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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.15 n.41 Murcia Jan. 2016

 

ADMINISTRACIÓN - GESTIÓN - CALIDAD

 

Cultura de segurança: a percepção dos profissionais de enfermagem intensivistas

Cultura de seguridad: la percepción de los profesionales de enfermería intensivista

Safety culture: The perception of intensivist nurses

 

 

Schwonke, Camila Rose Guadalupe Barcelos*; Filho, Wilson Danilo Lunardi**; Lunardi, Guilherme Lerch***; da Silveira, Rosemary Silva****; Rodrigues, Maria Cristina Soares***** e Guerreiro, Márcio Osório******

*Doutora em Enfermagem PPGEnf/FURG. Enfermeira Coordenadora de Ensino Pesquisa e Extensão do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Organização do Trabalho da Enfermagem e Saúde - GEPOTES. Rio Grande, Rio Grande do Sul.
**Doutor em Enfermagem. Docente do PPGEnf/FURG. Líder do GEPOTES.
***PhD em Administração. Professor PPGEnf/FU RG.
****Doutor em Administração. Docente do PPGEnf/FURG.
****Doutora em Enfermagem. Docente do PPGEnf-FURG.
***** Doutora em Ciências da Saúde. Professora Adjunta do Programa de Pós Graduação em Enfermagem- Universidade de Brasília.
******Médico. Doutor em Ciências da Saúde. Coordenador da UTI do Hospital Universitário São Francisco de Paula. Professor Adjunto da Universidade Federal de Pelotas. Brasil.

Correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de um estudo que teve por objetivo caracterizar a cultura de segurança de instituições hospitalares, na percepção dos profissionais de enfermagem intensivistas. Para tal, adaptou-se o instrumento de percepção de cultura de segurança, proposto por Singer et al. (2003), para o contexto brasileiro.
A amostra constituiu-se de 173 profissionais de enfermagem, atuantes em sete unidades de terapia intensiva, localizadas no Rio Grande do Sul. A partir da validação do instrumento, foram propostos quatro construtos, contendo diferentes atitudes, em relação à segurança do paciente: promoção da segurança do paciente em nível organizacional; segurança no cuidado ao paciente; prevenção de erros como prioridade organizacional; e percepção de riscos e erros que ocorrem na organização.
Os resultados apontam para a necessidade de melhor condução, por parte dos serviços de saúde, das questões que envolvem a segurança do paciente.

Palavras chave: Segurança do Paciente; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermagem; Estudos de Validação.


RESUMEN

Se trata de un estudio que tuvo por objetivo caracterizar la cultura de seguridad de las instituciones hospitalarias, en la percepción de los profesionales de enfermería intensivista. Para ello, se adaptó el instrumento de percepción de cultura de seguridad, propuesto por Singer et al (2003), para el contexto brasileño.
La muestra se constituyó de 173 profesionales de enfermería, trabajadores en siete unidades de terapia intensiva localizadas en Río Grande del Sur. A partir de la validación del instrumento, fueron propuestos cuatro construtos conteniendo diferentes actitudes en relación a la seguridad del paciente: promoción de la seguridad del paciente a nivel organizacional, seguridad en el cuidado al paciente, prevención de errores como prioridad organizacional y percepción de riesgos y errores que ocurren en la organización.
Los resultados apuntan la necesidad de conducir mejor por parte de los servicios de salud las cuestiones que involucran la seguridad del paciente.

Palabras clave: Seguridad del Paciente; Unidades de Cuidados Intensivos; Enfermería; Estudios de Validación.


ABSTRACT

This is a study which has as an objective to characterize the safety culture of the hospital institutions in the perception of the nursing professionals in intensive care. To this end, the tool of perception of the safety culture proposed by singer et al (2003) was adapted to the Brazilian context.
The sample is formed of 173 nursing professionals, acting in seven different intensive care units in Rio Grande do Sul State. After the tool validation, four constructs were proposed containing different attitudes regarding the patient safety: promoting patient safety in organizational level, patient care safety, error prevention as an organizational priority and risk and organization errors perception.
The results show the necessity of better management from the health services concerning patient safety.

Key words: Patient Safety; Intensive Care Units; Nursing; Validation Studies.


 

Introdução

O avanço tecnológico em relação à prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, desenvolvido pela área da saúde, tem sido significativo nos últimos anos. Os profissionais de saúde, desde o seu processo formativo preocupam-se e comprometem-se com a assistência prestada, visando um cuidado de qualidade. Todavia, apesar dos esforços na atualização, na educação dos profissionais e na prestação da assistência utilizando toda tecnologia disponível, o paciente pode ser colocado em situações de risco e danos. A partir da década de 70, estudos de revisão em prontuário evidenciaram altas taxas de eventos adversos (EA) relacionados à assistência prestada durante internações hospitalares(1).

No entanto, no contexto atual dos estudos sobre erro humano, foi a partir do trabalho To err is human: building a safer health care system (Errar é humano: construindo um sistema de saúde mais seguro), publicado em 2000 pelo Institute of Medicine (IOM) dos EUA que as questões relacionadas à segurança do paciente ganham destaque. Este estudo descreve que durante a assistência à saúde, erros acontecem e são frequentes, promovendo milhares de mortes e sequelas irreversíveis, sendo identificados naquele país, como a oitava causa de óbitos, ultrapassando àquelas decorrentes de acidentes automobilísticos, câncer de mama e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), apesar dos grandes investimentos realizados nessa área. Estima-se, pelos dados desta publicação, que a cada dia 100 norte-americanos hospitalizados morram por danos relacionados a erros e não à doença (2). Ainda, dados da OMS apontam que milhares de pacientes no mundo sofrem algum tipo de erro relacionado aos cuidados de saúde, e alguns desses erros podem resultar em danos e mortes de pacientes, sendo estimado que de cada 10 pacientes, um seja vítima de erros durante a assistência(3).

Recentemente no Brasil, a portaria no529 de 2013, do Ministério da Saúde institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP)4 que tem por objetivo geral contribuir para a qualificação do cuidado em saúde em todos os serviços de saúde do território nacional. Essa portaria estabelece uma conceituação e as estratégias que necessitam ser implementadas em torno do estabelecimento da Cultura de Segurança que se constituí em um elemento chave para o sucesso das ações em torno da Segurança do paciente(4).

Do ponto de vista conceitual o PNSP estabelece que a Cultura de Segurança configura-se a partir de cinco características operacionalizada pela gestão de segurança da organização, são elas: a- cultura na qual todos os trabalhadores, tanto assistenciais quanto gestores, assumem a responsabilidade por sua própria segurança, pela segurança de seus colegas, pacientes e familiares; b- cultura que prioriza a segurança acima de metas financeiras e operacionais; c- cultura que encoraja e recompensa a identificação, notificação e a resolução dos problemas relacionados à segurança; d- cultura, que a partir da ocorrência de incidentes, promove o aprendizado organizacional e; e- cultura que proporciona recursos, estrutura e responsabilização para manutenção efetiva da segurança. As estratégias estabelecidas pelo PNSP vão desde a elaboração de manuais, capacitação de equipes de saúde, avaliação dos serviços de metas de indicadores até a promoção da cultura de segurança, com foco no aprendizado e aprimoramento organizacional, engajamentos dos profissionais e dos pacientes na prevenção de incidentes com ênfase em sistemas seguros, evitando-se os processos de responsabilização individual(4).

Diante deste contexto, objetivou-se neste estudo, caracterizar a cultura de segurança das instituições hospitalares na percepção dos profissionais de enfermagem intensivistas. A escolha pelo ambiente da terapia intensiva pauta-se na peculiaridade dessas unidades que em virtude da gravidade dos pacientes, exige ações rápidas, efetivas e isentas de risco. Para que isso ocorra é necessária, a atuação de equipes preparadas para esse fim, inseridas em um contexto organizacional que priorize a segurança do paciente.

 

Método

O presente estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa quantitativa, exploratória, com delineamento descritivo, realizado com 173 profissionais de enfermagem atuantes em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) de sete hospitais localizados em três municípios do extremo Sul do Brasil. Para compor a população do estudo, foram adotados como critérios de inclusão: ser profissional de enfermagem registrado no Conselho Regional de Enfermagem do Estado do Rio Grande do Sul (COREn/RS), possuir vínculo empregatício com uma das instituições em que o estudo foi realizado, concordar em participar do estudo e realizar atividades diretas de assistência aos pacientes.

Foram respeitados os termos contidos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde - CONEP/MS sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, sendo que o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande - CEPAS/FURG, tendo obtido parecer favorável à sua execução (Parecer no152/2011).

Elaboração e Validação do Instrumento

O instrumento de pesquisa proposto para coleta de dados apresenta 13 questões de caracterização da amostra e 30 questões fechadas - operacionalizadas em uma escala de concordância tipo Likert, contento 5 intervalos de repostas, variando do discordo ao concordo, adaptadas do estudo(5), representando situações envolvendo diferentes aspectos relacionados à cultura de segurança em instituições hospitalares em que sua concordância, apontaria para uma maior percepção acerca da cultura de segurança. Das questões originais, 11 eram reversas, ou seja, foram listadas situações em que a sua concordância apontaria para uma menor percepção, por parte do informante, quanto à cultura de segurança presente na instituição. Isso exigiu a recodificação dessas questões para interpretação, invertendo-se os escores obtidos, quando do seu agrupamento às demais questões.

O questionário foi submetido a um processo de validação, que ocorreu em quatro momentos(6-7):

a) Backtranslation ou tradução reversa: em que as questões originais foram traduzidas do inglês para o português por dois profissionais Bacharéis em Letras com Habilitação em Língua Inglesa e retraduzidas do português para o inglês por outros dois profissionais com a mesma formação, sendo posteriormente realizada a comparação entre as versões para avaliar as possíveis diferenças(6);

b) Validade de Face: em que se verificou se as questões traduzidas apresentavam forma e vocabulário adequados ao propósito da mensuração, realizando-se a aplicação e discussão do questionário com três pesquisadoras da área (nesta etapa foram sugeridas algumas adequações de expressões e vocábulos, de forma a tornar mais compreensível à realidade local o que estava sendo questionado);

c) Validade de Conteúdo: em que se verificou através de um pré-teste realizado com 31 enfermeiros pós-graduandos de um Curso de Especialização em Enfermagem em Terapia Intensiva de uma Faculdade privada do Rio Grande do Sul, se os itens do questionário representavam o conteúdo que se pretendia analisar;

d) Validade de traço ou construto: em que se buscou, após a aplicação do questionário, delimitar as características dos construtos que interessavam à pesquisa, testando a consistência interna de cada item (ou seja, a confiabilidade da escala) e a validade convergente e divergente do instrumento. Cabe salientar que esta etapa do processo de validação envolveu dois testes estatísticos: a análise fatorial e o alfa de Cronbach.

A análise fatorial é um método que busca a identificação de itens relacionados em uma escala. O procedimento é usado para identificar e agrupar as medidas diferentes de algum atributo subjacente e para distingui-las das medidas de atributos diferentes(7). Esta análise agrupou as questões referentes à percepção dos profissionais de enfermagem quanto à cultura de segurança existente nas instituições hospitalares em que atuam em quatro dimensões (constructos) e sugeriu a eliminação de 13 das 30 questões do questionário, por estas apresentarem baixas correlações em seus blocos ou porque não aderiam conceitualmente aos constructos formados.

As quatro dimensões propostas explicam 54,8% da variação das questões originais, o que representa um moderado grau de sintetização dos dados. A Tabela 1 apresenta as cargas fatoriais de cada constructo, de acordo com sua formação nos fatores, os quais correspondem às quatro dimensões que são discutidas nos resultados.

 

 

A confiabilidade dos constructos foi testada através do cálculo do alfa de Cronbach(8). Os valores deste teste variam entre 0 e 1 e quanto mais alto o coeficiente de confiabilidade, mais exata (internamente consistente) é a medida(7). O alfa de Cronbach do instrumento apresentou valor 0,83, enquanto os coeficientes das dimensões situaram-se entre 0,61 e 0,79. Salienta-se que para estudos exploratórios, são sugeridos valores entre 0,60 e 0,80, o que aponta para a confiabilidade do instrumento(9).

Diante do exposto, os quatro constructos propostos foram definidos conceitualmente como: promoção da segurança do paciente em nível organizacional, que se refere às expectativas e ações dos gestores para promover a segurança do paciente(5); segurança no cuidado ao paciente, que se refere a não ocorrência de esquecimentos, descuidos, erros, deslizes e violações de procedimentos cometidos na assistência ao paciente(10-11); prevenção de erros como prioridade organizacional, que se refere à valorização da segurança do paciente como primeira prioridade, mesmo em detrimento da produção ou eficiência(5); e percepção de riscos e erros que ocorrem na organização, que se refere à presença de uma visão sistêmica de prevenção e análise de erros no atendimento à saúde(12).

Para a análise dos dados, utilizou-se o Software Statistical Package for Social Sciences SPSS, versão 13.0. Além dos testes de validação, foram realizadas a análise descritiva, com determinação de médias e desvio padrão e a análise de variância, através do test t de Student, de modo a identificar possíveis diferenças de percepção entre subgrupos de respondentes.

 

Resultados

A amostra do estudo foi composta por 173 (80%) respondentes de um universo de 216 (100%) profissionais de enfermagem atuantes nas sete UTIs estudadas. Os demais profissionais não participaram do estudo, por estarem em férias ou afastados por licença saúde ou maternidade ou ainda, devido a não aceite ao convite para participar do estudo. Entre os profissionais que fizeram parte do estudo, 17,9% eram enfermeiros, 64,8% técnicos de enfermagem e 17,3% auxiliares de enfermagem. Quanto ao gênero, observou-se predominância do sexo feminino (85,5%). A idade do grupo variou entre 21 e 60 anos, sendo a faixa de maior predominância a compreendida entre 31 e 40 anos, em que se situava 41% dos profissionais. O tempo de formado variou entre 2 meses e 39 anos, sendo que 56,6% dos informantes tinham entre 2 e 10 anos de formado e 77,5% eram oriundos de instituições de ensino privadas. Em relação ao tempo de atuação em terapia intensiva, este compreendeu o intervalo de 1 mês a 29 anos, sendo que a maioria dos profissionais (56%) atuava entre 2 e 10 anos nesta área. Quanto ao tipo de instituição, 49,1% dos profissionais atuam em hospital de ensino, enquanto 50,1% atuam em hospital filantrópico.

A análise descritiva dos dados permitiu identificar a percepção dos profissionais de enfermagem acerca das atitudes de cultura de segurança presentes em suas instituições. Cada um dos quatro constructos identificados na pesquisa foi operacionalizado através de um valor numérico, que representa a média aritmética das questões que o compuseram individualmente - agrupados previamente na análise fatorial - invertendo-se a escala das questões reversas. As médias dos constructos e dos seus respectivos indicadores podem ser visualizadas na Tabela 2.

 

 

As médias das percepções dos profissionais de enfermagem investigados acerca das atitudes em torno da cultura de segurança nas instituições em que atuam, variaram de 3,72 a 2,62, sendo o constructo segurança na assistência ao paciente, aquele que apresentou maior média (3,72), com ênfase para as questões "no último ano, fiz algo que não foi seguro para o paciente" (1,52), "no último ano assisti a um colega de trabalho fazer algo que me pareceu inseguro para o paciente, a fim de economizar tempo" (2,54) e "vi um colega fazer algo que achei inseguro, durante o cuidado de um paciente comparado às normas e rotinas instituídas" (2,69), em que a maioria dos profissionais não concordou com o que estava sendo questionado.

A partir da percepção dos informantes deste estudo, é possível encontrar médias mais baixas nas afirmativas "sou elogiado/reconhecido/valorizado, quando identifico rapidamente um erro ou falha grave na assistência ao paciente" que apresentou uma das menores médias (2,23). Ou seja, a maioria dos informantes discordou parcialmente ou teve dúvida de que esta era uma atitude que ocorre na instituição em que atua. Em relação à possibilidade de punição, expressa na questão 26, "sofrerei consequências negativas, se eu relatar um problema de segurança do paciente" (2,84), a maioria dos profissionais discordou parcialmente ou teve dúvida, podendo-se inferir que esta atitude pode ser uma prática que ocorre nas instituições estudadas, conforme a percepção dos entrevistados.

Ainda, na percepção dos profissionais investigados, os constructos promoção da cultura de segurança em nível organizacional e percepção de riscos e erros que ocorrem na organização, ambos abordando o envolvimento e atuação das instâncias de gestão na cultura de segurança, foram os que receberam as menores médias na análise descritiva (3,28 e 2,62, respectivamente), Destacam-se nesse sentido, as questões: "os profissionais recebem educação permanente em serviço, necessária para o atendimento seguro dos pacientes" (2,53)," a direção do hospital tem uma visão clara sobre os riscos associados ao cuidado do paciente" (2,83) e "a direção do hospital tem uma visão clara sobre os tipos de erros que realmente ocorrem na instituição" (2,23).

 

Discussão

A constatação de médias elevadas em constructos relacionados à assistência ao paciente, por parte do indivíduo ou de seus colegas de trabalho, pode sugerir uma dificuldade do profissional em se autoavaliar e avaliar as atitudes de seus pares, que não são seguras para o paciente, podendo estar relacionado com a não aceitação do erro humano, por se temer castigos e punições(13). Nesse sentido, para compreender a maneira como os erros acontecem e como podem comprometer a segurança do paciente, é necessário visualizá-los a partir de duas abordagens: uma centrada na pessoa e outra no sistema, denominada abordagem sistêmica. A primeira entende os atos inseguros como decorrentes, principalmente de processos mentais aberrantes, tais quais: esquecimento, desatenção, baixa motivação, descuido, negligência e imprudência. Assim, as medidas de prevenção do erro vão direcionar-se especialmente, à redução da variabilidade indesejável do comportamento humano e inclui medidas disciplinares, censuras e humilhações, como forma de tratamento. Os seguidores desta abordagem tendem a tratar os erros como questões morais, assumindo que coisas ruins acontecem com pessoas ruins(11).

Diferentemente da abordagem centrada na pessoa, a que focaliza o sistema tem como premissa básica que os seres humanos são falíveis e os erros são esperados, mesmo nas melhores organizações. Os erros são visualizados como consequências e não como causas, tendo suas origens não na perversidade da natureza humana, mas em fatores sistêmicos. Acredita-se que embora não seja possível mudar a condição humana, é possível modificar as condições sob as quais os seres humanos trabalham(11).

Diante do exposto, considera-se que a constatação do erro e seu imediato relato são fundamentais para a implementação de intervenções, a fim de restabelecer o mais rápido possível as condições do paciente, minimizando ou eliminando os prejuízos causados14. Especificamente nas UTIs, em função da gravidade e das instabilidades apresentadas pelos doentes críticos, a comunicação de um erro pode ser determinante para um desfecho clínico mais satisfatório. Regras, regulamentações, sanções e recompensas podem influenciar a definição/instituição de uma cultura de segurança. Ser recompensando por relatar um problema de segurança do paciente aumenta as possibilidades de os profissionais fazerem isso outras vezes, enquanto que se for punido, diminui essa possibilidade(15). Nesta perspectiva, um estudo brasileiro que buscou caracterizar o sistema de registro de eventos adversos em UTI, verificando sua frequência e a existência de punições, segundo a percepção de 70 enfermeiros, mostrou que a maioria (71,4%) percebe a existência de subnotificações de eventos adversos, e quando indagados sobre a presença de punições no seu local de trabalho, a maioria (74,3%) referiu que ela ocorre "às vezes" e "sempre", havendo predomínio da advertência verbal (49%) e escrita (33%). No entanto, 74,3% dos enfermeiros pesquisados referiram se sentir seguros, muito seguros e totalmente seguros, contra 21,4%, que manifestaram pouca ou nenhuma segurança para a notificação de eventos adversos. Os resultados da referida pesquisa permitiram aos autores concluir que a cultura punitiva encontra-se presente, ainda, nas UTIs, contrariando o movimento mundial, voltado à necessidade de notificação de eventos adversos como estratégia de prevenção de sua ocorrência(16), a fim de aprender com os erros e melhorar a gestão da cultura de segurança nas organizações.

Nesta concepção, os dados encontrados neste estudo, sugerem uma compreensão mais crítica dos trabalhadores para questões gerenciais e organizacionais, tendo em vista que os constructos relacionados a estes temas receberam as menores médias na análise descritiva. Assim, infere-se que na percepção dos respondentes, as organizações não possuem uma percepção clara dos riscos e erros a que os pacientes estão submetidos, bem como os investimentos em educação permanente, necessários à capacitação dos profissionais não são efetivos.

Dessa forma, torna-se necessário para o desenvolvimento de uma Cultura de Segurança, que todos os participantes de um sistema (no caso, o hospital) compreendam os fatores que determinam a segurança do paciente como um todo. A organização deve manter um estado de vigilância para problemas em potencial, agindo em tempo hábil para resolvê-los, antes que um acidente que poderia ser evitado, ocorra(10,17), prevenindo possíveis danos aos pacientes.

A falta de apoio permanente da administração dos serviços de saúde tem sido apontada em estudos como uma ameaça à segurança do paciente(18-19) Neste contexto, outras ações precisam ser implementadas para que possa ser garantida uma aproximação com uma cultura de segurança adequada, podendo-se, assim, elencar o fomento da notificação interna e discussão dos erros que podem ocorrer na instituição; a abordagem da segurança do paciente como um problema de equipe e não individual; a locação coerente dos recursos humanos, atentando para os ritmos de trabalho a que podem ser submetidos; o fomento da responsabilidade compartilhada e da coordenação entre unidades e serviços; e a demonstração de atitudes proativas, por parte da administração, no que tange à segurança do paciente(18-19).

Ainda, se faz pertinente considerar que a educação permanente dos profissionais, especialmente daqueles envolvidos na assistência, torna-se importante, tendo em vista que o fator humano é um dos mais relevantes para o aparecimento de ocorrências iatrogênicas/eventos adversos, durante o cuidado , podendo os conhecimentos do profissional constituírem-se em importantes barreiras/salvaguardas, capazes de interromper uma trajetória de oportunidades que determinam uma falha grave no cuidado.

 

Considerações Finais

Os resultados obtidos, neste estudo, apontam que as atitudes acerca da cultura de segurança, na percepção dos respondentes, podem ser visualizadas sob a ótica de quatro constructos: promoção da segurança do paciente em nível organizacional; segurança no cuidado ao paciente; prevenção de erros como prioridade organizacional; e percepção de riscos e erros que ocorrem na organização. Na percepção dos profissionais investigados, os constructos que abordavam questões gerenciais e organizacionais obtiveram menores escores de médias do que aqueles que elencavam atitudes individuais e de seus pares, sugerindo talvez, uma dificuldade de se admitir a possibilidade do erro, por se temer ainda, castigos e punições, o que pode comprometer as estratégias que envolvem a implantação e consolidação de uma cultura de segurança. Destaca-se também, a necessidade de uma maior articulação da organização com as questões que envolvem o reconhecimento dos riscos e erros que ocorrem na instituição, assim como a implementação de programas de educação permanente que promovam a atualização e capacitação dos profissionais.

Urge a necessidade de as questões que envolvem a segurança do paciente serem mais bem trabalhadas pelos serviços de saúde. A cultura de segurança não pode ser um elemento externo ao indivíduo, ou seja, mais uma norma ou rotina à qual ele necessita adaptar-se, mas é algo que ele constrói em seu quotidiano, juntamente com dispositivos administrativos, nos diferentes níveis da organização. Ela representa a transição de uma cultura de silêncio, de punição, que foca o indivíduo e suas falhas, para uma cultura de mudanças que busca tornar o sistema mais seguro.

O estudo apresenta como limitação o fato de ter sido realizado, exclusivamente, com profissionais de enfermagem que atuam em UTI, não tendo sido estendido às demais categorias atuantes nos diferentes setores do hospital, o que poderia suscitar comparações, acerca da percepção de cultura de segurança, entre gestores e profissionais envolvidos na assistência do paciente. Ademais, os resultados aqui obtidos merecem atenção quanto a sua possibilidade de generalização, especialmente porque o estudo foi desenvolvido em um contexto regional, limitado a apenas sete UTIs localizadas em três municípios do extremo Sul do Brasil.

Para a Enfermagem e demais áreas que possuem interesse na temática segurança do paciente, este estudo apresenta contribuições importantes, no que tange à validação de um instrumento para o contexto brasileiro que possa avaliar a cultura de segurança presente em instituições de saúde.

 

 

Correspondência:
*E-mail: camila.schwonke@gmail.com

Recibido: 7 de Jlio 2014
Aceptado: 20e Septie 2014

 

Referências

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