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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.10 no.22 Murcia Abr. 2011

 

ENFERMERÍA Y PERSPECTIVA DE GÉNERO

 

O fenómeno da violência de género à mulher a partir da produção científica da enfermagem

El fenómeno de la violencia de género en la mujer a partir de la producción científica de enfermería

 

 

Rangel da Silva, L.*; Domingues Bernardes Silva, M.**; Mota Xavier de Meneses, T.***; Rodríguez Borrego, M.A.****; Meneses dos Santos, I.M.*; Lemos, A.*****

*Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Coordenadora do Núcleo de Pesquisa, Estudos e Experimentação em Enfermagem na Área da Mulher e da Criança (NuPEEMC).
**Enfermeira. Membro do NuPEEMC.
***Bolsista de Iniciação Científica da UNIRIO. Graduanda da EEAP. Membro do NuPEEMC.
****Enfermeira Doutora. Professora Titular de Escola Universitária. Universidade de Córdoba (Espanha).
*****Enfermeira. Doutora em Saúde Coletiva. Adjunta do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da EEAP/UNIRIO.Brasil.

(Este artigo faz parte do projeto financiado pelo CNPq: "Violência de Gênero à Mulher Enfermeira" sob coordenação da Profa Dra. Leila Rangel da Silva, e integra Grupos de Pesquisa da Espanha e Portugal, do Projeto Internacional do mesmo título. A investigação na Espanha tem financiamento da Junta de Andalucía. No expediente: PI-0109/2008).

 

 


RESUMO

Com o objetivo de identificar e analisar a produção científica na área da enfermagem sobre violência contra a mulher no período de 2000 a 2009, realizou-se uma revisão bibliográfica da produção científica consultando o portal de revistas de enfermagem da Biblioteca Virtual em Saúde do Brasil. A partir dos critérios de inclusão, foram identificadas 10 publicações que descreviam explicitamente a relação da violência de gênero e suas implicações no cuidado à mulher. A partir da análise temática, emergiram quatro categorias: tentativa de quantificar e explicar o fenômeno da violência; fenômeno relacionado ao profissional de saúde; a aprendizagem da violência e a relação com o companheiro.
O conhecimento obtido oferece uma visão desde a perspectiva da enfermeira sobre o tema em estudo, entretanto não aborda por completo a perspectiva do cuidado, o que estimula a produção de outros estudos nesta temática.

Palavras chave: Enfermagem; Violência contra a mulher; Gênero e Saúde.


RESUMEN

Con el objetivo de identificar y analizar la producción científica de Enfermería sobre la violencia contra la mujer en el período 2000 a 2009, se realizó una revisión de la literatura científica en el portal de revistas de enfermería de la Biblioteca Virtual en Salud de Brasil. De los criterios de inclusión, fueron identificadas 10 publicaciones que describían explícitamente la relación de la violencia de género y sus implicancias en el cuidado de la mujer. A partir del análisis temático de los artículos se obtuvieron cuatro categorías: intentar cuantificar y explicar el fenómeno de la violencia; el fenómeno relacionado con el profesional de la salud; el aprendizaje de la violencia y la relación con el compañero. El conocimiento obtenido sobre el tema en estudio da una visión desde la perspectiva de la enfermera, sin embargo, no aborda de lleno la perspectiva del cuidado, lo que estimula a la producción de otros estudios sobre este tema.

Palabras clave: Enfermería, Violencia contra la Mujer, Género y Salud.


ABSTRACT

In order to identify and analyze the scientific production in the area of nursing on violence against women in the period from 2000 to 2009, a study was made of scientific literature in which the first page of nursing journals of the Virtual Health Library of Brazil was consulted. Based on the criteria of inclusion, 10 publications that explicitly described the relationship of gender violence and its implications in w omen's care were identified. On considering the thematic analysis, four categories emerged: attempts to quantify and explain the phenomenon of violence; phenomenon related to the health professional; the learning of violence and the relationship with a partner. The knowledge acquired offers a view from nurse's perspective on the analyzed topic; however, the study does not manage to outline a complete perspective of care, which stimulates the production of other studies on this subject.

Key words: Nursing; Violence against Women; Gender and Health.


 

Introdução

O objeto deste estudo é o fenômeno da violência de gênero contra a mulher a partir da produção científica de enfermagem. Trata-se de um subprojeto do Projeto Pesquisa "Violência de Gênero à Mulher Enfermeira" financiado pelo CNPq e cadastrado no Núcleo de Pesquisa, Estudos e Experimentação na Área da Saúde da Mulher e da Criança (NuPEEMC) do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil (DEMI) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e vinculado ao Projeto Cuidado Cultural a Saúde da Mulher Brasileira-Tendências e Desafios para a Enfermagem sob a responsabilidade da Profa Dra. Leila Rangel da Silva.

O vocábulo violência vem da palavra latina vis, que quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. A violência é um fenômeno extremamente difuso e complexo cuja definição não pode ter exatidão científica, já que é uma questão de apreciação e é influenciada pela cultura e submetida a uma contínua revisão na medida em que os valores e as normas sociais evoluem (1).

Dessa forma, percebemos que o fenômeno da violência é mutante, pois sofre influências históricas, geográficas, circunstanciais e de realidades muito diferentes. Existem violências toleradas e condenadas, pois, desde que o homem vive sobre a Terra a violência existe, apresentando-se sob diferentes formas, cada vez mais complexas e ao mesmo tempo mais fragmentadas e articuladas (2). Desta forma há uma variedade de definições da violência de gênero, na tentativa de conceitualizar o fenômeno e fornecer uma direção única para quem precisa trabalhar com ele (3).

Durante todas as fases de nossa vida, sofremos influências de instituições como a escola, a igreja, o trabalho e na própria família, com isso, desde cedo aprendemos a ter determinadas condutas, enfim, a representar os papeis atribuídos aos gêneros, o que influenciará na construção da identidade de gênero.

No que tange às denominações violência doméstica e violência familiar, a Lei Maria da Penha, no seu Art. 5o, faz referência à violência conjugal como aquela que se dá "em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação" (4). A violência direcionada à mulher consiste em todo ato de violência de gênero que resulte em qualquer ação física, sexual ou psicológica, incluindo a ameaça (5).

Para se entender a denominação de violência de gênero é preciso considerar o caráter social dos traços atribuídos a homens e mulheres. Dessa forma, observa-se que a maioria dos traços do feminino e do masculino são construções culturais, são produtos da sociedade e não derivados necessariamente da natureza (6). A determinação em ser homem ou ser mulher é social e histórica e não biológica.

No modelo de família tradicional, os atributos e os papeis de gênero valorizam o homem em detrimento da mulher, legitimando, por um lado, a dominação do homem e por outro, a inferioridade da mulher. Nesta perspectiva, a mulher é destituída de autonomia e do direito de decidir, inclusive sobre o seu próprio corpo (7).

Em todas as culturas do mundo, as mulheres vivem em condições de desigualdade social em relação aos homens. Há uma significativa repercussão na saúde física e mental dos indivíduos que presenciam ou sofrem as diversas formas de violência no seu cotidiano. Para minimizar seus consequentes agravos, é necessária uma atenção especial, criteriosa e profunda voltada para a atenção à saúde com uma abordagem holística e contextualizada.

Diversas foram as conferências internacionais realizadas no século XX que contém os enunciados e as definições dos direitos humanos para todos os habitantes do mundo, os quais, sem dúvida, muito auxiliaram na detecção e investigação da violência de gênero à mulher. Estas convenções foram: Carta das Nações Unidas (1945); Convenção contra o genocídio (1948); Pacto internacional dos direitos civis e políticos (1966); Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais (1966); Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979); Convenção sobre os direitos da criança (1989); e, Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher-Convenção de Belém do Pará (1994) (8). Em 1995 a Conferência Mundial sobre a mulher, em Pequim em sua Plataforma de Ação dedicou um capítulo inteiro sobre a eliminação da violência contra as mulheres.

A relação entre a violência contra a mulher e a sua saúde tem se tornado cada vez mais evidente, embora a maioria das mulheres não relate que sofreu ou sofre a violência doméstica. Por isso, é extremamente importante que os profissionais de saúde sejam capacitados para identificar, atender e tratar as mulheres que apresentam sintomas que podem estar relacionados ao abuso sexual e à agressão física.

Frente à necessidade de perceber e compreender o fenômeno da violência contra a mulher, análises e estudos sobre o assunto se fazem necessários, uma vez que tal violência deteriora a saúde individual e familiar da mulher. Este estudo surge na tentativa de fornecer maior visibilidade aos profissionais de enfermagem a cerca da produção científica produzida e publicada com a temática da violência de gênero contra a mulher.

Para o desenvolvimento do estudo, foram traçados os seguintes objetivos: Identificar e analisar a produção científica na área da enfermagem sobre violência contra a mulher no período de 2000 a 2009.

A partir disso, a justificativa deste estudo se respalda na necessidade de conhecer sobre o conhecimento produzido acerca da violência de gênero à mulher, e com isso, fornecer aos profissionais de saúde um panorama sobre o tema, para que possam ser valorizados os principais cuidados com esta mulher que presencia ou sofre o fenômeno da violência.

 

Abordagem metodológica

Para alcançar os objetivos deste estudo, elegemos os princípios da pesquisa bibliográfica, que compreende a leitura, seleção, fichamento e arquivo dos tópicos de interesse para a pesquisa em pauta, com vistas a conhecer as contribuições científicas que se efetuaram sobre determinado assunto (9).

Para esta revisão bibliográfica adotou-se, como critério de inclusão: artigos que versem sobre a temática violência de gênero contra a mulher; produções que descrevam explicitamente a relação da violência de gênero à mulher e suas implicações no cuidado à mulher; o período das publicações de 2000 a 2009 e ter nos descritores, as palavras: Violência e/ou Violência contra a Mulher e/ou Identidade de Gênero e/ou Gênero e Saúde. No primeiro momento de nossa pesquisa consultamos a SciELO, através do site http://www.scielo.br, e a partir dela foi realizada uma busca no portal de revistas de enfermagem (REVeENF) da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Utilizando o descritor violência, foram achados 109 artigos. Após esse momento, foram selecionados artigos que versavam especificamente sobre a temática da violência de gênero ou a violência contra a mulher e desse total, apenas 12 artigos foram identificados.

Num segundo momento, foram utilizados todos os critérios de inclusão supracitados. Sendo assim, foram selecionadas 10 produções científicas submetendo-as à seguinte classificação: ano e local de publicação, revista científica, metodologia empregada e a ideia central.

Finalmente, foi empregada a técnica de análise temática. Essa técnica "consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença pode significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido" (10).

 

Resultados e discussão dos dados

Das 10 produções bibliográficas publicadas entre 2004 e 2009, uma é de origem internacional, do Chile (11) e nove são de origem nacional, sendo sete da região sudeste (12-13-14-15-16-17-18), uma da região centro oeste (19) e uma da região sul (20).

Vale ressaltar que as produções científicas identificas, no portal de revistas de enfermagem, a partir dos critérios de inclusão delimitados para esse estudo, foram publicadas a partir de 2004.

A maior quantidade de produção nacional pode ser justificada a partir da criação de políticas públicas de saúde direcionadas à humanização de assistência à mulher. Internacionalmente, destaca-se o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, uma publicação histórica feita pela Organização Mundial de Saúde (OMS), onde traz visibilidade a este tema, assim como também subsidia pesquisadores e profissionais sobre possíveis ações de promoção da saúde, prevenção e diagnóstico da violência. Ademais, esta organização internacional revela a magnitude deste problema, apontando a violência contra a mulher como uma das cinco prioridades para as Américas nos anos iniciais do século XXI (1). Os artigos científicos selecionados para o estudo estão descritos no Quadro I.

Quanto à metodologia empregada nos artigos selecionados, temos quatro revisões bibliográficas (12-13-14-15), uma revisão de literatura (16) e cinco pesquisas qualitativas, dentre as quais, quatro são utilizaram entrevistas como técnica de coleta de dados (11,17,19-20) e um relato de experiência (18)

No tocante à ideia central trazida pelos artigos, a temática da violência de gênero foi abordada em um artigo (15) pelo aspecto do sistema de informação que quantifica o fenômeno. Em três artigos (13,17-18) foram correlacionados aspectos da violência doméstica com o profissional de saúde. Em dois artigos (19-20) foi focada a violência conjugal. Apenas uma produção abordou a violência sexual (12). Um estudo (14) fez um breve histórico da violência de gênero contra a mulher e suas consequências para a saúde, afirmando ser necessário o uso de um modelo ecológico para o estudo desse fenômeno, uma vez que este contempla a complexidade do fenômeno. Em uma pesquisa (11) foi abordada a questão da infidelidade masculina e a violência de gênero. Há ainda um artigo (16) que abordou a violência de gênero e a violência intergeracional. No período estudado e nos locais pesquisados, foi predominante a produção envolvendo o profissional de saúde.

Dessa forma, após a seleção do material de estudo, foi utilizada a análise de conteúdo na modalidade temática que trata as informações coletadas sobre um determinado assunto resultando na categorização de temas (10). A partir da análise temática, emergiram quatro categorias, a saber: 1) Tentativa de quantificar e explicar o fenômeno da violência; 2) Fenômeno relacionado ao profissional de saúde; 3) A aprendizagem da violência e 4) A relação com o companheiro.

I-Tentativa de quantificar e explicar o fenômeno da violência

Os impasses e as vantagens da quantificação e do sistema de informação sobre a violência, permite comparações entre as regiões do país com outros locais pela padronização internacional da informação e visualização mais concreta do fenômeno, avaliando sua amplitude e seu impacto(15).

O sistema de informação em saúde, apesar de ser o principal banco de dados para o monitoramento das causas externas, possui alguns fatores que limitam o dimensionamento da violência contra a mulher no Brasil, como o preenchimento dos dados segundo à morbidade e à mortalidade em registros separados, o que dificulta a análise conjunta da morbimortalidade dessas causas; a pouca sensibilidade e representatividade do evento devido à subnotificação dos casos pela provável razão de ser recente o reconhecimento da violência enquanto problema de saúde coletiva e a falta de capacitação do profissional de saúde para lidar com o fenômeno da violência e também, a concepção do sistema de informação utilizado atualmente, que não foi configurado para esta finalidade, associado à falta de uniformidade no modo como os dados são coletados, o que torna mais difícil a comparação entre as diferentes realidades(15).

A compreensão sócio-histórica e também cultural do processo expõe os vários tipos de violência e a forma como cada um se expressa, coloca também as consequências sobre a saúde da mulher. O modelo ecológico, que valoriza várias das relações a que pertence o indivíduo e seu entorno, daria conta de um fenômeno tão complexo (14).

II- Fenômeno relacionado ao profissional de saúde

Nos artigos analisados nesta categoria, encontramos uma produção que valoriza a utilização de estratégias para reduzir a violência de gênero contra a mulher na consulta de enfermagem ginecológica como: a escuta sensível, a participação de uma pessoa de confiança desta mulher na consulta, não abolir o uso do lençol sobre a cintura e o incentivo à mulher de introduzir o espéculo vaginal nela própria. Portanto, o enfermeiro deve refletir sobre a sua prática assistencial, para não ser um agente reprodutor da violência (18).

O sentido da violência pelos profissionais de saúde, é um problema sério e importante na sociedade e se manifesta de várias formas. Os profissionais referem a uma causa multifatorial para o fenômeno, no entanto, reconhecem ser causa e consequência das desigualdades de gênero ancorada na construção da identidade de cada gênero. Há valorização das queixas físicas, o cuidado centrado nos aspectos biológicos, prevalecendo a relação técnica instrumental do cuidado. Também há falta de orientação na graduação para lidar com o tema e quando este se apresenta, é fragmentado. Ocorreram relatos dos profissionais de saúde quanto às sensações de incômodo e impotência, receio de serem ofensivos, perda do controle da situação e constrangimento (17).

Apesar das dificuldades dos profissionais em atender às mulheres às demandas desse fenômeno, há a necessidade de profissionais da equipe de saúde da família para "se discutir a questão da violência doméstica na cotidianidade dos serviços de saúde capacitando profissionais e fazendo parcerias com outros serviços" reorganizando as práticas assistenciais (13).

III- A aprendizagem da violência

A violência de gênero vai se construindo a partir dos papeis atribuídos a meninas/meninos, homem/mulher dentro da família, fruto da cultura patriarcal. Dentro da família, as relações tendem a valorizar o homem em detrimento da mulher. Na violência intergeracional, ocorre à reprodução de sua história vivida na infância ou adolescência. O núcleo familiar é, portanto, um espaço de construção e reprodução da violência doméstica (16).

IV- A relação com o companheiro

A violência conjugal foi estudada buscando-se seu significado. Encontraram nas falas das mulheres a vivência do fenômeno através de sintomas de ordem física, através de um cotidiano imerso em conflitos constantes com o parceiro, descritos por violência física, sexual e psicológica e através de carência de cuidados e afeto, aprisionamento, isolamento, baixa da autoestima. Através desses resultados vê-se que nem sempre as evidências da violência são visíveis, são marcas da dimensão subjetiva e só podem ser sabidas quando expressas pela fala (20).

Houve interesse do significado da violência conjugal em outra pesquisa. O artigo apresenta uma categoria que sintetiza o sentido das falas das mulheres: A violência conjugal e sua relação com a tutela da diferença nas relações desiguais de gênero: a assimetria de poder impondo a submissão e o silêncio das mulheres em situação de violência. Essa ideia mostra que o desequilíbrio de poder em favor do homem caracteriza a desigualdade de gênero, isso denota privilégio e este contraria o princípio democrático de igualdade. Contudo existem formas sociais de reprodução da violência através da família que naturalizam o fenômeno(19).

O contrato de casamento é entendido como uma relação de trabalho, pois em troca do sustento e proteção, o marido recebe o trabalho doméstico e o acesso sexual ao corpo da esposa, portanto o casamento não se mostra nas mulheres ouvidas com um desfrute sexual igualitário entre ambos os parceiros (19).

A mulher esteve, por muito tempo, excluída do espaço público, cabendo suas atividades apenas ao lar, sendo excluído delas, autonomia e independência financeira. Nota-se, portanto, que ao ingressarem no mercado não foi excluído delas a responsabilização pelo lar causando sobrecarga e mais um fator de opressão. Apesar de ingressarem no mercado de trabalho, poucas mulheres possuem posições bem remuneradas, recebendo menores salários que os homens em mesmo cargo, sendo, muitas vezes, dirigidas por eles, o que indica que o mercado é patriarcalista(19). Este estudo revelou que no espaço público do mercado de trabalho e no espaço privado das relações familiares, as relações de gênero exacerbam as desigualdades associadas às classes sociais. Apesar da independência financeira e do acesso ao mercado de trabalho oferecerem maiores condições da conquista da autonomia e liberdade, eles não são condição suficiente para possibilitar às mulheres relações de gênero mais igualitárias (19).

A violência sexual foi discutida com suas repercussões na saúde da mulher (12). O texto aborda que gênero é uma forma de significar relações de poder, é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos. A violência é socialmente aprendida e se estabelece em relações assimétricas de poder. Alguns mitos envolvem a mulher vítima de abuso sexual, por exemplo: que os policiais não acreditam na veracidade das histórias das vítimas, não acreditam na veracidade dos sentimentos de impotência e as manifestações emocionais apresentadas são entendidas como sintomas de patologias (12).

Ainda há uma justificativa para a violência como mito de que só as mulheres promíscuas são violadas. A questão da violência vem ganhando destaque na área da saúde uma vez que o hospital e o posto de saúde podem ser a porta de entrada dessas mulheres, necessitando que o profissional de saúde saiba que este fenômeno nem sempre deixa marcas visíveis (12). A violência sexual pode ser admitida dentro do próprio lar e isso desnaturaliza a obrigação sexual apenas pela mulher e pode representar avanços no combate à subjugação feminina. Quanto aos agravos à saúde existe uma maior vulnerabilidade a outras formas de violência, a distúrbios psicológicos, a afecções ginecológicas e do trato geniturinário, a dilacerações, a infecções sexualmente transmissíveis, a gravidez e traumatismos, entre outros agravos (12).

A infidelidade masculina e a relação vivida com os parceiros foram estudadas pela ótica da violência de gênero(11). As mulheres do estudo se sentem traídas, agredidas e sem liberdade, vendo-se impossibilitadas de reagir e modificar a situação. Os parceiros das mulheres estudadas exercem um padrão mais autônomo em relação à sua sexualidade e a mulher está subordinada a essa atitude dita da natureza masculina. Mesmo subordinadas a esse padrão, em sua narrativa, demonstram a impossibilidade de agir por causa da dependência econômica.

Sobre a interpretação da violência, houve dualidade com a não aceitação da agressão procurando revidá-la e a relação da agressão com o álcool. A violência, a que as mulheres do estudo estão submetidas, esta relacionada com o uso abusivo de álcool e à traição que são, socialmente, permitidos ao homem e contra os quais as mulheres não conseguem lutar(11).

A violência entre os casais caracterizou-se com lesões corporais, sem haver denúncia, o que demonstra a predominância de assimetrias de gênero pela passividade em que se encontram. As uniões do estudo surgiram como motivo de dar aceitabilidade social às gravidezes não planejadas. Tais uniões com o tempo foram questionadas pelos parceiros quanto ao fim da sua liberdade e à carga de responsabilidades quanto à sobrevivência da família. A infidelidade é a forma encontrada para fugir dessas responsabilidades. Em alguns casos, a solução encontrada foi a separação, tomada pela mulher, mostrando sua capacidade resolutiva. Separação e reconciliação também foram vividas pelo motivo da permanência de contato dos pais com os filhos, o que pode estar mascarando a dependência que elas têm do companheiro. As mulheres no caso da separação às vezes ainda se culpabilizaram pelo insucesso da relação afirmando não ter tido competência para manter a relação(11).

 

Considerações finais

Os estudos analisados apresentaram a violência como um fenômeno complexo, invisível e naturalizado pelas formas de socialização inseridas em nossa cultura. Muitas das questões envolvidas limitam a autonomia dessas mulheres, no entanto, muitas mulheres se mostraram capazes de refazer esse caminho. É importante considerar ainda que muitas das expressões de violência sofridas surgem como um dano físico, e o sistema de saúde mostrase como uma porta de entrada importante para o primeiro atendimento dessas mulheres. Deve haver nesse meio, profissionais de saúde, em especial, de enfermagem capazes de oferecer um acolhimento adequado e de oferecer oportunidades de expressão de sentimentos, além de realizar o encaminhamento apropriado.

Vê-se a iniciativa de políticas públicas de saúde para o combate à violência contra a mulher, a inserção da temática violência nas instituições de ensino, a disponibilidade do profissional para o acolhimento como iniciativas importantes para restabelecer a saúde de pessoas vítimas de violência.

Outro caminho importante, segundo as produções científicas de enfermagem, para a tentativa de romper a propagação social da violência consiste em reestruturar a família procurando construir relações mais simétricas entre homens e mulheres, modificando então o comportamento social ancorado na violência de gênero. Faz-se necessário também romper o ciclo de desigualdade social e de gênero em que essas mulheres estão inseridas. Sem dúvida, os caminhos para tentar construir uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres e que com isso não admita mais a violência de gênero, reconhecendo-a e combatendo-a são diversos. Portanto, o nível relacional de contato com a pessoa violentada será sempre o mais transformador, pois permitirá ao sujeito um estranhamento de sua situação e uma possibilidade de novas escolhas.

 

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