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Archivos de Zootecnia

versión On-line ISSN 1885-4494versión impresa ISSN 0004-0592

Arch. zootec. vol.60 no.232 Córdoba dic. 2011

https://dx.doi.org/10.4321/S0004-05922011000400030 

 

 

Diversidade tipológica do manejo rural feminino no semiárido brasileiro

Typological diversity of feminine rural work in the Brazilian semi-arid

 

 

Vidal, D.L.1*

1Laboratório de Estudos em Sistemas Semiáridos. Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará. Brasil. *dea.vidal@pesquisador@cnpq.br; lesisa2008@gmail.com

 

 


RESUMO

Objetivou-se caracterizar a diversidade do trabalho feminino no manejo agropecuário de unidades produtivas em comunidades rurais situadas no Semi-Árido brasileiro para melhor compreender o papel da mulher na formação da riqueza rural. Foi elaborada uma tipologia com 75 mulheres residentes em seis comunidades rurais semiáridas do Distrito do Baixo Trici, Ceará, Brasil, baseada na incidência do trabalho feminino no manejo rural associado ou não a outro trabalho familiar ou assalariado. Sete grupos de mulheres foram obtidos através da análise cluster, refletindo a diversidade do trabalho agropecuário feminino nessas comunidades rurais desfavorecidas, particularmente na alocação predominante da força de trabalho da mulher para produção de carne e ovos de aves e carne de suínos, hortícolas e frutas e em trabalhos administrativos da unidade familiar de produção rural.

Palavras chave: Gênero. Campesinato. Áreas desfavorecidas.


SUMMARY

To better understand the role of women in the agricultural wealth composition, this study aimed to characterize the feminine work diversity in the productive units farming management situated in Brazilian semi-arid rural communities. For such, a typology with 75 resident women in six rural communities of the Baixo Trici District, Ceará State, Brazil was performed. This typology was based on the feminine work incidence associated or not to another familiar or wage-earning work. Seven groups of women had been gotten through the cluster analysis, and they had reflected the feminine farming work diversity in these disfavored rural communities, particularly in the predominant allocation of the women work force for fowl and swine meat and fowl eggs, vegetables gardenorchad and in familiar unit administrative works.

Key words: Gender. Peasantry. Less favoured areas.


 

Introdução

Na Região Nordeste do Brasil, área considerada frágil, econômica e ecologicamente, pouquíssimos estudos sobre sistemas rurais incorporando indicadores de fator trabalho e manejo baseados em estatística multifatorial estão disponíveis: Almeida (2004) para o Estado da Paraíba; Souza-Neto et al. (2004) para o do Piauí e IBRD (1975) para os de Sergipe e Rio Grande do Norte. Da observação conjunta dessas tipologias desprende-se que estão baseadas fundamentalmente, na racionalidade econômica convencional, ou seja, o trabalho do titular, geralmente homem, tem grande destaque, ficando o restante da família classificada como ajuda. Nessa ajuda, o trabalho da mulher está incluído, pressupondo que a gestão da unidade de produção é essencialmente masculina (Fisher e Gehlen, 2002). Deduz-se sobre as tipologias desses trabalhos brasileiros, que as mesmas refletem um período histórico no qual os principais objetivos das políticas agrícolas estavam relacionados à produção e economia. No entanto, com o advento do Governo Lula no Brasil, os propósitos das políticas agropecuárias têm sido ampliados fortemente, englobando questões relativas ao meio ambiente e à viabilidade rural para setores não elitizados. Para tal, o Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA, definiu na Nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Brasil- MDA, 2004), a garantia de que os planos e programas de assistência técnica, adaptados aos diferentes territórios e realidades regionais, fossem construídos a partir do reconhecimento das diversidades e especificidades de gênero e etnia, dentre outras.

Abundante literatura foi produzida na década de 80 do século passado sobre a questão da participação da mulher na formação da riqueza. Esse esforço a nível mundial deu-se fundamentalmente devido aos avanços nas discussões sobre o papel político-econômico feminino conseguido nas diversas conferências mundiais sobre mulher e também devido ao apoio da ONU, quando declarou em Copenhague, os anos 80 (do Séc.XX) como a década da mulher (Fraser e Tinker, 2004). No entanto, no Brasil, e particularmente no Estado do Ceará (Região NE), até o momento, não se observam repercussões dos avanços analíticos logrados naquela década para outros países. Especificamente no Estado brasileiro do Ceará, não há nenhum estudo tipológico sobre a participação da mulher no manejo de atividades produtivas rurais.

Esse trabalho, que se baseia no correlato precedente (Vidal, 2011), continua a caracterizar a diversidade do trabalho feminino no manejo agropecuário de unidades produtivas rurais e propõe aproximações para o reconhecimento e empoderamento da mulher rural quanto à sua participação na formação da riqueza de comunidades rurais situadas no Semiárido brasileiro. Especificamente objetiva-se: (i) identificar grupos tipológicos de mulheres de acordo com a incidência do trabalho feminino associado ou não a outro trabalho familiar ou assalariado e (ii) analisar para cada grupo tipológico as relações entre disponibilidade de terra, infra-estrutura (incluindo mecanização) e mão-de-obra.

 

Metodologia

O estudo situou-se no Distrito do Baixo Trici, localizado no Município de Tauá, Sertão dos Inhamuns - Estado do Ceará, Brasil, e englobou setenta e cinco mulheres distribuídas em seis comunidades rurais: Junco (n= 16), Tapera (n= 16), Lustal 1 (n= 16) e Lustal 2 (n= 9), Tiassol (n= 9) e Queimadas (n= 9). As Unidades de Produção Agrária Familiar (UPAF) dessas mulheres representam 75,7% das unidades de produção (n= 103) participantes do Projeto de Pesquisa intitulado Autosustentação econômicosocial de comunidades rurais através de cabras leiteiras naturalizadas em região semiárida dos Inhamuns, Ce, financiado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia. As restantes UPAFs que participaram do projeto não se encontravam disponíveis ou se tratavam de unidades apenas com homens solteiros ou viúvos. O total de UPAFs residentes nas 6 comunidades sob estudo ascende a 305, portanto, o presente trabalho abrangeu 25,5% das mulheres rurais do distrito. A distribuição absoluta da amostra e sua correspondente porcentagem nas comunidades e no projeto de pesquisa são expostas na tabela I.

 

 

Pesquisa exploratória prévia (Vidal, 2011) foi realizada para identificar e comparar o trabalho feminino entre as comunidades, sendo a coleta de dados originais e in situ realizada através de questionário semiestruturado sobre idade da mulher e suas responsabilidades na agricultura roçado, na pecuária (incluindo gado bovino, caprino, ovino, aves e suínos) e em tarefas na administração da UPAF. Esses questionários foram aplicados durante o período de Março a Outubro de 2008 por membros do projeto de pesquisa acima citado. Os resultados dessa pesquisa exploratória serviram como fonte para o presente trabalho. A mulher rural dessas comunidades encontrase predominantemente com prole em idade escolar e não possui educação formal. Surge como principal responsável pelas aves, suínos e horta-pomar e está envolvida em atividades com gado ruminante e com roçado minimamente. A determinação dos fatores explicativos por intermédio da ACP realizada no trabalho correlato precedente, permitiu definir as variáveis focais, a saber: tarefas relativas ao manejo com aves, suínos e horta-pomar (Vidal, 2011): (i) Fator 1 (39,40%) identificou a senhoras que realizam manejo na horta e/ou pomar desenvolvendo atividades manuais no solo de adubação, retirada manual de pragas e colheita contrapostas à inexistência de atividades de semeadura limpeza de ervas daninhas e/ou pulgões e irrigação manual; (ii) Fator 2 (22,14%) refletiu o manejo com suínos e (iii) Fator 3 (18,42) referiu-se ao manejo avícola. Essas variáveis focais foram analisadas segundo a incidência de suas respectivas classes (tabela II) no presente trabalho e foram a base da subseqüente análise cluster (Daniels, 1984). Esse procedimento permitiu diferenciar e caracterizar as mulheres quanto ao seu tipo de trabalho rural no manejo agropecuário.

 

O número de grupos foi obtido baseado no método unweighted pair-group, com distância do tipo euclidiana e escala do tipo desvio padrão. A tipologia resultante foi utilizada para se avaliar a diversidade da contribuição do trabalho feminino no manejo das UPAFs sob estudo. Assim mesmo, para os grupos formados, além das variáveis focais utilizadas, foram calculadas outras variáveis relativas ao manejo com ruminantes, roçado e outros trabalhos (tabela III) e relativas à disponibilidade de fatores produtivos e a idade da mulher (tabela IV). Finalmente, em relação às variáveis focais e às outras variáveis, as mesmas foram submetidas à análise de variância, tipo ANOVA um critério, associada aos testes de Fisher e de Bonferroni - para as variáveis: superfície agrária útil e UTAfamiliar - e análise de qui-quadrado paravariáveis qualitativas.

 

 

 

Resultados e discussão

GRUPOS DE MULHERES E DIVERSIDADE DE RESPONSABILIDADES FEMININAS

Sete grupos de mulheres foram obtidos através da análise cluster (figura 1) realizada com a utilização das coordenadas fatoriais de observações para os fatores da ACP obtidos no trabalho correlato precedente (Vidal, 2011). Outras variáveis que também explicam diferenças relevantes entre os grupos, como a característica sociológica idade da mulher e a disponibilidade de fatores estruturais da UPAF, também são mostradas na figura 1.

 

 

Esses grupos refletem a diversidade do trabalho agropecuário feminino em comunidades rurais desfavorecidas (Vidal, 1995a, b, c e d) situadas em áreas semiáridas cearenses, particularmente na alocação predominante da força de trabalho da mulher para produção de carne e ovos de aves e carne de suínos, hortícolas e frutas (Nierenberg, 2002; FAO, 2005), e em trabalhos administrativos (outros trabalhos) da unidade familiar de produção rural (figura 1).

A maioria dos grupos é constituída por mulheres que possuem mais de 45 anos (G1, G3, G5, G6 e G7) (p<0,0006) (tabela V). Dos sete grupos, independentemente da repartição de responsabilidades entre a família, todos manejam bovinos, caprinos e ovinos. No entanto, ressalte-se que 67% das UPAFs do G2 não praticam a atividade caprina, 50% dos G1 e G4 não possuem ovinos e 50% dos G1 e G3 tão pouco trabalham com bovinos. O trabalho assalariado para produção de ruminantes surge apenas nos G6 e G7. Somente no G6 algumas mulheres (7%) aparecem como responsáveis por tarefas com caprinos e ovinos. No roçado, as mulheres aparecem também em proporções mínimas e associadas ao marido nos G6 e G7, realizando tarefas relacionadas à preparação da terra: limpeza manual de tocos ou troncos, ateamento de fogo seguido de semeadura. Em todos os grupos estudados se observa que a mulher não está presente como principal responsável em tarefas com o gado ruminante, sendo principal responsabilidade da família como um todo. Porém, nas tarefas relativas a outros trabalhos, ou seja, atividades administrativas, de contabilidade e de realização de cursos técnicos para a UPAF a mulher rural assume relevantes proporções nos G3, G4, G5 e G7 (tabela VI).

 

 

 

IMPORTÂNCIA DA DISPONIBILIDADE DE TERRAE DE FATOR TRABALHO RELATIVAS AO MANEJO FEMININO

Houve diferença significativa para a disponibilidade de terra entre os grupos de mulheres do G1, G5, G6 e G7 (p-value= 0,0180238), não havendo diferença entre os G2, G3 e G4 que dispõem de quantidades intermediárias de SAU (tabela V). No G1 que se apresenta com a maior quantidade de terra, as mulheres desenvolvem trabalhos exclusivamente com as aves de curral (p<0,0001) (tabela VIII) ao integrarem as menores disponibilidades de mão-de-obra familiar (p>0,05) (tabela V). No G5, ao contrário, as mulheres que labutam na horta, pomar (p<0,001) (tabela VIII) e trabalhos administrativos (p<0,0001) (tabela VI), dispõem da menor SAU de todos os grupos e se inserem em mão-de-obra exclusivamente familiar. No G6, que congrega a maior parte das mulheres, a SAU disponível é de caráter intermediário e estatisticamente significativa sendo trabalhada por mão-de-obra predominantemente familiar. No entanto, é no G6 que a mão-de-obra assalariada, menos abundante que no que G1, se distribui em um maior espectro de responsabilidades pois se encontra associada ao trabalho familiar ou do marido e se vincula às tarefas do roçado e dos animais ruminantes (p<0,0001) (tabela VI). Esses resultados no semi-árido do Ceará estão de acordo Brumer (2004) ao relatar que com muita freqüência, nos estabelecimentos maiores, as esposas e filhas dos proprietários geralmente não participam ou participam de uma maneira menos intensiva das atividades produtivas, responsabilizando-se quase que exclusivamente pelo trabalho doméstico, pelo cuidado da horta e, eventualmente, pelas atividades anexas (transformação artesanal de produtos agrícolas, por exemplo). Ademais em uma pesquisa anterior realizada em Ijuí, Rio Grande do Sul, Brumer (1994) verificou a existência de correlação entre tamanho da propriedade e emprego de mão-de-obra familiar, além de diferenças na intensidade do emprego da mão-de-obra feminina e masculina de acordo com a área do estabelecimento: quanto maior a área disponível menor a UTA feminina.

 

 

 

RELAÇÃO ENTRE A DISPONIBILIDADE DE INSTALAÇÕES EDE MECANIZAÇÃO

Houve diferença significativa entre as disponibilidades de instalações dos grupos (p<0,0018) (tabela VII). Observou-se que na maioria dos grupos a mesma é baixa (G2, G5,G6 e G7), ou seja, as unidades de produção agrária familiar (UPAFs) que compõem esses respectivos grupos, correspondendo a 85% das mulheres, possuem uma única instalação para animais. Apenas as 4 mulheres que se agrupam no G3 e que são as únicas dentre todas as mulheres sob estudo que têm maior responsabilidade exclusiva sobre as tarefas da horta e do pomar (75%) (tabela VIII), desfrutam de maior quantidade de instalações (acima de 3). No G4, que aglutina seis mulheres dedicadas exclusivas às aves, compartilhando com a família o cuidado dos suínos e com o marido e demais familiares as responsabilidades da horta e do pomar (tabela VIII) não há instalações para animais e no G1, com mulheres únicas responsáveis por aves e suínos, a disponibilidade é intermediária (tabela VII). Em relação às diferentes disponibilidades de silos não se observou significância estatística (p>0,05), no entanto, na maioria dos grupos de mulheres, os silos estão presentes (G2, G3, G5 G6 e G7) e ausentes apenas no G4 (tabela VII), onde as mulheres desempenham um amplo espectro de atividades rurais. A disponibilidade de maquinaria é baixa em todos os grupos, e no G5 inexiste (tabela VII). Para os tratores não houve diferença significativa entre os grupos (p>0,05), porém foi significativa a presença (G1 e G2) ou ausência (G3, G4,G5,G6 e G7) de máquinas forrageiras (p<0,0070) e de outras máquinas (p<0,0001) entre os grupos (disponíveis apenas no G6). Todos os tratores são de propriedade coletiva nos G3 e G7 e alugados nos G1, G2, G4 e G6. No G5, a inexistência de mecanização de qualquer tipo se associa às únicas mulheres que não são responsáveis pelas aves e suínos, mais sim pelo manejo com pequenos ruminantes (suas filhas), pela horta e pomar ajudadas pelo marido e outros trabalhos (sozinhas). Observa-se a associação entre ausência de forrageiras, presença de outras máquinas e manejo feminino exclusivo com animais mono-gástricos (tabelas VII e VIII).

IMPORTÂNCIA FEMININA NO MANEJO RURAL

O manejo de aves se constitui em uma atividade corrente entre mulheres de vários paises periféricos. No presente trabalho, se observa que a mulher surge como única ou principal responsável pelo manejo referente às aves de curral em seis grupos (p<0,0001) que abrangem 96% das mulheres sob estudo (com exceção do grupo 5, onde participam como colaboradoras no âmbito familiar) (tabela VIII). Assim, esses resultados corroboram os de Okitoi et al.(2007) para mulheres da Região Oeste do Kenya, clima húmido, os de Ogunlade e Adebayo (2009) para mulheres também de região húmida, porém da Nigéria e os de Van't Hooft (2004) em montanhas secas da Bolívia. No manejo de suínos, as mulheres das comunidades rurais semiáridas cearenses sob análise também apresentam uma participação relevante, já que são as únicas ou principais responsáveis em cinco dos grupos (p<0,0001) (G1,G3,G4,G6 e G7, totalizando 92% das 75 mulheres) (tabela VIII). Esses resultados corroboram os de Valencia et al. (2007) para mulheres rurais no México, que além de liderarem comunidades locais, desenvolvem atividade econômica relevante como porcinocultoras. Assim mesmo, esses resultados são consistentes com os de Bawa et al. (2004) para mulheres africanas na Nigéria, pois essas, são responsáveis por 67,75% de toda a mão de obra dedicada à suinocultura familiar no país. Em relação às responsabilidades femininas com produção de horta e extrativismo de pomar, foi observado que dos 6 grupos onde essas atividades eram realizadas, a mulher despontava como a principal responsável incluindo as filhas e os respectivos maridos nos G3,G4,G5 e G7 e totalizando 37,33% das mulheres sob estudo (p<0,0001) (tabela VIII). Nesses grupos os vegetais mais cultivados eram a salsinha, cebolinha e alface; e as principais frutas extraídas: melão, manga e goiaba. No presente estudo ainda se observa que nos grupos de mulheres com atividades de horta e pomar, a disponibilidade de terra é menor (tabela V) quando comparada a do grupo sem atividade hortifrutícola (G1). Esse comportamento associativo entre presença de horta e pomar em famílias rurais sem terra ou com pouca terra corrobora Frankenberger et al. (1989).

COMPLEMENTARIDADE EDIVISÃO SUBORDINADA DO TRABALHO FEMININO

São dois os paradigmas predominantes que norteiam as análises associativas em estudos sobre trabalho feminino: o da interdependência e o da divisão subalterna. O primeiro revela-se vinculado às sociedades rurais menos capitalizadas, ou seja, que conservam seu caráter camponês no fundamental. Evidências de sociedades africanas como as do Deserto de Kalahari (Biesele, 1993) ou do Kenya (Karanja-Lumumba e Mugivane, 2009), bem como da Turquia (Darcan e Davran, 2009) e Honduras (Willmer e Ketzis, 1997), elucidam a tradicionalidade de seus sistemas produtivos sustentados pela interdependência e complementaridade de trabalhos distintos realizados por mulheres e homens nas unidades. O segundo paradigma se sustenta na divisão sexualizada do trabalho, definida como o controle do homem sobre a capacidade da mulher com o objetivo de perpetuar o desigual acesso aos meios de produção (Hastins, 1987-1988) constituindo-se assim, na base explicativa das relações de dependência do trabalho rural feminino ao padrão decidido pelo homem (cônjuge ou não) em sociedades africanas do semiárido na África do Sul (Kleinbooi e Lahiff, 2007) e da Namíbia (NDT, 1994) ou ainda, no México (Baer et al., 2009). No presente estudo, em termos gerais verificase que nos G 4, 5 e 7 o espectro de ações da mulher em tarefas rurais alcança sua maior diversidade e no G1 a menor. No entanto, são os G6 e 7, integradores da maioria das mulheres sob estudo (n= 67) onde as diferenças existentes evidenciam possíveis distintas estratégias femininas em relação à interdependência e à divisão subalterna do trabalho. No G6 há maior presença de capital mecânico diversificado e alugado, trabalho masculino e trabalho assalariado e ademais, ausência de horta e pomar; portanto, maior dependência de inputs externos e menor participação feminina. Assim, no G6, apesar de agregar o maior número de mulheres estudadas, sua participação em tarefas rurais é restrita, assumindo feições de trabalho meramente complementar ao masculino. Essas mulheres ademais, não dominam as transações organizativas, dependendo de decisões econômico-políticas de seus cônjuges, portanto podem ser apreendidas como de estratégia dependente, subordinada (Okali, 2009). No G7, ocorre o inverso: como capital mecânico, apenas o trator e de controle coletivo, maior presença de trabalho familiar, ausência de utilização de pesticidas, presença da mulher em trabalhos com animais de curral, horta-pomar, em administração e gestão da unidade de produção. Portanto, menor capitalização e dependência de inputs externos e maior diversificação das responsabilidades femininas, componentes esses que, ao estarem interligados dinamizam uma agropecuária fundamentalmente camponesa (Vidal e Alencar, 2009). Considerando que as mulheres do G7 alcançam o mais amplo e complexo espectro de atividades incluindo as de caráter organizativo junto a todos os fatores caracterizadores da economia camponesa, insere-se esse grupo na dinâmica interdependente. Ademais nesse grupo, 40% das camponesas pertence à Comunidade do Junco, cujas vendas predominantes são de produtos da horta (Vidal, 2009), uma atividade evidenciada como eminentemente feminina. Portanto, a dinâmica interdependente entre gêneros do G7 se confirma, já que essas mulheres atuam como responsáveis nas atividades economicamente mais importantes, não se configurando para elas a subordinação de seu trabalho. No entanto, para a maioria das mulheres sob estudo (G6, 56%), a clássica invisibilidade de seu trabalho se confirma tal como Fisher e Gehlen (2002) demonstraram. Assim, para esses grupos de mulheres tipificados, se corrobora a incidência dos paradigmas identificados pelos autores acima citados, pois no grupo de mulheres com características socioeconômicas camponesas (G7, 20%) observa-se a estratégia da interdependência.

 

Conclusões

Os grupos de mulheres tipificados são a expressão da diversidade laboral agrária feminina no Distrito do Baixo Trici, Ceará, Brasil, evidenciando principalmente a concentração mais expressiva da força de trabalho da mulher rural com animais nãoruminantes, hortifrutigranjeiros e administração da Unidade de Produção. Os Grupos 6 e 7 que agregam a maioria das mulheres sob estudo mostram as diferenças existentes entre estratégias femininas em relação à interdependência e à divisão subalterna do trabalho. No maior deles, o G6 de caráter menos camponês, incide a estratégia da divisão subalterna baseada na invisibilidade e no G7 de caráter classicamente camponês substancia-se o modelo da dinâmica interdependente entre gêneros.

Esse estudo de caráter exploratório permitiu que emergissem novos conhecimentos específicos sobre as responsabilidades das mulheres rurais sob estudo e identificou questões e necessidades dessas agentes microeconômicas. A integração de variáveis específicas sobre trabalho feminino revelou associações no manejo da unidade produtiva que não seriam detectáveis por intermédio de indicadores convencionais, tais como ajuda familiar. A presença de diferenças altamente significativas entre variáveis dos grupos de mulheres sugere que a tipologia foi desenvolvida de forma válida.

 

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Recibido: 1-1-10
Aceptado: 8-2-11.

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