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Cirugía Plástica Ibero-Latinoamericana

On-line version ISSN 1989-2055Print version ISSN 0376-7892

Cir. plást. iberolatinoam. vol.44 n.2 Madrid Apr./Jun. 2018  Epub Feb 08, 2021

https://dx.doi.org/10.4321/s0376-78922018000200017 

RECONSTRUCTIVA

Fístula oroantral em contexto de osteonecrose maxilar e mandibular por bifosfonatos. Caso clínico

Angelo Sá*  , Leandro Azevedo*  , Carlos Pinheiro*  , Joaquim Seixas-Martins**  , Luísa Cunha** 

*Médico residente. Servicio de Cirugía Plástica, Reconstructiva y Maxilofacial, Hospital Egas Moniz, Centro Hospitalario de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal

** Cirujano plástico, adjunto del servicio. Servicio de Cirugía Plástica, Reconstructiva y Maxilofacial, Hospital Egas Moniz, Centro Hospitalario de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal

Introdução

A fístula oroantral caracteriza-se por uma comunicação patológica entre a cavidade oral e o seio maxilar, sobretudo do tipo alveolar, dada a forte associação da extracção dentária, principalmente do 1º molar.(1 2 3-4) Assim, a principal etiologia é a extracção dentária em doentes com espessura óssea reduzida do pavimento do seio maxilar.

Recentemente, a osteonecrose maxilar e mandibular por bifosfonatos, em regime de tratamento endovenoso, foi descrita como uma importante causa de fístula oroantral, resultado do evento final de um processo de necrose óssea.(5) Esta terapêutica tem sido largamente utilizada e com grande eficácia no tratamento de várias neoplasias com metastização óssea, em especial no cancro da mama, onde a sobrevida tem aumentado consideravelmente.

Com a apresentação de um caso clínico os autores pretendem relembrar a estreita ligação entre a osteonecrose por bifosfonatos e o desenvolvimento de fístula oroantral. Além disso, salienta-se o elevado risco de submeter estes doentes a extracções dentárias após o início do tratamento endovenoso com bifosfonatos.

Material e Método

Os autores relatam um caso clínico de doente do sexo feminino, 58 anos de idade, que descrevia história com aproximadamente três meses de evolução de comunicação oroantral com passagem de líquidos e sólidos, halitose e dor localizada na região maxilar esquerda. A doente referiu exodôncia prévia de dente 26. Em estreita relação, apresentava desde há cerca de 3 anos diagnóstico de neoplasia maligna da mama com metastização óssea, tendo sido submetida a cirurgia com mastectomia radical modificada, complementada por quimioterapia adjuvante e tratamento com ácido zoledrónico endovenoso. tendo realizado o último ciclo de quimioterapia um ano antes ao aparecimento da fístula oroantral.

Ao exame objectivo observou-se defeito no rebordo alveolar com 3 mm de diâmetro (Fig. 1), confirmado em exames radiológicos (ortopantomografia e tomografia axial computorizada), com opacificação do seio maxilar e comunicação oroantral esquerda, além de hipodensidade do corpo mandibular direito (Fig. 2). Assim, estabeleceu-se o diagnóstico de osteonecrose por bifosfonatos da hemimandíbula direita e maxilar esquerdo, com fístula localizada ao nível do dente 26.

Fig. 1. Fístula oroantral do 2º quadrante 

Fig. 2. Tomografia axial computorizada – rarefacção óssea alveolar 

A doente foi submetida a cirurgia com mucosectomia do seio maxilar por abordagem de Caldwell-Luc e encerramento de fístula com retalho mucoperiósseo vestibular de avanço (Fig 3 e 4). Adicionalmente, no mesmo tempo operatório realizou-se via abordagem vestibular inferior incisão da mucosa alveolar, desbridamento do foco de osteonecrose mandibular e encerramento com retalhos locais.

Fig. 3. Retalho mucoperiósseo vestibular de avanço 

Fig. 4. Encerramento sem tensão 

Nos cuidados pós operatórios a doente foi orientada para dieta líquida fria, aconselhada a não escovar do lado da fístula, não soprar, assobiar ou assoar o nariz.

Às 3 semanas pós operatório a doente apresentava encerramento da fístula oroantral sem deiscência ou necrose do retalho, com resolução dos sintomas de apresentação, nomeadamente dor, passagem de líquidos para o seio maxilar e halitose. No follow-up aos 6 meses pós operatório (Fig. 5), verificou-se ausência de recidiva e melhoria da qualidade de vida da doente.

Fig. 5. Pós-operatório aos 6 meses. 

Discussão

A fístula oroantral é uma comunicação patológica entre a cavidade oral e o seio maxilar. Inicialmente designa-se por comunicação oroantral, porém quando é revestida por tecido epitelial, impedindo a cicatrização, toma o nome de fístula oroantral. Depende da localização e poderá ser classificada como palatosinusal, alveolosinusal ou vestibulosinusal.(1) No caso relatado, a doente foi referenciada à nossa consulta pelo seu médico oncologista, que em consulta de vigilância, após as queixas da doente, constatou a presença de comunicação oroantral. Na observação, apurou-se que a doente exibia comunicação com 3 meses de evolução e no exame objectivo observaram-se limites bem definidos e epitelizados, localizados ao bordo alveolar, pelo que se efectuou o diagnóstico de fístula oroantral alveolosinusal e necessidade inequívoca de encerramento por meio cirúrgico.

A comunicação surge pela fragilidade do pavimento do seio maxilar e proximidade das raizes dentárias, algumas distam 1-7 mm do seio, formando-se um trajecto directo entre cavidades. Verifica-se maior incidência nas áreas edêntulas onde coincide extensa pneumatização do seio maxilar e redução da espessura óssea maxilar por erosão.(2,3,6) Outros factores etiológicos menos frequentes são infecções dentárias, osteomielite, osteoradionecrose, quistos maxilares, tumores benignos ou malignos e trauma.(1,2,4,6)

Uma das etiologias da fístula oroantral descrita mais recentemente é a osteonecrose maxilar por tratamento com bifosfonatos. Embora a primeira descrição tenha sido feita em 2003,(5) a fisiopatologia permanece desconhecida. Esta entidade define-se por presença de osso maxilar ou mandibular exposto por período superior a 8 semanas, prévio tratamento com bifosfonatos e ausência de história de radioterapia.(5,7) Os doentes apresentam necrose óssea e dor. Além disso, podem manifestar desde sinais inflamatórios locais frustes a quadros infecciosos exuberantes por abcessos apicais e sinusite maxilar. Na origem desta última está a fístula oroantral.(7)

Apesar de se tratar de uma causa rara, a incidência de osteonecrose da mandíbula e/ou maxila tem vindo a aumentar nos últimos anos associada ao uso dos bifosfonatos no tratamento de metástases ósseas, nomeadamente no cancro da mama que apresenta uma elevada incidência.(7,8) Neste presente caso, o diagnóstico foi imediato, porque desde que se estabeleceu relação entre a terapêutica de bifosfonatos e a necrose óssea maxilar e mandibular, observamos vários casos idênticos de mulheres com metástases ósseas de carcinoma da mama submetidas a este tratamento, porém nunca com atingimento simultâneo do maxilar e mandíbula no mesmo doente.

Sabe-se que a toma de bifosfonatos por via endovenosa apresenta um risco superior de desenvolver osteonecrose comparativamente à terapêutica oral.(9) A doente realizou 8 ciclos de quimioterapia complementada por ácido zoledrónico ao longo de doze meses numa primeira fase. Trata-se de um medicamento da classe dos bifosfonatos que mais amplamente é utilizado no tratamento das metástases ósseas em contexto de carcinoma da mama. , Posteriormente, após 6 meses do término do primeiro ciclo de tratamento, por reactivação da doença, efectuou mais 6 ciclos de novo esquema de quimioterapia em associação com ácido zoledrónico. Outras causas menos frequentes são a prevenção de osteoporose pós menopáusica e induzida por corticosteróides, no tratamento de doença de Paget e hipercalcemia secundária a malignidade.(8) A osteonecrose maxilar por bifosfonatos tem sido negligenciada em detrimento da mandibular, todavia já se demonstrou que o osso maxilar é atingido em um quarto a um terço dos episódios.(8,9) No presente caso, a doente exibia clínica e radiologicamente osteonecrose maxilar e mandibular.

A ampla utilização desta terapêutica na última década no tratamento do cancro da mama e o consequente aumento substancial da sobrevida dos doentes determinou que a osteonecrose por bifosfonatos se tornasse uma sequela muito frequente e, de igual modo, um factor relevante na origem da fístula oroantral.(8,10,11) A doente mantém-se em vigilância oncológica devido a metástases ósseas, porém sem tradução clínica, não sendo necessário novos tratamentos oncológicos.

O mecanismo de formação da fístula oroantral secundário a osteonecrose iatrogénica é motivo de discussão, dado a necessidade de um evento coadjuvante. A extracção dentária é a hipótese mais consensual e adiantada por vários casos clínicos.(8,9,12) Porém, defende-se que não será a extracção por si só, mas a infecção local pós procedimento, sem tradução clínica em doente saudável, que face à deficiente vascularização, desenvolve um quadro inflamatório e evolui para fístula.(8,9) A doente alega ter sido submetida a cirurgia com extracção dentária do primeiro molar da maxila esquerda após cerca de 5 meses do último ciclo de quimioterapia, referindo que a comunicação surgiu poucos meses depois. Os doentes mencionam passagem de líquidos para a cavidade nasal, obstrução nasal e rinorreia ipsilateral, halitose, ageusia e cefaleia frontal. No caso exposto, a doente referiu, halitose e passagem de resíduos alimentares. Além disso, mencionou sinusite e hipersensibilidade localizada à região geniana. Radiologicamente traduz-se por descontinuidade do pavimento do seio, comunicação entre a cavidade oral e o seio, opacificação do último, áreas focais de atrofia alveolar e doença periodontal associada(1,2). Nos exames imagiológicos da paciente observou-se erosão da hemimandíbula direita, assim como ausência de tecido ósseo viável ao nível da maxila esquerda, com aparente comunicação entre cavidades.

O encerramento definitivo da fístula depende da técnica utilizada, das dimensões e localização da fístula, relação com dentes, altura das apófises alveolares, bem como da presença ou ausência de doença sinusal.(1,4) Assim, qualquer comunicação oroantral que persista por mais de 3 semanas deve ser encerrada cirurgicamente de modo a evitar complicações, nomeadamente sinusite maxilar. As técnicas de reparação da fístula oroantral incluem retalhos locais e distantes, com ou sem enxerto ósseo autólogo ou implantes aloplásticos.

Nenhum dos retalhos apresenta total vantagem e/ou desvantagem sobre os restante.s.(1,4,6) Os retalhos mais frequentemente usados são os locais: vestibular, palatino e vestibular de gordura (bola de Bichat), no entanto poder-se-ão usar retalhos pediculados distantes como lingual ou fáscia temporal.(1 2-3,6) Independentemente da técnica escolhida há dois princípios a salvaguardar: erradicar qualquer infeção sinusal e os retalhos devem ser encerrados sem tensão com boa vascularização.

Após discussão do caso, os autores optaram por efectuar o retalho vestibular, uma vez que o defeito apresentava localização medioalveolar e a doente não usava prótese dentária. Primeiramente realizou-se desbridamento do seio maxilar com mucosectomia via abordagem de Cadwell-Luc e, de seguida, revestimento do defeito com retalho mucoperiósseo vestibular. De salientar, a desvantagem deste retalho de reduzir a profundidade do sulco vestibular, podendo causar dor local em doentes que usam prótese dentária. Neste caso, a cicatrização decorreu sem complicações como deiscência ou necrose do retalho, com encerramento da fístula às 3 semanas e sem recidiva até ao presente momento, com 2 anos de seguimento.

Assim sendo, nos doentes com necessidade de terapêutica com bifosfonatos, sobretudo naqueles com toma por via endovenosa, deverão ser referenciados pelos oncologistas aos estomatologistas para avaliação prévia e tratamento das peças dentárias, de modo a evitar extracções durante o período de tratamento e nos meses após o término deste.

A necrose óssea secundária a terapêutica com bifofosnatos é uma realidade, com aparecimento crescente de doentes com esta patologia iatrogénica. A razão do aumento deve-se ao prolongamento da sobrevida dos doentes. O osso mais atingido é a mandíbula, sendo a maxila menos frente e, ainda mais raramente, atingimento de ambos os ossos como observado nesta doente.

Conclusão

Através do caso relatado, os autores pretendem relembrar o aparecimento recente e de frequência crescente de osteonecrose maxilar e mandibular em doentes submetidos a tratamento com bifosfonatos.

Actualmente, a maior eficácia dos tratamentos de quimioterapia combinados com bifosfonatos por via endovenosa e, por conseguinte, o aumento da sobrevida no cancro da mama, desencadeou um aumento exponencial do número de doentes com fístula oroantral.

Assim, este caso relembra a estreita relação da osteonecrose maxilar e a extracção dentária como factor de risco para fístula oroantral nestes doentes.

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Recebido: 29 de Março de 2018; Aceito: 23 de Abril de 2018

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