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Archivos de Zootecnia

On-line version ISSN 1885-4494Print version ISSN 0004-0592

Arch. zootec. vol.58 n.221 Córdoba Mar. 2009

 

 

 

Influência da queima e aditivos químicos e bacterianos na composição química de silagens de cana-de-açúcar

Effect of the burn chemical and bacterial additives on the sugarcane silage chemical composition

 

 

Siqueira, G.R.1,2, R.A. Reis2, R.P. Schocken-Iturrino2, T.F. Bernardes2, A.J.V. Pires3, M.T.P. Roth2 e R.C. Amaral2

1Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). Pólo Regional de Desenvolvimento dos Agronegócios da Alta Mogiana.
Av. Rui Barbosa, s/n. C.P. 35. CEP 14770-000 Colina-SP. Brasil. siqueiragr@aptaregional.sp.gov.br
2Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. UNESP. Jaboticabal-SP. Brasil.
3Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Itapetinga-BA. Brasil.

A Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo pela concessão do auxílio financeiro na execução do projeto: Potencial da silagem de cana-de-açúcar como alimento para bovinos de corte: análise do valor nutritivo, metabolismo animal, comportamento ingestivo e análise econômica, protocolo 04/14352-7.

 

 


RESUMO

Objetivou-se avaliar o efeito da queima e do tratamento com aditivos químicos (uréia, benzoato de sódio e hidróxido de sódio) e inoculantes microbiológicos (Propionibacterium acidipro-pionici + Lactobacillus plantarum e Lactobacillus buchneri) na ensilagem da cana-de-açúcar, utilizando o esquema fatorial 2 (cana-de-açúcar crua e queimada) x 6 (cinco aditivos uréia, benzoato de sódio, hidróxido de sódio, Propionibacterium acidipropionici + Lactobacillus plantarum e Lactobacillus buchneri mais o grupo controle). Avaliou-se a composição química da forragem antes de ensilar e após a abertura dos silos. Observou-se concentração dos teores de FDN em todas as silagens, de 51,3% (antes da ensilagem) para 67,8% após a abertura dos silos. Maiores recuperações da matéria seca digestível verdadeira, 83,6 e 79,8% foram observadas nas silagens de cana-de-açúcar queimada e tratadas com NaOH ou com L. buchneri, respectivamente. Observou-se elevação da recuperação da matéria seca digestível de 45% nas silagens de cana crua controle para 74,3% nas silagens tratadas com L. buchneri. Nas silagens de cana queimada as melhores recuperações dessa fração foram observadas nas silagens tratadas com NaOH (83,6%) e nas com L. buchneri (79,8%). Os aditivos NaOH e L. buchneri foram os mais eficientes em controlar as perdas qualitativas durante o processo fermentativo da ensilagem da cana-de-açúcar crua ou queimada.

Palavras chaves: Aditivos. Fermentação. Inoculantes. Silagem.


SUMMARY

The objective of this trial was to evaluate the effect of the chemical (urea, sodium benzoate, and sodium hydroxide) and microbiological (Propionibacterium acidipropionici + Lactoba-cillus plantarum, and Lactobacillus buchneri) additives on the sugarcane nutritive value, ensiled crude or after burned, using a factorial scheme 2 (burned or crude sugar cane) x 6 (five additives urea, sodium benzoate, sodium hydroxide, Propionibacterium acidipropionici + Lactobaci-llus plantarum, and Lactobacillus buchneri plus control). It was evaluated the sugar cane chemical composition, before and after ensilage. The sugar cane NDF contents increased (51.3%, before ensilage) to 67.8% after fermentation period. The highest true digestible dry matter recovery values, 83.6 and 79.8% were observed on the burned sugar cane silage treated with NaOH or L. buchneri, respectively. The NaOH, and L. buchneri showed more efficiency in reducing nutritive looses during the fermentation phase of the crude or burned sugar cane silage.

Key words: Additives. Fermentation. Inoculants. Silage.


 

Introduqáo

Na década de 70 vários autores realizaram pesquisas com uso de aditivos químicos na ensilagem da cana-de-açúcar, objetivando melhorar o perfil de fermentação e controlar a população de leveduras (Nussio e Schmidt, 2004). Recentemente, alguns aditivos voltaram a serem utilizados em pesquisas no Brasil, mostrando a retomada do interesse da comunidade científica pela pesquisa com silagem de cana-de-açúcar. Nussio e Schmidt (2004) mencionam que o interesse da pesquisa brasileira sobre a ensilagem de cana-de-açúcar vem crescendo ano a ano.

Resultados de pesquisa tém apontado que o principal problema na ensilagem da cana-de-açúcar é a fermentação alcoólica realizada por leveduras durante o período de armazenamento, com conseqüente redução do conteúdo de carboidratos solúveis (Bernardes et al., 2007; Pedroso et al., 2007 e Siqueira et al., 2007). Esses mesmos autores afirmam em seus trabalhos a importância da busca por aditivos com potencial para o controle desses micror-ganismos.

A utilização de aditivos químicos ou bacterianos visa o controle de leveduras durante o período fermentativo das silagens. Lättemäe e Lingvall (1996) avaliaram o efeito do benzoato de sódio na fermentação de silagens de gramíneas (azevém perene e festuca) e observaram redução na população de leveduras quando se adicionou benzoato de sódio na ensilagem.

O uso da uréia na ensilagem da cana-de-açúcar foi estudado por Schmidt eía/. (2004) e Pedroso et al. (2007), não sendo observada tendência definida da utilização desse aditivo, quanto á redução de perdas ocasionadas por leveduras. Pedroso et al. (2007) observou redução das perdas de matéria seca de 18,2% (controle) e de até 6,56% ñas silagens com 1,5% de uréia. No entanto, não houve efeito sobre o teor de etanol das silagens. Todavía, no estudo de Schmidt et al. (2004) usando a dose de 0,5% de uréia comparada à silagem controle, não foi verificada diferença estatística em relação às perdas de matéria seca, sendo os resultados encontrados de 31,6 e 30,2% nas silagens controle e tratadas com 0,5% de uréia, respectivamente.

Na ensilagem da cana-de-açúcar a utilização do hidróxido de sódio foi avaliada por Castrillón et al. (1978), os autores observaram redução no conteúdo de etanol de 5,1 para 0,85% e aumento do ácido lático de 2,1 para 10,2%, quando procederam-se ao tratamento da cana-de-açúcar com 4% de NaOH na matéria seca.

A utilização de inoculantes bacterianos na ensilagem sempre foi baseada em microrganismos homoláticos, apresentando como principais características: rápida redução do pH e alta produção de ácido lático (Costa et al., 2001). No entanto, problemas relacionados à estabilidade aeróbia das silagens geraram buscas por micror-ganismos com características distintas daquelas antes desejadas (Filya et al., 2004).

Neste cenário, a bactéria Lactobacillus buchneri começou a ser utilizada por pesquisadores dos EUA e da Europa a partir do final dos anos 90. O intuito de sua utilização foi o controle da instabilidade aeróbia causada por leveduras e fungos em silagens de alto valor nutritivo (Weinberg e Muck, 1996). Weinberg et al. (2002) avaliando silagens de trigo, observaram elevação no teor de ácido acético, redução no teor de ácido lático, sendo que esses acontecimentos reduziram a população de leveduras de 3,7 (silagem controle) para <2,0 log ufc/g de matéria seca de silagem. Nesse sentido, pesquisa pioneira na utilização do L. buchneri na ensilagem da cana-de-açúcar foi desenvolvida por Pedroso et al. (2007). Neste estudo o autor observou redução nas perdas por gases e melhores recuperações de matéria seca.

Outro grupo de microrganismos que vêm sendo estudado com finalidade semelhante ao L. buchneri é o gênero Propionibac-terium que têm como característica a produção de ácido propiônico. Filya et al. (2004) avaliaram a inoculação do P. acidipropionici, L. plantarum e a associa-ção dos dois microrganismos na ensilagem de trigo, sorgo e milho. A concentração de ácido propiônico foi superior em todas as silagens inoculadas apenas com P. acidipro-pionici e a população de leveduras foi redu-zida da faixa de 5,5 a 5,8 para <2,0 log ufc/g de silagem e a população de mofos de 4,1 a 5,0 também para <2,0 log ufc/g de silagem.

Segundo Weinberg e Muck (1996), o uso de microrganismos alternativos, que são produtores de ácidos orgânicos considerados fracos (acético ou propiônico), no que se refere à eficiência em reduzir o pH da massa ensilada, podem ter a ação sobre o metabolismo de leveduras e fungos filamentosos (Moon, 1983 e McDonald et al., 1991).

As bactérias Propionibacterium acidi-propionici e o Lactobacillus buchneri entre outros compostos produzem principalmente ácido propiônico e ácido acético, respectivamente (Dawson et al., 1998 e Danner et al., 2003). Esses ácidos em pH inferior ao seu pKa (4,87 e 4,73 dos ácidos propiônico e acético, respectivamente), ficam na forma não dissociada, sendo a membrana dos microrganismos permeável a eles, conseqüentemente a entrada do ácido é realizada via transporte passivo. Dentro das células, eles são dissociados (RCOO- e H+) devido ao pH interno do microrganismo ser por volta de 7,0 (superior ao pKa), liberando íons H+, conseqüentemente ocorre rápida redução do pH intracelular. Para elevar novamente o pH, o microrganismo tem que expulsar os íons H+, implicando em gasto de energia, por se tratar de um processo de transporte ativo, retardando o cresci-mento e podendo causar a morte celular (McDonald et al., 1991).

No presente trabalho objetivou-se avaliar o efeito da queima e do tratamento com aditivos químicos (uréia, benzoato de sódio e hidróxido de sódio) e inoculantes microbiológicos (Propionibacterium acidipropionici + Lactobacillus plantarum e Lactobacillus buchneri) sobre a composição química na ensilagem da cana-de-açúcar.

 

Material e métodos

A cana-de-açúcar (Saccharum offici-narum L.) utilizada foi o cultivar SP70-1143, proveniente da Usina Andrade Açúcar e Álcool. A cultura foi adubada com 400 kg/ ha do formulado 20-05-20, após o terceiro corte e o controle de invasoras foi realizado com o herbicida Platô. A colheita manual procedeu-se no mês de Outubro de 2003, quando a cana-de-açúcar apresentava-se apta para o quarto corte, com produção de 80 t MV/ha aos 15 meses de crescimento vegetativo e com 16% de pol.

A forragem foi cortada e transportada até as dependências da Unesp-Jaboticabal. No dia posterior ao corte parte da cana-de-açúcar foi queimada, e colocada em forma de pilhas. A forragem foi processada em picadora estacionária em partículas de 1 a 3 cm.

Utilizaram-se um esquema fatorial 2 (formas: cana-de-açúcar crua e queimada) x 6 aditivos (cinco aditivos uréia, benzoato de sódio, hidróxido de sódio, Propionibac-terium acidipropionici + Lactobacillus plantarum e Lactobacillus buchneri mais o grupo controle) num total de 12 tratamentos com três repetições.

Os microrganismos Propionibacterium acidipropionici (Cepa MS 01) e Lacto-bacillus plantarum (Cepa MA 18/50) utilizados são encontrados no inoculante comercial Propiolact® (PROP), o micror-ganismo Lactobacillus buchneri (Cepa NCIMB 40788) é encontrado no inoculante comercial LalsilCana® (BUCH). Os inoculantes bacterianos foram aplicados conforme recomendações dos fabricantes observando as doses e diluições. A aplicação dos aditivos químicos foi calculada com base na matéria natural da forragem. A uréia foi diluída em água e aplicada em solução de 35 l/t de forragem, o benzoato de sódio foi aplicado através de solução de 15 l/t e o hidróxido de sódio (NaOH) foi utilizado em solução de 33,3%. Imediatamente após a aplicação dos aditivos a cana-de-açúcar foi ensilada.

Utilizou-se como silos experimentais foram utilizados canos de PVC de 50 cm de altura e 10 cm de diâmetro, com tampas com válvulas de Bunsen para permitir o escape do gás. A ensilagem foi realizada com auxílio de bastões de ferro, objetivando alcançar a densidade de 650 kg de forragem/m3. Foi determinado o volume de cada silo experimental e pesou-se a quantidade de forragem necessária para obter a densidade desejada. Após a compactação da forragem com bastões de cano ferro e concreto na ponta, os silos foram vedados com fita adesiva, pesados e armazenados à temperatura ambiente. Decorridos 60 dias de fermentação os silos foram novamente pesados.

Antes da ensilagem e após a aplicação dos referidos inoculantes e/ou aditivos a forragem foi amostrada três vezes em cada tratamento. Sendo que de cada amostra foi fragmentada ainda em duas sub-amostras. Uma sub-amostra foi destinada à determi-nação do pH segundo Silva e Queiroz (2002), a outra sub-amostra foi pesada e levada para estufa de ventilação forçada a 55oC durante 72 horas (Silva e Queiroz, 2002).

Determinaram-se os teores de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), matéria mineral (MM), proteína bruta (PB), nitro-gênio ligado à fibra em detergente neutro (N-FDN) e extrato etéreo (EE) segundo os métodos descritos por Silva e Queiroz (2002). Os teores de fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA) foram avaliados pelo método seqüencial segundo as técnicas descritas por Van Soest et al. (1991). Para determinação da celulose foi utilizado o ácido sulfúrico a 72% (Van Soest, 1994), enquanto os teores de lignina foram calculados por diferença entre FDA e celulose. O teor de carboidratos não fibrosos (CNF) foi calculado pela expressão (CNF = 100 - (FDN + MM + PB + EE)). A digestibilidade verdadeira in vitro da matéria seca foi determinada pelo método de Tilley e Terry (Silva e Queiroz, 2002).

Determinaram-se as recuperações dos CNF e da matéria seca digestível verdadeira, pela equação descrita abaixo:

Rec= (MSF * CFf) / (MSI * CFi) * 100

sendo:

Rec: recuperacáo da fracáo X (% da fracáo X),
MSF: matéria seca no momento da abertura (quantidade de forragem (kg) * teor de matéria seca (%)),
CFf: concentracáo da fracáo X, no momento da abertura,
MSI: matéria seca ensilada (quantidade de forragem (kg) * teor de matéria seca (%)),
CFi: concentracáo da fracáo X, no momento da ensilagem.

O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado em esquema fatorial (2 x 6), com trés repetições. Os fatores estudados são descritos a seguir: queima (cana-de-açúcar crua, cana-de-açúcar queimda) e aditivos (controle, benzoato de sódio, uréia, hidróxido de sódio, P. acidipro-pionici + L.plantarum e L. buchneri).

Os dados foram submetidos á análise de variáncia pelo procedimento de Modelos Lineares Gerais (Proc GLM - General Linear Models Procedures). As médias foram ajustadas pelo método dos quadrados mínimos (LSMEANS, least squares means). As análises estatísticas foram efetuadas utilizando o programa SAS (1999).

 

Resultados e discussáo

A queima antes da ensilagem, propiciou valores de pH estatisticamente inferiores (p<0,05), no entanto, diferenças de pequeña magnitude (tabela I). Diferenças estatísticas em relação á queima também foram observadas após a abertura, todas inferiores a 0,2 unidades de pH. Em relação aos aditivos obteve-se os maiores valores ñas silagens tratadas com NaOH seguidas das aditivadas com uréia. Hill e Leaver (2002) estudando a ensilagem da planta de trigo tratada com doses de uréia (0, 2 e 4%) observaram elevação do pH de 3,87 para 4,07 e 4,28 em função das doses.

O NaOH tem grande capacidade de elevar o pH, haja visto, os valores obtidos na cana-de-açúcar antes de ensilar. Aliado a esse fato tem-se a elevação do poder tampão, propiciando assim os maiores valores de pH após a abertura. No entanto, ao se comparar a redução do pH das silagens controle (2,1 unidades de pH) com a redução das silagens tratadas com NaOH (7 unidades de pH), infere-se que nas silagens tratadas com NaOH ocorreu maior extensão de fermen-tação, pois o pH após a abertura é fruto do pH antes de ensilar associado ao poder tampão e modificado pelos ácidos orgânicos produzidos. Castrillón et al. (1978) trataram a cana-de-açúcar com 4% de NaOH na matéria seca e observaram que as silagens controle tiveram 1,6% enquanto as tratadas apresentaram 12,2% de ácido lático, mesmo com essa alta produção de ácido lático as silagens tratadas apresentaram pH de 4,41, enquanto as não tratadas 4,12.

Observa-se pequena diferença entre a cana-de-açúcar crua e queimada antes da ensilagem (tabela I). O processo de queima elimina a palhada da cana-de-açúcar, material esse que possui alto teor de MS, conseqüentemente há redução do teor de MS na cana-de-açúcar queimada. Entre os aditivos, não houve diferença estatística no teor MS (p>0,05). Após a abertura dos silos observou-se redução em todos os teores de MS. Excetuando as silagens tratadas com PROP e uréia, todas as demais apresentaram maiores teores de MS quando a cana-de-açúcar foi queimada, devido a interação ocorrida entre aditivos e forma de manejo (crua ou queimada). Destacam-se os teores de MS das silagens tratadas com BUCH (crua e queimada) e das silagens de cana-de-açúcar queimada tratadas com NaOH. Na ensilagem da cana-de-açúcar ocorre grande redução dos teores de MS durante a armazenagem (Siqueira et al., 2007). Aditivos que impedem este fato propiciam dimi-nuição das perdas ocorridas na armazenagem.

Os teores de proteína bruta (PB) das silagens e da cana-de-açúcar crua e queimada, tratadas com uréia foram superiores aos demais (p<0,05) (tabela II). A uréia é um ingrediente rico em nitrogênio não protéico (45% de N na MS), sendo assim já era esperado essa superioridade em relação aos teores de PB.

Observa-se que após a abertura houve elevação numérica em todos os teores de PB, comparado aos teores de antes da ensilagem. Esse aumento está associado à concentração do nutriente devido às perdas de MS. A uréia aplicada na ensilagem pode ser perdida no decorrer do processo fermentativo. Nussio e Schmidt (2004) em revisão sobre ensilagem da cana de açúcar reportaram que a recuperação do nitrogênio aplicado na forma de uréia é da ordem de 70%, no presente estudo observou-se recuperação do nitrogênio total nas silagens tratadas com uréia de 82%.

Os teores de nitrogênio ligado a FDN em relação ao N total (N-FDN) foram apresen-tados na tabela II. Observa-se que as forragens tratadas com uréia tiveram os menores valores, pois a uréia é fonte de nitrogênio solúvel, sendo assim, mesmo se a cana-de-açúcar apresenta-se teores de N-FDN semelhantes, ocorreria diluição desse devido à inclusão de nitrogênio solúvel.

Antes da ensilagem os valores de fibra em detergente neutro (FDN) na cana-de-açúcar queimada foram inferiores aos teores na cana-de-açúcar crua (tabela III). Ao queimar a cana-de-açúcar ocorre a elimi-nação da palha, que é uma porção da planta rica em FDN. Outro resultado, que vale ser salientado, é a redução da FDN pelo uso de NaOH mesmo antes da ensilagem. Balieiro Neto et al. (2007) avaliando a ensilagem de cana-de-açúcar tratadas com aditivos alcalinos, observou redução da FDN de 55,48% para 45,36% quando se adicionou 2% de CaO na forragem antes da ensilagem. Resultados semelhantes foram observados por Pedroso et al. (2007) na ensilagem da cana-de-açúcar, onde observou redução da FDN de 64,5% para 55,4% nas forragens tratadas com 1% de NaOH, antes da ensilagem.

Após a abertura observou-se elevação nos teores de FDN em todas as silagens. Esse fato é conseqüência do consumo de conteúdo celular, notadamente carboidratos solúveis pelos microrganismos durante a ensilagem, principalmente leveduras. Pode-se associar a elevação da FDN às perdas de matéria seca, destaca-se nesse sentido, os teores de FDN das silagens de cana-de-açúcar queimada e tratada com NaOH, que além de sofrerem o processo de hidrólise alcalina da fibra (Tetlow e Mason, 1987), pode ter havido maior fermentação homo-lática, e conseqüentemente houve maior produção de ácido lático que não é perdido por volatilização e redução na produção de CO2, diminuindo assim o efeito de concen-tração da FDN.

Outro valor relevante foi observado na silagem de cana-de-açúcar queimada e inoculada com BUCH. No processo de ensila-gem da cana-de-açúcar e ou de outras forra-gens com presença do BUCH ocorre efetivo consumo de carboidratos solúveis (Pedroso et al., 2007 e Nishino et al., 2003). Entretanto, a concentração da FDN nessas silagens de cana-de-açúcar foi menor que naquelas tratadas com uréia, PROP e não tratadas, pois possivelmente ocorreu predominância de produção de ácido acético com conse-qüente redução da produção de etanol. Sendo o etanol um produto volátil esse pode ter sido perdido, além da intensa perda na forma de CO2 durante a fermentação por leveduras, elevando assim a concentração da FDN.

Em relação à fibra em detergente ácido (FDA) antes da ensilagem, verificou-se diferença estatística apenas no efeito da queima (p<0,05). Como foi relatado na FDN, o processo de queima eliminou a presença de palhas que por sua vez é uma parte da planta rica em FDA. Os teores de FDA após a abertura foram numericamente superiores aos observados antes da ensilagem. A se-melhança do ocorrido com a FDN pode atribuir a elevação da FDA ao consumo de carboidratos solúveis durante a fermen-tação.

Os teores de lignina (LIG) não seguiram a mesma tendência da FDN e da FDA, pois não tiveram comportamento consistente durante o processo de ensilagem, ocorren-do, elevação, redução e manutenção dos teores.

A porção de carboidratos representa cerca de 90% da planta da cana-de-açúcar, sendo fragmentado em dois grandes grupos: carboidratos fibrosos, representados pela FDN e carboidratos não fibrosos (CNF). Os CNF possuem alta digestibilidade, acima de 90% (Costa, 2002) e podem ser considerados, uma porção de grande importância no valor nutritivo da cana-de-açúcar. Na tabela IV estão apresentados os teores de CNF antes e após a ensilagem. Antes da ensilagem vê-se que o efeito da queima elevou os teores de CNF, conseqüência da redução dos teores da FDN. Entre as silagens aditivadas, as tratadas com uréia apre-sentaram os menores teores de CNF, pois no cálculo deste parâmetro desconta-se o teor de proteína, sendo a uréia uma fonte de nitrogênio não protéico, o teor de CNF fica subestimado nestas silagens, pois 1 g de nitrogênio não protéico advindo da uréia representa em desconto na formula de CNF o valor de 6,25 g.

Após a ensilagem houve redução do teor de CNF em todas as silagens (tabela IV). Os maiores teores de CNF foram obtidos nas silagens tratadas com NaOH, seguidas pelas silagens inoculadas com BUCH. Os teores de CNF estão intimamente relacionados com os teores de FDN, pois são calculados pela subtração da FDN do teor de carboidratos totais. Conseqüentemente, quanto mais alto o teor de FDN, elevado pela perda de carboidratos solúveis, menor será o teor de CNF, constatação essa que pode ser comprovada pela análise conjunta das tabelas III e IV.

Pedroso et al. (2007) avaliando o teor de carboidratos solúveis no perfil de fer-mentação na ensilagem da cana-de-açúcar observou redução de 23,3% para 9,13 e 5,69% nas silagens controle e inoculadas com L. buchneri, respectivamente. Wein-berg et al. (2002) também observaram maiores consumos de carboidratos solúveis em silagem de milho inoculadas com L. buchneri, quando comparado às silagens controle ou silagens inoculadas com L. plantarum. Ressalva-se que a interpretação dos resultados de CNF em termos relativos pode ser associada aos carboidratos solúveis, porém no que diz respeito aos valores absolutos deve ser diferenciada daquela realizada pelos valores de car-boidratos solúveis, pois na fração de CNF, inserem-se produtos da fermentação presentes na matéria seca, enquanto carboi-dratos solúveis representam um grupo específico de carboidratos.

A digestibilidade verdadeira in vitro da matéria seca (DVIVMS) da cana-de-açúcar antes de ensilar foi superior na cana-de-açúcar queimada, provavelmente devido à eliminação da palha. Destaca-se ainda, a superioridade dos valores de DVIVMS na cana-de-açúcar tratada com NaOH antes da ensilagem. No estudo de Tetlow e Mason (1987) foi observada elevação da diges-tibilidade in vitro das culturas de centeio, cevada e trigo antes de ensilar quando essas foram tratadas com NaOH.

Após a ensilagem ocorreu redução acentuada na DVIVMS das silagens. A digesti-bilidade da cana-de-açúcar é conseqüência da relação entre CNF e FDN. Nesse sentido, observa-se que a queima da cana-de-açúcar propiciou maiores DVIVMS independente do aditivo utilizado, devido à redução da FDN e maiores teores de CNF. Com relação ao efeito dos aditivos as silagens tratadas com NaOH apresentaram os maiores valores de DVIVMS, seguidas pelas silagens inoculadas com BUCH. A explicação para esses resultados pode ser baseada, nos menores teores de FDN e maiores teores de CNF, todos esses baseados na inibição da fermentação por leveduras e no caso do NaOH outro fator contribuinte na elevação da DVIVMS foi a solubilização da fração fibrosa.

A recuperação de CNF (tabela IV) fornece um indicativo de preservação da constituição original da forragem estudada, no entanto além da conservação do material original faz-se necessário conhecer ou mesmo inferir sobre os produtos oriundos da fermentação. Destacam-se os valores de recuperação de CNF das silagens tratadas com NaOH e inoculadas com BUCH, principalmente ñas silagens de cana-de-açúcar queimada. Segundo McDonald et al. (1991) na fermentação por leveduras ocorre perda de 48% da matéria seca fermentada, considerando que as leveduras fermentam carboidratos solúveis que estão coñudos na fração de CNF, infere-se que, ocorreram nessas silagens inibição da atuação de leveduras mais pronunciadas que ñas demais silagens.

Resultados semelhantes á recuperação de CNF foram observados ñas recuperações da matéria seca digestível verdadeira (tabela IV). A análise desse parámetro traduz-se em indicativo de perdas quantitativas e qualitativas. A explicação para esses resultados baseia-se ñas perdas quantitativas, bem como pelas alterações químicas como a elevação da FDN. Vale aínda ressaltar, que a recuperação das frações supracitadas foram calculadas em relação ao material no momento da ensilagem, no entanto no processo de queima ocorrem perdas no campo pela ação do fogo, que no presente estudo não foram mensuradas.

 

Conclusões

O aditivo NaOH e a bactéria L. buchneri foram os mais eficientes em manter a composição química das silagens de canade-açúcar crua ou queimada.

As silagens de cana-de-açúcar queimada apresentam melhor composição química que as produzidas com cana-de-açúcar crua, devido as melhores recuperações de CNF e da matéria seca digestível.

 

Bibliografia

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Recibido: 4-6-07
Aceptado: 5-11-07

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