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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.15 n.44 Murcia Oct. 2016

 

CLÍNICA

 

Infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV) em mulheres portadoras de HIV/AIDS

Infección por el Virus del Papiloma Humano (VPH) en mujeres con VIH/SIDA

Infection by Human Papillomavirus (HPV) in women bearers of HIV/AIDS

 

 

Rodrigues, Bianca Gonçalves*; Holzmann, Ana Paula Ferreira**; Santos, Amanda Gesiele Pereira*; Lima, Cássio de Almeida*; Gonçalves, Renata Patrícia Fonseca*** e Santos, Silvânia Paiva dos****

*Enfermeira. Graduada pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). E-mail: akira_lp_shinoda@hotmail.com
**Enfermeira. Doutoranda em Ciências pela Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professora do Departamento de Enfermagem da UNIMONTES.
***Enfermeiro. Graduado pela UNIMONTES.
****Doutoranda em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EE-UFMG). Professora do Departamento de Enfermagem da UNIMONTES.
*****Mestre em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem da UNIMONTES. Brasil.

 

 


RESUMO

Objetivo: Verificar a prevalência do HPV em mulheres vivendo com HIV/AIDS, e conhecer as características sociodemográficas, clínicas e comportamentais dessa população.
Métodos: Estudo documental, exploratório, descritivo, quantitativo, que incluiu os prontuários de 32 mulheres vivendo com HIV/AIDS cadastradas no CERDI e que realizaram o exame de Papanicolaou no período do estudo.
Resultados: Foram encontradas lesões de HPV em (15,6%) das mulheres, sendo classificadas como LSIL baixo grau (60%) desses. A idade variou de 18 a 39 anos (62,5%), casadas ou vive em união estável (75,1%) e a maioria tem ensino fundamental incompleto (37,5%). Quanto à renda familiar, 46,9% informaram renda igual ou inferior a um salário mínimo. Iniciaram atividade sexual com idade inferior a 17 anos (62,5%), tiveram menos de quatro parceiros sexuais na vida (56,3%) e parceiro único no último ano (96,9%). Nenhuma mulher referiu uso regular de preservativos antes do diagnóstico de HIV, sendo que, após o diagnóstico, 62,5% passaram a usar o insumo em todas as relações sexuais. Historia anterior de DST foi relatada por (40,6%), provável forma de transmissão do vírus foi a via sexual (93,8%) e o diagnóstico da infecção foi realizado há mais de cinco anos (56,3%) para a maioria. A maioria também faz uso de TARV (65,6%) e apresentou contagem de células CD4 igual ou maior que 500 células/mL (59,4%), no último exame realizado.
Conclusões: Houve uma prevalência de HPV de 15,6%, semelhante a outros estudos. Destaca-se a necessidade do exame de Papanicolaou periódico para se detectar precocemente alterações, evitando-se o câncer cervical.

Palabras chave: Infecções por Papilomavírus; Infecções por HIV; Mulheres; Esfregaço vaginal.


RESUMEN

Objetivo: Verificar la prevalencia del VPH en mujeres viviendo con VIH/AIDS, y conocer las características sociodemográficas, clínicas y comportamentales de esa población.
Métodos: Estudio documental, exploratorio, descriptivo, cuantitativo, que incluyó los historiales de 32 mujeres viviendo con VIH/AIDS registradas en el CERDI y que realizaron el examen de Papanicolaou en el período de estudio.
Resultados: Se encontraron lesiones de VPH en (15,6%) de las mujeres, siendo clasificada como LSIL bajo grado (60%) de estas. La edad varió de 18 a 39 años (62,5%), casadas o vive en unión estable (75,1%) y la mayoría tiene bachillerato incompleto (37,5%). En cuanto a la renta familiar, 46,9% informó renta igual o inferior a un sueldo mínimo. Iniciaron actividad sexual con edad inferior a 17 años (62,5%), tuvieron menos de cuatro parejas sexuales en la vida (56,3%) y pareja única en el último año (96,9%). Ninguna mujer se refirió al uso regular de preservativos antes del diagnóstico de VIH, siendo que, tras el diagnóstico, 62,5% pasaron a usar el insumo en todas las relaciones sexuales. Historia anterior de DST fue relatada por (40,6%), probable forma de transmisión del virus fue la vía sexual (93,8%) y el diagnóstico de la infección se realizó hace más de cinco años (56,3%) para la mayoría. La mayoría también hace uso de TARV (65,6%) y presentó recuento de células CD4 igual o mayor que 500 células/mL (59,4%), en el último examen realizado.
Conclusiones: Hubo prevalencia de VPH de 15,6%, semejante a otros estudios. Se destaca la necesidad de examen de Papanicolaou periódico para detectar precozmente alteraciones, evitándose el cáncer cervical.

Palabras clave: Infecciones por Papilomavírus; Infecciones por VIH; Mujeres; Frotis vaginal.


ABSTRACT

Objective: Verify the predominance of HPV in women bearers of HIV/AIDS, and know the social demographic, clinic and behavior characteristics of this population.
Methods: Documental, exploratory, descriptive and quantitative study that included the promptuary of 32 women with HIV/AIDS in the CERDI system and that were submitted to the Papanicolaou test during the period of study.
Results: HPV lesions were found in (15.6%) of the women, having the classification of LSIL low grade (60%) of these. Age varied between 18 to 39 (62.5%), married or in common-law marriage (75.1%) and the majority hasn't finished middle school (37.5%). Regarding to family income, 46.9% informed income same or lower to the minimum wage. They started their sexual activity with age lower than 17 (62.5%), had less than four sexual partners in their life (56.3%) and only one partner during the last year (96.9%). No women referred to the regular use of condoms before the diagnosis of HIV, after the diagnosis, 62.5% started to use in all their sexual relations. Sexual diseases prior history were reported by (40.6%), probable way of virus transmission were by sexual means (93.8%) and the diagnosis of infection was done over five years for the majority (56.3%). Most of them also make use of TARV (65.6%) and presented a CD4 cell count same or over 500 cells/ml (59.4%) in the last test.
Conclusions: There were prevalence of HPV in 15.6%, similar to other studies. The need of a periodic Papanicolaou test to detect early alterations is highlighted to avoid cervical cancer.

Keywords: Papillomavirus infections; HIV infections; women; Vaginal platinum loop for smears.


 

Introdução

As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) representam um grave problema de saúde pública. Entre as DST mais prevalentes na população sexualmente ativa encontra-se a infecção pelo Papilomavírus humano (hPv)(1). Atualmente já foram identificados mais de 100 tipos de HPV dos quais 20 podem infectar o trato genital, assumindo maior importância pela provável relação com câncer(2).

O câncer cervical invasivo e suas lesões precursoras são as manifestações ginecológicas mais importantes da infecção pelo HPV. Essas lesões, também conhecidas como neoplasias intra-epiteliais cervicais, são classificadas de acordo com o seu grau de acometimento do epitélio cervical. No Brasil, a atual nomenclatura de classificação das lesões cervicais é baseada no sistema de Bethesda, onde as lesões são classificadas em (LSIL) baixo grau e (HSIL) alto grau(3,4).

A Imunodeficiência Humana (HIV) é a principal causa da manifestação da infecção por HPV. A alta incidência de infecção pelo HIV, principalmente nos países em desenvolvimento, aumentou a prevalência de infecção pelo HPV, sendo os vírus de alto risco oncogênico os mais frequentes, o que torna ainda mais preocupante sua evolução para neoplasia de colo de útero(5). Em 1993, o câncer cervical invasivo foi adicionado à lista de doenças definidoras do quadro de síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) pelos Centers for Disease Controland Prevention (CDC) dos Estados Unidos(6).

As infecções pelo HIV e pelo HPV estão relacionadas a fatores predisponentes semelhantes, o que facilita a sua concomitância. Ambas estão associadas a baixo nível socioeconômico, multiplicidade de parceiros, coitarca precoce, intercurso sexual desprotegido, multiparidade, dentre outros fatores(7).

No Brasil, o Ministério da Saúde indica o rastreamento do câncer cervical mediante o exame citopatológico, como estratégia para a prevenção contra câncer do colo uterino. Este exame, conhecido como exame de Papanicolaou, tem reduzido as taxas de incidência de câncer cervical invasor a proporções de até 90%, sendo amplamente reconhecido pela sua segurança, sensibilidade e baixo custo(2,8). O mais recente avanço na prevenção da infecção pelo HPV diz respeito à criação de duas vacinas: a quadrivalente (Merck) contra HPV 6, 11, 16 e 18, e bivalente (GSK) contra HPV 16 e 18. A duração da eficácia vacinal é de cinco anos, sendo seu reforço indicado após esse período, e está disponível na rede pública para meninas de 11 a 13 anos(9,10).

O HIV transforma a história natural da infecção pelo HPV, com taxas de regressão diminuídas, progressão para lesões de alto grau e lesões invasivas, refratárias ao tratamento, necessitando assim de maior intervenção e monitoramento(11). É importante ressaltar que fatores relacionados com a coinfecção HPV-HIV como tipos virais, alterações no estado imunológico e presença de alterações citopatológicas, quando cruzados com diferentes populações, podem revelar Resultados contraditórios, o que reflete a importância do conhecimento das características regionais, étnicas, comportamentais e demográficas da população, para que se possa intervir de forma adequada(5).

Assim, objetivou-se a partir deste estudo, verificar a prevalência do HPV em mulheres vivendo com HIV/AIDS cadastradas em um Serviço de Assistência Especializada (SAE) da cidade de Montes Claros, MG, assim como conhecer as características sociodemográficas, clínicas e comportamentais dessa população, possivelmente associadas ao risco de câncer de colo uterino.

 

Metodologia

Estudo do tipo documental, exploratório e descritivo, com abordagem quantitativa, desenvolvido no Centro de Referência em Doenças Infecciosas (CERDI) da cidade de Montes Claros. Trata-se de uma Unidade de Referência para tratamento e acompanhamento de pacientes com HIV/AIDS de Montes Claros e outras cidades do Norte do Estado de Minas Gerais. Atualmente são atendidos nesta unidade de saúde 236 portadores do HIV/AIDS, sendo 88 do sexo masculino e 113 do sexo feminino, além de 35 crianças expostas ao vírus. O serviço conta com uma equipe multiprofissional, e apoio dos profissionais da área laboratorial para o atendimento da sua clientela.

A amostra do estudo incluiu os prontuários de todas as mulheres vivendo com HIV/AIDS cadastradas no CERDI e que realizaram o exame de Papanicolaou nessa unidade no período de agosto de 2013 a abril de 2014.

Os dados foram coletados mediante a consulta aos prontuários e as variáveis de interesse foram lançadas, inicialmente, em uma planilha de preenchimento manual, considerando os dados sociodemográficos, comportamentais, informações relativas à infecção pelo HIV/AIDS e resultado do exame de Papanicolaou. Os dados coletados foram processados pelo Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 18.0 e analisados de maneira descritiva, calculando-se as frequências absolutas e relativas.

O presente estudo atende aos preceitos éticos determinados pela Resolução no 466 de 2012 sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros-Unimontes, sob parecer no537. 304.

 

Resultados

No período delimitado para a coleta de dados, 32 mulheres vivendo com o HIV/AIDS procuraram o serviço para realização do exame de prevenção de câncer de colo de útero, o que representa 28,3% da população total de mulheres cadastradas no CERDI. Como mostra a Tabela 1, a maioria tem idade que varia de 18 a 39 anos (62,5%), é casada ou vive em união estável (75,1%) e tem ensino fundamental incompleto (37,5%). Quanto à renda familiar, 46,9% das mulheres informaram renda igual ou inferior a um salário mínimo.

 

 

Quanto às características relacionadas ao comportamento e à vida sexual das mulheres, percebe-se que a maioria iniciou atividade sexual com idade inferior a 17 anos (62,5%), teve menos de quatro parceiros sexuais na vida (56,3%) e parceiro único no último ano (96,9%). Nenhuma mulher referiu uso regular de preservativos antes do diagnóstico de HIV, sendo que, após o diagnóstico, 62,5% passaram a usar o insumo em todas as relações sexuais. História anterior de DST foi relatada por 37,5% das mulheres.

 

 

Ao se observar a tabela 3, que apresenta as variáveis relacionadas ao HIV/AIDS, verifica-se que a provável forma de transmissão do vírus foi a via sexual (93,8%) e que o diagnóstico da infecção foi realizado há mais de cinco anos (56,3%) para a maioria das mulheres. A maioria das mulheres também faz uso de TARV (65,6%) e apresentou contagem de células CD4 igual ou maior que 500 células/mL (59,4%), no último exame realizado.

 

 

Ao analisar os resultados dos exames citopatológicos das usuárias, verificou-se a presença de lesões de HPV em 15,6% das mulheres, sendo classificada como LSIL baixo grau 60% desses.

 

 

Discussão

Este estudo foi baseado em dados secundários e, portanto está sujeito a limitações que podem em maior ou menor grau interferir nos Resultados apresentados. É digna de relevância a não representatividade da população de estudo em relação à população geral.

Outros fatores de limitação desta pesquisa dizem respeito ao tamanho da amostra e ao tipo de Metodologia utilizada para o diagnóstico da infecção pelo HPV na população estudada. O exame citológico de Papanicolaou é um método acessível e rápido que, teoricamente, pode ser utilizado no rastreamento da infecção pelo HPV(12), no entanto, a taxa significativa de falsos-negativos e a variação dos Resultados interobservador tornam necessário o uso de outros métodos complementares de diagnóstico(13,14), o que não foi realizado com as pacientes desse estudo, conforme dados do prontuário. Ressalta-se que esse método não detecta o vírus, mas detecta as alterações celulares causadas por ele(12). E que as principais causas de Resultados falsos-negativos ocorrem devido à coleta inadequada do material e/ou erro na interpretação dos achados citológicos(15).

Atualmente, os exames de biologia molecular, que buscam identificar o DNA do vírus, são considerados como padrão-ouro no diagnóstico do HPV. Dentre eles, destacam-se as técnicas de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), Captura Híbrida e Hibridização In Situ(12).

Vários estudos, realizados com o objetivo de comparar o teste de Papanicolaou ao teste de hibridização molecular (DNA-HPV), demonstraram uma concordância entre as técnicas que variou de 48% a 75%, a depender dos critérios citológicos utilizados. Metanálise, realizada em 28 estudos, detectou sensibilidade média de 58% e especificidade média de 69% para exame de Papanicolaou, entretanto, houve graves limitações ao exame como ferramenta diagnostica do HPV, em populações com alta prevalência para neoplasia intraepitelial cervical (NIC)(16,17). As pesquisas têm demonstrado a superioridade das técnicas de biologia molecular em relação a outros métodos, com prevalência do HPV variando de 67 a 98%, entre as mulheres infectadas pelo HIV(18,19).

Embora a prevalência do HPV possa variar conforme o método de detecção utilizado, na presente amostra 15,6% das mulheres apresentaram alterações celulares sugestivas da ação do HPV. Esse achado se aproxima do resultado das pesquisas de Faria et al.(19) e Campos et al.(17), que identificaram uma prevalência de 15,8% e 17,5%, respectivamente, também em mulheres soropositivas para HIV e com base no exame de citologia oncótica convencional (Papanicolaou). Nos Resultados citológicos, trabalhos como os de Franco et al.(20) e Roberts et al.(21) relatam uma taxa de falso-negativo em torno de 5% a 70%, bem como a existência de discordância entre diferentes citologistas em torno de 10% a 80%.

Em virtude da possibilidade de resultado falso-negativo no exame de Papanicolaou e das especificidades próprias da infecção, o Ministério da Saúde recomenda a realização do exame para as mulheres portadoras do HIV em períodos mais curtos do que o determinado para as mulheres em geral. Indica-se o Papanicolaou após o diagnóstico inicial do HIV e, em caso de resultado negativo, o mesmo deve ser repetido seis meses depois. Mantida a ausência de evidências de neoplasia intraepitelial cervical, é preciso repetir a colpocitologia anualmente. Somente as portadoras de atipias ao exame de Papanicolaou devem ser referidas para a colposcopia e biópsia dirigida(8).

Dessa forma, o rastreamento de mulheres portadoras do vírus HIV deve ser considerado como uma situação especial, pois, em função da falha no sistema imunológica apresenta um risco aumentado para o desenvolvimento de lesões precursoras do câncer do colo do útero. A replicação viral pode ser mais eficiente em indivíduos imunodeprimidos, contribuindo para maiores taxas de detecção e persistência viral, apresentando lesões histopatológicas mais graves, envolvimento cervical mais extenso e com maior possibilidadede atingir outros órgãos do trato genital inferior(11,22).

Mulheres infectadas por este vírus são, aproximadamente, cinco vezes mais propensas a desenvolver lesões escamosas intraepiteliais cervicais que precedem o câncer invasor. Este é três vezes mais freqüente, nas mulheres infectadas pelo HIV, quando comparadas à mulheres não infectadas(23,24).

Dentre as mulheres com resultado positivo para HPV nesse estudo, todas apresentaram lesão intraepitelial cervical, sendo mais frequente a lesão de baixo grau ou LSIL. No entanto mesmo se tratando de lesões mais brandas, deve-se considerar que mulheres infectadas pelo HIV têm menores taxas de regressão de lesões intraepiteliais de baixo grau e apresentam maior risco de progressão dessas lesões, principalmente quando apresentam baixa contagem de linfócitos T CD4(25).

A imunidade local e sistêmica é, portanto, considerada um fator determinante para o desenvolvimento de infecção primária persistente, sendo este o mais importante fator de risco para a neoplasia cervical(26). Neste aspecto, a contagem de células CD4 + tem amplo uso clínico como marcador geral de imunocompetência. Sua depleção indica deficiência grave na imunidade celular e maior risco, não só de persistência da infecção, como de contágio e maior agressividade do HPV, em mulheres soropositivas para o HIV(27).

Em estudo prospectivo de Palefsky et al.(28), com mulheres infectadas pelo HIV e pelo HPV, foi encontrada uma maior incidênciade HPV em mulheres com contagem de CD4 menor que 200 células/mm. Em nosso estudo, encontrou-se situação inversa, ou seja, a maioria das mulheres diagnosticadas com HPV (80%) apresentou, em seu último exame, contagem de CD4 + em limites superiores a 200 células/mm. No entanto, deve-se ressaltar que dentre todas as mulheres que compuseram a amostra do estudo, somente duas (6,3%) apresentavam imunossupressão severa, o que provavelmente se deve a não adesão a terapia antirretroviral, cujo uso tem demonstrado efeito protetor para a progressão e recorrência de lesões intra-epiteliais cervicais pelo seu efeito restaurador da imunidade(29).

A infecção pelo HPV, como já discutido, é um importante fator de risco para o desenvolvimento de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas do colo uterino e com maior chance de desenvolvimento em portadoras do HIV(22), sendo, portanto, considerada condição necessária, porém, não suficiente, visto que, além da situação imunológica deficitária, há outros fatores favoráveis ao desenvolvimento do câncer cervical, que devem ser levados em consideração. Dentre eles, destaca-se a baixa condição socioeconómica, a idade, a coitarca precoce, a multiplicidade de parceiros sexuais, história de outras doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros(30).

Neste estudo, o perfil sociodemográfico das mulheres com HIV/aids acompanha a evolução das características da população atingida pela doença no Brasil, ou seja, mulheres jovens, casadas ou em relacionamento estável, com baixa escolaridade e renda, que iniciaram precocemente a vida sexual e que foram infectadas pela via sexual, sendo esses achados assim semelhante aos estudos de Galvão et al.(30) e Machado et al.(2). Percebe-se que essas características se confundem aos fatores de risco para aquisição do HPV e para o desenvolvimento do câncer cervical, o que torna previsível a associação entre essas patologias.

Em relação a idade, a literatura destaca que a incidência de câncer de colo de útero aumenta nas mulheres entre 30 e 39 anos, atingindo seu pico na quinta ou sexta décadas de vida(31). Este estudo mostrou que a maioria das mulheres HIV positivo encontra-se nessa faixa etária, o que implica, portanto, em maior atenção por parte dos profissionais de saúde.

Estudos destacam que a posição social e econômica desfavorável das mulheres, o que foi observado neste estudo pela renda familiar e baixa escolaridade, as tornam mais vulneráveis ao vírus HIV e outras DST, devido à dificuldade de acesso a bens e serviços, como educação, emprego e assistência adequada à saúde(5,30,32). As desigualdades de poder entre os gêneros também contribuem para a maior vulnerabilidade feminina. Papéis masculinos e femininos estabelecidos culturalmente interferem nas decisões sobre prevenção e muitas mulheres são impedidas de negociar o uso do preservativo, discutir fidelidade e de abandonar relações que as coloquem em risco. Essa desigualdade social e de gênero interfere também na aquisição de informações, dando força a crenças e atitudes diversas em torno do preservativo, de que o mesmo reduz o prazer ou inibe o desempenho sexual(33,34).

Embora a maioria das mulheres desse estudo refira parceiro sexual único no último ano, observa-se que uma parcela relevante teve quatro ou mais parceiros ao longo da vida e que nenhuma delas fazia uso regular do preservativo antes do diagnóstico da infecção pelo HIV, o que pode ser observado na tabela II. Esse fato leva a crer que a via sexual foi a provável forma de infecção dessas mulheres e que as desigualdades de gênero, embora extrapolem os objetivos desse estudo, provavelmente contribuíram para essa realidade. A multiplicidade de parceiros sexuais durante a vida e a promiscuidade do parceiro sexual são também fatores de risco importantes para infecção por HPV e outras DST, sendo assim mais um fator que favorece o desenvolvimento do câncer de colo de útero(35,36).

Constatou-se também que mesmo após o diagnóstico do HIV, algumas mulheres não aderiram ao preservativo. Segundo a literatura, tanto as mulheres quanto os homens que vivem com HIV correm o risco de nova infecção quando não usam proteção nas relações sexuais, podendo se infectar com cepas distintas do HIV, o que pode acelerar a evolução da doença. Por esse motivo é importante enfatizar que mesmo entre casais soroconcordantes é indispensável o uso do preservativo(9). Ressalta-se que, nesses casos, além do risco de reinfecção pelo HIV, existe o risco de outras DST, como a infecção pelo HPV. Estudos prospectivos sugerem que metade das infecções por HPV em mulheres HIV positivas é adquirida sexualmente em um período recente, enquanto a outra metade representa reativação de infecções previamente adquiridas(37).

Outro fato que merece Discussão diz respeito ao início precoce da atividade sexual. No presente estudo percebeu-se que a maioria das mulheres iniciou atividade sexual ainda na adolescência, com idade inferior a 17 anos (62,5%). O início precoce da atividade sexual aumenta o risco para contaminação pelo HPV e consequentemente o risco de desenvolvimento de neoplasia intraepitelial cervical. O surgimento de lesões intraepiteliais neoplásicas pode progredir mais rapidamente em mulheres jovens em virtude da imaturidade da cérvix, devido à fase de transformação do epitélio escamoso pelo processo de metaplasia(38).

As implicações dessas observações para o acompanhamento clínico são de que mulheres HIV positivas, independentemente da gravidade das lesões HPV induzidas ou mesmo da presença de co-infecção por HPV, devem ser submetidas à avaliação ginecológica mais detalhada(23), com investigação cuidadosa de outros fatores de risco envolvidos na carcinogênese do colo uterino, além da co-infecção pelo HPV.

 

Conclusão

Neste estudo, a prevalência de HPV encontrada entre as mulheres soropositivas para HIV foi de 15,6%, semelhante a outros estudos que também utilizaram a citologia convencional (Papanicolaou) como método diagnóstico. Observou-se que todas as mulheres com HPV apresentaram lesões intraepiteliais na cérvice uterina, com predominância das lesões de baixo grau. Outros fatores de risco que predispõem ao desenvolvimento do câncer de colo uterino também foram identificados na população de estudo, como a idade, baixa escolaridade e renda, coitarca precoce e uso irregular da camisinha. Os Resultados desse estudo demonstram, assim, a necessidade de uma vigilância ginecológica periódica para as mulheres que vivem com o HIV, com garantia, pelos serviços de saúde, a realização do exame de Papanicolaou, evitandose, dessa forma, o câncer cervical na população estudada.

 

 

Recebido: 04 de março de 2015
Aceito: 26 de maio de 2015

 

 

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