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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.15 no.43 Murcia jul. 2016

 

DOCENCIA-INVESTIGACIÓN

 

Gênero no contexto dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres privadas de liberdade

Género en el marco de los derechos sexuales y reproductivos de las mujeres privadas de libertad

Gender in the context of sexual and reproductive rights of women deprived of liberty

 

 

Costa, Lúcia Helena Rodrigues*; Alves, Juliana Pereira**; Fonseca, Carlos Eduardo Prates***; da Costa, Fernanda Marques**** e Fonseca, Franciele Fagundes**

*Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal da Bahia/UFBA Professora do Departamento de Enfermagem e do Mestrado Profissional de Cuidado Primário em Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros-MG, Unimontes. E-mail: luhecosta13@yahoo.com.br
**Enfermeiras, egressas da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
*** Enfermeiro. Especialista em Urgência e Emergência. Coordenador de Programa de Saúde no Sistema Prisional da Secretaria de Estado de Defesa Social - Montes Claros/ MG.
****Doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Montes Claros. Professora do Departamento de Enfermagem da Unimontes. Brasil.

 

 


RESUMO

Introdução: A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, implementada pelo Ministério da Saúde em 2005, trata da integralidade do cuidado em contextos diferenciados, como o das mulheres em situação de prisão.
Objetivo: Descrever o perfil das mulheres privadas da liberdade de um presídio e discutir a situação da saúde sexual e reprodutiva dessas mulheres.
Métodos: Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de abordagem quali-quantitativa, que trabalhou com 34 mulheres do Sistema prisional de Montes Claros e Pirapora-Minas Gerais, Brasil.
Resultados: Dentre as 34 mulheres verificou-se que 27(79,4%) exerciam alguma profissão antes da detenção. As principais atividades eram de "empregada doméstica" e "vendedora", que configuram empregos que exigem baixa capacitação profissional e ofertam baixa remuneração. Entre as participantes 22(64,7%) se declararam pardas, 5(14,7%) pretas e 7(20,6%) brancas. Em uma faixa etária de 30 a 35 anos, sugerindo que são mulheres em idade produtiva e reprodutiva, com baixos níveis de escolaridade e detentoras de empregos/ profissões de baixa remuneração. Nas narrativas coletadas no grupo focal essas mulheres mantêm representações da figura feminina estereotipada definida pela emotividade, passividade e dedicação à família.
Conclusões: Os resultados demonstram que as diferenças de gênero no exercício da sexualidade e o fato de que as mulheres engravidam, colocam barreiras tanto para a realização das visitas íntimas, como para o cuidado com os filhos nos seis primeiros meses pós-parto.

Palavras chave: Saúde da mulher; Diretos sexuais e reprodutivos; Gênero e Saúde; Sexualidade.


RESUMEN

Introducción: La Política Nacional de Atención Integral a Salud de la Mujer, ejecutada por el Ministerio de Salud en 2005, se ocupa de la atención integral en diferentes contextos, como la situación de mujeres en prisión.
Objetivo: Describir perfil de las mujeres privadas de libertad de una prisión y discutir la situación salud sexual y reproductiva de estas mujeres.
Métodos: Se realizó un estudio exploratorio descriptivo, un enfoque cualitativo-cuantitativo, que trabajó con 34 mujeres en el sistema penitenciario y Montes Claros, Minas Gerais Pirapora, Brasil.
Resultados: Entre las 34 mujeres se encontró que 27 (79,4%) tenían algún tipo de profesión antes de la detención. Las principales actividades fueron la "limpieza" y "vendedor", que configuran los trabajos que requieren el desarrollo de baja habilidad y percibir bajos salarios. Entre los 22 participantes (64,7%) dijeron que eran marrones, 5 (14,7%) negro y 7 (20,6%) de color blanco. En un rango de edad de 30-35 años, lo que sugiere es que las mujeres están en edad productiva y reproductiva, con bajos niveles de educación y tener empleos / profesiones de bajos salarios. Los relatos recogidos en el grupo focal estas mujeres mantienen representaciones estereotipadas de la mujer definida por la emotividad, pasividad y dedicación a la familia.
Conclusiones: Los resultados muestran que las diferencias de género en el ejercicio de la sexualidad y el hecho de que las mujeres quedan embarazadas, ponen barreras tanto a la realización de las visitas íntimas, como para el cuidado de los niños en los primeros seis meses después del parto.

Palabras clave: Salud de la mujer; derechos sexuales y reproductivos; Género y Salud; Sexualidad.


ABSTRACT

Introduction: The National Policy for Integral Attention to Women's Health, implemented by the Ministry of Health in 2005, deals with the comprehensive care in different contexts, such as the situation of women in prison.
Objective: To describe the profile of women deprived of liberty of a prison and discuss the situation of sexual and reproductive health of these women.
Methods: This was a descriptive, exploratory study, a qualitative-quantitative approach, which worked with 34 women in the prison system in Montes Claros and Pirapora, Minas Gerais, Brazil.
Results: Among the 34 women we found that 27 (79.4%) had some sort of profession before the arrest. The main activities were "maid" and "saleswoman" which configure jobs requiring low skill development and offer low wages. Among them, 22 participants (64.7%) said they were brown, 5 (14.7%) black and 7 (20.6%) white. In an age ranging from 30 to 35 years old, suggesting that women are in productive and reproductive age with low levels of education and hold jobs / professions of low pay. The narratives collected in the focus group show that these women maintain stereotypical representations of the feminine figure defined by emotion, passivity and devotion to family.
Conclusions: The results show that gender alters the exercise of sexuality and the fact that women get pregnant, put barriers to both, the realization of conjugal visits and the care of the children in the first six months postpartum.

Key words: Women's Health; Sexual and reproductive rights; Gender and Health; Sexuality.


 

Introdução

A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, o uso dos contraceptivos e o movimento feminista começou a mudar os discursos e as posições das mulheres na esfera pública, especialmente a partir dos anos 1960. Dentre outros aspectos, estas mudanças impactaram fortemente os modelos tradicionais de atenção à saúde da mulher, concebida fundamentalmente pela reprodução. O modelo tradicional de atenção materno-infantil começa a ser questionado buscando colocar as mulheres no centro das discussões e decisões sobre o próprio corpo. O movimento feminista coloca em xeque a medicalização do corpo feminino: à mulher deve ser dado o direito de escolher quantos filhos, como e com quem deseja ter e, fundamentalmente, a luta pela descriminalização do aborto nos países desenvolvidos(1).

Pode-se dizer que os questionamentos e rompimentos acerca da visão da saúde da mulher enfocando o binômio mãe-filho em direção a um contexto entendido como saúde reprodutiva tiveram início nos anos 1970 e vai se concretizando, já como direitos reprodutivos, entre as décadas de 1980 e 1990, firmando-se internacionalmente no Cairo em 1994, quando há um consenso entre o movimento de mulheres e a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Os princípios dos direitos reprodutivos nascem do movimento de mulheres dos países industrializados em torno das questões relacionadas ao direito ao aborto, e a absorção destes conceitos pelas mentalidades e organismos nacionais se dá de forma heterogênea(2).

Nesse sentido, já tem apontado estudiosas do assunto, que a reivindicação das mulheres pelos direitos sexuais começa mesmo no movimento feminista dos anos setenta a partir da afirmação tão presente no feminismo de que 'nosso corpo nos pertence'. Apesar disso só na década de 1990 as noções de saúde sexual e direitos sexuais vão aparecer como conceitos(2).

Atualmente as políticas que norteiam a saúde da mulher no Brasil foram implementadas pelo Ministério da Saúde em 2005, através da Área Temática da Saúde da Mulher, dentro das diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Essa política trata da integralidade do cuidado em contextos diferenciados, como o das mulheres em situação de prisão. Estudos têm mostrado que, se a implementação dos direitos sexuais e reprodutivos tem sido um desafio constante e esbarra em muitas dificuldades, esse problema aumenta quando se trata de mulheres privadas de liberdade(3).

A partir disso, a caracterização sociodemográfica e de saúde é um importante aspecto a ser considerado na formulação de políticas públicas, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida da população, em especial de mulheres custodiadas(4).

Por isso, é indispensável uma maior atenção à promoção da saúde das mulheres privadas de liberdade não só pelos maiores riscos presentes no ambiente prisional, mas também pela carência de ações preventivas oferecidas pelo sistema de saúde carcerário. Apoiando-se no papel da enfermagem em disseminar sua atuação às populações vulneráveis e estigmatizadas, no fortalecimento da autonomia dos sujeitos como essência do processo educativo em relação questões de gênero, direitos sexuais e reprodutivos de mulheres presidiárias(5).

Neste contexto nas Unidades Prisionais da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, na região norte do Estado, em Presídios de custódia mista de homens e mulheres em situações judiciais que variam do regime fechado, regime semiaberto, ao regime aberto, a detenção de mulheres deve garantir as possibilidades do exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos, consoante acesso a ações e cuidados em Saúde Penitenciária e a garantia de tais direitos no cárcere devem se constituir em objeto de inquietação ante as situações de vulnerabilidades, desigualdades sociais e de gênero.

A partir disso, o interesse pelo tema em estudo se deu em aprofundar na temática de gênero na conjuntura dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres privadas de liberdade, e também pela interação entre pesquisadore(a)s do grupo de pesquisa Dona Tiburtina: Núcleo de Pesquisa em Gênero, Saúde, Sexualidade/NUPEGSS com profissionais que atuam na área da Saúde Penitenciária em Unidades Prisionais da região onde se deu o estudo.

O presente, estudo objetivou descrever o perfil das mulheres privadas da liberdade custodiadas no Sistema Prisional em duas cidades norte mineiras e discutir a situação da saúde sexual e reprodutiva dessas mulheres e os cuidados de saúde ofertados pelos serviços de Saúde Penitenciária locais.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo do tipo descritivo e exploratório, com uma abordagem quanti-qualitativa. Realizou-se a aplicação de questionários como instrumento científico e a técnica do Grupo Focal. As visitas foram agendadas e a pesquisa realizou-se nos meses de Março e Junho de 2012, mediante autorização da Diretoria da 11a Região Integrada de Segurança Pública (11a RISP), região dos Presídios em estudo.

A população desse estudo foi composta por 34 mulheres privadas de liberdade custodiadas nos Presídios de Pirapora e Presídio Alvorada de Montes Claros, região norte de Minas Gerais, Brasil. As participantes foram informadas, oralmente por meio de uma linguagem compreensível, sobre a justificativa e os objetivos do estudo, bem como sobre o direito de não participar ou desistir da pesquisa a qualquer momento, sem que isso lhes significasse quaisquer danos. Garantiu-se também a privacidade, confidencialidade e anonimato das informações coletadas, usando-se de codinomes de pedras preciosas para identificar as participantes no estudo, preservando-lhes a identidade.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIMONTES pelo parecer no 2.896/11. Com base na resolução no 196/96, na atualidade substituída pela resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Todas as participantes assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido.

Na etapa quantitativa as variáveis referentes à caracterização do perfil das mulheres foram agrupadas em caracterização sociodemográfica e características prisionais e relativas ao comportamento sexual. A caracterização sociodemográfica incluiu faixa etária, categoria de trabalho, escolaridade, cometido, perfil socioeconómico e religiosidade. Quanto às características prisionais destacam-se tipo de delito, duração de penas, atividades por elas realizadas nos Presídios e medidas de assistência a saúde. Em relação à caracterização relativa ao comportamento sexual considerou-se situação conjugal, bem como o perfil dos parceiros e métodos contraceptivos ou de prevenção utilizados durante as relações sexuais, e ainda questões relacionadas ao direito de visitação íntima nos Presídios.

Usou-se da Técnica de Grupo Focal6 o qual é um método em grupo que valoriza a comunicação entre os participantes da pesquisa a fim de analisar dados mais subjetivos. As pessoas são estimuladas a falar, perguntar, trocar histórias e a comentar sobre experiências e os pontos de vista umas das outras através de perguntas abertas que estimulem os participantes a explorar aspectos importantes. Para manter o sigilo das identidades as participantes usaram-se nomes fictícios de pedras preciosas.

Os dados foram processados, dispostos em tabelas e analisados por meio da estatística descritiva. Para tabulação utilizou-se a planilha eletrônica do Excel. Após correção, realizou-se a transferência dos dados para análise no programa SPSS® (Statistical Package for the Social Science), versão for Windows 18.0 para Windows®, utilizando-se análise de frequência absoluta e relativa.

Para a análise dos dados qualitativos produzidos no grupo focal utilizou gênero como categoria analítica.

 

Resultados e Discussão

Em se tratando de caracterização sociodemográfica das mulheres privadas de liberdade, a faixa etária foram a média 30 anos, mínimo 19 e máximo 56 anos, as mesmas referiram possuir profissão (79,4 %), frequentaram a Escola (97,1 %), são de maioria parda (64,7 %), como se observa na Tabela 1:

 

 

No que diz respeito às características sociodemográficas das mulheres desse estudo, pode se observar que, das participantes, 27 (79,4%) exerciam alguma profissão antes da detenção, sendo que as principais atividades laborais por elas exercidas, era de "empregada doméstica" e "vendedora", que configuram empregos que em sua maioria das vezes exige baixa capacitação profissional e oferta baixa remuneração.

Em relação ao nível de escolaridade, a maioria 33 (97,1%) afirmam ter frequentado a escola e conseguem ler com facilidade (76,5%). O maior número de pessoas se concentra na faixa etária de 30 a 35 anos. Tais dados sugerem que as mulheres privadas de liberdade principalmente mulheres em idade produtiva e reprodutiva, com baixos níveis de escolaridade e detentoras de empregos/ profissões de baixa remuneração.

O perfil sociodemográfico das mesmas corrobora com a maior causa de detenção neste estudo (tráfico de drogas), como também, as dificuldades econômicas em um ambiente caracterizado pela precarização das relações socioeconômicas e desemprego. Assim, o tráfico se mostra como uma atividade econômica possibilitadora de inclusão, mesmo que marginal, na ordem capitalista, e de aspectos psicossociais que permeiam a adesão de mulheres ao tráfico de drogas em seu contexto histórico e econômico-social, o que carece de especial atenção(7).

No estudo, o tempo de detenção de mulheres apresentou uma média de 43 meses, variando entre 07 a 162 meses de reclusão. Pode-se observar que 17 (50%) das mulheres apresentam reincidência criminal, sendo que a grande maioria teve como causa de detenção, o tráfico de drogas 22 (64,7%), conforme se observa na Tabela abaixo:

 

 

A situação de estado civil das participantes no estudo revelou que 20 (58,8%) eram solteiras e apenas 1 (02,9%) era separada ou divorciada. Apenas 8 (23,5%) das mulheres tinham parceiro que possuía algum tipo de vínculo empregatício. Sendo que 20 (58,8%) delas tiveram outros relacionamentos anteriores. Em relação às mulheres que possuíam um relacionamento estável, apenas 4 (11,8%) recebiam visitas íntimas de seus parceiros. A maior parte 28 (82,4%) delas tem filhos e apenas 1 (2,9) teve filho na prisão. O estudo demonstra que a maior parte das mulheres não tem relacionamento estável, seus companheiros são desempregados e poucas realizam a visitação íntima.

 

 

As mulheres em estudo, quando questionadas quanto à assistência em Saúde Penitenciária, pode-se perceber que a maioria 19(55,9%) realiza exames de rotina regularmente na instituição Prisional, porém, somente 16 (47,1%) delas se previne contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), sendo um dado preocupante visto que esta população é vulnerável, isto também pode ser explicado pela falta de orientações a respeito da sexualidade que as mesmas possuem, sendo evidenciado pela número mínimo de mulheres que receberam orientações sobre a sexualidade 12 (35,3%).

 

 

Em relação aos resultados do grupo focal, após a leitura exaustiva das narrativas transcritas na íntegra definiram-se as seguintes categorias de análise: Estereótipos de feminilidade; - Exercício da Sexualidade e as diferenças entre homens e mulheres; -Direitos sexuais e reprodutivos; que gerou duas Sub categorias-Exercício da sexualidade feminina no sistema prisional; - E gravidez e maternidade.

Estereótipos de feminilidade

Os estereótipos da feminilidade parte da própria socialização das mulheres: desde a linguagem que devem empregar, até as áreas de conhecimento que podem ter mais familiaridade (educação, saúde, assistência social), a utilização de fala moderada e doce, as brincadeiras bem aceitas e permitidas, propensão aos cuidados e atos delicados. Assim, desde pequenas, as, mulheres, são instruídas a cuidar dos filhos brincarem com bonecas e a desempenhar os afazeres. Enquanto isso, os meninos praticam esportes e pensam em profissões desprendidas do lar. Tudo isso impõe às mulheres, desde o primeiro momento de vida em sociedade, lugares marcados e posições definidas(8).

Com isso a figura feminina estereotipada, durante muito tempo, foi definida pela emotividade, passividade e dedicação à família. O amor idealizado, construído a partir da subordinação da mulher ao domínio privado, contribuiu para reproduzir uma representação social de sua dependência do homem como do período patriarcal levaram à representação da domesticidade da mulher e o casamento(9).

A diferença entre homem e mulher é que a mulher é mais companheira, mais paciente... sabe mais se doar, principalmente se doar aos filhos porque tem homem que não tem paciência. O homem já e mais agitado, já se preocupa mais com outras coisas do dia a dia, até mais do que com a própria família (Cristal Rubilato).

Ser mulher é ser guerreira, batalhadeira... é aquela que tem o poder de dar a luz, ter uma família. Mulher é ser uma boa mãe, dona de casa (Turmalina Verde).

Mulher é ser mãe, amiga, companheira... Saber administrar o lar e a família (Ônix Vermelho).

As narrativas das mulheres do estudo corroboram esses aspectos de estereótipos de feminilidades: Os estereótipos de masculinidade e de feminilidade ressaltavam sempre a primazia do homem sobre a mulher, e o caráter eminentemente domiciliar e familiar das funções femininas. A partir do momento em que se reconhece a categoria gênero, ela se torna fundamental para compreender a igualdade entre homens e mulheres no que diz respeito a direitos políticos, económicos, sociais, familiares, trabalhistas. Há também o reconhecimento do direito de emancipação da mulher na sociedade(10).

Exercício da Sexualidade e as diferenças entre homens e mulheres.

A diferença entre os sexos "feminino" e "masculino" é resultado de uma construção cultural. Assim, o estudo da sexualidade põe em evidência a ideia da teoria sociológica: a relação entre sociedade e indivíduo e como são produzidos contextualmente os nexos entre esses dois pólos. Os roteiros sexuais espelham as múltiplas e diferentes socializações que uma pessoa experimenta em sua vida: família, tipos de escolas, acesso a distintos meios de comunicação, redes de amizade e vizinhança(11).

Nesse contexto, a maneira de ser homem e de ser mulher é construída no âmbito da cultura. Assim, gênero refere-se que homens e mulheres são produtos da realidade social e não decorrência da anatomia de seus corpos. Nessa perspectiva, os elementos relacionados aos papéis masculinos e femininos, os da vivência da sexualidade e os dos direitos sexuais e reprodutivos são relevantes para reconhecer essa verdadeira realidade(12).

Homem e mulher tem comportamentos sexuais diferentes na sociedade... O homem faz coisas que não são criticadas pela sociedade, e tem coisas que se a mulher fizer pode ser mal vista pela sociedade. São diversas coisas: o homem vai a uma festa, bebe, dança com várias mulheres e fica com várias delas, e a mulher começar a beber um gole a mais eles já começam a apontar que é errado, que é feio, que não é papel de mulher... (Ônix Vermelho).

Se uma mulher ficar com vários homens, ela já e chamada prostituta, vagabunda... E o homem pode fazer isso e ninguém fala nada com ele (Ônix Verde).

O homem só quer mesmo aproveitar da mulher (Ônix Verde).

Hoje em dia o homem está mais para satisfazer os desejos, não se importando com sentimentos. A mulher já é mais voltada para o sentimentalismo (Ônix Vermelho).

Direitos sexuais e reprodutivos - Subcategorias: exercício da sexualidade feminina no sistema prisional; subcategoria gravidez e maternidade.

Os direitos sexuais guardam um vínculo estreito com a longa trajetória de reconstrução de leis nacionais e do próprio paradigma dos direitos humanos a partir da perspectiva das mulheres. Mas quando se considera a multiplicidade de sujeitos que hoje demandam prerrogativas no campo da sexualidade, é preciso dizer que sua aproximação com a lei e o direito foi mais tardia, e tem sido construída a partir de parâmetros que nem sempre coincidem com a perspectiva feminista(13).

Nesse sentido os dispositivos de controle encontrados num Sistema Prisional são capazes também de interferir na afetividade e na sexualidade das pessoas apenadas, sobretudo das mulheres. A visita íntima, especificamente, é um fator de grande influência na consolidação dos arranjos afetivos das mulheres em situação de cárcere. E, em se tratando de mulheres de orientação homossexual, essa situação pode ser ainda mais complicada, pois, na maioria dos presídios, não há garantia de direitos no que se refere ao exercício da sexualidade dessas mulheres(12).

Visto que, a visitação íntima, é um direito resguardado constitucionalmente, face à interpretação de que a sexualidade é uma dimensão da vida de todas as pessoas. Contudo, quando encarceradas as mulheres encontram inúmeros empecilhos para que o exercício de seu direito à atividade sexual se efetive. A falta de espaço físico e de estrutura dos estabelecimentos prisionais é um deles, uma vez que em razão das penitenciárias femininas serem bem menores que as masculinas, a visita íntima acaba sendo vedada ou é conferida em condições inapropriadas, sem qualquer privacidade(14).

Algumas participantes desse estudo mencionavam algumas dificuldades encontradas:.

Estou presa há quatro meses e nunca tive visitas íntimas. Eu tenho um namorado que mantenho contato por meio de ligação telefônica uma vez por mês (10 minutos) e pelas cartas dele que minha mãe traz quando vem na visita social. Durante o contato telefônico, não tenho privacidade necessária, pois a Assistente Social está presente na sala e ouve atentamente a minha conversa. Ficar aqui por três anos 'na seca' é muito difícil... (Ônix Verde).

Aqui dentro os desejos sexuais existem, mas não temos como satisfazer (Ônix Vermelho).

Estou presa há um ano e cinco meses e nunca tivemos visitação íntima, por minha opção mesmo (Turmalina Verde).

Outro constrangimento ainda comum é a proibição de visita íntima com parceiros do mesmo sexo biológico ou relações homoafetivas com outras internas. As limitações burocráticas criadas pelo estabelecimento prisional tendem a ocasionar os relacionamentos das mulheres encarceradas. Em razão disto, muitas acabam por envolver com companheiras de cela capazes de lhes dar o apoio que os maridos e companheiros já não mais oferecem(14).

Na cela tem mulheres que são homossexuais, que gostam de outras mulheres... mas não pode ter relação não, não é permitido. São namoradas, mas deixam para aproveitar lá fora, quando saírem da Cadeia. Quando uma delas é mudada de cela ou sai em liberdade, a outra fica sofrendo aí... Aqui é proibido ficar com mulher, mesmo que elas estejam na mesma cela, por ter outras pessoas na mesma cela, umas 13 mulheres por cela. Quando chega a namorar, tem que ser muito escondidinho (Cristal Rubilato).

Eu sobre esse assunto não tenho nada a dizer porque não sou homossexual. (Turmalina Verde).

Essa realidade do homossexualismo nas prisões brasileiras, chama a atenção para uma questão de extrema relevância, que são as dificuldades encontradas em relação ao desenvolvimento de laços afetivos significativos das mulheres encarceradas. O desenvolvimento de relações de amizades verdadeiras não só homossexuais, auxiliam na manutenção do equilíbrio emocional da mulher presa(14).

A maioria das mulheres privadas de liberdade contam com o apoio de suas mães, pois raramente os pais das crianças ficam com seus filhos e filhas, pelo abandono do lar, ou por também estarem presos ou outro motivo(15).

Os relatos abaixo demonstram essa realidade:.

O pai de meu menino está preso no Presídio Regional de Montes Claros, e ele propôs que eu vá até lá para a visitação íntima, mas eu não quero (Turmalina Verde)..

Tenho um filho que minha mãe cuida (Ônix Vermelho).

Não tenho parceiro... (Pedra do Sol).

Estudos ressaltam que muitas mulheres vinculam suas práticas criminosas à influência masculina, acarretando na privação de liberdade. Referem-se a algum homem, sobretudo, o parceiro como sendo o responsável, direto ou indireto, pela sua inserção na criminalidade ou sua prisão(16).

Eu estava presa grávida e saí para ter o bebê e fui presa junto com ele (parceiro). Quando eu o conheci eu já estava nas drogas... Eu era usuária e ele vendia drogas. Entrei no tráfico quando comecei a namorar com ele. Fui presa pela primeira vez quando eu estava com 6 meses de gravidez, fiquei presa um mês e meio e obtive prisão domiciliar. Aqui na unidade de saúde eu fazia pré-natal, mas lá fora eu quase não ia... Não nunca pude amamentar meu filho, porque quando ele nasceu eu estava muito drogada. Eu usava umas 100 pedras de crack por dia... acabava e eu saia e arrumava mais pedras... Nunca usei outras drogas, mas o crack me impedia de ir ao pré-natal. Eu perdi o agendamento do ultrassom por não conseguir esperar minha vez na fila do exame, pela ansiedade e vontade de usar droga. Em três meses após o parto, eu voltei a ser presa e minha irmã cuida de meu filho. Eu tenho mais três filhos. Um deles está com o pai, a menina eu doei e os outros dois estão com minha família. Eu também tive um aborto (Turmalina Verde).

Para atender as necessidades de saúde da população carcerária feminina brasileira, entende-se que seja necessário conhecer e refletir sobre as condições de vida dessas mulheres. Nesse contexto, compreender e discutir fatores que permeiam o universo carcerário torna-se indispensável aos profissionais que atendem a população carcerária feminina(17).

Uma vez que a lei de execução penal-LEP de 1984 assegura a mulher privada de liberdade ao direito de receber visita do marido, companheiro, parentes e amigos, direito à visita íntima ao menos uma vez por mês, direito ao pré-natal, assim que descoberta a gravidez, a presa deve ser transferida para uma unidade prisional que possua equipe médica e estrutura para acompanhamento dos nove meses de gestação (pré-natal), sendo que o parto deve ocorrer em unidade hospitalar do sistema penitenciário ou da rede de saúde pública (Sistema Único de Saúde e conveniados)(18).

 

Considerações Finais

Os resultados demonstram que as diferenças de gênero no exercício da sexualidade e o fato de que as mulheres engravidam, colocam barreiras tanto para a realização das visitas íntimas, como para o cuidado com os filhos nos seis primeiros meses pós-parto. Se a perspectiva é a recuperação social dessas mulheres, entendemos que, para além das propostas de atividades laborais desenvolvidas no Sistema Prisional, há que tratar a saúde de mulheres apenadas a partir da ótica dos direitos sexuais e reprodutivos, entendendo que os mesmos são fundamentais para a consolidação dos direitos humanos.

 

 

Recebido: 28 Setembro 2014
Aceito: 31 de outubro de 2014

 

 

Referências

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