INTRODUÇÃO
A inatividade física aumenta o risco de câncer de mama na pós-menopausa e possivelmente na pré-menopausa, embora sejam propostos diferentes mecanismos biológicos (Neilson, Farris, Stone, Vaska, Brenner & Friedenreich, 2017). Estudos comprovam que a atividade física está associada a um menor risco para vários tipos de câncer, mas apenas o câncer de cólon e de mama apresentam associações fortes ou evidências altamente sugestivas (de Rezende et al., 2018). Mesmo assim, a prática de atividade física ainda é um fator desafiador para as pessoas que se encontram em tratamento oncológico e para os profissionais da saúde. Muitos têm receio e podem não reconhecer inicialmente os benefícios deste comportamento, uma vez que o tratamento para o câncer pode gerar alguns desconfortos específicos que interferem na realização de atividades físicas, como fadiga severa, anemia, cateteres permanentes, disfunções neurológicas, entre outros (Rock et al., 2012).
A adesão para a prática de atividades físicas durante o tratamento pode também sofrer influência do encaminhamento médico/clínico direcionado (Livingston et al., 2015). Outros fatores como fadiga, dor, falta de motivação e falta de disciplina podem influenciar a adesão ou permanência na atividade física durante o tratamento do câncer, sendo que em pesquisa recente observou-se que 75% das pessoas em tratamento para o câncer reduzem os níveis de atividade física após o diagnóstico (Romero, Li & Mao, 2017), mesmo com estudos sugerindo que a atividade física é bem tolerada durante e após o tratamento sem eventos adversos (Speck, Courneya, Mâsse, Duval, & Schmitz, 2010).
Pesquisadores vêm apoiando seus estudos sobre o comportamento relacionado a saúde na Teoria da Autodeterminação (TAD), encontrando resultados positivos nos comportamentos e, indiretamente, melhora na saúde física e psicológica (Ntoumanis et al., 2020). A TAD (Deci & Ryan, 2017) vem sendo utilizada de maneira substancial no contexto da saúde nos últimos 15 anos (Chatzisarantis, Hagger, Kamarova & Kawabata, 2012; Duda et al., 2014; Halvari, Healey, Olafsen, Byrkjeland, Deci & Williams, 2017; Husted, Thorsteinsson, Esbensen, Gluud, Winkel, Hommel & Zoffmann, 2014; Ntoumanis et al., 2020; Zhou, 2021). Trata-se de uma teoria desenvolvida e apresentada por Deci e Ryan, (2017) como um modelo de explicação da motivação humana centrada na personalidade e nos contextos sociais, que se diferenciam em motivação autônoma ou controlada. Esta perspectiva tem o objetivo de explicar a motivação e o comportamento humano, baseada em diferentes orientações motivacionais, influências do contexto e percepções interpessoais (Deci & Ryan, 2000).
Para a TAD o comportamento humano é motivado por três necessidades psicológicas básicas e universais: autonomia, competência e relacionamento. Sendo que a autonomia se refere aos esforços da pessoa em ser o agente das suas ações, agindo como o responsável em atingir seus objetivos, determinando seus próprios comportamentos. A competência está diretamente relacionada com o sentimento de eficácia, diante de alguma ação, que faz com que as pessoas se sintam seguras em suas possibilidades e realizem novas atividades para aumentar sua competência. Por sua vez, a necessidade de relacionamento ou vínculo, se refere ao esforço em criar relações, e preocupar-se com os outros, sentindo satisfação com suas relações sociais, sendo considerada em duas dimensões, a de sentir-se aceito e íntimo com os outros (Deci & Ryan, 1991). A satisfação das necessidades psicológicas básicas está associada ao prazer, ao esforço na realização de atividades e a outros resultados positivos (Deci & Ryan, 2017), e quando frustradas resultam em consequências negativas no bem-estar e saúde pessoal (Ryan & Deci, 2000).
No domínio da saúde estudos baseados na TAD examinam as relações entre os constructos da teoria e os comportamentos de saúde (por exemplo, atividade física, abstinência do tabagismo) e os índices de saúde (por exemplo, higiene dental, depressão, qualidade de vida, satisfação com a vida), com resultados que apontam a importância da percepção de competência e da regulação autônoma sobre a motivação (Oumrait et al., 2020; Ng, Ntoumanis, Thøgersen-Ntoumani, Deci & Williams, 2012; Gillison, Rouse, Standage, Sebire & Ryanet, 2019; Ntoumanis et al., 2020).
Além dos aspectos psicossociais que podem influenciar a adoção de comportamentos de saúde, há ainda características inatas que podem ser fatores determinantes sobre atitudes relacionadas à saúde. Os aspectos inatos de comportamento vêm sendo estudados e associados ao fenótipo em que os indivíduos são inseridos, como uma possibilidade de elucidar aspectos relacionados à influência do genótipo no desenvolvimento da personalidade adulta (Bouchard & McGue, 1990), sendo encontrados estudos sugerindo a utilização da dermatoglifia como possível método de pesquisa científica também nas ciências psicológicas (Akbarova, 2018).
A dermatoglifia estuda as impressões digitais como indicadores de condições existentes várias semanas antes do nascimento de um indivíduo. Os padrões dermatoglíficos (desenhos), formados durante o período embrionário, são classificados por diferentes autores, sendo principalmente divididos em três ou quatro tipos: Arco (A) é o desenho formado por linhas basilares e marginais sem construção de deltas ou núcleos; Presilha Ulnar (LU) é o desenho formado por linhas basilares, marginais e nucleares de forma que permita a construção de apenas um delta e este, em relação ao núcleo da figura, está disposto no lado ulnar da mão; Presilha Radial (LR) é o desenho formado por linhas basilares, marginais e nucleares de forma que permita a construção de apenas um delta e este, em relação ao núcleo da figura, está disposto no lado radial da mão; Verticilo (W) ou Verticilo (S) é o desenho formado por linhas basilares, marginais e nucleares de forma que permita a construção de dois deltas e dois núcleos (Abramova, Nikitina, Izaak & Kochetkova, 2000; Nodari Júnior & Fin, 2016)
A Dermatoglifia, vem se mostrando uma possibilidade coadjuvante nas avaliações em saúde (Nodari Júnior & Fin, 2016), uma vez que a individualidade biológica é um dos fatores observáveis quanto ao surgimento do câncer e pode ser também um fator que caracteriza certos tipos de comportamento. A literatura já demostra que as características dermatoglíficas podem servir como uma marca potencialmente útil e uma ferramenta de diagnóstico, juntamente com os métodos usuais, para identificar um grupo específico de indivíduos com predisposição para determinados tipos de câncer como o de mama (Bierman, Faith & Stewart, 1988; Khandelwal, Mittal, Saijanani, Tuteja, Bansal, Bhatnagar & Saxena, 2007; Sariri, Kashanian, Vahdat & Yari, 2012; Yaneva et al., 2018). Também há estudos que correlacionam a dermatoglifia com a diabetes na meia-idade (Kahn, Graff, Stein & Lumeyet, 2009) e outras doenças relacionadas ao estilo de vida (Kaur, 2019).
As características de personalidade e temperamento também vêm sendo estudadas considerando fatores biológicos e de herdabilidade (Ito & Guzzo 2002), com estudos que indicam correlação entre as características dermatoglíficas e níveis de inteligência emocional (Kumari, Babu & Kumar, 2014; Suresh & Padmalatha, 2019). No contexto comportamental, a dermatoglifia surge como possível área de estudo. Em alguns casos na psicologia, o uso das marcas de individualidade biológica, como as impressões digitais, vem sendo estudadas considerando diferentes características psicológicas (Akbarova, 2018) e traços da personalidade (Serebrennikova, Gunas, Klimas, Ocheretna & Shayuk, 2019)
Existem na literatura estudos mostrando a importância da autoeficácia e do prazer, como aspectos cognitivo e afetivo relacionados à prática de atividade física em pessoas com câncer (Leclair, Lebel & Westmaas, 2021; Ungar, Wiskemann & Sieverding, 2016), e outros estudos recentes que apresentam a relação entre os constructos da teoria da autodeterminação e o comportamento relacionado à saúde (Oumrait et al., 2020; Fenton et al., 2020; Kim, Chu, Oh, Shin, Jeon & Lee, 2020). Todavia, não foram encontrados estudos que identificam estas relações com pessoas em tratamento para o câncer de mama, bem como a relação com as caraterísticas inatas das impressões digitais, por meio da dermatoglifia.
Explora-se diferentes contextos e estratégias para se obter resultados ligados à saúde, neste sentido, o conhecimento dos aspectos comportamentais e biológicos relacionados ao estilo de vida do paciente oncológico contribui para a qualificação do serviço de saúde, por meio da implementação de protocolos de assistência para pessoas com câncer, impactando positivamente na saúde deste e em todo o ciclo social em que ele está inserido. Considera-se a ausência de estudos semelhantes anteriores e a hipótese de que mulheres com maior nível de satisfação dos constructos da teoria da autodeterminação apresentam também maior nível de atividade física, mesmo durante o tratamento para o câncer de mama, assim como pode existir a possibilidade de associação da dermatoglifia, considerando os aspectos inatos do comportamento. Assim, o objetivo deste estudo foi investigar a associação dos constructos da teoria da autodeterminação e das características dermatoglíficas com o comportamento relacionado à prática de atividade física em mulheres que se encontram em tratamento para o câncer de mama, considerando seu histórico de atividade física.
MATERIAL E MÉTODOS
Participantes
Participaram deste estudo 104 mulheres, com idades entre 25 e 81 anos (M = 54, DP = 11) que apresentam diagnóstico de câncer de mama e realizam seu tratamento no setor de oncologia de um hospital da região meio oeste de Santa Catarina, Brasil.
Instrumentos
Características sociodemográficas e de estilo de vida. As participantes responderam a um questionário com informações referentes a características sociodemográficas (idade, data e local da avaliação, estado civil, escolaridade, emprego e renda) e de estilo de vida antes da doença (se praticava atividade física antes da doença, tempo de prática, quantos dias na semana e qual atividade)
Nível de Atividade Física. Foi utilizado o Questionário de Nível de Atividade Física Habitual (Habitual Physical Activity Questionnaire) (HPAQ) (Baecke, Burema & Frijters, 1982; Florindo & Latorre, 2003), que é uma escala de autopreenchimento, constituída por 16 itens, que procura avaliar a atividade física habitual em três dimensões: atividade física no trabalho (AFT), exercício físico no tempo de lazer (EFL) e atividade física no tempo de lazer e locomoção (ALL), reportando-se aos últimos 12 meses. Os três domínios podem ser avaliados separadamente, sendo assim, neste estudo foram incluídas somente as dimensões de EFL e ALL. A razão de não incluir a AFT se deve em função da amostra deste estudo ser constituída por mulheres em tratamento para câncer de mama, estando, em grande parte, afastadas de suas atividades laborais. Também porque este trabalho se insere num estudo mais amplo sobre motivação e comportamentos de saúde, pretendemos um questionário curto, que permita diferenciar as participantes e, simultaneamente identificar comportamentos passíveis de serem alterados no sentido de promover a atividade física. O questionário completo poderia aumentar o número de itens, sem necessidade, tornando o questionário final longo. A avaliação dos exercícios físicos no lazer (EFL) é investigada mediante prática dos exercícios físicos regulares envolvendo modalidades específicas, divididas em três níveis de intensidade, de acordo com o gasto energético: leve, moderada e vigorosa. Sugere-se que, para essa classificação, seja utilizado o compêndio de atividades físicas citado anteriormente (Ainsworth et al., 2000). Na avaliação das atividades de lazer e locomoção (ALL), as questões referem-se às atividades sedentárias (como assistir televisão), caminhar, andar de bicicleta e uma última questão sobre os minutos por dia em atividades de locomoção (como ir ao mercado ou andar de bicicleta). Para a determinação do escore total de AFH (ET) somam-se os escores AFT, EFL e ALL, neste estudo o escore final foi a soma de EFL e ALL.
Percepção de Competência. Foi utilizada a Perceived Competence Scale (PCS) (Williams & Deci, 1996), traduzida para o português por Mestre e Pais Ribeiro (2008). A Escala é utilizada para avaliar o grau de competência percebida pelo sujeito na sua capacidade em seguir comportamentos mais saudáveis. Apresenta 4 afirmações, cuja concordância oscila numa escala de Likert de 7 pontos (de 1 = discordo totalmente a 7 = concordo totalmente). O total da escala é dado pela média obtida das diferentes afirmações, sendo que quanto maior a pontuação (mais próximo de 7), maior a percepção de competência. A medida de consistência interna, utilizando o coeficiente alfa de Cronbach, foi de 0,99.
Grau de autonomia em relação à prática de atividade física. Foi utilizado o Treatment Self-Regulation Questionnaire for Physical Activity (TSRQ-PA) (Williams, Freedman & Deci, 1998) traduzido para o português por Marques, De Gucht, Maes, Gouveia e Leal (2012). A escala é composta por 12 itens que avaliam o grau de autonomia na regulação comportamental em relação à prática de exercícios físicos. Os participantes são apresentados a uma frase inicial “A razão pela qual eu quero fazer exercício regular é…” e classifica-se as respostas em uma escala Likert de 7 pontos (de 1 = Discordo totalmente a 7 = concordo totalmente). Sete itens representam razões controladas (2, 3, 5, 6, 7, 8 e 10) ("Sentir-me-ia envergonhado(a) se não fizesse exercício") e cinco itens representam razões mais autônomas (1, 4, 9, 11 e 12) (“Pessoalmente, acredito que fazer exercício é melhor para mim”). A regulação pode ser obtida calculando-se o score-z para cada subescala e subtraindo-se o escore z de cada subescala (autônoma ou controlada). Escores mais altos indicam maior nível de autonomia no engajamento de atividade física. A medida de consistência interna, utilizando o coeficiente alfa de Cronbach, foi de 0,70 para os itens de regulação autônoma e 0,69 para a regulação controlada.
Escala de Satisfação com a Vida. Foi utilizada a versão em português da Satisfaction With Life Scale (SWLS) (Pavot & Diener, 2009), e validada para a população brasileira por Bedin e Sarriera (2014) com o objetivo de avaliar o julgamento que as pessoas fazem sobre o quão satisfeitas encontram-se com suas vidas, sendo composta por 5 itens, variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). O total da escala é dado pela média obtida das afirmações, sendo que quanto maior a pontuação (mais próximo de 5), maior a satisfação com a vida. A medida de consistência interna, utilizando o coeficiente alfa de Cronbach, foi de 0,75.
Dermatoglifia. Para avaliar as características das impressões digitais foi determinado o uso da dermatoglifia, método proposto por Cummins e Midlo (1961), validado por Nodari Júnior, Heberle, Ferreira-Emygdio e Irany-Knackfuss (2008). A partir da coleta das impressões digitais por intermédio do Leitor Dermatoglífico®, a interferência do avaliador ocorre na marcação dos pontos núcleo e delta, quando, então, o software faz a identificação qualitativa da imagem identificando as figuras das impressões digitais: Arco (A), Presilha Radial (LR), Presilha Ulnar (LU), Verticilo (W), Verticilo em S (WS) desenho da mão esquerda, dedo 1 (MET1), dedo 2 (MET2), dedo 3 (MET3), dedo 4 (MET4) e dedo 5 (MET5) e, da mão direita, dedo 1 (MDT1), dedo 2 (MDT2), dedo 3 (MDT3), dedo 4 (MDT4) e dedo 5 (MDT5). O software faz também a identificação quantitativa de linhas: mão esquerda, somatório da quantidade de linhas do dedo 1 - polegar (MESQL1), mão esquerda, somatório da quantidade de linhas do dedo 2 - indicador (MESQL2), mão esquerda, somatório da quantidade de linhas do dedo 3 - dedo médio (MESQL3), mão esquerda, somatório da quantidade de linhas do dedo 4 - anular (MESQL4) e mão esquerda, somatório da quantidade de linhas do dedo 5 - mínimo (MESQL5); somatório da quantidade total de linhas da mão esquerda (SQTLE); mão direita, somatório da quantidade de linhas do dedo 1 - polegar (MDSQL1), mão direita, somatório da quantidade de linhas do dedo 2 - indicador (MDSQL2), mão direita, somatório da quantidade de linhas do dedo 3 - dedo médio (MDSQL3), mão direita, somatório da quantidade de linhas do dedo 4 - anular (MDSQL4) e mão direita, somatório da quantidade de linhas do dedo 5 - mínimo (MDSQL5); somatório da quantidade total de linhas da mão direita (SQTLD); somatório da quantidade total de linhas - ambas as mãos (SQTL), gerando a planilha informatizada resultante dos dados processados.
Procedimento
Este é um estudo observacional, transversal, analítico, para investigar a associação dos constructos da teoria da autodeterminação e das características dermatoglíficas com o comportamento relacionado à prática de atividade física em mulheres que se encontram em tratamento para o câncer de mama, considerando seu histórico de atividade física. Antes da coleta de dados, houve a aprovação do setor de oncologia do Hospital Universitário Santa Terezinha, Joaçaba, Santa Catarina, Brasil, com parecer positivo do Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da Universidade do Oeste de Santa Catarina e do Hospital Universitário Santa Terezinha (CEP-UNOESC/HUST), sob protocolos de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE), número 61883216.8.0000.5367. A pesquisadora verificou a lista de pessoas em tratamento com antecedência e realizou amostragem de conveniência para os que realizam consultas e tratamento no setor de oncologia do hospital. As participantes receberam documento explicando a pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após assinatura do TCLE, foi realizada a coleta das impressões digitais e aplicação do questionário. Este procedimento ocorreu em dias de consulta, sendo respeitados os horários do setor e a disponibilidade das mesmas e durou aproximadamente 25 minutos.
Análise estatística
As mulheres foram agrupadas de acordo com as respostas do histórico de prática de atividade física, se praticavam atividade física antes do diagnóstico da doença e se mantiveram a prática durante o tratamento, sendo então caracterizados os seguintes grupos: Não/Não; Não/Sim; Sim/Não; Sim/Sim.
As variáveis categóricas foram representadas pela frequência absoluta e relativa, sendo representadas por média, desvio-padrão, mediana e intervalo interquartílico (mediana [p25; p75]). Foi realizado para as variáveis quantitativas, inicialmente, o teste de normalidade de Shapiro-Wilk. A correlação de Pearson para verificar o grau de relação entre as variáveis. Para comprovar o poder preditivo das variáveis foi realizada uma análise de regressão linear múltipla hierárquica.
Para comparar as combinações das categorias das mulheres de acordo com as respostas do histórico de prática de atividade física, antes do diagnóstico da doença e durante o tratamento, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis, uma vez que um dos grupos apresentou tamanho (n) menor que 12 sujeitos. Estudou-se também os graus de relações entre as características dermatoglíficas e as variáveis competência percebida, grau de autonomia para a prática de atividade física nível de atividade física e satisfação com a vida. O nível de significância adotado foi de 0.05. As análises foram realizadas no SPSS v.25.
RESULTADOS
Foram coletadas informações de 104 mulheres, com média de idade de 54 anos (DP = 11, mín. = 25, máx = 81), atendidas no Setor de Oncologia de um hospital do meio oeste do estado de Santa Catarina, Brasil.
Quando comparadas as distribuições das variáveis percepção de competência (p<0,001), regulação autônoma (p=0,002), nível de atividade física (p<0,001) e escala de satisfação com a vida (p=0,005) entre as categorias do histórico de prática de atividade física (Antes/Depois do diagnóstico) foram encontradas diferença significativas (Tabela 1). Os resultados mostraram que no grupo de mulheres que fazia atividade física antes do diagnóstico e continuou com a atividade durante o tratamento para o câncer de mama, a percepção de competência, a regulação autônoma, a satisfação com a vida e consequentemente o nível de atividade física foram maiores.
NotaP25 = percentil 25; P75 = percentil 75; Teste de Kruskal-Wallis; Letras distintas representam distribuições estatisticamente diferentes; PCS: Percepção de Competência; Reg.: Regulação; AF: Atividade Física.
Foi utilizada a regressão linear múltipla para verificar se as variáveis percepção de competência, regulação autônoma, nível de atividade física e satisfação com a vida eram preditoras da prática de atividade física antes e depois do diagnóstico de câncer. A análise resultou em um modelo estatisticamente significativo [F (2,101) = 23,380; p < 0,001; R2 = 0,316], em que a percepção de competência (β = 0,457; t = 5,409; p < 0,001) e a regulação autônoma (β = 0,238; t = 2,815; p = 0,006) são capazes de prever a prática de atividade física.
Nas análises dermatoglíficas, 90 das 104 mulheres apresentaram todas as impressões digitais com qualidade para serem avaliadas. Quando comparadas as distribuições da quantidade de linhas para observação da dermatoglifia e as demais variáveis estudadas, não foram encontradas correlações significativas (Tabela 2).
NotaCorrelação de Pearson (valor-p). PCS: Percepção de Competência; Reg.: Regulação; ESV: Escala de Satisfação com a Vida.
Ao observar as variáveis dermatoglíficas dos desenhos das impressões digitais, observou-se que no polegar (MDT1, p=0,047) e indicador (MDT2, p=0,026) da mão direita, a distribuição de verticilos em S desenho (WS) foi maior nas mulheres que apresentaram regulação controlada para prática de atividade física (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Este estudo tem o objetivo de investigar a associação dos constructos da teoria da autodeterminação e das características dermatoglíficas sobre o comportamento relacionado à prática de atividade física em mulheres que se encontram em tratamento para o câncer de mama, considerando seu histórico de atividade física.
De maneira geral, sabe-se que as pessoas que estabelecem uma maior importância para a saúde e competência para a prática de atividade física tem uma maior probabilidade de cumprir as recomendações mínimas para manter os níveis de atividade física (Romo, Muñoz, González & Adam, 2018; Pardo, Castrillón, Pedreño & Moreno-Murcia, 2014). Neste estudo, quando avaliadas as mulheres que estão em tratamento para o câncer de mama, observa-se que a percepção de competência e a regulação autônoma demonstraram ser características importantes para a manutenção da prática de atividade física durante o tratamento para o câncer de mama. Estes resultados são semelhantes aos encontrados na literatura em pessoas com diabetes, que apresentaram a percepção de competência e a regulação autônoma mais fortemente associada ao comportamento relacionado a uma dieta saudável (Oumrait et al., 2020). Também foi comprovada a relação da competência e a prática de atividade física entre sobreviventes de câncer colorretal (Kim et al., 2020) e a importância da regulação autônoma para o comportamento relacionado à prática de atividade física em pessoas com artrite reumatoide (Fenton et al., 2020).
A competência mostrou ter um efeito positivo associação com atividade física, também em outros estudos. Por exemplo, uma meta-análise sobre a TAD no domínio da saúde descobriu que a competência era a variável que mais contribuiu para melhorias nos níveis de prática (Fortier, Duda, Guerin, Teixeira, 2012), sendo um forte preditor para a atividade física (Vlachopoulos, Kaperoni, Moustaka, 2011). De acordo com Deci e Ryan (2000), competência é a percepção subjetiva de habilidades que interagem efetivamente com o meio ambiente. Isso sugere que, se o paciente se percebe capaz de fazê-lo, ele pode realizar efetivamente e por mais tempo a atividade física. A competência pode levar a uma resposta comportamental positiva, melhorando o controle sobre o comportamento, aumentando o interesse e o esforço para realizar atividades físicas, e levando à adoção de hábitos mais saudáveis. Além disso, um estudo especificamente com sobreviventes de câncer de mama e próstata (Mosher, Lipkus, Sloane, Snyder, Lobach & Demark‐Wahnefried, 2013) também descobriu que a competência era o preditor mais forte sobre a atividade física, fornecendo evidências adicionais para a importância desta associação.
Os resultados sobre a regulação autônoma para a prática de atividade física também têm implicações na maneira como as discussões sobre estes comportamentos são direcionados em pessoas que se encontram no tratamento para o câncer. Especificamente, os resultados podem sugerir que o suporte à autonomia oferecido por profissionais que interagem com pessoas em tratamento é uma das razões para promover a internalização e mudança positiva relacionada ao comportamento para atividade física. Uma intervenção com pessoas que apresentam artrite reumatoide demonstrou a importância do suporte à autonomia recebido pelos profissionais, para a adesão ao exercício (Oumrait et al., 2020), destacando o valor potencial das interações de apoio à autonomia como estratégias de intervenção para promover atividade física no tratamento de doenças e o papel da motivação autônoma como um fator que pode ser modificável e determinante tendo como suporte os princípios teóricos da TAD.
Ao aumentar os sentimentos de competência e autonomia da pessoa, podemos ter também o aumento nos níveis de atividade física e consequentemente melhora na satisfação com a vida (Aguiñaga, Ehlers, Cosman, Severson, Kramer & McAuley, 2018). Além disso, neste estudo, os resultados corroboram esse efeito na população com câncer de mama, mostrando que, a prática de atividade física era maior nas mulheres que tinham maior percepção de competência e regulação autônoma, assim como as taxas de satisfação com a vida eram superiores. Nesse sentido, os sentimentos de competência e autonomia, permitem que a pessoa realize atividades físicas, por considerar que este comportamento faz parte de um estilo de vida saudável (Fortier, Duda, Guerin & Teixeira, 2012), impactando positivamente no seu bem-estar global, físico e psicológico, com razões sobre o efeito dessas variáveis sobre a satisfação com a vida da pessoa.
Considerando as características inatas, que podem ser fatores determinantes sobre atitudes relacionadas à saúde, foram observadas marcas nas impressões digitais que se diferenciam entre os grupos investigados, sendo que no polegar e indicador da mão direita, a distribuição de verticilos em S desenho (WS) foi maior nas mulheres que apresentaram regulação controlada para prática de atividade física. Nestas mulheres, a regulação controlada gera comportamentos de pressão externa, indicando o sentido oposto a regulação autônoma, havendo neste caso uma dificuldade em perceber a importância da prática da atividade física por si só. Nas razões controladas, existe a necessidade de haver uma pressão, interna ou externa, para a realização de certos comportamentos, o que é pouco proveitoso, fazendo com que haja maior desistência e resultados negativos diante do objetivo (Vansteenkiste, Williams & Resnicow, 2012).
É importante destacar que existem dificuldades em coletar as impressões digitais das pessoas que se encontram em tratamento para o câncer, pois um dos efeitos colaterais da quimioterapia e radioterapia é o ressecamento e descamação da pele, o que acaba afetando a qualidade das impressões digitais, resultando em perdas na amostra. Para os resultados relacionados às características dermatoglíficas, uma das limitações deste estudo foi o tamanho amostral, pois a distribuição se torna pequena em cada categoria observada. Sendo assim, mesmo apresentando diferenças significativas, sugere-se que estes resultados sejam replicados em amostras maiores.
Ainda como limitações do estudo, a amostra compreende mulheres com uma grande dispersão de idade (25 a 81 anos), neste sentido, estudos futuros devem considerar uma amostra mais homogênea, uma vez que fatores psicológicos e ambientais desempenham um papel relevante na promoção da participação em exercícios físicos em idosos ou em pessoas mais jovens (Martín-Moya, Ruiz-Montero, Garcia & Leeson, 2020).
CONCLUSÕES
A percepção de competência e a regulação autônoma podem ser preditoras da prática de atividade física de mulheres em tratamento para o câncer de mama. Sendo observado que no grupo de mulheres que realizavam atividade física antes do diagnóstico de câncer e continuaram durante o tratamento, a percepção de competência, a regulação autônoma, a satisfação com a vida e o nível de atividade física era maior. As características dermatoglíficas encontradas podem ser um indicativo de uma marca que pode influenciar a regulação comportamental em relação à prática de atividades físicas, porém mais estudos são necessários para verificar como essas variáveis se comportam no âmbito do câncer de mama.
APLICAÇÕES PRÁTICAS
Embora existam estudos com populações análogas, não conhecemos trabalhos que relacionem os constructos da TAD com a prática de atividade física, a satisfação com a vida e as variáveis dermatoglíficas, na população que se encontra em tratamento para o câncer de mama. Este estudo é, portanto, um primeiro passo para desenvolver futuros desenhos de investigação e intervenção que auxiliem a compreensão da influência da autodeterminação e das características dermatoglíficas sobre o comportamento para a prática da atividade física e a satisfação com a vida em pessoas com câncer de mama.
Recomenda-se a realização de estudos randomizados controlados nos quais sejam verificadas as relações entre o nível de atividade física das pessoas com câncer, os constructos da TAD e a satisfação com a vida. Seria também interessante verificar, em futuros estudos, a influência da idade nos resultados obtidos.
Este trabalho é novo pelas informações que fornece sobre a motivação das pessoas com câncer de mama para a prática de atividade física durante o tratamento, abordando as relações entre a competência, autonomia, os níveis de atividade física e satisfação com a vida. Provavelmente, mais estudos são necessários para verificar como essas variáveis se comportam em longo prazo em pessoas com câncer de mama, para que seja possível obter um modelo que auxilie profissionais na implementação de desenhos de intervenção que melhorem o nível de atividade física e a satisfação com os vida dessas pessoas.