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Cuadernos de Psicología del Deporte

versão On-line ISSN 1989-5879versão impressa ISSN 1578-8423

CPD vol.15 no.3 Murcia Set. 2015

https://dx.doi.org/10.4321/S1578-84232015000300003 

 

 

Como distinguir jovens atletas que tencionam continuar a praticar desporto dos que não tencionam continuar a fazê-lo?

¿Como distinguir entre jóvenes atletas que tienen la intención de continuar practicando deporte de los que no piensan continuar haciéndolo?

How to distinguish between young athletes who intend to continue playing sports and those who do not intend to continue doing it?

 

 

Cláudia Dias1, Nuno Corte-Real1, André Barreiros1, Robert Brustad2 e António Manuel Fonseca1

1 CIFI2 D, Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, Portugal.
2 School of Sport & Exercise Science, University of Northern Colorado, USA

El presente estudio recibió fondos del Programa Jovens no Desporto - Um Pódio para Todos del Instituto do Desporto de Portugal.

Correspondência

 

 


RESUMO

O objectivo do presente estudo consistiu em verificar se seria possível distinguir jovens atletas que tencionavam continuar a praticar desporto dos que equacionavam não continuar a fazê-lo, com base nos seus objectivos de realização, crenças sobre a competência desportiva, competência percebida, motivação intrínseca e autonomia na prática. A amostra foi constituída por 3330 atletas de ambos os sexos, com idades entre os 10 e os 18 anos. Os sujeitos preencheram as versões portuguesas do Questionnaire de Conceptions Relatives à la Nature de l´Habilité Sportive, do Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire, do Intrinsic Motivation Inventory, do Relative Autonomy Index, do Physical Self-Perception Profile, e, ainda, o Questionário sobre a Intenção de Praticar Desporto. Os resultados mostraram que, com base no conhecimento do modo como os jovens se percebiam (em relação à sua competência e autonomia) e posicionavam (que objectivos procuravam alcançar e que motivação intrínseca apresentavam) relativamente à sua prática desportiva, foi possível distinguir entre aqueles que tencionavam continuar envolvidos na prática desportiva e os que não o tencionavam fazer. À intenção de continuar associaram-se a motivação intrínseca, a autodeterminação, a competência percebida, e a crença de que a competência desportiva não é específica; à intenção de não praticar desporto na época seguinte associaram-se formas de motivação menos autodeterminadas e a crença de que a competência desportiva é algo específico a um contexto ou actividade. Apesar de genericamente semelhantes, as respostas dos atletas dos dois sexos sugeriram algumas ligeiras diferenças entre eles e elas.

Palavras-chave: Autodeterminação, Motivação Intrínseca, Competência Desportiva, Objectivos de Realização, Intenções.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue verificar si sería posible distinguir entre atletas jóvenes que tenían la intención de seguir practicando deporte y aquellos que no tenían intenciones de continuar, en función de sus orientaciones de metas, creencias acerca de su habilidad deportiva, competencia percibida, motivación intrínseca y autonomía. Tres mil e trescientos atletas de ambos sexos, con edades entre 10 y 18 años, completaron las versiones portuguesas del Questionnaire de Conceptions Relatives à la Nature de l´Habilité Sportive, del Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire, del Intrinsic Motivation Inventory, del Relative Autonomy Index, del Physical Self-Perception Profile, y el Questionário sobre a Intenção de Praticar Desporto. Los resultados mostraron que, con base en el conocimiento de cómo los jóvenes se perciben a sí mismos (su competencia y autonomía) y del modo como se posicionan (sus metas y motivación intrínseca) en relación a su deporte, era posible distinguir entre aquellos que tenían la intención de continuar hacendo deporte y los que no tenían esa intención. La intención de continuar estaba asociada con la motivación intrínseca, la autodeterminación, la competencia percibida, y la creencia de que la habilidad deportiva no es específica; la intención de no continuar en la temporada siguiente se asoció con formas menos auto determinadas de motivación y con la creencia de que la habilidad deportiva es algo específico a un contexto/ actividad. Aunque en general fueran similares, las respuestas de los atletas de ambos sexos sugirieron ligeras diferencias entre niñas y varones.

Palabras clave: Auto-Determinación, Motivación Intrínseca, Habilidad Deportiva, Orientaciones de Metas, Intenciones.


ABSTRACT

The aim of this study was to verify whether it was possible to distinguish between young athletes who intended to continue playing sports and those who intended to dropout, based on their achievement goal, beliefs about their sport competence, perceived competence, intrinsic motivation and autonomy in sport practice. Three thousand and three hundred athletes of both sexes, aged between 10 and 18 years, completed the Portuguese versions of the Questionnaire de Conceptions Relatives à la Nature de l´Habilité Sportive [Conceptions About the Nature of Sport Competence Questionnaire], the Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire, the Intrinsic Motivation Inventory, the Relative Autonomy Index, the Physical Self-Perception Profile, and also the Questionário sobre a Intenção de Praticar Desporto [Intention of Playing Sport Questionnaire]. The results showed that, based on the knowledge of how the participants perceived themselves (in relation to their competence and autonomy) and their standing (their goals and their intrinsic motivation) regarding their sport, it was possible to distinguish between those who intended to remain involved in sport and those who did not intend to do so. The intention to persist was associated with intrinsic motivation, self-determination, perceived competence, and the belief that sport competence is not specific; the intention to drop out of sport the next season was associated with less self-determined forms of motivation and the belief that sport competence is specific to a context or activity. Although generally similar, the responses of athletes of both sexes suggested some slight differences between boys and girls.

Key words: Self-Determination, Intrinsic Motivation, Sport Competence, Achievement Goals, Intentions.


 

Introdução

A literatura especializada tem vindo a defender que o conhecimento dos mecanismos subjacentes ao funcionamento da motivação no contexto desportivo é essencial para a compreensão dos factores e processos psicológicos envolvidos no abandono da prática desportiva (Cervelló, Escartí, & Guzmán, 2007; Sarrazin, Vallerand, Guillet, Pelletier, & Cury, 2002), possuindo, portanto, uma aplicação directa ao nível da intervenção em psicologia do desporto.

Nesse contexto, importará recordar, por exemplo, que várias investigações têm demonstrado que a forma como as pessoas definem o sucesso (i.e., o tipo de objectivos de realização que elegem como fundamentais no âmbito da sua actividade, neste caso, desportiva) as leva a avaliarem a competência de forma diferente, direccionando o modo como interpretam, avaliam e reagem a feedbacks de realização (Le Bars, Gernignon, & Ninot, 2009). Estas investigações têm-se caracterizado igualmente pela eficácia revelada na determinação dos índices motivacionais e dos comportamentos orientados para a realização dos jovens, sugerindo que objectivos de realização associados ao ego - que privilegiam a evidência de superioridade sobre os outros - se relacionam mais com comportamentos desadaptados, enquanto objectivos de realização orientados para a tarefa - enfatizando a aprendizagem - parecem associar-se mais a comportamentos adaptados, incluindo níveis de competência e de motivação intrínseca mais elevados e menos abandono (Carlin, Salguero, Márquez, & Garcés de los Fayos, 2009; Cervelló et al., 2007; Le Bars et al., 2009).

A relação entre a competência desportiva percebida e os comportamentos de persistência ou de abandono desportivo está também claramente estabelecida, porquanto diversas investigações demonstraram já que os atletas que se percebem como competentes também se esforçam e perseveram mais face a obstáculos e dificuldades, enquanto aqueles que se percebem como pouco competentes, mais facilmente desistem e perdem o interesse pela prática de desporto (Franco, Pérez-Tejero, & Arrizabalaga, 2012; Whitehead, Andrée, & Lee, 2004).

Adicionalmente, com base na ideia de que a natureza e determinantes da competência desportiva parecem desempenhar um papel especial ao nível da motivação e dos comportamentos adoptados pelos indivíduos em contextos de realização, vários estudos têm sugerido que o modo como as pessoas configuram essa natureza e determinantes não é uniforme (Sarmento, Catita, & Fonseca, 2012; Sarrazin et al., 1995), e que, de uma forma geral, parecem existir maiores vantagens na adopção das crenças de que a competência resulta da aprendizagem, é melhorável e específica (habitualmente mais associadas a uma maior orientação para a tarefa) em contraponto com a adopção das crenças de que a competência corresponde a um dom, é estável e geral (habitualmente mais associadas a uma maior orientação para o ego) (Fonseca & Paula-Brito, 2001a; Sarmento et al., 2012). Neste sentido, a circunstância de as crianças e jovens adoptarem um ou outro tipo de crenças pode associar-se a níveis mais elevados de intensidade e persistência na prática desportiva, e, consequentemente, a uma menor intenção de a abandonar.

Finalmente, uma outra variável potencialmente crítica na análise da questão do abandono da prática desportiva, fundamentalmente pelo modo como habitualmente permite predizer a intensidade e persistência com que os indivíduos se envolvem na prática de uma determinada actividade, é a motivação intrínseca, a qual, normalmente, se relaciona positivamente com a necessidade de demonstrar competência desportiva (Gil et al., 2007; Sarrazin et al., 2002) e com a orientação para a tarefa (Chin, Khoo, & Low, 2012) e negativamente com a orientação para o ego (Fonseca & Paula-Brito, 2001a). E, em estreita relação com a motivação intrínseca, também o nível de autonomia percebido pelos indivíduos relativamente à sua decisão de praticarem ou não desporto se constitui como uma importante variável a estudar nesta equação (García Calvo, Sánchez Miguel, Leo, Sánchez Oliva, & Amado, 2012; González-Cutre, Sicilia, & Fernández, 2010).

Com efeito, o facto de as pessoas se envolverem livremente na prática de desporto, procurando uma maior orientação para uma motivação autodeterminada, parece estar fortemente relacionado com a motivação intrínseca (Moreno & Martinez, 2006). Adicionalmente, a persistência dos atletas tem sido associada, em numerosas investigações, à motivação intrínseca (Frederick-Recascino & Schuster-Smith, 2003; Moreno, Cervelló, & González-Cutre, 2007; Pelletier, Fortier, Vallerand, & Brière, 2001) e a outras formas de motivação mais autodeterminadas (Guzmán & Kingston, 2012; Ntoumanis, 2005; Sarrazin et al., 2002; Thøgersen-Ntoumanis & Ntoumanis, 2006). Em contraste, a motivação extrínseca parece favorecer comportamentos não autodeterminados e a amotivação (Moreno & Martinez, 2006), variáveis que, em diversos estudos, predizem fortemente comportamentos de abandono desportivo (García Calvo, Cervelló, Jiménez, Iglesias, & Moreno, 2010; Ntoumanis, 2005; Pelletier et al., 2001).

Todavia, não obstante estas e outras investigações tenham contribuído para a compreensão da relação entre o modo como os atletas se percebem, em termos sociocognitivos, e os seus comportamentos de abandono ou de persistência na prática desportiva, as evidências disponíveis sobre o padrão e dinâmica das interrelações entre algumas das variáveis anteriormente referidas e o seu papel na predição do abandono desportivo é ainda escassa. Em decorrência, e procurando contribuir para a existência de um conhecimento mais profundo sobre o que leva os jovens a equacionarem abandonar a sua prática desportiva - assumindo que num número previsivelmente elevado aquelas intenções se materializam efectivamente (ver, por exemplo, Le Bars et al., 2009; Sarrazin et al., 2002) - o presente estudo pretendeu verificar se, com base no conhecimento dos objectivos de realização e das crenças sobre a competência desportiva, bem como dos níveis de competência percebida, motivação intrínseca e autonomia na prática desportiva, de um conjunto alargado de jovens que praticavam desporto federado, seria possível distinguir entre os que tencionavam continuar a praticá-lo e os que equacionavam não continuar a fazê-lo. Mais especificamente, procurou-se compreender quais destas variáveis se mostram mais determinantes para explicar a persistência ou abandono da prática desportiva, analisando os dados não só relativamente à amostra global, mas também considerando os dois sexos separadamente, concorrendo assim para um melhor entendimento de como os atletas vêem e percebem o seu sucesso desportivo.

 

Metodologia

Participantes

Participaram inicialmente neste estudo 3330 jovens de ambos os sexos (69% do sexo masculino e 31% do sexo feminino), com idades compreendidas entre os 10 e os 18 anos, praticantes federados de diversas modalidades desportivas (e.g., andebol, atletismo, basquetebol, futebol, futsal, ginástica, karaté-do, natação, pólo aquático, ténis de mesa e voleibol) em clubes sedeados ao longo das regiões Norte, Centro e Sul de Portugal.

Instrumentos

Depois de terem sido previamente contactados através dos seus treinadores, e de terem manifestado a sua disponibilidade para participarem neste estudo, os atletas, antes ou após um dos seus treinos, responderam, sem demonstrarem quaisquer dificuldades, a um conjunto de questionários centrados nas variáveis que pretendíamos estudar.

Para avaliar as crenças sobre a natureza e determinantes da competência desportiva, utilizámos o Questionário sobre as Crenças relativas à Natureza e Determinantes da Competência Desportiva (QCNHSp), que é uma versão traduzida e adaptada para a realidade nacional (Fonseca & Paula Brito, 2000) do Questionnaire sur les Croyances Relatives à la Nature de l'Habilité Sportive (QCNHS) elaborado por Sarrazin et al. (1995). O QCNHSp é constituído por 21 afirmações relativas à competência para a prática desportiva, que se distribuem por seis dimensões, ou crenças: estável, melhorável, dom, aprendizagem, geral, e específica. Para responderem ao QCNHSp, os inquiridos indicam a sua concordância ou discordância em relação a cada uma das diferentes afirmações que o constituem, recorrendo, para o efeito, a uma escala de Likert de 5 pontos (1 = Discordo Completamente; 5 = Concordo Completamente). Desta forma, é possível avaliar o modo como os indivíduos subscrevem, ou não, cada uma das seis crenças consideradas.

Para avaliar os objectivos de realização, utilizámos o Questionário de Orientação para a Tarefa e para o Ego no Desporto (TEOSQp), que é uma versão traduzida e adaptada para a realidade nacional (Fonseca & Paula Brito, 2005) do Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire (TEOSQ) elaborado por Duda e Nicholls (1992). O TEOSQp é constituído por uma lista de 13 afirmações relativas ao sucesso no desporto, isto é, aos objectivos de realização perseguidos pelos indivíduos no âmbito da sua prática desportiva. Aquelas afirmações agrupam-se em duas dimensões que reflectem diferentes orientações para a prática desportiva: orientação para o ego e orientação para a tarefa. Para o preenchimento do TEOSQp é solicitado aos sujeitos que indiquem a sua concordância relativamente ao modo como cada uma das 13 afirmações se aplica a si, numa escala de Likert de 5 pontos (1 = Discordo Totalmente; 5 = Concordo Totalmente).

Para avaliar a motivação intrínseca, utilizámos o Inventário de Motivação Intrínseca (IMIp), que é uma versão traduzida e adaptada para a realidade nacional (Fonseca & Paula-Brito, 2001b) do Intrinsic Motivation Inventory (IMI), elaborado por McAuley, Duncan e Tammen (1989). O IMIp é constituído por uma lista de 18 afirmações relativas à motivação intrínseca para a prática desportiva. Aquelas afirmações agrupam-se em quatro dimensões da motivação intrínseca: prazer/ interesse, competência, esforço/ importância e pressão/ tensão. Para o preenchimento do IMIp é solicitado aos sujeitos que indiquem a sua concordância relativamente ao modo como cada uma das 18 afirmações se aplica a si, numa escala de Likert de 5 pontos (1 = Discordo Totalmente; 5 = Concordo Totalmente).

Para avaliar a autonomia percebida, utilizámos o Índice de Autonomia Relativa (RAIp), que é uma versão traduzida e adaptada para a realidade nacional (Fonseca & Biddle, 1995) do Relative Autonomy Index (RAI), elaborado originalmente por Ryan e Connell (1989). O RAIp é constituído por uma lista de 17 afirmações relativas ao modo como são regulados os comportamentos orientados para a prática desportiva. Aquelas afirmações agrupam-se em cinco dimensões: amotivação, externa, introjectada, identificada e intrínseca. Para o preenchimento do RAIp é solicitado aos sujeitos que indiquem a sua concordância relativamente ao modo como cada uma das 17 afirmações se aplica a si, numa escala de Likert de 5 pontos (1 = Discordo Totalmente; 5 = Concordo Totalmente).

Para avaliar a competência desportiva percebida, utilizámos a escala da competência desportiva percebida do Perfil de Autopercepção Física (PSPPp) que é uma versão traduzida e adaptada para a realidade nacional (Fonseca & Fox, 2002) do Physical Self-Perception Profile (PSPP), elaborado por Fox e Corbin (1989). A escala de competência percebida do PSPPp é constituída por cinco afirmações relativas à competência para a prática desportiva, agrupadas naturalmente numa única dimensão: competência percebida. Para o preenchimento da escala de competência percebida do PSPPp é solicitado aos sujeitos que indiquem, numa escala de Likert de 5 pontos (1 = Nada Parecidas Comigo; 5 = Totalmente Parecidas Comigo), o modo como sentem que cada uma das cinco afirmações os descreve.

Finalmente, para determinar a intenção de continuar, ou não, a praticar desporto, utilizámos o Questionário sobre a Intenção de Praticar Desporto (QIPD; Fonseca, 1995). O QIPD é constituído por oito afirmações relativas à intenção em continuar ou não a praticar desporto, que se distribuem por duas dimensões: continuar (e.g., "tenho intenção de, na próxima época, continuar a praticar o desporto que pratico actualmente") e abandonar (e.g., "estou a pensar abandonar, na próxima época, a prática do desporto que pratico actualmente"). Para o preenchimento do QIPD é solicitado aos sujeitos que indiquem a sua concordância relativamente ao modo como cada uma das oito afirmações se aplica a si, numa escala de Likert de 5 pontos (1 = Discordo Totalmente; 5 = Concordo Totalmente).

Procedimento

No sentido de examinar eventuais diferenças entre os grupos NTP e TP ao nível das variáveis envolvidas no estudo, recorremos à técnica estatística da análise da função discriminante (AFD). Este procedimento foi adoptado quer relativamente à amostra global, quer nos dois sexos, separadamente.

Um dos pressupostos fundamentais da AFD é o de que os grupos em análise devem ser mutuamente exclusivos e exaustivos, entendendo-se a variável dependente, relativa à pertença a um grupo, como categórica, do tipo 0 e 1, e não do tipo de escala ordinal (McLaughlin, 1980). Daí que tenhamos constituído dois grupos (NTP e TP) claramente distintos e exclusivos no que concerne à sua decisão de praticar, ou não, desporto na época seguinte no clube em que estavam inscritos nos moldes em que ela se processava (i.e., inscritos nos clubes em que a praticavam naquele momento: (a) o grupo dos que não tencionavam mesmo praticar, constituído por 38 jovens, a partir daqui designado como grupo NTP; e (b) o grupo dos que não exprimiam qualquer dúvida relativamente à sua intenção de continuar a praticar, constituído por 480 jovens, a partir daqui designado como grupo TP. Estes grupos distintos foram constituídos com base nas respostas ao QIPD.

Posteriormente, considerando que a homogeneidade das dispersões populacionais é também considerada como um dos pressupostos fundamentais da AFD, designadamente quando a partir dela se pretende a classificação de casos (McLaughlin, 1980), recorremos à prova M de Box para testar a inexistência de diferenças entre as matrizes de variância-covariância dos grupos NTP e TP, tendo o seu resultado (M = 350.06; F = 1.68, p < .001) sugerido a rejeição da hipótese da inexistência de diferenças entre as referidas matrizes. Não obstante, atendendo à elevada dimensão da nossa amostra e à sensibilidade da prova de Box a amostras numerosas - com amostras numerosas é muito fácil encontrar resultados estatisticamente significativos ainda que as matrizes não sejam muito desiguais (Bisquerra, 1989) - decidimos que este resultados não invalidavam a realização da AFD.

De seguida, tomando em linha de conta que um outro pressuposto fundamental para a realização da AFD é o da normalidade multivariada das variáveis (McLaughlin, 1980), foi efectuada uma análise descritiva à distribuição de cada uma elas; a partir dessas análises, foi possível verificar a inexistência de quaisquer violações à normalidade da sua distribuição.

Finalmente, e atendendo a que apenas em caso de inexistência de multicolinearidade entre as variáveis seleccionadas se deve recorrer à AFD, analisámos igualmente a magnitude das correlações entre as diferentes variáveis consideradas no nosso estudo. De um modo geral, foi evidente, apesar da existência de algumas correlações relativamente elevadas entre as diferentes variáveis, que a sua magnitude não atingiu nunca o valor crítico de .70, normalmente considerado como indicador da presença de multicolinearidade (Pedhazur, 1982), variando entre -.36 e .67.

No que respeita às AFD's realizadas separadamente às amostras dos dois sexos, foi também necessário investigar eventuais violações dos pressupostos fundamentais para a realização da AFD Quanto à necessidade de os grupos em análise serem mutuamente exclusivos e exaustivos, atendendo a que os critérios para a sua constituição foram exactamente os mesmos que haviam sido seguidos anteriormente não se colocaram quaisquer questões. Relativamente à homogeneidade das dispersões populacionais, a prova M de Box sugeriu a aceitação da hipótese da inexistência de diferenças entre as matrizes de variância-covariância dos grupos NTP e TP, tanto no caso do sexo masculino (M = 3.06; F = 0.98, p > .05) como no do feminino (M = 5.06; F = 1.18, p > .05). No que respeita à normalidade multivariada das variáveis, as análises descritivas individualizadas a cada uma delas não revelaram igualmente quaisquer violações do pressuposto da normalidade da sua distribuição, tanto no caso do sexo masculino como no do feminino. Por último, também a inspecção às correlações entre as diferentes variáveis não revelou a existência de qualquer impedimento nesse sentido, já que os seus valores se compreenderam entre -.37 e .67 no caso do sexo masculino, e entre -.40 e .55 no caso do sexo feminino.

 

Resultados

Da amostra total

A comparação das médias e desvios-padrão dos valores relativos aos indivíduos dos grupos NTP e TP nas variáveis seleccionadas revelou a existência de algumas diferenças estatisticamente significativas. Os elementos do grupo TP indicaram valores significativamente mais elevados para as componentes do índice de autonomia relativas à motivação intrínseca, regulação identificada e regulação introjectada, para as componentes de motivação intrínseca relacionadas com a competência, esforço/importância e prazer/interesse, para a sua competência desportiva, para as crenças de que a competência desportiva é geral e, ainda, para a orientação para a tarefa; em contrapartida, os elementos do grupo NTP indicaram valores significativamente mais elevados para a crença de que a competência desportiva é específica (Quadro 1).

Nesse sentido, não surpreendeu pois que os resultados do c2 (c2 = .13, p < .001), associados aos do Λ de Wilks (Λ = .883), tenham evidenciado a existência de uma função discriminante significativa; isto é, que tenham sido identificadas diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos a partir da análise dos seus valores no vector das médias de todas as variáveis.

Para proceder à interpretação da função discriminante identificada foi necessário atender aos valores dos seus coeficientes discriminantes estandardizados e dos seus coeficientes estruturais. Enquanto os coeficientes discriminantes estandardizados evidenciam os índices de contribuição relativa de cada uma das variáveis na função discriminante, os coeficientes estruturais, ao representarem as correlações entre cada uma das variáveis e o vector do compósito dos scores, constituem-se como úteis para indicar a magnitude relativa de cada uma delas na função ou dimensão e, nessa medida, para determinar a natureza da função ou dimensão na qual os grupos foram discriminados (ver Quadro 2).

 

 

Assim sendo, foi possível verificar que as variáveis que contribuíram significativamente para a função discriminante identificada - de acordo com as sugestões de Pedhazur (1982), foi definido o valor mínimo de .30 para considerar uma variável como significativa - foram, respectivamente, o prazer/ interesse da motivação intrínseca, a regulação identificada e a motivação intrínseca do índice de autonomia, a competência da motivação intrínseca, a regulação introjectada do índice de autonomia, o esforço/ importância da motivação intrínseca, a crença que a competência é geral, e a competência desportiva.

Para determinar se os grupos NTP e TP poderiam ser claramente discriminados por menos variáveis do que as dezoito por nós incluídas na análise decidimos recorrer ao método stepwise da AFD. Os resultados evidenciaram que, efectivamente, apenas quatro delas contribuíram significativamente para maximizar as diferenças entre os dois grupos: prazer/ interesse e competência da motivação intrínseca, a crença de que a competência é específica e a regulação identificada do índice de autonomia (ver Quadro 3).

 

 

A última fase da AFD consiste na interpretação do posicionamento dos grupos e dos sujeitos no espaço discriminante. No que concerne à posição dos grupos, o valor dos seus centróides (NTP = -1.29 e TP = 0.10) permitiu verificar que, consistentemente com os seus valores médios nas diferentes variáveis, a função discriminante identificada se associou de forma mais evidente ao grupo TP. Relativamente à bondade global do ajuste, os resultados revelaram que 76.9% da amostra foi correctamente classificada com base no recurso à função discriminante identificada, porquanto foram classificados correctamente 81.6% dos elementos do grupo NTP e 76.5% do grupo TP (ver Quadro 3).

Em função do sexo

Na tentativa de determinar se as diferenças anteriormente detectadas entre os grupos NTP e TP se evidenciariam do mesmo modo tanto no caso dos rapazes como no das raparigas, considerados individualmente, decidimos realizar em seguida AFD's separadas às suas respostas.

Ao compararmos as médias dos valores dos grupos NTP e TP nas diferentes variáveis, foi possível detectar a existência de diversas diferenças estatisticamente significativas entre eles, tanto no caso do sexo masculino (ver Quadro 4) como no do sexo feminino (ver Quadro 5). Assim, enquanto os elementos do grupo TP do sexo masculino indicaram valores significativamente mais elevados do que os do NTP para os índices de autonomia relativos à motivação intrínseca, regulação identificada e regulação introjectada, para as componentes da motivação intrínseca relacionadas com a competência, esforço/ importância e prazer/ interesse, para a sua competência desportiva, para a orientação para a tarefa e para as crenças de que a competência decorre da aprendizagem, as atletas do grupo TP, comparativamente às suas colegas do grupo NTP, indicaram valores significativamente mais elevados para o índice de autonomia da regulação identificada, para as componentes de competência e prazer/ interesse da motivação intrínseca, e para as crenças de que a competência é geral.

A análise aos valores do c2 e do Λ de Wilks permitiu, tanto no caso do sexo masculino como no do feminino, identificar a existência de uma função discriminante significativa (sexo masculino: c2 = 48. 80, p <.001 e Λ = .865; sexo feminino: c2 = 37.89, p <.01 e Λ = .721), reveladora da existência de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos NTP e TP, quando consideradas as suas respostas a todas as variáveis.

A inspecção aos valores dos coeficientes discriminantes estandardizados e dos coeficientes estruturais relativos a cada uma das funções identificadas (ver Quadro 6) permitiu verificar que, independentemente de algumas ligeiras diferenças entre elas, tanto uma como outra pareceram reflectir uma atitude mais favorável, ou adaptada, à continuação da prática desportiva. De facto, no caso do sexo masculino, a mais elevados níveis nas componentes da motivação intrínseca de prazer/interesse, esforço/importância e competência associaram-se níveis mais elevados das componentes de motivação intrínseca, regulação identificada e regulação introjectada do índice de autonomia, e ainda níveis mais elevados da crença de que a competência decorre da aprendizagem. No caso do sexo feminino, as componentes que contribuíram significativamente para a função discriminante identificada abrangiam a regulação identificada do índice de autonomia, as componentes da motivação intrínseca de competência e de prazer/interesse e a crença de que a competência é geral.

 

 

A exemplo do efectuado aquando da análise dos dados relativos à amostra total, também desta vez procurámos determinar, recorrendo novamente ao método stepwise da AFD, se os grupos NTP e TP poderiam ser discriminados por um número mais reduzido de variáveis do que as 18 por nós seleccionadas.

Os resultados encontrados (ver Quadro 7) forneceram claro apoio para essa possibilidade, porquanto evidenciaram que, tanto no caso do sexo masculino como no do feminino, as diferenças entre os grupos foram maximizadas fundamentalmente por um reduzido número de variáveis. Assim, enquanto no caso do sexo masculino foram as variáveis prazer/interesse da motivação intrínseca e regulação introjectada do índice de autonomia que desempenharam esse papel, no caso do sexo feminino foram a regulação identificada do índice de autonomia, a competência da motivação intrínseca, a orientação para o ego e a crença de que a competência desportiva é geral. Quanto à localização dos grupos no espaço discriminante, a partir da análise dos valores dos centróides dos diferentes grupos (sexo masculino: NTP = -1.24 e TP = .08; sexo feminino: NTP = -1.22 e TP = .19) foi possível perceber que, tanto no caso do sexo masculino como do sexo feminino, a função identificada se associou de forma mais evidente ao grupo TP.

Por fim, os resultados da bondade global do ajuste revelaram que enquanto no caso do sexo masculino o recurso à função discriminante identificada permitiu classificar correctamente 77.5% da amostra (81% dos elementos do grupo NTP e 77.3% do grupo TP), relativamente ao sexo feminino, a percentagem de elementos correctamente classificados a partir da função discriminante identificada foi de 76.4% da amostra (76.5% dos elementos do grupo NTP e 76.4% do grupo TP).

 

Discussão

O objectivo do presente estudo foi verificar em que medida seria possível distinguir jovens que praticavam desporto federado e tencionavam continuar a praticá-lo no ano seguinte daqueles que equacionavam não continuar a fazê-lo, com base num conjunto de variáveis motivacionais sociocognitivas, designadamente os objectivos de realização, as crenças sobre a competência desportiva, os níveis de competência percebida, a motivação intrínseca e a autonomia na prática desportiva.

De um modo geral, os resultados permitiram identificar um espaço discriminante no qual foram claramente separados os dois grupos de atletas com intenções distintas face à prática desportiva na época seguinte (i.e., aqueles que não tencionavam praticar desporto no seu actual clube e os que tencionavam continuar a fazê-lo). Mais concretamente, e não obstante não terem sido detectadas diferenças estatisticamente significativas entre as respostas dos elementos dos dois grupos relativamente a todas as variáveis, quando analisadas individualmente, elas foram perfeitamente detectáveis não só nos casos das variáveis referentes às componentes de prazer/ interesse, esforço/ importância e competência da motivação intrínseca, da sua competência desportiva, da motivação intrínseca, regulação identificada e regulação introjectada do índice de autonomia, das crenças de que a competência é geral e da orientação para a tarefa, mas também quando todas elas foram consideradas em conjunto (com excepção da orientação para a tarefa).

Tal como destacámos anteriormente, a análise dos valores dos centróides dos dois grupos naquele espaço permitiu verificar que o grupo TP se associou mais claramente à função discriminante identificada. Ou seja, os resultados revelaram que, no seu conjunto, os elementos do grupo TP, comparativamente aos do grupo NTP, estavam mais motivados intrinsecamente e de forma autodeterminada para a prática desportiva, para a qual se percepcionavam igualmente como mais competentes para a realizar com sucesso. Daí, provavelmente, a razão para terem afirmado tencionar praticar desporto nos mesmos moldes na época seguinte, intenção que não parecia ser inibida ou minimizada pelo facto destes atletas acreditarem mais profundamente que os seus colegas do grupo NTP que a competência desportiva é generalizável a diversos contextos ou actividades.

De um modo geral, e atendendo aos resultados de alguma da investigação produzida sobre a motivação em contextos desportivos, particularmente a relacionada com os efeitos da motivação intrínseca, competência percebida e autodeterminação ao nível dos pensamentos e comportamentos dos indivíduos, estes resultados eram expectáveis. Com efeito, são diversos os estudos que identificaram a existência de determinadas relações entre algumas das variáveis analisadas no nosso estudo e as intenções (e.g., Fernández-Ozcorta, Almagro, Sáenz-López, 2015; Garcia-Calvo et al., 2012; Guzmán & Kingston, 2012; Quested et al., 2013; Sarrazin et al., 2002) ou mesmo os comportamentos (e.g., Garcia Calvo et al., 2010; Guillet, Sarrazin, Carpenter, Trouilloud, & Cury, 2002; Pelletier et al., 2001; Sarrazin et al., 2002) dos indivíduos relativamente à prática de actividades desportivas, de um modo que nos parece consistente com o evidenciado pelos nossos resultados.

Por exemplo, o facto de os elementos do grupo TP, comparativamente aos do grupo NTP, terem, em termos gerais, indicado valores mais reduzidos de orientação para o ego e mais elevados de competência percebida parece convergir com os resultados de diferentes investigações que apontaram nesse mesmo sentido, isto é, que destacaram a importância de uma orientação menos intensa para a tarefa (Le Bars, Gernigon, & Ninot, 2009) e de níveis mais baixos de competência percebida na predição do abandono desportivo (Guillet et al., 2002; Salguero, Gonzales-Boto, Tuero, & Márquez, 2003). Além disso, outras investigações sugerem a relevância da motivação intrínseca para a persistência no desporto. Ryska, Hohensee, Cooley e Jones (2002), por exemplo, verificaram, junto de 281 ginastas australianas, que as atletas que tinham rejeitado a prática da modalidade reportaram, de uma forma geral, razões mais extrínsecas para o abandono, enquanto aquelas que persistiram referiram motivos de natureza mais intrínseca. Na mesma linha, Frederick-Recascino e Schuster-Smith (2003) encontraram, em ciclistas de competição e em sujeitos envolvidos num programa de fitness, uma associação entre a competitividade e níveis mais elevados de interesse/ prazer e de motivação intrínseca.

Paralelamente, os nossos resultados vão também ao encontro de diversas investigações que mostraram, a importância de formas de motivação mais autodeterminada para a perseverança na prática de uma actividade física ou desportiva. Pelletier et al. (2001), por exemplo, concluíram, num estudo com nadadores, que os sujeitos mais autodeterminados (regulação identificada e motivação intrínseca) eram mais perseverantes na prática da sua modalidade, existindo uma maior taxa de abandono por parte dos atletas que se encontravam mais amotivados. Numa outra investigação de Sarrazin et al. (2002) com jogadoras de andebol, constatou-se a influência negativa de um clima de orientação para o ego nas percepções de autonomia dos atletas e a influência positiva de um clima de orientação para a tarefa sobre as necessidades de competência, autonomia e afiliação; estas necessidades dos atletas predisseram positivamente as formas de motivação autodeterminadas, que eles mesmo relacionaram negativamente com o comportamento de abandono.

Mais recentemente, investigações de Garcia Calvo et al. (2010, 2012) também encontraram resultados que favorecem a adopção de formas de motivação mais autodeterminadas. Por um lado, Garcia Calvo et al. (2010) verificaram, numa amostra de jovens futebolistas (13-17 anos), que formas de motivação menos autodeterminadas, assim como níveis mais baixos de afiliação e autonomia, estavam associados ao abandono da modalidade. Entre todas as variáveis, a amotivação destacou-se como o preditor mais importante para explicar o abandono. Posteriormente, numa amostra de jovens atletas de diferentes modalidades colectivas (11-13 anos), Garcia Calvo et al. (2012) encontraram associações significativas entre os níveis de autodeterminação e as necessidades psicológicas básicas, por um lado, e a intenção de continuar a praticar desporto e o divertimento, por outro lado. Adicionalmente, a capacidade preditiva das necessidades psicológicas, designadamente das afiliação e da competência, parecia ser mais importante que o tipo de motivação ou o nível de autodeterminação.

A propósito das crenças sobre a natureza e determinantes da competência desportiva importa realçar novamente o facto de os atletas que não tencionavam continuar a praticar desporto terem subscrito de forma mais evidente do que os seus colegas a crença sobre a natureza específica da competência, o que se constituiu como um dado inesperado, porquanto noutros estudos realizados tanto em Portugal como no estrangeiro (e.g., Sarmento et al., 2012; Sarrazin et al., 1995) esta crença surge habitualmente associada às crenças de que a competência decorre da aprendizagem e é melhorável, e à orientação para a tarefa, ligando-se igualmente a mais elevados índices de motivação intrínseca. Independentemente deste dado - que importará perceber melhor em estudos subsequentes, até porque se revelou como assumindo um papel particular na discriminação dos dois grupos de atletas considerados -, importará destacar, em nosso entender, a circunstância de ter sido possível classificar correctamente aproximadamente oito em cada 10 dos participantes no estudo relativamente à sua intenção de praticar ou não desporto na época seguinte no clube que representavam, a partir do conhecimento das suas respostas sobre um reduzido número de questões - para além das relativas à já referida crença sobre a especificidade da competência, destacaram-se as relacionadas com o modo como a prática desportiva os fazia sentir competentes e lhes proporcionava prazer, bem como as relacionadas com o facto de a decisão de praticar ou não desporto ser da sua exclusiva responsabilidade (i.e., dimensão da regulação identificada da autonomia percebida). Inclusivamente, considerando os objectivos fundamentais que percorreram e nortearam a realização dos vários estudos aqui apresentados, julgamos ser de destacar que a capacidade discriminativa foi mais evidente no caso dos atletas que tencionavam abandonar, permitindo classificar correctamente aproximadamente 82% deles.

A análise dos dados em função do sexo permitiu determinar que tanto no caso do sexo masculino como no sexo feminino, os elementos do grupo TP referiram estar mais motivados intrinsecamente e de forma autodeterminada para a prática desportiva. Contudo, enquanto nos rapazes foram encontradas diferenças nas componentes de competência, esforço/ importância e prazer/ interesse da motivação intrínseca, bem como nas componentes de motivação intrínseca, regulação identificada e regulação introjectada no índice de autonomia, nas raparigas essas diferenças cingiram-se à competência e prazer/interesse na motivação intrínseca e à regulação identificada no índice de autonomia. Além disso, apenas ao nível das respostas dos rapazes foram detectadas diferenças entre os elementos dos grupos NTP e TP relativamente à sua competência desportiva, orientação para a tarefa e crença de que a competência decorre da aprendizagem, com valores mais elevados no segundo grupo. Por outro lado, só nas raparigas foram encontradas diferenças na crença de que a competência é geral, com níveis mais elevados apresentados pelo grupo TP.

Em decorrência destes resultados, as variáveis que se associaram para a definição do espaço discriminante no qual foram separados os dois grupos considerados foram distintas, sugerindo os resultados um maior número de variáveis contributivas para a diferenciação dos grupos NTP e TP no sexo masculino. Todavia, a análise multivariada dos dados revelou que o prazer/interesse e a regulação introjectada se constituíam, de um modo geral, como as variáveis que mais contribuíram para discriminar os rapazes dos grupos NTP e TP; nas raparigas, as variáveis que contribuíam para a diferenciação desses dois grupos eram a regulação identificada, a competência da motivação intrínseca, a orientação para o ego e a crença de que a competência é geral.

Considerando quer a análise anteriormente apresentada relativa à amostra global, quer as análises relativas aos dois sexos, estes dados poderiam, eventualmente, levar a que perpassasse a ideia de que a motivação intrínseca, o nível de autonomia e a competência percebida para a prática de uma actividade física ou desportiva se constituíram como as principais variáveis no que respeita à discriminação ou maximização das diferenças entre o grupo NTP e TP, existindo um reduzido, ou mesmo inexistente, impacto exercido pelas outras variáveis sobre a intenção dos indivíduos praticarem ou não uma actividade física ou desportiva de forma regular e sistemática; pelo menos no que concerne aos indivíduos por nós investigados. A nossa opinião é, todavia, substantivamente distinta. Ou melhor, para nós, a explicação para estes resultados pode passar perfeitamente pela possibilidade de as diferentes variáveis consideradas no nosso estudo exercerem um papel temporalmente diferenciado relativamente às intenções dos indivíduos, não significando tal circunstância, porém, que a sua contribuição para a estruturação daquelas intenções deva ser negligenciada ou mesmo minimizada.

Os resultados do anteriormente mencionado estudo de Sarrazin et al. (2002), usando modelos de equações estruturais, contribuem para a nossa convicção, ao demonstrarem não só a influência negativa de um clima motivacional orientado para o ego na percepção de autonomia de jogadoras de andebol e a influência positiva de um clima motivacional orientado para a tarefa sobre as percepções de competência, autonomia e afiliação das atletas, mas também que a satisfação destas três necessidades psicológicas predizia a motivação autodeterminada; adicionalmente, as intenções dos interrogados constituíam uma variável mediadora entre a motivação autodeterminada e comportamentos de persistência/ abandono. Na mesma linha, um estudo recente de Fernández-Ozcorta et al. (2015) com estudantes universitários fisicamente activos permitiu identificar que apesar das intenções dos jovens serem directamente preditas pela motivação autodeterminada, esta variável era, por sua vez, predita pela orientação para a tarefa, sendo esta relação parcialmente mediada pela satisfação das necessidades psicológicas básicas.

Em conformidade, o facto de termos constatado, no nosso estudo, que as variáveis relativas às crenças sobre a natureza e determinantes da competência desportiva e aos objectivos de realização contribuíram em menor grau para a discriminação dos grupos NTP e TP poderá reflectir simplesmente a sua localização numa eventual cadeia causal que culmina nas intenções dos indivíduos de praticarem desporto na época seguinte. Nessa medida, não obstante estas variáveis se poderem constituir como fautoras mais distais das intenções dos indivíduos, relativamente à motivação intrínseca, ao nível de autodeterminação e à competência percebida, nem por isso deverão ser consideradas como menos importantes, porquanto contribuem em grande medida para as variáveis mais proximais. Consideramos, pois, constituir-se como importante, e mesmo necessário, que, também ao nível nacional, em futuros estudos, se opte pelo recurso a técnicas estatísticas de análise de dados mais sofisticadas, como, por exemplo, a modelação de equações estruturais, para que seja possível investigar mais profundamente não só a magnitude e o sentido das relações entre as diferentes variáveis mas também a sua localização no processo subjacente às intenções dos indivíduos.

 

Considerações finais

Com o presente estudo, foi possível discriminar jovens que tencionavam praticar desporto na época seguinte no clube em que estavam inscritos de outros que não tencionavam fazê-lo, com base na análise dos seus níveis de motivação intrínseca, nível de autonomia e de competência percebida para a sua prática, bem como dos seus objectivos de realização e crenças relativas à natureza e determinantes da competência desportiva. Adicionalmente, verificou-se que, à intenção de praticar desporto se associaram as variáveis relativas à motivação intrínseca, à autodeterminação, à competência percebida, e à crença de que a competência desportiva não é específica e que à intenção de não praticar desporto na época seguinte no clube em que estavam inscritos se associaram as variáveis referentes a formas de motivação menos autodeterminadas e à crença de que a competência desportiva é algo específico a um contexto ou actividade. Finalmente, apesar de genericamente semelhantes, as respostas dos atletas do sexo masculino e feminino pareceram sugerir a existência de algumas ligeiras diferenças entre eles e elas, eventualmente decorrentes do impacte relativamente diferenciado exercido por outras variáveis não consideradas neste estudo ao nível do processo de estruturação das suas intenções sobre a sua prática desportiva.

De uma forma geral, estes resultados sugerem a importância de procurar que os contextos em que as crianças e jovens desenvolvem a sua prática desportiva lhes permitam perceberem-se como competentes e autónomos, porquanto a essa percepção se associam igualmente mais elevados índices de motivação intrínseca e, em conformidade, de disponibilidade e empenhamento para a continuação da referida prática desportiva.

 

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Correspondência:
Cláudia Dias.
CIFI2D, Faculdade de Desporto,
Universidade do Porto.
Rua Dr. Plácido Costa, 91.
4200-450 Porto (Portugal).
E-mail: cdias@fade.up.pt

Recibido: 19/09/2014
Aceptado: 03/07/2015

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