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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.13 no.36 Murcia Out. 2014

 

DOCENCIA E INVESTIGACIÓN

 

A utilização de psicofármacos em indivíduos com transtorno mental em acompanhamento ambulatorial

El uso de psicofármacos en individuos con trastorno mental en seguimiento ambulatorio

The usage of psychotropic drugs in subjects with mental disorder in ambulatory attendance

 

 

Xavier, Mariane da Silva*; Terra, Marlene Gomes**; da Silva, Cristiane Trivisiol***; Souto, Valquiria Toledo*; Mostradeiro, Sadja Cristina Tassinari de Souza** e Vasconcelos, Raíssa Ottes****

*Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: marianesxavier@yahoo.com.br
**Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e Pós-Graduação da UFSM.
***Mestre em Enfermagem. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
****Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista FIPE. Brasil.

 

 


RESUMO

Objetivo: Conhecer as experiências de indivíduos com transtorno mental frente à utilização de psicofármacos.
Metodologia: Pesquisa qualitativa, realizada por meio de entrevista semiestruturada com 15 participantes, no período de abril a maio de 2012, em um hospital de ensino do interior do estado. Os achados foram processados pelo software Atlas TI e, submetidos à análise de conteúdo temática.
Resultados: As experiências envolvem aspectos que motivam ou dificultam a utilização de psicofármacos. Como aspectos motivadores identificou-se a percepção do usuário acerca dos benefícios que os psicofármacos podem gerar, como a reinserção social e melhora no convívio familiar. Da mesma forma, as dificuldades para o uso dos psicofármacos foram relacionadas com a consciência acerca das reações adversas que estes podem apresentar.
Conclusão: Conclui-se que para indivíduos com transtorno mental os psicofármacos auxiliam no tratamento, apesar de suas reações adversas. Ao mesmo tempo este não deve ser visto como a única forma de tratamento, mas sim deve ser aliado a acompanhamento psicossocial, grupo de familiares, atenção multiprofissional, ou seja, deve-se ofertar um cuidado qualificado, integral e de acordo com a necessidade de cada indivíduo.

Palavras chave: Enfermagem; Saúde mental; Psicotrópicos; Assistência ambulatorial; Análise qualitativa.


RESUMEN

Objetivo: Conocer las experiencias de las personas con enfermedad mental en el uso de psicofármacos.
Metodología: Investigación cualitativa realizada mediante entrevista semiestructurada a 15 participantes, entre abril y mayo de 2012, en un hospital universitario del interior del estado. Los resultados fueron procesados por el software de Atlas TI y sometidos a análisis de contenido temático.
Resultados: Las experiencias involucran aspectos que motivan o limitan el uso de drogas psicotrópicas. Como aspectos motivadores se identificó la percepción de los usuarios de los beneficios que las drogas psicotrópicas pueden causar, por ejemplo, la reinserción social y la mejora de la vida familiar. Del mismo modo, las dificultades en el uso de drogas psicotrópicas estaban relacionadas con el conocimiento de los efectos secundarios que se pueden presentar.
Conclusión: Se concluye que para las personas con enfermedades mentales las drogas psiquiátricas ayudan en el tratamiento, a pesar de sus reacciones adversas. Al mismo tiempo, esto no debe ser visto como la única forma de tratamiento, pero debe combinarse con asesoramiento psicosocial, grupo familiar, atención multidisciplinar, es decir, debemos ofrecer un cuidado cualificado, atención integral y de acuerdo a la necesidad de cada individuol.

Palabras clave: Enfermería; Salud mental; Psicotrópicos; Atención ambulatoria; Análisis cualitativo.


ABSTRACT

Objective: Knowing the experiences from subjects with mental disorder face to the usage of psychotropic drugs.
Methodology: Qualitative research conducted by semi-structured interviews with 15 participating, in a period from April to May 2012, in a teaching hospital from countryside. The results were processed by the Atlas TI software and were submitted to analysis of thematic content.
Results: The experiments involved different aspects, the ones that motivate or hinder the use of psychotropic drugs. The perception of the users concerning the benefits that psychotropic drugs can bring was identified as a motivated aspect, because it provides the social reintegration and the improvement on living together. Similarly, the difficulties to the use of psychotropic drugs were related to the conscience regarding the adverse reactions that these drugs may present.
Conclusion: It was conclude that to the subjects with mental disorder the psychotropic drugs are efficient for the treatment, despite its adverse reactions. At the same time, the psychotropic drugs must not being seen as the only way of treatment, but they must be allied to the psychosocial attendance, family group, multi-professional attention, in other words, it must be offered a full and qualified care according to the necessity of each subject.

Key words: Nursing; Mental health; Psychotropic drugs; Ambulatory care; Qualitative analysis.


 

Introdução

De acordo com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), os transtornos mentais atingem cerca de 12% da população brasileira, o que corresponde a 23 milhões de pessoas que necessitam de algum atendimento em saúde mental, seja de forma contínua ou eventual(1). Este atendimento demanda ações multiprofissionais em esfera psicossocial, como a realização de oficinas terapêuticas, grupos de convivência, visita domiciliar, consulta de enfermagem, psicoterapia e demais terapias individuais e coletivas, que sejam capazes de investir no potencial de saúde do indivíduo em sofrimento psíquico(2). Além destas, destaca-se como parte das ações terapêuticas, o tratamento medicamentoso.

A terapêutica medicamentosa para o tratamento em saúde mental se dá pelo uso de psicofármacos, que alteram a atividade psíquica aliviando os sintomas dos transtornos psiquiátricos(3-2). Seus efeitos sofrem influências de diversos fatores, como características individuais, estados patológicos e o padrão de uso. Esse tipo de tratamento teve início no final da década de 50, com a introdução dos neurolépticos(2). Os neurolépticos ou antipsicóticos são psicofármacos inibidores das funções psicomotoras que atenuam, também, os sintomas neuropsíquicos considerados psicóticos, tais como os delírios e as alucinações(4).

A descoberta desses neurolépticos, nos anos 50, no entanto, não extinguiu o número de recaídas e internações, no que diz respeito ao tratamento das doenças mentais, contrariando as esperanças de benefícios permanentes e estáveis. Observava-se que após a melhora da sintomatologia, os pacientes tendiam ao uso irregular de seus medicamentos, chegando até mesmo a interromper seu tratamento. Um possível fator para esse uso irregular é o tempo de tratamento.

Com o passar do tempo, os pacientes podem apresentar um comportamento desmotivado para o uso contínuo e regular da medicação. Dessa forma, uma estratégia para a manutenção do uso é promover um cuidado que aproxime o paciente ao seu cotidiano, com a finalidade de reordenar suas capacidades psicossociais e suas potencialidades no curso da doença. Por esse motivo a reabilitação psicossocial possui grande valia, mas para tanto o tratamento psicossocial que tem por objetivo auxiliar os pacientes e familiares, precisa estar em sintonia com o tratamento psicofarmacológico(2).

Nesse sentido, entende-se que os psicofármacos precisam ser encarados como uma das possibilidades de tratamento, e não a única, e que terão maior sucesso terapêutico caso estejam associados ao atendimento psicossocial, escuta qualificada, atividades ressocializadoras, religiosidade, entre outras formas de assistência que contemplem a integralidade do ser humano, como preconizado pela Reforma Psiquiátrica.

A Lei no 10.216, Lei da Reforma Psiquiátrica, redireciona o modelo de atenção à pessoa com transtorno mental. Esse passa de um modelo pautado na lógica manicomial, para um modelo de atenção psicossocial, o qual assegura ao paciente entre outras coisas, um atendimento integral e ampliado, bem como o direito de ser parte ativa em seu tratamento(5-6).

Em detrimento do que prevê a referida lei percebe-se que, no cotidiano dos serviços de saúde mental, a participação dos indivíduos em seu tratamento ainda se mostra de forma passiva, sendo a assistência verticalizada, não possibilitando a autonomia e corresponsabilização dos indivíduos. Dessa forma, observa-se que a assistência prestada ainda está longe da ideal, carecendo ser criticamente refletida antes de consolidar-se.

Uma estratégia para a consolidação de uma assistência qualificada em saúde mental pode ser a ampliação do relacionamento interpessoal na manutenção do tratamento psiquiátrico, a fim de promover uma melhor relação do paciente com seu corpo, seu círculo social, sua família e suas capacidades. Para a enfermagem, profissão caracteristicamente interativa e sistemática durante o cuidado, este é o percurso necessário para a resolução de problemas e manutenção do tratamento, respeitando a integralidade, autonomia e liberdade de seus pacientes2.

Acredita-se ainda que outra estratégia para a qualificação da assistência prestada seja a realização de estudos na área da enfermagem que tenham como tema a utilização de psicofármacos. Parece-nos importante refletir no espaço, o interstício entre uma investigação e respectivo impacto na atenção prestada, especialmente, no Sistema Único de Saúde, já que defendemos a assistência de qualidade na saúde como direito inalienável de todo cidadão, e não como mercadoria a ser acessada conforme a posição social e econômica de cada sujeito no processo de produção(7).

Corroborando a isso, em um estudo bibliográfico realizado anteriormente, por meio de uma busca nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), utilizando as palavras-chaves "saúde mental" e "psicofármacos", evidenciou-se escassez quanto à produção de conhecimento acerca da temática utilização de psicofármacos, principalmente, em pesquisas que utilizassem abordagem qualitativa e de autoria de enfermeiros. Nesse sentido, justifica-se a necessidade de estudos que permitam compreender os significados que envolvem o sujeito e o uso de psicofármacos em diferentes cenários e aspectos da saúde mental. Conhecer as experiências que permeiam a utilização de psicofármacos por indivíduos com transtorno mental instiga uma reflexão aos profissionais de saúde que atuam nos serviços, e possibilita fomentar uma assistência qualificada e integral na atenção à saúde mental dos usuários.

Nesta perspectiva, a questão norteadora desse estudo foi: como os indivíduos com transtorno mental experienciam a utilização de psicofármacos? E, como objetivo: conhecer as experiências de indivíduos com transtorno mental frente à utilização de psicofármacos.

 

Material e método

Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória e descritiva com abordagem qualitativa, realizada com 15 indivíduos com transtorno mental, que frequentavam o ambulatório do serviço de psiquiatria de um hospital no interior do estado do Rio Grande do Sul, no período entre abril e maio de 2012. A escolha dos participantes aconteceu de maneira intencional, de modo que o número total foi definido pela saturação dos dados, ou seja, quando as informações começaram a repetir-se na entrevista e os objetivos do estudo alcançados(8-9).

Os participantes foram entrevistados em uma sala do ambulatório, em ambiente privativo, em data e horário previamente agendados, por meio de uma entrevista semiestruturada com a seguinte questão desencadeadora: como é para você utilizar medicação psiquiátrica (psicofármacos)?

Foram utilizados como critérios de inclusão: indivíduos adultos (homens e mulheres) frequentadores do ambulatório, com a doença estabilizada, que fizessem uso de psicofármacos. E, como critérios de exclusão: aqueles indivíduos que apresentassem confusão mental, limitações cognitivas ou sequelas neurológicas, previamente diagnosticadas pelo seu médico assistente, que limitassem a compreensão dos objetivos e questionamentos do estudo.

Após a realização das entrevistas, estas foram transcritas na íntegra e organizadas por meio do Software Atlas Ti 6.2 (Qualitative Research and Solutions). Primeiro, os depoimentos foram lidos na íntegra, após foi realizada a codificação, em que se extraíram os temas que representassem o sentido de cada depoimento. A partir desses temas, realizou-se a recodificação, onde os temas convergentes formaram as categorias temáticas(10).

O estudo levou em consideração os princípios éticos da pesquisa envolvendo seres humanos recomendados pela Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde(11). O Protocolo do Projeto de Pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob o no 00762612.0.0000.5346. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados

Os resultados serão descritos, de acordo com a classificação em duas categorias, sendo elas: Usando Psicofármacos: possibilidades de (re)inserção familiar/social; e Reações adversas: do estranhamento a adaptação.

- Usando Psicofármacos: possibilidades de (re)inserção familiar/social

Os indivíduos com transtorno mental percebem que a utilização de psicofármacos lhes proporciona novas possibilidades de reinserção, tanto social quanto familiar.

Eles gostavam quando eu tomava remédio, minha irmã sempre mandava eu tomar o remédio. (U3)

No começo eu perdi muitos amigos, perdem a confiança na gente, acham que a gente vai agredir, mas, com o tempo isso, foi revertendo e agora já estou quase 100% voltando com as amizades, isso com o tratamento (medicamentoso). (U14)

Os resultados também apontam que os indivíduos com transtorno mental demonstraram aparente consciência do sofrimento ocasionado aos seus familiares, e percebem que o uso das medicações contribui para a reestruturação familiar.

Agora, isso aí (transtorno mental) desestruturou toda a família, foi horrível! Eles sofrem e eu sofro também. Eles sofrem comigo e eu sei disso. (U5)

Esse relacionamento que eu tinha com a sociedade, de querer brigar, em casa que surgia. Eu estava sempre rígido! Como eu estou tomando os remédios, eu destruo aquela vontade de agressão. (U4)

Os indivíduos sentem a necessidade de aceitação perante a sociedade, uma vez que, possuir transtornos mentais está condicionado a viver sem defesa, sendo exposto, julgado e excluído.

Tu botar uma armadura blindada para te armar, para te defender dos inimigos, só que, no entanto, o teu inimigo é aquele que tu está criando por dentro da armadura, dentro do teu corpo. (U4)

As pessoas vão te julgar, vão te olhar com olhos diferentes, tu vai perder tuas amizades, porque eu perdi minhas amizades. Perdi tudo! (U5)

Em meio aos conflitos pessoais vivenciados pelos indivíduos que possuem transtornos mentais, muitas vezes, estes podem acabar encontrando refúgio e esperança no tratamento medicamentoso.

Não basta a fé! A obra seria o cara tomar o remédio, comprar a medicação, tomar o remédio no horário certo da receita. Isso é a obra na vida da gente e que vai modificar. (U9)

Os resultados que compuseram esta categoria permitem inferir que o significado da utilização dos psicofármacos para esses indivíduos permeia pelas possibilidades que o seu uso, e a consequente estabilização de quadros psiquiátricos, podem lhes proporcionar, como a possibilidade de reinserção familiar/social, de melhor relação familiar, e de aceitação.

- Reações adversas: do estranhamento a adaptação

Para os participantes deste estudo as reações adversas apresentaram importância significativa, pois estiveram presentes na grande maioria dos depoimentos representando um aspecto que causa estranhamento e dificulta a utilização dos psicofármacos. As reações relatadas estão relacionadas com a sedação, como diminuição da coordenação psicomotora, rigidez muscular e tremores.

Esse (nome de um medicamento antipsicótico) me deixou todo retorcido e meu pai aplicou uma injeção de (nome de um medicamento anticolinérgico) e eu voltei ao normal. (U1)

No início ficava duro, caminhava torto para frente, mas era efeito do remédio. Outra dificuldade que encontrei com o medicamento foi que fiquei trêmulo. (U3)

Encontrei dificuldade, eu ficava dura! Eu não podia fazer nada, ficava toda dura. (U6)

Outras reações adversas descritas foram a dor epigástrica e a sonolência excessiva.

Sentia uma coisa enjoada no corpo, não me deixava parar sentado. (U3)

Ela tem o efeito colateral que é o sono. (U4)

Eu fiquei dois dias dormindo, dormindo sem parar, sem ninguém me acordar. Tive que ficar dormindo, não adiantou. (U5)

É meio difícil porque o medicamento tem o lado bom e ruim, que prejudica o estômago. (U7)

As reações adversas dos psicofármacos também são vistas pelos participantes do estudo como algo momentâneo, pois depois de algum tempo de tratamento sentem-se bem.

Eu tomo o remédio certinho. Ficava meio tonto, mas agora estou bem. (U13)

Nos primeiros tempos até atrapalhava, me dava um mal estar, não tinha condições de falar, mas depois com o tempo, que a gente vai se adaptando com o medicamento, tudo melhorou! Não 100%, mas em torno de 70% melhorou. (U14)

Os indivíduos, ao aderirem ao tratamento medicamentoso prescrito, têm que conviver com as reações adversas, o que, às vezes, limita a espontaneidade de suas ações cotidianas. Por outro lado, se abandonam o tratamento, cedo ou tarde vivenciam a crise que além de limitar suas ações, pode expor-lhes a situações vexatórias, ocasionando perdas importantes, afetivas, sociais, entre outras(12).

 

Discussão

Os achados resultantes desse estudo reafirmam que ser um indivíduo com transtorno mental em uma sociedade que caminha lentamente para a inclusão dos "diferentes" consiste em uma experiência permanentemente desafiadora. Para os sujeitos desse estudo o uso de psicofármacos possibilita uma melhor relação no ambiente familiar, sendo reconhecido o estímulo da família para a manutenção do uso.

Além disso, o uso dos psicofármacos foi visto como uma possibilidade de reestabelecimento da confiança e dos laços de amizade, uma vez que a sua utilização os torna menos agressivos. Nesse sentido, os indivíduos com transtorno mental reconhecem que a aprovação da família, dos amigos e da sociedade está condicionada a utilização correta de suas medicações e pode configurar em estímulo para que este mantenha seu tratamento.

Entende-se que a família exerce papel fundamental junto ao paciente quando incentiva e colabora para que este faça o uso correto da medicação. Entretanto, vale ressaltar que o convívio com um familiar que possui transtornos mentais representa elevada sobrecarga para os familiares, uma vez que, a doença mental atinge não apenas o paciente, mas toda família(13-14).

A necessidade de lembrar ou encorajar os indivíduos com transtorno mental a tomarem seus medicamentos, o convívio com alterações bruscas de humor, viver em constante vigilância para prevenir riscos, e a vulnerabilidade à situações de agressividade, entre outras situações, são fatores que permeiam o relacionamento com o indivíduo com transtorno mental, contribuindo para desestruturar as relações familiares(15).

Corroborando com o exposto, as repercussões do transtorno mental para a família foram sinalizadas pelos sujeitos desse estudo como causadores de sofrimento tanto para o indivíduo quanto para seu familiar, estando relacionado com a desestruturação familiar. Para esses indivíduos, essas repercussões, exemplificadas pela agressividade, seriam amenizadas pelo uso da medicação.

Os transtornos mentais criam uma barreira que dificulta o contato do indivíduo com o ambiente em que está inserido, tornando-o alienado, por vezes privando-o de sua liberdade e da possibilidade do convívio com as pessoas(16). Ao fazer uma analogia com uma armadura, o U4 percebe o transtorno mental como uma barreira que, ao mesmo tempo em que o protege, o impede de conviver em sociedade. Nesse contexto, as concepções do "louco" que culturalmente foram incorporadas pela sociedade, como forma de julgamento, contribuem para um cenário de preconceito e exclusão social.

Outros depoimentos evidenciam que o indivíduo demonstra saber a necessidade da terapia medicamentosa e a vê como protagonista de seu tratamento, apesar das dificuldades inerentes a esta. Além disso, a utilização dos medicamentos lhe dá a oportunidade de transformar a sua vida, sendo considerada uma verdadeira "obra" que o permitirá ter uma vida "normal".

Contudo, acredita-se que somente ocorrerão transformações na maneira de se conviver com o estigma da doença mental, possibilitando a reinserção desses indivíduos, quando houver um entendimento global da doença e do cuidado, tanto pelo próprio indivíduo, quanto pelos familiares e profissionais de saúde. Para além do tratamento medicamentoso, compreende-se que a assistência necessita estar pautada na lógica de atenção psicossocial, a qual direciona suas ações para a construção da cidadania, da autoestima e da interação do indivíduo com a sociedade(17).

Nesse sentido se dá a importância da atuação dos profissionais de enfermagem, pois, quando apresentam habilidades e atitudes para desenvolverem ações terapêuticas e educativas junto aos pacientes psiquiátricos, podem contribuir efetivamente para a melhora de sua condição biopsicossocial. Trabalhar as dificuldades do paciente em suas relações consigo mesmo e com os outros, promover o conhecimento sobre suas medicações, seu plano terapêutico, e tudo que envolve o seu tratamento, de maneira geral, possibilita maior autonomia ao indivíduo, dando-lhe possibilidades para a sua reinserção social.

Com relação ao tratamento medicamentoso o enfoque principal dos depoimentos reunidos na segunda categoria desse estudo diz respeito as reações adversas dos psicofármacos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define reação adversa a medicamento (RAM) como reações nocivas e não intencionais, que acontecem em doses normalmente usadas pelo ser humano para profilaxia, diagnóstico, terapia da doença ou para a modificação de funções fisiológicas(18).

Os medicamentos que atuam no sistema nervoso, como os psicofármacos, são utilizados por uma grande parte da população brasileira e estão envolvidos na ocorrência de várias reações adversas(19). Dados evidenciam que os fármacos antidepressivos, neurolépticos e antiepilépticos estão envolvidos nos principais registros de suspeitas de reações adversas, causando, na sua maioria, hospitalização ou prolongamento da hospitalização, invalidez até risco de vida(20).

Nos depoimentos, os indivíduos com transtorno mental mencionam um antipsicótico típico (ou tradicional) de alta potência, com eficácia bem estabelecida no combate de sintomas, como delírios e alucinações, mas que apresentam efeitos colaterais que potencialmente comprometem a adesão dos pacientes a terapêutica, como tremores, rigidez muscular, inquietação psicomotora e parkinsonismo(3).

A rigidez muscular, sintoma mais relatado, é uma reação adversa comum, especialmente dos antipsicóticos típicos potentes. Pode surgir logo que se institui a terapêutica antipsicótica e persistir durante todo o tratamento. Manifesta-se tanto nos membros superiores como nos inferiores, inclusive dificultando a marcha(21). Considerando-se as reações que esses psicofármacos podem ocasionar, e a prevalência de indivíduos que ainda o utilizam, é fundamental que na fase inicial do tratamento, quando as reações se manifestam com maior frequência, o paciente e sua família sejam orientados acerca dos efeitos e evolução esperados. O conhecimento é fundamental para encorajar os pacientes, contribuindo para sua melhor adaptação e adesão à medicação(22).

Outra reação adversa referida pelos usuários foi a dor epigástrica, esta é uma sensação de ardência na região do estômago que pode ocorrer no início do tratamento com alguns medicamentos estabilizadores de humor, acompanhado ou não por náuseas e vômitos, especialmente, com pessoas com história de gastrite e úlcera péptica(21). Já a sonolência, reação adversa também mencionada neste estudo, diz respeito à alteração no padrão de sono para mais(3).

Diante dessas reações, os indivíduos com transtorno mental evidenciaram nos depoimentos que o tratamento medicamentoso necessita de um período para sua adaptação. Após esse período eles identificam que há melhora.

Dessa forma, todas essas reações são fatores que podem levar ao uso descontínuo da medicação. Contudo, a percepção de que os benefícios em longo prazo podem ser compensatórios leva esses indivíduos a persistirem no uso até a redução ou eliminação dos sintomas e adaptação à medicação. Os psicofármacos, por minimizarem e controlarem os sintomas dos transtornos mentais contribuem para o processo de reabilitação psicossocial, ajudando os indivíduos a conviverem em sociedade, com seus familiares e amigos(22).

Destaca-se que, na área da saúde mental, é frequente a prescrição de muitos medicamentos (polifarmácia), a interação medicamentosa, o sofrimento dos usuários com efeitos adversos, a não adesão ao tratamento e o uso abusivo dos medicamentos. Em virtude disto, reitera-se a necessidade de orientação de usuários e familiares quanto à ação dos medicamentos, seus efeitos e forma de utilização. São comuns nos serviços de saúde mental os questionamentos em relação à terapia medicamentosa, o que ressalta a importância de preencher essa lacuna da desinformação para ampliar a efetividade dos tratamentos(23).

O enfermeiro, enquanto profissional da saúde que está mais próximo e tem maior contato com o paciente, poderá auxiliar com a monitoração e ajuste de medicações, e buscar estabelecer um relacionamento terapêutico que ultrapasse o caráter ideológico e seja potencialmente transformador de experiências que geram sofrimento ao indivíduo com transtornos mentais.

 

Considerações finais

O estudo caracterizou-se por algumas considerações relevantes sobre a descrição dos indivíduos com transtorno mental sobre suas experiências frente à utilização de psicofármacos. A partir dos resultados desta pesquisa, os psicofármacos se mostraram como fatores que possibilitam a reinserção social e o convívio familiar, na medida em que seu uso atenua os sintomas das doenças mentais, proporcionando assim uma maior aceitação frente a uma sociedade onde o aceito é a "pessoa normal".

Quanto ao convívio familiar, os indivíduos apontam que seus familiares preferem quando os mesmos utilizam corretamente a medicação, pois assim apresentam-se mais calmos. Como fator negativo sinalizam as reações adversas que alguns medicamentos apresentam. Apesar disso, os depoimentos evidenciam que os benefícios da utilização do psicofármaco superam os efeitos adversos, pois a adaptação a estes vem com o tempo de uso.

Esta pesquisa proporcionou dar voz ao indivíduo com transtorno mental que é submetido ao tratamento com psicofármacos, pois o mesmo pôde demonstrar o que isso implica em sua vida. Para a enfermagem, é relevante conhecer as experiências de indivíduos com transtorno mental frente à utilização de psicofármacos para que possa ofertar um cuidado mais integral e qualificado. Vale destacar que o uso de psicofármacos não deve ser visto como a única forma de tratamento, mas deve estar aliado a outras estratégias, como grupos terapêuticos, atenção multiprofissional, grupo de familiares, religiosidade, entre outros.

Portanto, acredita-se que os resultados desse estudo possam subsidiar discussões entre os profissionais de saúde e, também, a realização de novas pesquisas acerca de alguns princípios, quanto à Reforma Psiquiátrica e sobre os sentidos da integralidade no atendimento ao indivíduo com transtorno mental, enfatizando uma prática voltada para o usuário e suas necessidades que vão ao encontro da realidade que cada um traz consigo.

 

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