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Cuadernos de Psicología del Deporte

versión On-line ISSN 1989-5879versión impresa ISSN 1578-8423

CPD vol.20 no.1 Murcia ene./abr. 2020  Epub 29-Jun-2020

 

Monográfico Psicología del Deporte en Brasil 2019

Aprendizagem significativa de conceitos da biomecânica nas aulas de educação física

Meaningful learning of biomechanical concepts in physical education classes

La aprendizaje significativo del conceptos biomecánicos en clases de educación física

I A Andrade1  , E S Freire2  , S C Corrêa3  , AP Xavier4 

1Centro Universitário Padre Anchieta, SP, Brasil.

2Universidade São Judas Tadeu, SP, Brasil.

3Consultora de projeto do Instituto Nacional de tecnologia - Instituto Mangueira do Futuro, Río de Janeiro, Brasil.

4Instituto Nacional de Tecnologia, Río de Janeiro, Brasil.

RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar as possibilidades de inserção de conceitos de Biomecânica nas aulas de Educação Física partir da aplicação de um projeto educacional fundamentado na teoria da aprendizagem significativa. Foi realizada uma pesquisa qualitativa para avaliar a aplicação do projeto educacional, no qual participaram 17 estudantes do Ensino Fundamental. A análise dos questionários e das observações realizadas permitiram verificar que os participantes ampliaram suas ideias iniciais e atribuíram significado aos conceitos ensinados. Os conteúdos selecionados são passíveis de inserção na Educação Física e as estratégias de ensino foram adequadas para que a aprendizagem significativa ocorresse, contribuindo assim para a construção do currículo escolar.

Palabras clave: Educação Física Escolar; biomecânica; aprendizagem significativa; currículo

ABSTRACT

The aim of this study was to analyze the insertion possibilities of Biomechanics concepts in Physical Education classes with the implementation of an educational project based on the theory of meaningful learning. A qualitative research was performed to evaluate the implementation of the educational project, which involved 17 students of elementary school. The questionnaires and observations analysis allowed to verify that participants increased their initial ideas and gave meaning to the taught concepts. The selected content was suitable to inclusion in physical education and the teaching strategies were adequate for meaningful learning, contributing to the construction of the school curriculum.

Keywords: School Physical Education; biomechanics; meaningful learning; curriculum

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue analizar las posibilidades de inserción de los conceptos del Biomecánica en las clases de Educación Física con la implementación de un proyecto educativo basado en la teoría del aprendizaje significativo. Se realizó una investigación cualitativa para evaluar la ejecución del proyecto educativo, con la participación del 17 estudiantes de la escuela primaria. El análisis de los cuestionarios y las observaciones permitió verificar que los participantes Alteraron sus concepciones iniciales y asignado significado a los conceptos enseñados. El contenido seleccionado era coherente para su inclusión en la educación física y las estrategias de enseñanza eran adecuadas para el aprendizaje significativo, lo que contribuye a la construcción del curriculum.

Palavras chave: Educación y Entrenamiento Físico; biomecánica; aprendizaje significativo; currículum

INTRODUCÃO

O debate sobre os saberes que devem ser aprendidos pelos estudantes durante as aulas de Educação Física (EF) não é recente, como evidencia Ennis (2015). A autora argumenta que o tema vem sendo discutido por autores americanos desde o início do século XX No Brasil, este debate torna-se mais frequente a partir da década de 1980 e se intensifica na década seguinte, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997), cuja construção foi influenciada pela Reforma Curricular Espanhola.

Neste contexto, emergiram as teorias pedagógicas progressistas (Bracht, 1999), questionando o paradigma da aptidão física que orientava o currículo de EF até então. Esse questionamento resultou no surgimento de diversas propostas, como as elaboradas por Pimenta e Libâneo (1992), Kunz (1991) e Okimura-Kerr et al. (2017). Todas essas propostas, embora fundamentadas em referencias teóricos distintos, apresentam em comum a defesa de uma EF que não pode se limitar a ensinar habilidades motoras ou a buscar o desenvolvimento da aptidão física dos estudantes, mas deve possibilitar a aprendizagem de um conjunto de conhecimentos que permita conhecer, compreender, construir e transformar a Cultura Corporal de Movimento.

Brasil, 1997 e Corrêa e Freire (2004) defendem que entre os conhecimentos a constituir o currículo da EF devem estar aqueles originados na Biomecânica, uma área de estudo que busca compreender os princípios mecânicos envolvidos no estudo dos organismos vivos (Hall, 2005). Seus conhecimentos resultam de uma construção histórica interdisciplinar, sendo associados tanto à EF quanto à Física (Corrêa e Freire 2004). Os conhecimentos produzidos permitem compreender a relação entre as forças internas e externas, ou seja, o movimento voluntário surge pela interação entre o campo gravitacional e o motor.

De modo geral, a presença desses conhecimentos nas aulas de EF escolar tem sido valorizada apenas como subsídio para que o professor possa construir um ambiente de aprendizagem seguro e que permita o desenvolvimento de seus alunos. Entretanto, concordando com Brasil, 1997 acredita-se que a aprendizagem de conhecimentos da biomecânica é relevante também para os estudantes da educação básica, pois pode contribuir para que eles compreendam como os princípios da mecânica do movimento influenciam sua própria aprendizagem e a aprendizagem dos demais, em seu contexto cultural. Nessa perspectiva, a EF pode contribuir para que os alunos gerenciem sua aprendizagem na escola e em seu cotidiano, como defende Ennis (2015).

Sanches Neto et al. (2013, p. 318) argumentam que o currículo da EF deve apresentar conhecimentos sobre as diversas demandas ambientais que interferem na “intencionalidade do sujeito do movimento (corpo humano) e nos elementos da cultura”. Entre essas demandas estão os conhecimentos relacionados à biomecânica. Para os autores, a construção da autonomia na EF passa pela compreensão dos diferentes fatores que interferem na sua possibilidade de Se-Movimentar.

Porém, entender a biomecânica como um tema das aulas de EF na escola é algo recente e ainda raro (Batista, 2001; Corrêa & Freire, 2004; Ladeira, 2008; Belmont & Lemos, 2016). Corrêa e Freire 2004, assim como Gagen e Gethel (2008), defendem uma mudança nesse quadro. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) propõem o ensino de conhecimentos originados na Biomecânica, como parte do bloco de conteúdos denominado “conhecimentos sobre o corpo”. Como exemplo de tema a ser tratado nas aulas, neste documento se sugere o envolvimento dos alunos na análise da carga e do peso de mochilas e sua relação com a postura da criança. Prevenção de lesões (Freitas & Lobo da Costa, 2000), mecânica aplicada ao esporte (Bastos & Mattos, 2009), equilíbrio (Corrêa et al., 2012; Strohmeyer, 2004), aplicação das leis de Newton às habilidades motoras (Gagen & Gethell, 2008), alavancas e força (Strohmeyer, 2004), gravidade e aspectos motores aplicados ao futebol americano (Hudson, 2006) são alguns dos temas relacionados ao ensino da biomecânica na EF No quadro 1, são apresentados outros temas identificados.

Quadro 1: Conceitos da Biomecânica relacionados ao ensino da Educação Física 

Fonte: elaborada pelos autores

Embora haja uma diversidade de temas passíveis de serem abordados, sua inserção nas aulas ainda é um desafio para os professores de EF Como explicam Belmont e Lemos (2016), muitos docentes demonstram dificuldades para compreender e aplicar os conceitos apresentados durante o curso de formação inicial, mesmo para instrumentalizar suas aulas. De acordo com as autoras, o número de estudos que procuram aproximar a biomecânica do contexto pedagógico ainda é pequeno, sendo relevante a realização de novos estudos sobre o tema.

Outro desafio para o professor que decide discutir conhecimentos da biomecânica nas suas aulas está na construção de uma prática pedagógica que permita uma aprendizagem significativa, ou seja, que leve à compreensão de saberes e dialoguem com a realidade dos estudantes, permitindo sua aplicação na solução de problemas enfrentados cotidianamente. Nessa perspectiva, a aprendizagem significativa na EF pode estimular o estudante a conhecer seus interesses e possibilidades e perceber-se como um produtor da cultura corporal de movimento e não apenas como um consumidor (Brasil, 1997).

A construção de uma aprendizagem significativa foi investigada por David Ausubel, que desenvolveu sua teoria com o objetivo de “explicar o processo de assimilação que ocorre com o indivíduo na construção do conhecimento e na organização de significados em sua estrutura cognitiva” (Distler, 2015, p. 198). Segundo Ausubel (2003), um aspecto fundamental no processo de aprendizagem significativa é considerar o conhecimento prévio do aprendiz, os chamados subsunçores. Para o autor, a aprendizagem deve se originar nos saberes já construídos pelos alunos, a partir de suas experiências cotidianas, sendo necessário que o professor conheça a realidade da comunidade atendida. Portanto, cada estudante estabelecerá um percurso próprio de aprendizagem, uma vez que seu ponto de partida está em suas próprias experiências.

Para significar a aprendizagem, a seleção dos conhecimentos que irão compor o currículo deve ser cuidadosa. Ausubel (2003) afirma que esses conhecimentos devem ser “potencialmente significantes”, ou seja, devem estar relacionados com outros, previamente existentes. Eles devem também ser do interesse dos estudantes, já que a aprendizagem significante depende também da intencionalidade do próprio aprendiz (Distler, 2015; Ennis, 2015). Além disso, o professores precisa elaborar e aplicar estratégias de ensino coerentes com os objetivos propostos.

A partir do exposto, acredita-se que a aplicação da teoria apresentada por Ausubel (2003) pode contribuir para a organização do processo de ensino na EF e para possibilitar a aprendizagem significativa de conceitos da biomecânica. Contudo, os estudos sobre o tema não são frequentes na realidade brasileira. Em levantamento bibliográfico, realizado em diferentes bases de dados, foi possível encontrar alguns estudos, como os realizados por Antunes (2011), Belmont (2014) e Testa Junior et al. (2015). Antunes (2011), Belmont (2014 realizaram investigações sobre a aprendizagem significativa da biomecânica na formação de professores. Testa Junior et al. (2015, utilizaram os conceitos de Ausubel (2003 para possibilitar a aprendizagem de conhecimentos sobre o movimento humano nas aulas de EF Entretanto, os autores não detalharam como a aprendizagem significativa foi utilizada no estudo. Realizar pesquisas sobre a aprendizagem significativa pode permitir compreender sua aplicabilidade à EF

Dessa forma, considerando que a produção de conhecimentos sobre a aprendizagem significativa da biomecânica pode contribuir para a reflexão e construção do currículo da Educação Física, foi elaborada a presente pesquisa, que procurou responder a seguinte questão: como aplicar a Teoria da Aprendizagem Significativa para possibilitar a aprendizagem de conceitos da biomecânica nas aulas de Educação Física?

Em busca de respostas para esta questão, foi elaborado e implementado um projeto pedagógico com a finalidade de possibilitar a aprendizagem significativa de conceitos sobre a biomecânica nas aulas de EF Assim, o objetivo deste estudo foi analisar os resultados da aplicação desse projeto educacional, fundamentado na Teoria da Aprendizagem Significativa.

MATERIAL E MÉTODOS

Para realizar este estudo optou-se por utilizar a perspectiva de métodos mistos (Creswell & Clark, 2013; Paranhos et al., 2016). (Creswell & Clark, 2013 explicam que há várias definições sobre esta forma de pesquisa, que expressam perspectivas diferentes. Na tentativa de integrar algumas dessas perspectivas, (Creswell & Clark, 2013 apresentam algumas das características consideradas essenciais em estudos que optam pelos métodos mistos. Entre essas características, destaca-se a combinação de informações quantitativas e qualitativas, obtidas e analisadas de forma rigorosa. Desta forma, ao optar por métodos mistos o pesquisador reconhece a relevância e a complementaridade das informações obtidas a partir de abordagens quantitativas e qualitativas de pesquisa, como argumentam Paranhos et al., 2016. Para os autores

Cada tipo de dado e/ou técnica de pesquisa vai contribuir com uma parcela específica de conhecimento a respeito de um determinado objeto de estudo. A vantagem fundamental da integração é maximizar a quantidade de informações incorporadas ao desenho de pesquisa, favorecendo o seu aprimoramento e elevando a qualidade das conclusões do trabalho (p. 390).

Foi este olhar que orientou a realização do presente estudo, conduzido na complexidade do contexto escolar.

Contexto e Participantes

O local da pesquisa foi uma escola da rede privada de ensino, situada na cidade de Jundiaí, do interior do Estado de São Paulo. Esta escola foi escolhida por conveniência, já que um dos pesquisadores atua como professor de Educação Física na instituição, o que facilitou a obtenção de autorização para a efetivação da pesquisa. Participaram do estudo o professor e 17 alunos do 5ª ano do Ensino Fundamental, com idade entre 09 a 10 anos, sendo 6 meninas e 11 meninos.

Antes de iniciar a pesquisa, os participantes, seus pais e os responsáveis pela instituição manifestaram sua concordância com o estudo, após receberem todas as informações necessárias. Os alunos assinaram o termo de assentimento e os demais participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os procedimentos de pesquisa foram submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa, conforme processo CAAE número 43535615.9.0000.0089, tendo parecer aprovado número 1.015.360.

Etapas da pesquisa

A pesquisa foi organizada em seis etapas, apresentadas na figura 1 e detalhadas a seguir.

Figura 1: Etapas da pesquisa 

Etapa 1: Definição dos conceitos a serem aprendidos no projeto

A primeira decisão tomada pela equipe de pesquisa, composta pelo professor da escola, por pesquisadores especialistas em biomecânica e por outros que investigam o ensino da Educação Física na escola, foi a seleção dos conceitos da biomecânica que seriam aprendidos durante as aulas. Um critério essencial dessa seleção foi a possibilidade de discutir os conceitos sem a necessidade de realizar muitas alterações no planejamento previamente construído pela equipe de professores da instituição. Desse modo, a intenção dos pesquisadores foi interferir o mínimo possível na organização estabelecida pela escola. Além disso, partiu-se do pressuposto que o ensino da biomecânica, assim como acontece com outros conteúdos curriculares (Sanches Neto et al., 2013) pode acontecer de forma concomitante com o tratamento de diferentes temas da cultura corporal de movimento, como o basquetebol, a ginástica e os jogos, temas definidos pela escola para as aulas realizadas durante o período em que a pesquisa aconteceu.

Foram selecionados três conceitos da biomecânica a serem aprendidos nas aulas de EF: inércia, transferência de velocidade angular para linear e impulso negativo para absorção de impacto. Outros conceitos poderiam ser escolhidos, tais como alavancas, atrito, impulso e torque (Corrêa & Freire, 2004; Strohmeyer, 2004); Hudson, 2006; Gagen & Getchell, 2008; Ladeira & Corrêa, 2009; Belmont, 2014). Porém, a equipe considerou que os três conceitos escolhidos poderiam ser facilmente compreendidos pelos estudantes por estarem vinculados ou à produção de velocidade ou à sua desaceleração. O estudo desses temas pode contribuir para que as práticas corporais sejam realizadas de forma consciente e, talvez, mais segura. Além disso, este estudo pode dar subsídios para que o indivíduo seja capaz de analisar a qualidade do movimento realizado em diferentes contextos e, consequentemente apreciar a prática motora (Betti, 1999; Corrêa & Freire, 2004). Como argumenta Sacristán (2013), o professor tem papel essencial na escolha dos conteúdos curriculares, constituídos pela seleção de conhecimentos e saberes organizados e modificados pelo processo didático, se transformando em conhecimento escolar.

Etapa 2: Avaliação Diagnóstica

Nesta etapa foi realizada uma avaliação diagnóstica dos estudantes com a intenção de identificar quais seus conhecimentos prévios. Para isso, foi elaborado o questionário 1 (Q1), constituído por seis perguntas abertas, nas quais foram apresentados problemas a serem analisados pelos estudantes, sendo duas questões para cada conceito selecionado para o estudo. Este instrumento foi aplicado durante uma aula de EF, antes do início da aplicação do projeto pedagógico. Sua elaboração também envolveu os quatro integrantes da equipe de pesquisa, para integrar conhecimentos sobre a biomecânica com aqueles relacionados ao ensino da EF na escola.

A construção de instrumentos de avaliação é uma tarefa realizada pelos professores, diante da necessidade de avaliar a aprendizagem de seus alunos. Ela deve ser coerente com os objetivos e conteúdos de ensino selecionados, que orientam o estabelecimento de alguns critérios de correção. Para o Q1, composto por questões abertas, os critérios de correção foram compostos por um conjunto de palavras chave que identificassem termos essenciais para a compreensão do conceito. Uma limitação deste estudo foi a não validação deste instrumento. O Quadro 2 apresenta cada questão formulada, o conceito biomecânico envolvido, sua pontuação, o critério utilizado para a pontuação das questões e as palavras chave aceitas como critério de validação da compreensão do conceito.

A análise das respostas do Q1 foi desenvolvida com apoio do software SPSS v.20, com nível de significância de 0,05. Primeiramente, foi realizado um teste de normalidade dos dados. Como os dados não apresentaram distribuição normal, foi realizado o teste não paramétrico Wilcoxon, que comparou a média geral dos pontos do grupo.

Quadro 2: Critérios de análise do Questionário 1 (Q1) 

Fonte: Elaborado pelos Autores

Etapa 3: Elaboração do Projeto

A terceira etapa envolveu a elaboração do projeto educacional, a partir dos conceitos definidos, do planejamento já existente na escola e dos resultados da avaliação diagnóstica. A Teoria da Aprendizagem Significativa, foi a base desta elaboração. Foram sistematizadas 10 aulas, seguindo o princípio da diferenciação progressiva, sugerido por Moreira e Masini (2001). Assim, as aulas foram organizadas para, inicialmente, apresentar conceitos gerais e amplos, como a importância de realizar as práticas corporais de forma segura e consciente, além da eficiência na realização de habilidades motoras que caracterizam essas práticas. A seguir, foram apresentados os conceitos menos amplos e diretamente relacionados à Biomecânica e aos demais temas das aulas.

Foram selecionadas outras estratégias de ensino para estimular a aprendizagem significativa. Uma delas foi a reconciliação integrativa (Ausubel, 2003), caracterizada pela apresentação, no início de cada aula, de uma síntese da aula anterior e que tem por objetivo relembrar os conceitos analisados. Também foram apresentados organizadores prévios, entendidos como ideias relevantes que estimulam o estudante a refletir brevemente sobre os conceitos a serem aprendidos (Ausubel, 2003); Moreira & Masini, 2001) e que permitem o relacionamento entre o que já se sabe e os novos conhecimentos a serem aprendidos. Também foram apresentados problemas a serem selecionados pelos estudantes, além de debates sobre os temas e conteúdos das aulas. Todas essas estratégias são propostas porAusubel, 2003) e discutidas em Moreira & Masini, 2001. Foram selecionadas, ainda, atividades e jogos que permitissem a aplicação dos conceitos da biomecânica, facilitando a compreensão dos estudantes. Dessa forma, procurou-se construir um projeto adequado às características dos estudantes e que viabilizasse a aprendizagem significativa.

Etapa 4: Implementação do Projeto Elaborado

As 10 aulas planejadas pela equipe foram conduzidas pelo professor e apresentadas de forma sintética no quadro 3. Durante as aulas, cada situação problema solucionada era debatida pelo grupo. O professor mediava este debate e estabelecia relações com os conceitos aprendidos em aula. Além disso, o professor apresentava uma síntese do debate e adaptava suas aulas, incorporando dicas verbais sistemáticas e simplificadas, vinculadas aos conceitos biomecânicos.

Quadro 3: Síntese das aulas aplicadas 

Durante esta implementação, as aulas foram observadas pelo próprio professor que registrou suas observações em notas de campo, seguindo as recomendações de Bogdan e Biklen (1994). A observação é um recurso frequentemente utilizado para obtenção de informações qualitativas, também em pesquisa com métodos mistos (Creswell & Clark, 2013), como o aqui realizado. Ela também tem grande relevância na atuação do professor de Educação Física (Mendes et al., 2012).

Bogdan e Biklen (1994, p. 125) argumentam que a observação, como instrumento de pesquisa, pode se situar num contínuo entre aquela em que o pesquisar não participa de qualquer atividade realizada e aquela em que ele “tem um envolvimento completo com a instituição”, como no caso da pesquisa aqui descrita. Assim, sendo o professor um profissional da instituição, que foi o responsável pela elaboração e implementação do projeto e pela observação desta implementação, a observação participante foi considerada a forma mais adequada.

Como recurso para a realização da pesquisa ou para a avaliação do processo de aprendizagem escolar, a definição de um objeto de observação é importante (Mendes et al., 2012). Partindo desta premissa, durante a observação o professor focalizou a identificação de evidências qualitativas de aprendizagem significativa de seus alunos. Moreira e Masini (2001) explica que essas evidências aparecem quando o estudante é capaz de utilizar seus conhecimentos de forma não aleatória, mas intencional e em diferentes contextos. Dessa forma, o professor procurou observar as ações, os diálogos, as declarações e as explicações de seus alunos, dirigidas aos colegas ou ao próprio docente, durante as situações de aprendizagem criadas nas aulas. No momento das aulas, para facilitar o registro de algumas informações o professor gravou em áudio seus próprios comentários, registrados como parte das notas de campo, evitando o esquecimento de algumas informações. Também foram registrados em áudio os debates realizados pelos estudantes, mediados pelo professor. Após o encerramento das aulas esses registros transferidos para as notas de campo, de forma mais detalhada.

Etapa 5: Avaliação da Aprendizagem

Durante a etapa 5 da pesquisa foi realizada a avaliação quantitativa da aprendizagem. Para isso, foi reaplicado o Q1, instrumento utilizado para diagnosticar os conhecimentos dos estudantes antes da implementação do projeto, já previamente apresentado.

Etapa 6: Avaliação da Retenção

Para verificar a ocorrência de aprendizagem significativa, foi aplicado um segundo questionário (Q2) com perguntas abertas e fechadas, apresentando os mesmos conceitos da Biomecânica e imagens de movimentos de esportes e atividades físicas diferentes daqueles apresentados nas aulas de EF (Quadro 4). Essa estratégia permite verificar evidências de aprendizagem significativa porque, como afirmam Ausubel (2003) e Moreira e Masini (2001) o professor deve apresentar atividades que criem possibilidades para os aprendizes aplicarem os conhecimentos aprendidos em contextos diferentes. Além disso,Ausubel (2003 explica que no processo de aprendizagem significativa existe uma tendência ao esquecimento de conhecimentos. Esta capacidade de esquecimento seletivo é fundamental em uma sociedade em frequente transformação, permitindo esquecer conhecimentos menos relevantes (Moreira e Masini (2001).

Quadro 4: Critérios de análise do Questionário 2 (Q2) 

Considerando esta tendência ao esquecimento e diante do calendário estabelecido pela escola, o Q2 foi aplicado 3 meses após a reaplicação do Q1. À semelhança de Q1, Q2 também foi elaborado pela equipe de pesquisa e não validado, sendo constituído por nove perguntas, cinco delas dissertativas e quatro de múltipla escolha. Com exceção de uma questão, foram utilizadas figuras demonstrativas do movimento analisado, para facilitar a interpretação por parte dos estudantes.

No quadro 4 verifica-se para cada questão, seu enunciado, o conceito envolvido, os critérios de correção e as palavras chave consideradas como válidas, no caso das questões dissertativas. Já para as questões de múltipla escola é apresentada a alternativa correta. As palavras-chave foram selecionadas por apresentares aspectos essenciais relacionados ao conceitos avaliados.

Os resultados apresentados em ambos os questionários para cada questão foram divididos entre acertos totais (AT), ou seja, quando a nota 2,0 foi atingida na questão, acertos parciais (AP) quando se atingiu a nota 1,0 e erro (E) quando a nota foi igual a 0,0.

RESULTADOS

A implementação do projeto aconteceu conforme planejado, sendo observadas e registradas nas notas de campo. As aulas eram realizadas duas vezes por semana, mas entre algumas delas houve uma distanciamento maior. Entre as aulas 01 e 02, por exemplo, houve um feriado prolongado. Além disso, entre as aulas 07 08 houve a solicitação da orientação pedagógica da instituição para ceder a aula de EF para ensaio e organização da coreografia de uma comemoração realizada anualmente. Contudo, não foram identificadas interferências desse espaçamento entre as aulas no resultado do projeto por consequência do intervalo entre as aulas.

As atividades foram desenvolvidas com diferentes estratégias de ensino, por exemplo, em alguns momentos o professor iniciava a aula com explicações gerais, que eram usadas muitas vezes como organizadores prévios explicativos. Nesse caso, os alunos recebiam as novas informações por recepção. Após a introdução em sala de aula, as atividades propostas em quadra eram vivenciadas pelos alunos, com atividades de descoberta orientada e resolução de problemas. Desta forma, durante a realização das propostas das aulas, muitas vezes os alunos tinham que descobrir a melhor maneira ou estratégia para solucionar os problemas propostos. Essa descoberta geralmente acontecia por tentativa e erro. Assim, os alunos iam descobrindo o conhecimento através de relações entre informações novas e aquelas já aprendidas.

As notas de campo e o registro do diálogo entre professor e alunos demonstram que os estudantes estavam interessados na temática desenvolvida nas aulas. Houve grande envolvimento durante as aulas, com a participação constante nas atividades propostas e nos debates realizados. Em alguns momentos, a discussão sobre o tema continuou após o término da aula, enquanto estudantes e professor retornavam para a sala de aula, como no diálogo registrado pelo professor:

Professor! No Boxe também (acontece o mesmo), não é? O braço fica estendido pra força passar. Os lutadores de Boxe também fazem isso pra força passar também. (Aluno 10)

Isso! Por isso que eles estendem (o braço) no final do movimento!(Professor)

Por que se eles fizerem assim (braço flexionado) não vai força! (Aluno 10)

Durante a implementação do projeto o professor identificou algumas evidências de aprendizagem significativa por parte dos estudantes a partir das informações qualitativas obtidas com a observação das aulas. Assim, o diálogo entre os estudantes e os debates realizados, principalmente no início das aulas e no seu momento final, possibilitaram perceber como eles estavam compreendendo os conceitos discutidos nas aulas.

Exemplo dessas evidências foram identificadas na quarta aula, quando os estudantes escolheram uma habilidade motora para executar e explicaram como acreditavam acontecer a transferências de velocidade angular para linear durante sua execução. A execução e análise da habilidade de rebater específica do tênis (Forehand) levou os alunos a explicaram a necessidade de iniciar o movimento com a flexão do braço e concluí-lo com o braço estendido porque,

...se ele deixar o braço em L, ou em outras articulações, a força não vai chegar para o braço, não... a força não vai chegar pra bola...(Aluno 10)

Na aula 5 também foram percebidas manifestações dos estudantes, que demonstravam competência para analisar corretamente a transferência de velocidade e sua relevância na efetividade do movimento. Os alunos 2, 4, 6 e 10 participaram de forma mais ativa no debate. Sobre o aluno 4, o professor fez o seguinte registro em suas notas de campo:

O aluno 4 também já conseguiu analisar o movimento, a ponto de complementar a descrição do movimento. Assim, após eu questionar o que iria acontecer no movimento do lance livre do basquete, caso o executante flexionasse e estendesse apenas os joelhos e deixasse os membros superiores parados, o participante, imaginando a sequência de flexões e extensões articulares no movimento, disse que também era necessário flexionar e estender cotovelos e ombros para transferir velocidade e força para bola. (Notas de campo - aula 5)

No início da aula 6 as evidências de aprendizagem voltaram a ser percebidas, agora nos comentários dos alunos 2, 6, 7 e 15, no momento em que o professor pediu que a turma apresentasse exemplos de como há transferência de velocidade em outras habilidades motoras:

Professor! Andando de skate a perna que vai remar para empurrar o skate tem que flexionar indo para frente, depois desce e estende o joelho para alcançar o pé no chão e empurrar. (Aluno 2)

Professor, também tem o pulo do goleiro que flexiona o joelho, faz a força igual a setinha para baixo e estende o joelho e aí pula pra pegar a bola. (Aluno 6)

O goleiro no futebol...joga a bola com o braço...como fala? Estendido. Ele não joga com o braço flexionado (Aluno 7)

O professor registrou outras evidências de aprendizagem em suas notas de campo, como aconteceu na aula 9:

Os alunos 3 e 15 compreenderam o conceito da inércia no movimento angular durante a atividade da cadeira giratória, pois disseram que giravam mais rápido quando estavam girando na cadeira com os membros inferiores flexionados (diminuindo a distância do raio em relação ao eixo de rotação). O participante A11 também apresentou evidências de aprendizagem significativa em relação ao conceito da inércia no movimento angular, percebendo que mesmo aplicando a mesma quantidade de força nos dois barbantes, o que girava mais rápido era o barbante pequeno, pois a distância do raio (barbante) em relação ao eixo de rotação (caneta) era menor e gerava mais velocidade se comparado com o barbante grande. (Notas de campo - aula 9)

É possível perceber que o debate durante as aulas foi rico e possibilitou identificar algumas evidências de aprendizagem. Contudo, como argumentam Mendes et al. (2012), o processo de observação é marcado por uma subjetividade. Além disso, a forma de participação dos estudantes nos debates e nas aulas é diferente. Alguns, mais tímidos, raramente apresentam suas percepções, sendo necessário que o professor procure outras formas de avaliar a aprendizagem dos estudantes. Para obter outras informações sobre os resultados da implementação do projeto foram utilizados os questionários aqui utilizados (Q1 e Q2).

Considerando as informações quantitativas, a reaplicação do Q1 permitiu a verificação da retenção de alguns conceitos. Para melhor compreensão foi elaborada a tabela 3, na qual se apresenta a divisão da nota de cada questão entre os tipos de acerto, a média do grupo e a nota final do questionário.

Tabela 1: Síntese dos resultados do Questionário 1 

Fonte: Elaborado pelos Autores.

º p = 0,03;

# p = 0,000;

* p = 0,002;

x p = 0,02;

* p = 0,000

Tabela 2: Síntese dos resultados do Questionário 2 (Q2) 

Fonte: Elaborado pelos Autores.

É possível verificar na primeira questão sobre o conceito da inércia aplicada ao movimento linear que apenas cinco estudantes não acertaram no Q1 pré, afirmando que a bola pesada é arremessada mais longe.

Na segunda questão os participantes deveriam perceber que em atividades de giros a flexão de qualquer parte do corpo leva ao aumento da velocidade com pouca ou menor aplicação de força, através do conceito de inércia no movimento angular. Os 16 participantes erraram a resposta no Q1 pré, demonstrando dificuldades para compreender o conceito avaliado. Já na reaplicação de Q1 essa quantidade de alunos que cometeu erros diminuiu para 10 apresentando diferença significativa na média dos valores do grupo.

Na terceira questão os alunos precisaram detalhar todas as fases do lançamento de uma bola em um jogo de queimada, explicitando como ocorreria a transferência de velocidade angular para linear até o momento de soltura da bola. É possível verificar que 14 participantes erraram a questão no Q1 pré e nenhum errou no Q1 pós. O mesmo conceito foi avaliado na quarta questão, em que foi perguntado aos alunos se para jogar uma bola longe seria mais fácil jogá-la parado ou em movimento. Os estudantes demonstraram maior facilidade ao responder esta pergunta. Ambas as questões apresentaram melhora significativa nos valores, quando comparados à primeira avaliação realizada.

Na quinta questão, foi avaliada a compreensão dos alunos sobre o conceito de absorção de força. Na avaliação diagnóstica nenhum estudante obteve acerto total, enquanto 9 deles erraram totalmente a resposta. A reaplicação de Q1 após a intervenção demonstra um aumento no número de acertos totais e parciais e, principalmente, uma queda no número de erros totais. A sexta questão também focalizou o conceito de absorção de força. Antes da participação no projeto os estudantes já apresentaram bom desempenho nesta questão e este desempenho foi ainda com melhor no Q2, com acerto total de 16 estudantes e apenas um acerto parcial.

Quando se compara a média dos resultados obtidos na aplicação do Q1, é possível perceber que os participantes da pesquisa já tinham um conhecimento superficial sobre os conceitos de Inércia no movimento linear (questão um ) e absorção de força (questão seis ). No entanto, esta aprendizagem ainda não era suficiente para que eles pudessem aplicar o conceito de absorção de força para responder a questão cinco. Apenas as questões um e seis não apresentaram diferenças significativas, questões essas que demonstraram bons resultados durante a primeira aplicação.

Quanto aos resultados do Q2, apresentados na tabela 4, é possível perceber que o conceito da inércia aplicada ao movimento linear apresentou altos índices de acerto, sendo 15 acertos na Questão 1 e 13 acertos parciais e dois totais na Questão sete. Os alunos não apresentaram altos índices de acerto nas respostas relacionadas ao conceito da inércia aplicada ao movimento angular no Q2, no qual a Questão dois obteve oito acertos e nove erros.

DISCUSSÃO

A importância de refletir sobre o currículo da EF tem sido apontada por diversos autores, como Pimenta e Libâneo (1992), Brasil (1997), Freire e Mariz de Oliveira (2004) e Sanches Neto et al. (2006). Este estudo pode contribuir para esta reflexão, ao defender a inserção de conhecimentos da Biomecânica na EF, de modo a possibilitar a compreensão das práticas corporais, através do uso dos conceitos propostos na aprendizagem significativa.

O primeiro problema encontrado foi o de definir as variáveis a serem apresentadas nas aulas, pois há poucos estudos disponíveis que possam auxiliar o professor nesta seleção (Batista, 2001; Belmont & Lemos, 2016). Brasil (1997) defende a inserção de conhecimentos da Biomecânica no currículo escolar. No entanto isso acontece de forma superficial, sem apresentar caminhos concretos para esta inserção.

Corrêa e Freire (2004), Hudson (2006), Ladeira (2008), Gagen e Getchell (2008), e Xavier, Lima e Corrêa (2015) descrevem exemplos de possíveis aplicações em aulas de EF, mas não descrevem como aplicar em situação real de prática pedagógica. Isto é, não explicam como traduzir essas aplicações para o viabilizar a compreensão dos discentes. Esses trabalhos contribuem para estimular a conscientização dos professores de Educação Física Escolar sobre a aplicação da Biomecânica na aprendizagem, mas não se dedicam a dialogar sobre o processo de ensino que poderia ser adotado nas aulas.

Os estudos de Testa Júnior et al. (2015), Antunes (2006) e Belmont (2014), também trabalharam para a inserção de conceitos da Biomecânica nas aulas de EFE, mas foram realizados em diferentes contextos quando comparados a este estudo. Testa Júnior et al. (2015 inseriram alguns conceitos do movimento humano nas aulas de EF, classificando-os como Biomecânica, mas a maioria dos conceitos selecionados se adequam mais à Cinesiologia ou à chamada Biomecânica interna. Assim, as variáveis abordadas estavam relacionadas à estrutura óssea e muscular do corpo humano e não à análise da mecânica do movimento. Também não foi possível identificar como os autores usaram a Aprendizagem Significativa durante o processo, pois apresentaram superficialmente os Mapas Conceituais para avaliar a aprendizagem dos alunos após a aplicação das aulas.

Belmont (2014) em sua tese de doutorado também trabalhou alguns dos conceitos da Biomecânica que foram apresentados neste estudo, tais como, Leis de Newton, Centro de Gravidade Corporal e Análise Qualitativa do Movimento. Porém, a autora aplicou sua pesquisa com professores de EF que atuam na educação básica. No estudo não é possível verificar se estes professores conseguiram colocar em prática com seus alunos os conhecimentos adquiridos nos três cursos de formação continuada ministrados pela autora. Antunes (2006) também apresentou para professores diversos conhecimentos sobre a mecânica do movimento humano, inclusive os conceitos da Biomecânica que foram apresentados nesta pesquisa, como o conceito de redução de lesão (absorção de força) e importância do movimento eficiente. Mas, assim como no estudo deBelmont (2014, não é possível verificar se os professores aplicaram a proposta da autora.

Sanches Neto et al. (2006) propõem que os conteúdos a serem ensinados nas aulas de EF apareçam de forma integrada para dar mais significado ao currículo escolar e apresentam em quatro blocos temáticos a distribuição dos conteúdos a serem ensinados na EF: elementos culturais do movimento do corpo humano; movimentos do corpo humano; aspectos pessoais e interpessoais do movimento do corpo humano e demandas ambientais no movimento do corpo humano. Durante a realização deste estudo foi possível perceber esta integração, quando elementos culturais do movimento foram tematizados juntamente com conhecimentos da Biomecânica, que integram o bloco dos aspectos pessoais e interpessoais do movimento do corpo humano. Esta inter-relação foi percebida em duas aulas aplicadas (aulas cinco e seis), quando três participantes de pesquisa relacionaram os conhecimentos aprendidos na aula com aspectos do seu cotidiano, ou seja, estabeleceram relações com elementos de sua cultura, integrando dois dos blocos de conteúdos propostos por Sanches Neto et al. (2006.

A análise da comparação dos resultados de Q1 - pré/pós - somados às evidências qualitativas de aprendizagem indicam que houve aprendizagem dos conceitos propostos, embora em alguns casos os acertos parciais sugiram que nem todos os conceitos tenham sido compreendidos. Apesar disso, o melhor desempenho na reaplicação do Q1, somada às informações qualitativas, como o interesse e envolvimento dos estudantes durante as aulas e as evidências de aprendizagem expressas por vários participantes pode ser indício de o projeto desenvolvido está adequados às características dos estudantes e aos objetivos propostos. Somente os conceitos já usualmente enfatizados pelos professores e de fácil percepção corporal pelos alunos não apresentaram uma diferença significativa após a aplicação das aulas específicas. Esses foram os conceitos de absorção de impacto pela flexão dos joelhos e a necessidade de aplicar mais força se a Inércia (massa) for maior.

É possível perceber que os participantes desta pesquisa atribuíram significado aos conceitos abordados na pesquisa, e ampliaram seus conhecimentos, melhorando a qualidade das respostas, quando comparadas à primeira aplicação, durante a avaliação diagnóstica. Resultados semelhantes do uso da aprendizagem significativa também foram obtidos por Lino e Fusinato (2011), em pesquisa que analisou o ensino da Física.

Faz parte do processo de aprendizagem de novos conhecimentos uma tendência ao esquecimento, denominada “assimilação obliteradora” (Ausubel, 2003). Para o autor, com o passar do tempo, as ideias mais específicas dos conhecimentos adquiridos podem ser esquecidas, enquanto as ideias mais amplas permanecem retidas. De acordo com Moreira e Masini (2001p. 27), “...O esquecimento é, portanto, uma continuação temporal do mesmo processo de assimilação que facilita a aprendizagem e a retenção de novas informações”. Para favorecer a aprendizagem significativa é importante evitar estimular a aprendizagem mecânica com a utilização de estratégias como a solução de problemas diferentes daqueles apresentados durante o processo de aprendizagem.

Baseado nesses conceitos foi organizado o Q2. O alto índice de acertos obtido nas questões permite afirmar que houve aprendizagem significativa dos conceitos da Biomecânica, sendo que, apenas na questão dois houve um número de erros elevado, demonstrando que a inércia no movimento angular ainda precisa ser melhor analisada com os estudantes.

As evidências de aprendizagem significativa obtidas com a aplicação do Q2 demonstraram que o tempo entre a conclusão do projeto e sua aplicação não gerou esquecimento e que os estudantes conseguem relacionar o conhecimento aprendido em aula com situações diferentes daquelas selecionadas pelo professor, confirmando os argumentos de McGinnis (2002). Este autor afirma que o ensino da Biomecânica pode contribuir para o entusiasmo dos alunos, à medida em que eles perceberem que tais conhecimentos tornam a aprendizagem de habilidades mais eficaz e rápida. Esta percepção pode estimular que os estudantes se interessem pelas práticas corporais fora do ambiente escolar e possam construir autonomia para gerir sua própria aprendizagem.

Durante a aplicação de todas as etapas do projeto, foi possível identificar o envolvimento e a disposição dos participantes de pesquisa em querer aprender mais sobre os temas tratados. O professor relata o interesse dos estudantes e o desejo de apresentar suas opiniões diante dos questionamentos feitos, evidenciando que é possível ensinar a Biomecânica sem tornar a aula de EF desagradável e sem sentido.

É importante ressaltar que, ao refletir e elaborar um projeto pedagógico com a intenção de possibilitar a aprendizagem significativa de conceitos da biomecânica, não se presente propor um modelo a ser seguido pelos professores. Assim, como afirma Gimeno Sacristán (2017, p.173), acredita-se que o ensino deve ser entendido como “...uma atividade difusa, na qual cabem uma infinidade de tipologias de atividades ou tarefas, o que proporciona potencialmente um alto grau de autonomia aos profissionais que a exercem”. Nessa perspectiva, cada professor encontrará formas diferenciadas de tratar de um mesmo conteúdo, de acordo com as demandas da escola e de seus alunos.

CONCLUSÕES

O presente estudo foi realizado com o objetivo de analisar as possibilidades de inserção de conceitos de Biomecânica nas aulas de EF, a partir da aplicação de um projeto educacional, fundamentado na teoria da Aprendizagem Significativa. A elaboração, execução e avaliação do projeto permitiu identificar alguns conceitos sobre a mecânica do movimento que podem contribuir para que o estudante se compreenda ao Se-Movimentar e, dessa forma, possa criar estratégias para aprender de forma eficiente e segura novas habilidades. Esta aprendizagem pode permitir também que ele compreenda melhor as práticas corporais culturalmente elaboradas e possa aprecia-las e realiza-las.

Foi possível, ainda, refletir sobre como inserir os conteúdos da Biomecânica de forma significativa e agradável aos estudantes, sem criar momentos que reforçam uma dicotomia entre teoria e prática nas aulas de EF Assim, as estratégias de ensino elaboradas e aplicadas pelo professor foram eficientes para possibilitar a Aprendizagem Significativa dos conteúdos propostos.

Portanto, que esta pesquisa contribui para a reflexão sobre a construção do currículo da Educação Física Escolar e para a compreensão sobre a inserção de conhecimentos sobre o Se-Movimentar nas aulas, tema que merece ser mais investigado. Foram apresentadas e analisadas possibilidades para a inserção de conceitos da Biomecânica nas aulas de EF do ensino fundamental, tema que raramente tem sido investigado e menos ainda avaliado de forma estruturada.

APLICACÃO PRÁTICA

A proposta aqui investigada pode estimular os professores a selecionarem conteúdos da biomecânica para inserir no currículo das aulas de Educação Física. Embora esta proposta não tenha sido apresentada com a intenção de ser modelo para os professores, ela pode ser um estímulo para que novas propostas sejam construídas e, talvez, se transformem em novas investigações sobre o tema. A aplicação dos resultados desta pesquisa podem também originar a construção de projetos pedagógicos que tratem de outros conceitos originados na Biomecânica, além daqueles selecionados neste estudo ou que proponham o ensino da biomecânica em outros níveis da educação básica. Dessa forma, pensar a inserção da biomecânica como tema e não apenas como subsídio para a construção das aulas poderá contribuir para ampliar o olhar sobre o currículo da Educação Física Escolar.

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Cita: Andrade, I. A.; Freire, E. S.; Corrêa, S. C.; Xavier, A. P. (2020). Aprendizagem significativa de conceitos da biomecânica nas aulas de educação física. Cuadernos de Psicología del Deporte, 20(1), 217-235.

Recebido: 06 de Setembro de 2018; Aceito: 11 de Dezembro de 2019

Correspondence to: Elisabete dos Santos Freire. Dirección Postal: Rua Cuiabá, 990 Apto 23 – Mooca, São Paulo-SP-Brasil. Email: elisabetefreire@uol.com.br

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