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Revista de Bioética y Derecho
versión On-line ISSN 1886-5887
Rev. Bioética y Derecho no.26 Barcelona sep. 2012
https://dx.doi.org/10.4321/S1886-58872012000300005
ARTÍCULO
Importância Atribuída ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
Significance Attributed to the Ethics Research Committee
Adriana Silva Barbosa*, Rita Narriman Silva de Oliveira Boery**, Márcio Roger Ferrari***
*Bióloga, especialista em Metodologia do Ensino Superior pelas Faculdades Integradas de Jequié (FIJ), mestre em Enfermagem e Saúde pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), analista universitária da UESB, secretária do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UESB, Jequié, Bahia, Brasil. E-mail: drybarbosa@yahoo.com.br
**Enfermeira, professora titular do Departamento de Saúde da UESB, doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), professora do programa de pósgraduação (mestrado) em Enfermagem e Saúde, membro suplente do CEP/Uesb, Jequié, Bahia, Brasil. E-mail: rboery@gmail.com
***Analista de Sistemas formado pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Atua na administração de servidores e no desenvolvimento de Sistemas Web. E-mail: mrogerf@gmail.com
RESUMO
Objetivos: Conhecer a concepção de ética em pesquisa de pesquisadores e componentes de Comitês de Ética em Pesquisa - CEPs (secretários, presidentes/coordenadores e pareceristas); identificar a importância atribuída ao CEP pelos pesquisadores e componentes de CEP; identificar os motivos que levam os pesquisadores a submeter seus projetos ao CEP.
Métodos: Estudo quantitativo e descritivo, aprovado pelo CEP/UESB e realizado com 95 pessoas. Os dados foram analisados pelo Software Sphinx.
Resultados: 52,5% dos participantes do estudo disseram que a ética em pesquisa é uma "ciência interdisciplinar que se ocupa da proteção de todos os envolvidos em pesquisa com seres vivos". Dentre os componentes de CEP participantes do estudo, 50% deles afirmaram que a importância do CEP reside no fato de ter aumentado a conscientização sobre a relevância da ética em pesquisa; enquanto que, para 38,1% dos pesquisadores participantes do estudo, submeter projetos de pesquisa à revisão ética é importante para proteger a si e ao participante da pesquisa, sendo este, na opinião deles, o principal motivo para submissão do projeto ao CEP. Também foram apontados como motivos para submissão a necessidade de cumprir as exigências da universidade, dos órgãos de financiamento à pesquisa, da instituição de coleta de dados, da CONEP e para a publicação.
Conclusão: O CEP tem assumido cada vez mais importância e destaque no controle social da ciência, o qual tem relação direta com o aprimoramento da consciência ética dos pesquisadores, com o aumento do desenvolvimento científico das instituições e da qualidade ético-científica das pesquisas.
Palavras chave: ética em pesquisa, comissão de ética, revisão ética, bioética, ética.
ABSTRACT
Background: Know the conception of ethics in research of the researches and members of the ethics in research committees - CEP (secretaries, presidents/coordinators and advisors); identify the significance attributed to the CEP by researchers and members of the CEP; identify the reasons that bring the researchers to submit their projects to the CEP.
Methods: Quantitative and descriptive survey approved by the CEP/UESB and performed with 95 people. Data were analyzed by Sphinx Software.
Results: 52,5% of the participants of the survey said that ethics in research is an "interdisciplinary science that deals with the protection of all those involved in research with livings beings". Among the members of the CEP who participated of the survey, 50% stated that the importance of the CEP resides in the fact of having increased the awareness about the relevance of ethics in research; while for 38,1% of the participant researchers of the survey, submitting research projects to ethical review is significant to protect themselves and the research participant, being this, in their opinion, the main reason to submission of the project to the CEP. Also were brought forward as motives the necessity to fulfill the requirements of the university, the research financiering institution, the data recollection institution, the CONEP and for publication.
Conclusions: The CEP has assumed every time more significance and prominence as social mechanism of science control, which has direct relation with the improvement of the ethic consciousness of the researchers, the increase of scientific development of the institutions and the ethical-scientific quality of the researches.
Key words: Ethics, Research, Ethics Committees, Ethical Review, Bioethics.
1. Introdução
Com o passar dos anos, os avanços tecnológicos em todas as áreas da ciência foram se tornando cada vez maiores. Isto significa que a bioética tem assumido uma relevância científica e social cada dia mais importante, já que responde à necessidade de dar sentido moral às práticas científicas envolvendo seres vivos, notadamente seres humanos, constituindo-se também em uma ferramenta para o enfrentamento de dilemas éticos (SCHRAMM, 2002).
Neste contexto, de acordo com Cohen (2008), a bioética é um fenômeno cultural criado para lidar com a complexa combinação da revolução científica com a crise de valores proveniente das profundas transformações sociais.
Assim, a ciência e a tecnologia, independente da área do conhecimento, não podem prescindir da bioética para que se possa avançar para uma ciência eticamente responsável, associada a uma tecnologia a serviço da humanidade e a uma democracia real, que concilie liberdade e justiça, incentivando o desenvolvimento da ciência dentro de suas fronteiras humanas (COSTA; GARRAFA; OSELKA, 1998).
Neste sentido, tornam-se relevantes estudos que visam a compreender a concepção de ética em pesquisa e a importância atribuída ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) pelos pesquisadores e componentes de CEP (presidentes/coordenadores, secretários e membros pareceristas). Para tanto, emergiram as seguintes questões norteadoras: qual é a concepção de ética em pesquisa dos pesquisadores e componentes do CEP? Qual a importância atribuída ao CEP pelos pesquisadores e seus componentes? Quais os motivos que levam os pesquisadores a submeter seus projetos ao CEP?
Para responder a estes questionamentos, elaborou-se os seguintes objetivos: conhecer a concepção de ética em pesquisa de pesquisadores dos pesquisadores e componentes do CEP; identificar a importância atribuída ao CEP pelos pesquisadores e por seus componentes; identificar os motivos que levam os pesquisadores a submeter seus projetos ao CEP.
2. Métodos
Este estudo constitui-se parte da dissertação de mestrado "Entraves e Potencialidades dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das Universidades Estaduais da Bahia", do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (PPGES/UESB), e caracteriza-se como uma pesquisa quantitativa e descritiva, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UESB (protocolo No 134/2009) e realizada com quatro CEP do estado da Bahia.
Os dados foram coletados através de quatro tipos de questionários elaborados pelas autoras (considerando o alcance dos objetivos) e respondido eletronicamente (por e-mail) pelos participantes do estudo no período de dezembro de 2009 a maio de 2010. A amostra do estudo é composta de 95 (noventa e cinco) indivíduos, sendo eles pessoas que fazem parte dos CEP e pesquisadores que submetem ou submeteram projetos de pesquisa aos CEP participantes do estudo, selecionados de acordo com os critérios descritos a seguir.
Os pareceristas de CEP participantes da pesquisa foram selecionados através de sorteio por área de conhecimento a partir da relação de pareceristas do CEP. Se uma área de conhecimento era representada por mais de uma pessoa, foi realizado o sorteio entre as pessoas da mesma área do conhecimento para selecionar o participante. Em caso de não aceitação da pessoa sorteada, era realizado novo sorteio. Todos os presidentes/coordenadores e secretários dos CEP participantes do estudo foram convidados a integrar a amostra, embora apenas metade deles (2 de cada grupo) aceitaram participar. Um dos CEP não forneceu a relação de pareceristas, impossibilitando que os mesmos fossem convidados a participar do estudo.
Os pesquisadores foram, em sua maioria, selecionados através dos Diretórios dos Grupos de Pesquisa da Plataforma Lattes com o emprego dos critérios para identificação de realização de pesquisas envolvendo seres humanos estabelecidos por Barbosa (2010). Alguns pesquisadores também foram contatados com o auxílio de alguns dos CEP participantes.
Todos os convidados a participar da pesquisa receberam um e-mail convite apresentando a pesquisadora e fornecendo esclarecimentos sobre a pesquisa e sua importância. Anexos ao e-mail convite encontravam-se o questionário (de acordo com a categoria participante) e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os dados obtidos com os questionários constituíram um banco de dados no Software Sphinx Léxica for Windows, versão 5.0 em português, e foram analisados quantitativamente com o emprego da Estatística Descritiva e dispostos em tabelas.
3. Resultados
Ao perguntarmos aos participantes do estudo sobre sua concepção de ética em pesquisa, 52,5% deles disseram que a ética em pesquisa é uma "ciência interdisciplinar que se ocupa da proteção de todos os envolvidos em pesquisa com seres vivos", 28,7% afirmaram que "é uma forma de proteção aos sujeitos da pesquisa", 9% relataram ser um "ramo da filosofia que se ocupa da pesquisa com seres humanos", enquanto 1,6% afirmaram ser a "ciência que aumenta a burocracia em pesquisas com seres vivos". A opção "não sei o que é ética em pesquisa" não foi mencionada e a opção outro foi citada por 8,2% dos participantes deste estudo. É importante lembrarmos que cada participante poderia assinalar quantas alternativas fossem necessárias. Dentre as respostas agrupadas na opção outro, destacamos:
"Creio que a ética em pesquisa é, sobretudo, um adequado recurso para orientar a pesquisa quanto ao seu imprescindível papel em favor da vida, ou seja, orientação bioética. A ética em pesquisa pode ser considerada como consciência orientadora da pesquisa, para além das possibilidades técnicas e dos recursos científicos disponíveis no âmbito das ciências".
"Ética para preservar os interesses humanos, coletivos, sociais e de justiça no avanço da ciência - não há progresso qualificado sem ética, apenas a ciência posicionada como instrumento das mazelas capitalistas".
"Apesar de não considerar a ética uma ciência, vejo nela também um campo teórico que baliza o código normativo que deve constituir a moral das pessoas envolvidas em pesquisa com seres humanos, delimitando a práxis. Considerando a eventual peculiaridade dos casos em que se deve recorrer à ética, acho que ela não deve prescindir de um exame consciencial".
"Ramo da filosofia que se ocupa das pesquisas em ciências, envolvendo animais humanos e não humanos, na perspectiva da proteção de todos os envolvidos nas pesquisas, inclusive o(s) pesquisador(es)".
Ao serem perguntados sobre a importância do CEP para a instituição em que trabalham, 50% dos componentes do CEP (presidentes/coordenadores, secretários e pareceristas) participantes deste estudo afirmaram que "aumentou a conscientização sobre a relevância da ética em pesquisa", 15,8% relataram que "facilita a submissão de projetos ao CEP", 15,8% disseram que "aumentou o número de projetos financiados", 7,9% mencionaram que "os pesquisadores estão elaborando mais projetos" e 15,8% assinalaram a alternativa outro (Tabela 1). Devemos lembrar que era possível aos componentes do CEP, participantes do estudo, assinalar quantas alternativas fossem necessárias e também fornecer outras respostas (agrupadas na alternativa outro), das quais destacamos:
"Em nível mundial, todas pesquisas envolvendo seres humanos para serem publicadas necessitam de parecer do CEP, o que aumenta a demanda".
"Permite um aprimoramento da consciência dos pesquisadores quanto ao seu papel para o desenvolvimento da ciência e da responsabilidade com os sujeitos da pesquisa, entendidos como verdadeiramente sujeitos, observando-se a sua dignidade de sujeitos".
"Insere a universidade no cenário da Bioética especialmente da ética em pesquisa".
"Creio que a existência do CEP pode funcionar como núcleo de precipitação para o estabelecimento da questão da ética em campos mais abrangentes (político, social, educacional etc.)".
Tabela 1: Importância atribuída ao CEP por seus componentes (presidentes/coordenadores, secretários e pareceristas)
no estudo Importância atribuída ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Jequié/BA, 2010.
Fonte: Dados da dissertação de mestrado "Entraves e Potencialidades dos
Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das Universidades Estaduais da Bahia. Jequié/BA, 2010".
Perguntamos aos pesquisadores participantes deste estudo qual a importância que eles atribuíam à submissão de projetos de pesquisa ao CEP. Cerca de 38,1% deles afirmaram que submeter projetos ao CEP "é importante para proteger a mim e aos sujeitos da pesquisa", 21,3% informaram que "é importante para a publicação", 18,1% disseram que "é importante para cumprir as normas da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e da instituição em que trabalho", 14,2% disseram que "é importante para que eu possa melhorar o projeto", 2,6% afirmaram que não considera importante e 0,6% afirmaram que considera importante, porque tem afinidade/gosto pela bioética (Tabela 2). Os pesquisadores participantes podiam assinalar quantas alternativas fossem necessárias e 5,2% deles assinalaram também a opção outro, da qual destacamos as seguintes respostas:
"É importante para preservar os reais interesses humanos, no desenvolvimento da ciência com a preservação do meio, das garantias individuais e da sustentabilidade harmônica da vida - embora nem sempre as comissões de ética conheçam o seu papel".
"Importante para estabelecer regras na relação da pesquisa com a sociedade".
"Estimula o aluno de graduação e pós-graduação a manter a ética em pesquisa desde a academia".
"É importante para fazer valer o respeito por todos os que estão envolvidos naquela pesquisa, protegendo-os e, sobretudo, para evitar possíveis comportamentos abusivos".
"O trâmite do projeto de pesquisa no CEP tem sido uma luta árdua e desgastante (tanto profissionalmente quanto na discussão acadêmica com os colegas). O processo é lento e, algumas vezes, começamos o projeto antes do resultado, porque precisamos cumprir o cronograma, principalmente quando o projeto tem financiamento externo. Condição que parece não ser considerada para o comitê local. Um projeto com financiamento externo já passou por vários pareceristas. Penso que se este foi aprovado o trâmite na instituição deve ser mais rápido. Apenas para registro. Projetos com financiamento externo, que iniciaram as atividades antes do parecer do CEP, não foram aprovados no comitê de ética local e não são registrados na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Nessa condição, parece que trabalhamos na clandestinidade na instituição. Quando concorremos aos editais, somos professores da instituição e depois a própria instituição não o registra no seu banco de dados".
Tabela 2: Importância atribuída à submissão do projeto de pesquisa ao CEP pelos participantes
do estudo Importância atribuída ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Jequié/BA, 2010.
Fonte: Dados da dissertação de mestrado "Entraves e Potencialidades dos
Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das Universidades Estaduais da Bahia. Jequié/BA, 2010".
Também se perguntou aos pesquisadores participantes do estudo quais motivos levam/levaram-nos a submeter seus projetos de pesquisa a um CEP. Ao responderem à questão, 38% afirmaram que é a "consciência da necessidade de proteger a mim e aos sujeitos da pesquisa", 30,7% relataram que era uma exigência da universidade em que trabalham, 16,1% disseram que era "exigência da instituição de financiamento do projeto", 10,2% informaram que era "exigência da instituição de coleta dos dados" e 5,7% assinalaram a opção outra. É importante lembrar que cada pesquisador participante poderia assinalar quantas alternativas fossem necessárias. Dentre as respostas agrupadas na opção "outra", destacou-se:
"O entendimento de que todos somos seres humanos muito propensos a falhas e sempre necessitamos de ajuda para não agredir ou causar dano as partes envolvidas nos nossos intentos. O avanço da ciência não será pleno se for construído sobre bases precárias ou qualquer tipo de cizânia, de partes ou do todo, vide a 2o Guerra Mundial".
"Exigência da CONEP".
"Legislação".
"Exigência para publicação".
"Exigência do mestrado e para validar e respaldar a pesquisa, pois caso contrário, não serve nem para publicação".
4. Discussão
Cerca de 1,6% dos participantes desta pesquisa afirmaram que a ética em pesquisa é a "ciência que aumenta a burocracia em pesquisas com seres vivos", o que remonta a questões referentes à burocratização dos CEP. Embora os documentos solicitados pelo CEP para a revisão ética do projeto sejam importantes para deixar claro o compromisso ético dos pesquisadores envolvidos na pesquisa, os mesmos e o trâmite do projeto no CEP não devem ser entendidos e executados de forma a tornar morosa a apreciação do projeto pelo CEP, uma vez este órgão precisa realizar suas funções com celeridade e emitir o parecer dos projetos dentro de 30 (trinta) dias, conforme preconiza a Resolução 196/96 (BRASIL, 1996) e que os pesquisadores também possuem prazos, delimitados no projeto, a serem cumpridos, os quais se não forem atendidos podem inviabilizar o desenvolvimento do projeto.
Deve-se lembrar, portanto, como afirmam Furukawa e Cunha (2010, p. 147), que os CEP devem garantir que "as pesquisas sejam realizadas dentro dos preceitos éticos, sem ser um obstáculo para o desenvolvimento das mesmas", priorizando sempre o cumprimento dos prazos estabelecidos e o fornecimento das orientações necessárias ao pesquisador, enquanto este não deve se eximir de submeter seu projeto à apreciação ética, devendo apresentá-lo ao CEP com um cronograma de atividades que contemple o tempo necessário para a submissão e aprovação do projeto pelo CEP.
No que concerne à concepção de ética em pesquisa, é importante lembrar que a ética encontra-se vinculada a três pré-requisitos: percepção dos conflitos (no que concerne à consciência das contradições humanas), autonomia para escolher (o que significa competência para se posicionar entre os sentimentos e a razão) e coerência na tomada de decisão, o que implica em uma lógica entre pensamento e ação (COHEN, 2008).
Além disso, ainda segundo Cohen (2008), a bioética surgiu como consequência do progresso da ciência e do conceito de autonomia, conduzindo a uma revolução social que ultrapassa os limites da medicina, envolvendo, portanto, todas as áreas do conhecimento humano.
Assim como a ética e a bioética, a ética em pesquisa é multi, inter e transdiciplinar, não sendo exclusiva de nenhuma área do conhecimento, mas relacionada com todas elas por ocupar-se essencialmente de tudo o que é vivo e do que está relacionado com a vida encarada de forma mais ampla, considerando o ser humano, os animais, os vegetais, o meio ambiente e, consequentemente, o Planeta Terra como um organismo vivo sem o qual o ser humano parece ser incapaz de sobreviver, conforme apontado por grande parte dos participantes deste estudo.
Neste contexto, a ética em pesquisa envolve dilemas e conflitos éticos constantes; com os quais, não só o próprio CEP, mas também os pesquisadores e a sociedade devem se deparar e refletir, o que significa que a ética em pesquisa pode ser encarada sob diversos pontos de vista, exceto aquele que desconsidera, desvaloriza e/ou desrespeita a vida em todas as suas formas.
Neste sentido, a ética em pesquisa relaciona-se à não adulteração da pesquisa, à não manipulação dos seus resultados, ao respeito aos participantes do estudo e aos colaboradores da pesquisa, a não plagiar, a lidar com dinheiro com honestidade, à transparência da pesquisa, à não apropriação indevida de bens materiais e intelectuais e, consequentemente, à integridade do trabalho e à confiabilidade dos bens externos (KOTTOW, 2008), o que implica necessariamente na proteção aos participantes das pesquisas e coloca a ciência sob a égide do controle social, conforme encontra-se explícito na maioria das resposta sobre a importância do CEP.
Desse modo, diante da existência de impasses entre a ciência e a ética, Pegoraro (2002) lembra que não basta apenas o conhecimento científico da constituição física e biológica das coisas. É necessário também aliar este conhecimento ao horizonte ético com o qual balizamos nossa relação com a natureza e com a própria ciência. O horizonte ético aponta para o futuro e orienta nosso cotidiano por ser construído de fatos pessoais, históricos, políticos, científicos, econômicos, religiosos, dentre outros, além de possuir a capacidade de articular-se com os avanços científicos para conferir-lhes qualidade humana e propiciar o estabelecimento de um ponto de equilíbrio entre o próprio horizonte ético e o científico, o que demonstra a importância da existência de CEP como instrumentos de controle social da ciência.
Assim, o caminho ético encontra-se sempre em construção de acordo a avaliação das situações cotidianas, tecnocientíficas e socioculturais e, embora não trace limites definitivos à ciência, propõe que esta use seus resultados prudentemente para conferir à pesquisa científica pleno sentido ético, o que significa que cabe "ao ser humano presidir a busca da integração do horizonte ético com os debates científicos, sem posições prévias de ambos os lados" (PEGORARO, 2002, p.38), uma vez que a eticidade de uma pesquisa depende essencialmente do respeito a deveres e valores morais vigentes numa cultura e numa sociedade. Deveres estes que o cientista deve realizar enquanto pessoa moral e membro da sociedade no intuito de dirimir eventuais conflitos de interesses e valores de modo racional e imparcial (PALÁCIOS; REGO; SCHRAMM, 2003), o que implica na necessidade de cumprir as normas éticas conforme evidenciado por muitas das respostas aos questionamentos sobre a importância do CEP e os motivos para submissão de projetos de pesquisa à revisão ética.
O CEP é um órgão de vital importância para toda e qualquer instituição de ensino e pesquisa; pois, possui dentre suas funções, a missão de proteger os participantes da pesquisa (os quais muitas vezes se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica, psicológica e de saúde) e sensibilizar os pesquisadores quanto à importância de respeitar os direitos e a integridade física, moral, psicológica e cultural dos participantes das pesquisas.
A relevância do CEP também se torna evidente quando lembramos que o debate ético sobre a pesquisa travado neste órgão passa por um meio não exclusivamente acadêmico, favorecendo a ampliação da reflexão ética ao colocar os participantes da pesquisa, nas pessoas dos representes dos usuários e/ou da comunidade, para tomar parte do CEP e de suas discussões, já que este espaço também pertence a eles, pois os CEP seguem o modelo moral pluralista (OLIVEIRA, 2004).
Além disso, os CEP também protegem os pesquisadores e as instituições de pesquisa e contribuem para o aprimoramento de seu trabalho ao verificar a necessidade de alguns ajustes nos projetos de pesquisa, auxiliando assim na minimização dos desconfortos e/ou riscos a que os participantes serão submetidos e na maximização dos benefícios aos participantes e/ou à sociedade; o que, consequentemente, reduz a ocorrência de pesquisas com falhas éticas que comprometem os participantes da pesquisa, o pesquisador enquanto profissional e a instituição enquanto promotora das pesquisas.
É importante ressaltar também que, como mostraram as respostas dos componentes do CEP, ao estimular o aprimoramento dos projetos de pesquisa, o CEP auxilia no desenvolvimento de uma cultura de pesquisa na instituição, o que resulta em um maior número de projetos elaborados e financiados e no aumento da produtividade em pesquisa da instituição.
Diante disso, de acordo com o Manual Operacional para Comitês de Ética em Pesquisa (BRASIL, 2006, p.15), "é indiscutível a importância do CEP para a realização de pesquisas éticas e cientificamente corretas e relevantes", o que significa que este órgão possui grande relevância para a instituição que o abriga, para os pesquisadores e para os participantes da pesquisa.
Oliveira (2004) também relata que a importância do CEP está associada ao desenvolvimento do pensamento ético da comunidade acadêmica e à cidadania, uma vez que os pesquisadores passam a refletir enquanto cidadãos no que concerne à relação existente entre o seu projeto e os participantes dele e começam a se preocupar em verificar se estes estão entendo o propósito do estudo do qual vão participar.
Assim, ao garantir a proteção dos participantes das pesquisas e a integridade das mesmas, o CEP assume uma importância inequívoca (TAUIL; GUILHEN, 2009), a qual se expressa em todas as atividades por ele desempenhadas, inclusive a submissão de projetos de pesquisa, a qual deve ocorrer desde a graduação em todas as pesquisas que envolvam seres humanos. Jorge et al. (2007) salientam que a submissão de projetos de pesquisa a um CEP ensina aos estudantes regras e procedimentos para realizar pesquisas e demonstram o respeito que a investigação envolvendo seres humanos deve ter para com aqueles que a ela se submetem.
Deve-se lembrar que a existência de um CEP próprio (com sede na instituição) facilita todo esse processo, notadamente a submissão de projetos à revisão ética e o acompanhamento dos projetos aprovados. Todavia, ainda que pesem todas as evidências da relevância, necessidade e importância da existência de mais CEP e do fornecimento de adequadas condições de funcionamento aos já existentes, muitas instituições ainda não compreendem esses aspectos e o papel do CEP e não fazem esforço para constituir seus próprios CEP e/ou tratam com descaso os já existentes, o que se torna um contrassenso e um martírio para os CEP e para os pesquisadores; pois estas mesmas instituições exigem que os pesquisadores submetam seus projetos a um CEP e estes, juntamente com a instituição, cobram do CEP celeridade em seu funcionamento, quando este, muitas vezes, vê-se obrigado a dar conta de uma demanda acima de suas capacidades ao mesmo tempo em que se lança em uma luta homérica para contornar os entraves existentes e continuar funcionando.
É importante ressaltar também que, apesar dos entraves existentes ao seu funcionamento, o CEP deve se esforçar ao máximo para cumprir os prazos estabelecidos junto à CONEP e aos pesquisadores e atuar como um parceiro destes últimos, nunca como um órgão de censura e repressão à pesquisa. O não cumprimento dos prazos e a opção pela postura de sensor colocam em cheque o papel educativo do CEP e a sua importância perante a comunidade científica e a sociedade, uma vez que os pesquisadores podem vir a realizar a pesquisa antes da aprovação do CEP ou mesmo sem submetê-la à revisão ética, conforme relatado por um dos participantes deste estudo. Isso pode expor os participantes da pesquisa a desconfortos e/ou riscos minimizáveis ou evitáveis e o pesquisador e a instituição ao constrangimento de não obterem o reconhecimento dos padrões éticos de suas pesquisas e de não poderem publicar seus resultados.
Estes aspectos descaracterizam o próprio desenvolvimento científico da instituição, pois a ciência deve dar um retorno de suas atividades e descobertas e resultar em benefícios à sociedade. Isto se torna exequível através da publicação e da aplicação dos resultados em ações efetivas de melhoria e/ou mudança da realidade encontrada pelos estudos, o que só é possível de ser concretizado se as pesquisas forem desenvolvidas de acordo com os mais altos padrões éticos nacionais e internacionais, atestados pela revisão ética realizada por um CEP, o qual deve receber todo o apoio institucional necessário para realizar todas suas atividades com qualidade, celeridade e eficácia.
Disto depreende-se que a existência e a realidade de funcionamento do CEP refletem o status de importância e o nível consolidação das atividades de pesquisa da instituição que o abriga, bem como seu desenvolvimento científico e tecnológico e a sua preocupação em conferir à sociedade o direito de participar ativamente das decisões de impacto ético-científico e social referentes à pesquisa na instituição e dar-lhe algum retorno do desenvolvimento destas atividades.
5. Conclusões
A maioria dos participantes da pesquisa (52,5%) considera a ética em pesquisa uma ciência interdisciplinar que se ocupa da proteção de todos os envolvidos em pesquisa com seres vivos, mas muitos deles também mencionam a ética em pesquisa como algo que possui um papel orientador da ciência, que vai além da técnica com o intuito de favorecer e proteger a vida humana e não humana e que, por estar relacionada à moral e à preservação dos interesses humanos, deve estar aliada a um exame de consciência.
Neste contexto, a importância atribuída ao CEP por 50% dos componentes de CEP participantes deste estudo reside no aumento da conscientização da relevância da ética em pesquisa, enquanto 38,1% dos pesquisadores participantes afirmam que a submissão do projeto de pesquisa ao CEP é uma forma de proteção de si e dos participantes da pesquisa, o que demonstra que o CEP tem assumido cada vez mais um papel de importância e destaque no controle social da ciência, o qual tem relação direta com o aprimoramento da consciência ética dos pesquisadores, com o aumento do desenvolvimento científico das instituições e da qualidade ético-científica das pesquisas.
Este aspecto condiz com os motivos para a submissão dos projetos de pesquisa ao CEP apontados por 50% dos pesquisadores participantes deste estudo, que afirmam submeter seus projetos, porque isto é importante para proteger a si e aos participantes da pesquisa. Todavia, foi possível perceber que, embora envolva a consciência ética do pesquisador e o próprio sentido de controle social da ciência, conforme apontado por uma das falas dos participantes deste estudo, a submissão do projeto de pesquisa ao CEP também é encarada como uma exigência da instituição de pesquisa, da instituição de coleta de dados, da CONEP e dos periódicos para publicação de artigos.
Assim, seja por exigência ético-científica e social ou pela consciência ética do pesquisador, a importância e relevância do CEP tem se tornado cada vez mais evidente para que a ciência possa caminhar realizando pesquisas que contribuam com o aumento do conhecimento científico da humanidade dentro de padrões éticos cada vez mais elevados, ou seja, respeitando cada vez mais o direito à vida em todas as suas formas e a integridade biopsicossocial do ser humano, enquanto ser complexo que pensa, age e interage com o ambiente em que o cerca e que, por este motivo, deve atuar de forma ética e responsável em todas as suas relações, sejam elas com outros seres humanos ou com o meio ambiente que o cerca.
Referências
1. BARBOSA, ADRIANA SILVA, Entraves e Potencialidades dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das Universidades Estaduais da Bahia, Dissertação (Mestrado em Enfermagem e Saúde), Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde, Jequié: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- UESB, 2010. [ Links ]
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Fecha de recepción: 10 de abril 2012
Fecha de aceptación: 9 de febrero 2012