modalidade analisada, visto que esta pode influenciar a percepção de competência (Zarceño, Vilella, Serrano-Rosa & López, 2017), e portanto mascarar os efeitos da presença de música.
CONCLUSÕES
A presente revisão sistemática mostrou que o estudo do recurso à música durante a realização de exercício é algo que deverá ser aprofundado em investigações futuras dada a variabilidade observada não só em termos de resultados, mas também de metodologias. A perceção subjetiva de esforço não parece ser influenciada pela presença de música, mas os resultados relativos às restantes variáveis foram inconsistentes, também fruto do reduzido número de estudos por variável. Se há já uma quantidade elevada de investigações que associam a existência de música a maiores produções de trabalho físico (e.g., períodos de tempo até à exaustão maiores), é importante que estudos futuros deem prioridade ao estudo do efeito psicológico da presença da música durante a prática de exercício. Recomenda-se que futuramente se procurem utilizar protocolos mais uniformizados e instrumentos mais estandardizados, que analisem diferentes intensidades de treino, preferências musicais (vs. impostas) e características da música. Conseguindo-se comprovar futuramente que o recurso à música tem vantagens nas variáveis referidas, acredita-se que este poderá ser um recurso para potenciar a adesão continuada à prática de exercício físico regular, combatendo os elevados níveis de sedentarismo da população em geral.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
A variabilidade de resultados encontrados nesta revisão impossibilita afirmar convictamente que a presença de música durante a realização de exercício poderá (ou não) ser um coadjuvante da adoção sustentada do exercício, por intermédio dos seus efeitos nas variáveis psicológicas analisadas. Apesar de alguns estudos apontarem nesse sentido, como por exemplo os estudos que mostraram aumentos no prazer/diversão ou nos níveis de motivação, a maior parte das variáveis foram analisadas muito poucas vezes para se poderem retirar conclusões válidas e robustas. Deste modo, ainda é cedo para traçar linhas de ação ou delinear recomendações baseadas em evidência suficiente e consistente. Do que se pode depreender até à data, realizar exercício na presença de música parece ter efeitos positivos, principalmente ao nível do prazer e da motivação, ou na pior das hipóteses nenhum efeito, pelo que a sua utilização durante a prática de exercício não parece ser desaconselhável para a promoção de uma adoção sustentada ao exercício.