Introdução
O treinamento resistido (TR) tem sido bem recomendado em programas de exercício físico para melhoria da saúde, contemplando aspectos fisiológicos1 e psicobiológicos2. Strickland e Smith3 citam que o TR apresenta respostas positivas sobre níveis de ansiedade (ANS) e humor (HUM). Esses benefícios já justificam a aplicação do TR para a população em geral, em especial para indivíduos hipertensos (HT), considerando que a elevação de alguns estados emocionais tende a elevar a pressão arterial, estando associada ao desenvolvimento da hipertensão arterial4.
Diversas são as características do exercício físico que exercem influência positiva sobre os aspectos psicobiológicos, porém, a interação social (IS) é citada como característica determinante para sua ocorrência5. A IS é uma característica presente em diversas modalidades de exercício, em especial nas coletivas. No entanto, o TR em seu formato convencional explora pouco a IS entre os participantes.
Considerando que o TR pode exercer influência positiva sobre a saúde mental2 e que a IS é uma das características que pode potencializar os benefícios5, explorar formas de TR com maior nível de IS entre os participantes pode ser uma estratégia interessante, para proporcionar benefícios psicobiológicos ainda mais evidenciados.
O TR manual (TRM) é uma forma alternativa de TR na qual a resistência para execução dos exercícios é proporcionada por um parceiro de treino, no sentido contrário ao movimento realizado pelo executante, de forma manual6,7. Por ser baseada na resistência manual, o nível de IS no TRM é maior devido ao contato físico, que é inexistente ou mínimo no TR com pesos livres (TRPL). Assim, nossa hipótese é que o TRM possa ser uma intervenção interessante para potencializar as respostas psicobiológicas do TR. No entanto, não se tem conhecimento de estudos investigando esses aspectos.
Assim, o objetivo do presente estudo foi comparar respostas psicobiológicas e perceptuais agudas em homens normotensos (NT) e HT após sessões de TR com diferentes níveis de IS: TRM e TRPL.
Método
Amostra
Vinte e seis voluntários, sendo 14 NT (40.29 ± 8.63 anos; índice de massa corporal [IMC]: 26.53 ± 5.24 kg/m2) e 12 HT (46.00 ± 9.13 anos; IMC: 32.51 ± 4.41 kg/m2), participaram do estudo. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ser homem, ter entre 30-59 anos de idade, ser HT ou NT, ter liberação médica para realização de exercícios físicos, não estar engajado em programa de exercícios físicos, ter disponibilidade para participar das dois sessões de treino. Os critérios de inclusão foram identificados através de entrevista prévia e o não atendimento aos critérios de inclusão foi considerado para exclusão dos voluntários.
Todas as condutas éticas para pesquisas envolvendo seres humanos foram seguidas, em atendimento à Declaração de Helsinque e seus adendos. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP, sob parecer n.° 103.217/2012.
Procedimentos
A presente pesquisa é do tipo quantitativa-qualitativa, uma vez que quantifica as respostas agudas das variáveis psicobiológicas, através de instrumentos e procedimentos validados para tal finalidade, e explora a opinião aberta dos voluntários sobre as intervenções.
Para avaliação do estado de ANS, foi utilizado o inventário de ANS estado (IDATE-E)8,9, instrumento destinado a avaliar o nível de ANS no momento. Trata-se de um autorrelato relativo a 20 itens, nos quais os indivíduos identificam o nível por meio de uma escala Likertde 1-4, respondendo à pergunta: «Como você se sente nesse momento?». O escore total varia de 20-80, associando-se níveis maiores de ANS aos valores mais elevados. Para quantificação e interpretação das respostas, somam-se os valores atribuídos pelos indivíduos na escala em todos os itens. Para as perguntas de caráter positivo, inverte-se a pontuação antes da soma final. O instrumento foi aplicado nos momentos pré e pós-intervenção.
Para avaliar o HUM, foi utilizada a escala de Brunel (BRUMS)10,11, questionário composto por 24 itens que apresentam uma escala Likert para identificação dos níveis percebidos pelo indivíduo no momento de sua aplicação. Os valores variam de 0-4 e são identificados respondendo à pergunta: «Como você se sente agora?». Os 24 itens são divididos em seis fatores: tensão (TENS), depressão (DEP), raiva (RAIV), vigor (VIG), fadiga (FAD) e confusão mental (CONF). O instrumento foi aplicado nos momentos pré e pós-intervenção.
A análise qualitativa visou identificar a opinião dos voluntários quanto as dois intervenções. Foi aplicado um questionário elaborado pelos autores, no qual o voluntário mencionou livremente pontos positivos e negativos de cada intervenção. O instrumento foi apresentado pós-intervenção.
Os voluntários compareceram ao local de treinamento por três oportunidades, agendadas em dias distintos, respeitando intervalo mínimo de 72 horas e máximo de dez dias entre as sessões. O intervalo visou minimizar os efeitos da dor muscular tardia. A fim de evitar variações no ciclo circadiano, todos os treinos foram realizados no período da manhã. Na primeira sessão, os voluntários leram e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, foram submetidos à avaliação do IMC e familiarizados com os procedimentos de avaliação e treinamento, bem como com a escala de percepção subjetiva de esforço (PSE) OMNI-RES12. Durante a sessão, os voluntários receberam orientações para manterem suas rotinas normais de alimentação e descanso durante todo o período de envolvimento com a pesquisa, evitando o consumo de bebidas alcoólicas e substâncias estimulantes. Na segunda sessão, os mesmos foram submetidos ao TRM e, na terceira, ao TRPL.
As sessões de treino foram compostas por sete exercícios envolvendo grandes grupos musculares (elevação frontal, flexão de joelhos, crucifixo, flexão de quadril, pullover, flexão abdominal, stiff), nos quais foram executadas três séries de dez repetições com um minuto de intervalo entre séries. Os voluntários foram orientados a manter velocidade de execução próxima a dois segundos por repetição (um segundo para fase concêntrica, um segundo para fase excêntrica). Foi realizado aquecimento prévio, no qual executou-se uma série de 10 repetições de cada exercício sem carga adicional. A intensidade foi controlada pela PSE, utilizando-se zona entre 5-7 na escala de 0-10 (relativamente difícil). Durante os treinos, a PSE permanecia visível ao voluntário, sendo que o mesmo relatava o esforço percebido ao final de cada série. A primeira série de cada exercício foi utilizada para ajuste de cargas, assim, caso a PSE relatada após a primeira série estivesse fora da zona alvo, a resistência era ajustada para as séries seguintes.
Para o TRPL, halteres e caneleiras foram utilizados. No TRM, a resistência manual foi aplicada por profissional de educação física capacitado. A posição corporal para realização dos exercícios (com exceção do stiff) foi deitada (decúbito dorsal ou ventral), para facilitar a aplicação da resistência manual (vantagem mecânica)7. Em ambas as intervenções, posição corporal e controle das demais variáveis (séries, repetições, intervalos, velocidade, PSE) foram idênticos.
Análise estatística
A análise descritiva está expressa em média (M) e desvio-padrão (DP). Para análise inferencial entre grupos, intervenções e avaliações, foi empregada ANOVA two-way com post-hoc de Bonferroni. Adotou-se nível de significância de 5% (p ≤ 0.05). Para o HUM (TENS, DEP, RAIV, VIG, FAD e CONF), foi utilizado o cálculo do tamanho do efeito (ES) para quantificar a magnitude das respostas. Para classificação do ES, utilizaram-se pontos de corte propostos por Cohen13: valores superiores ou iguais a 0.8 representam ES grande, entre 0.8-0.2 são considerados médios e inferiores a 0.2 pequenos. A análise do questionário qualitativo considerou a frequência com que cada ponto positivo e negativo foi mencionado pelos voluntários.
Resultados
Foi observada maior ANS no TRM, independente do grupo e avaliação. Porém, o ES para ANS mostrou maior magnitude de diminuição no TRM em relação ao TRPL, em ambos os grupos.
Para as variáveis relacionadas ao HUM (TENS, DEP, RAIV, VIG, FAD e CONF), não foi realizada análise inferencial devido à pequena variação nos resultados e a presença de valores igual a 0 nas respostas. Assim, o ES foi considerado. Os resultados são apresentados na tabela 1.
ES: tamanho do efeito; HT: hipertensos; NT: normotensos; TRM: treinamento resistido manual; TRPL: treinamento resistido com pesos.
amaior em relação à mesma avaliação em NT-TRPL (p=0.003);
bmaior em relação à mesma avaliação em HT-TRPL (p=0.003); M: média; DP: desvio-padrão.
O TRM proporcionou maior magnitude no ES, no geral, diminuindo variáveis negativas em NT (RAIV, CONF) e HT (TENS, DEPR), aumentando mais o VIG em HT e a FAD em ambos os grupos.
Os resultados da avaliação qualitativa são apresentados na tabela 2.
Na avaliação qualitativa, na ótica dos voluntários, o TRM apresentou mais pontos positivos e menos pontos negativos em relação ao TRPL.
Discussão
O estudo comparou respostas psicobiológicas agudas entre TRM e TRPL em indivíduos NT e HT. A hipótese inicial era que o TRM pudesse proporcionar melhores respostas sobre as variáveis analisadas, considerando o maior nível de IS, devido ao contato físico. Tal hipótese foi confirmada.
Ambas as intervenções não alteraram significativamente a ANS pós-treino. Estudos prévios14,15 encontraram resultados semelhantes, não observando diminuição significativa no estado de ANS imediatamente após TR. No entanto, recente estudo de revisão da literatura concluiu que o TR é efetivo em reduzir os níveis agudos e crônicos de ANS3. Porém, as respostas dependem do nível de ANS que o indivíduo apresenta antes do exercício2,16 e, no presente, os voluntários apresentaram médias baixas de ANS na avaliação pré, o que explica a não alteração significativa no pós-intervenção. Apesar de não terem sido observadas diferenças significativas na ANS entre pré e pós-intervenções, o TRM apresentou maior magnitude no ES em relação ao TRPL (médio vs. pequeno).
Quanto aos fatores negativos relacionados ao HUM, o TRM possibilitou maior ES para diminuição da TENS e DEPR no grupo HT, além de RAIV e CONF no grupo NT. O ES também foi maior em favor do TRM para aumento do VIG nos sujeitos HT. Um fato interessante foi que FAD apresentou maior efeito no TRM em ambos os grupos, porém o aumento da FAD não comprometeu negativamente a resposta nos demais fatores relacionados ao HUM. O que pode explicar esses resultados no TRM é o maior nível de IS, principalmente devido ao contato físico. A IS é uma das prováveis hipóteses que explica os benefícios do exercício físico sobre os aspectos psicobiológicos5 e, no presente, ambos os grupos destacaram a IS como ponto positivo do TRM.
Benefícios sobre ANS e HUM, mesmo que pequenos, são clinicamente importantes, em especial nos indivíduos HT, pois existe associação entre ANS, HUM e doenças cardiovasculares17,18. Níveis elevados de ANS e distúrbios de HUM aumentam a atividade do sistema nervoso autônomo, elevando o tônus simpático, favorecendo crises hipertensivas transitórias que, com o passar do tempo, podem desencadear crises permanentes17,19.
Na análise qualitativa, a amostra identificou mais pontos positivos e menos pontos negativos no TRM em relação ao TRPL. Cabe ressaltar que, por serem indivíduos previamente destreinados, a não familiarização com o TRPL pode ter influenciado nessas respostas. Corroborando a literatura prévia6, alguns indivíduos destacaram a não dependência de equipamento e a praticidade como pontos favoráveis ao TRM. Além desses pontos, IS, segurança e conforto foram também destacados. Conforme supramencionado, essas características, em especial a IS, provavelmente sejam as responsáveis pela maior magnitude no ES em algumas variáveis psicobiológicas analisadas após o TRM.
Quanto aos pontos negativos do TRM, a dependência de um parceiro de treino foi o mais destacado, limitando a independência para realização dos exercícios, conforme citado por Dorgo et al.6 e Teixeira7. No TRPL, a possibilidade de treinar sozinho foi destacada como característica favorável, apesar da dependência de equipamentos ter sido um ponto negativo mencionado. Além disso, desconforto, insegurança (risco de acidentes) e menor IS foram pontos negativos do TRPL mencionados por parte da amostra. Considerando que desconforto, insegurança e menor IS são características que podem influenciar negativamente as respostas psicobiológicas ao exercício, o TRM pode ser considerado uma ferramenta alternativa para proporcionar respostas interessantes em pessoas que apresentam resistência ao TR em seu formato convencional, facilitando o engajamento e a adesão em longo prazo.
A não randomização das intervenções pode ser considerada uma limitação do estudo. Porém, a realização da sessão prévia de familiarização com os procedimentos e formas de treinamento visou minimizar as possíveis interferências da ordem das intervenções.
Em conclusão, não foram observadas diferenças significativas nas respostas psicobiológicas agudas entre TRM e TRPL em NT e HT previamente destreinados. No entanto, o ES apresentou maior magnitude para diminuição no TRM em relação ao TRPL, provavelmente por influência da maior IS entre os participantes e de alguns pontos positivos mencionados pela amostra. Em algumas variáveis, as respostas foram mais evidenciadas no grupo HT. Portanto, o nível de IS parece influenciar positivamente as respostas psicobiológicas agudas do TR, e o TRM parece ser uma alternativa viável para esse objetivo.