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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.17 n.51 Murcia Jul. 2018  Epub July 01, 2018

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.17.3.299691 

Revisões

Práticas de ortotanásia e cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal: uma revisão sistemática da literatura

Hélen Rimet Alves de Almeida1  , Cynthia de Freitas Melo2  3 

1Psicóloga. Historiadora. Máster y Alumna de Doctorado en Psicología por el Programa de Postgraduación de la Universidad de Fortaleza - UNIFOR. Fortaleza, CE, Brasil.. helen.rimet@gmail.com

2Profesora del Programa de Postgraduación en Psicología de la Universidad de Fortaleza - UNIFOR. Fortaleza, CE, Brasil.

3Doctora en Psicología por la Universidad Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Fortaleza, CE, Brasil.

RESUMO:

Objetivou-se investigar a produção científica sobre a prática de ortotanásia e cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. Para tanto, realizou-se uma revisão sistemática da literatura por meio de busca por artigos no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), publicados em português, no intervalo de 2011 a 2016, que apresentavam os descritores: “Ortotanásia” AND “Câncer” (f = 6); OR “Cuidados Paliativos” AND “Câncer” (f = 70). Após seleção por meio de critérios de exclusão, analisaram-se 19 artigos. Os resultados evidenciam a existência da obstinação terapêutica. Por outro lado, reforçam a importância do processo de humanização da morte e da tomada de decisão sobre a ortotanásia feita por profissionais, pacientes e familiares.

Palavras-chave: Ortotanásia; Cuidados paliativos; Câncer

INTRODUÇÃO

O processo de globalização ocorrido no século passado acarretou crescenteintegração das economias e das sociedades de vários países e provocou mudanças também nos padrões de saúde e doença pelo mundo. A chamada transição epidemiológica caracterizou-se pela diminuição das taxas de mortalidade por doenças infecciosas e o aumento simultâneo da taxa de doenças crônico-degenerativas, com destaque para as doenças cardiovasculares e o câncer1.

Considerado como fator problemático em saúde pública nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o câncer é causador de mais de seis milhões de mortes a cada ano, representando cerca de 12% de causas de morte pelo mundo. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA, o câncer é a segunda maior causa de morte, com 190 mil casos por ano, 60% dos quais diagnósticados em estágio avançado. Esses números são crescentes, e a estimativa é de que em 2020 o câncer se torne a doença com maior mortalidade no País.

As causas do câncer são diversas e sua identificação acontece a partir de crescimentos desordenados de células malignas que invadem os tecidos e os órgãos, podendo espalhar-se em forma de metástase para outras partes do corpo. Dessa forma, a carcinogênese refere-se à progressão de tumores malignos, estudada com fundamento nos aspectos e mecanismos a ela relacionados que podem iniciar-se de maneira espontânea ou ser estimulados pela ação de agentes carcinogênicos químicos, físicos ou biológicos. Por ser uma doença ativa, progressiva e agressiva pode levar à morte, causando sentimentos de medo, insegurança, rejeição e não aceitação2.

O tratamento envolve a realização de procedimentos invasivos e dolorosos, com efeitos colaterais diversos, comuns em diferentes momentos das terapêuticas impostas ao paciente com essa patologia. Por esse motivo, o temor da doença não se refere apenas à morte, mas também à forma como se vai morrer, morrer de câncer, com sofrimento. Isso porque durante o processo de adoecimento por câncer é comum que profisisonais, pacientes e familiares busquem todas as alternativas de tratamento objetivando a cura até os últimos dias de vida do paciente, mesmo quando não há prognóstico positivo. Essa obstinação terapêutica é chamada distanásia3.

O termo distanásia é pouco conhecido, até mesmo no meio acadêmico, porém refere-se a uma das práticas mais comuns nos campos da saúde. É uma palavra de origem grega, cujo prefixo “dis” significa “afastamento”, indicando o prolongamento exagerado da morte de um paciente. Refere-se a processos de tratamento inútil que buscam combater a morte a qualquer preço e prolongar a vida de um paciente terminal, ainda que seja necessário submetê-lo a sofrimento intensivo. Nesse caso, prolonga-se o processo de morrer, não a vida4.

Em oposição a essa prática, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que quando ocorrrer a progressão da doença e a impossibilidade de terapêutica curativa para os pacientes oncológicos, a equipe de profissionais de saúde deve reconhecer a necessidade de mudança do enfoque terapêutico. Isso implica uma compreensão diferente em relação à atenção oncológica, para além dos cuidados biotecnológicos5.

Nesses casos a distanásia deve ceder lugar à ortotanásia. O termo ortotanásia origina-se do prefixo orto: certo e thanatos: morte, e é empregado com o significado de morte apropriada, no tempo certo. Consiste na não utilização de procedimentos desnecessários e desumanos com o intuito de ultrapassar o processo natural, que implicariam aumento de sofrimento. Não significa negligência ou abandono do paciente. Trata-se de processo terapêutico que se pauta pela humanização, no qual os cuidados destinam-se a proporcionar qualidade de vida e de morte ao paciente. Dessa forma, a prática da ortotanásia caracteriza a manifestação da morte boa ou desejável, no tempo certo, sem interrupção de tratamentos necessários para amenizar a dor6.

Essa mudança de terapêutica pode ser viabilizada e facilitada se a instituição hospitalar contar com equipe de cuidados paliativos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define Cuidados Paliativos como uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de qualquer doença ameaçadora da vida, com qualquer prognóstico, seja qual for a idade, e a qualquer momento da doença em que revelem expectativas ou necessidades não atendidas. Para tal, requer a identificação precoce e a avaliação e tratamento impecável da dor e de outras situações angustiantes de natureza física, psicossocial e/ou espiritual, desde o diagnóstico da doença até a terminalidade7.

As ações paliativas podem ocorrer em quatro fases: cuidado paliativo precoce, quando o paciente apresenta bom status funcional, com prognóstico estimado em meses a anos; complementar, no caso em que o paciente apresenta status funcional intermediário, com prognóstico estimado em semanas a meses; predominante, quando apresenta baixo status funcional, com características de irreversibilidade da doença de base, e prognóstico estimado em dias a algumas semanas; ou exclusivo, destinado aos pacientes com baixo status funcional e declínio rápido e irreversível do estado geral, ou seja, cuidados de fim de vida8. Os Cuidados Paliativos apresentam como pilar fundamental: (1) o atendimento integral e humanizado do paciente por meio de equipe interprofissional; (2) a efetiva comunicação entre paciente-família-profissionais; e (3) a busca pela qualidade de vida e morte ao paciente7.

No primeiro pilar, o atendimento integral do paciente é proporcionado pelo trabalho realizado em equipe multiprofissional e interdisciplinar. O foco da atenção passa a ser o doente visto como um ser biográfico e ativo, muito além da doença a ser curada que o acomete, com direito à informação e à autonomia plena para tomar decisões a respeito do seu tratamento. A prática adequada dos Cuidados Paliativos preconiza uma atenção individualizada ao doente e à sua família, a busca da excelência no controle de todos os sintomas, a prevenção do sofrimento e enfatiza, como filosofia, a valorização da vida e a percepção de morte como processo natural9.

Como segundo pilar para a efetivação do cuidado paliativo, a comunicação dos membros da equipe de saúde com o doente e seus familiares e entre si é condição sine qua non indiscutível. Deve ser feita de forma clara, objetiva e compreensiva, com sinceridade, respeitando o desejo do paciente e fornecendo apenas a quantidade de informação de que precisa (nem mais, nem menos). Essa tarefa representa um grande desafio para os profissionais de saúde, especialmente no que se refere à comunicação de más notícias10.

Essas práticas tornam possível alcançar o terceiro pilar dos cuidados paliativos: resgatar a dignidade do paciente, respeitando a sua autonomia e priorizando o princípio da não maleficência como meio de evitar a “obstinação terapêutica”, para que o paciente em cuidado paliativo tenha maior qualidade de vida e de morte7)(8.

Ante o exposto, revela-se a importância dos cuidados paliativos em estágio de terminalidade da vida, especialmente em paciente oncológico, por propiciarem uma terapêutica diferenciada, apresentando como principal objetivo a promoção do cuidar humanizado. Adotar uma prática assistencial fundamentada na qualidade de vida da pessoa em sua finitude implica tentar minimizar seu sofrimento durante a doença terminal e proporcionar-lhe bem-estar biopsicossocial e espiritual9,11.

Para respaldar a tomada de decisão de médicos sobre o abandono da terapêutica curativa em prol dos cuidados paliativos, o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução CFM nº 1.805, de 28 de novembro de 2006 (2006), conhecida como Resolução da Ortotanásia, afirma que é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do paciente em etapa terminal de enfermidade grave e incurável. Garante-se, dessa forma, a oferta dos cuidados necessários ao alívio dos sintomas de dor e sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitando a vontade do doente ou de seu representante legal.

Reconhece-se, todavia, que mesmo respaldada legalmente, essa prática não prevalece nos hospitais devido à resistência social, cultural e da formação acadêmica dos profissionais de saúde em relação a tomadas de decisão nesse sentido. Essa constatação evidencia a necessidade de se realizar uma abordagem mais extensiva de toda a equipe de saúde, abrangendo a avaliação de pesquisas que ampliem a compreensão sobre as práticas de ortotanásia na literatura12. Diante do exposto, o objetivo deste estudo é investigar a produção científica sobre a prática de ortotanásia e cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Para o alcance do objetivo proposto neste estudo, realizou-se uma revisão sistemática da literatura, método de síntese de evidências utilizado para avaliar criticamente e interpretar as pesquisas importantes disponíveis para uma questão particular, campo de conhecimento ou fenômeno de interesse. São estudos produzidos por metodologias confiáveis e rigorosas, por tratar-se de procedimentos explícitos e sistemáticos que selecionam, identificam e avaliam a qualidade das evidências. Um processo de revisão de literatura abrangente permite identificar, localizar, avaliar e sintetizar o aglomerado de evidências dos estudos científicos para alcançar uma visão confiável da estimativa do efeito da intervenção13.

Processo de Seleção dos Artigos: Critérios de Inclusão e Exclusão

Realizou-se a seleção da literatura nos meses de fevereiro e março de 2017, no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Em primeira busca, livre de filtros, foram obtidos inicialmente 14 textos por meio da combinação dos descritores “ortotanásia” AND “câncer” e 747 textos dos descritores “cuidados paliativos” AND “câncer”.

A partir dessa sondagem, definiram-se os seguintes critérios iniciais de inclusão: artigos completos, disponíveis na língua portuguesa, publicados no intervalo de 2011 a 2016. Após a utilização desses critérios de inclusão, reduziram-se os textos para 76 artigos científicos: 6 obtidos por meio da combinação dos descritores "ortotanásia” AND “câncer” e 70 textos dos descritores “cuidados paliativos” AND “câncer”.

Na sequência, definiram-se como critérios de exclusão a serem aplicados nos 76 textos resultantes os seguintes: textos listados repetidamente (f = 03), Books (f = 02), textos não diretamente ligados à temática abordada (f = 26), textos que não retratavam estudos empíricos (f = 18) e textos que apareceram no levantamento, mas que não eram do período e idioma delimitado (f = 05). Ao final do processo de seleção e exclusão, permaneceram em análise 19 artigos, todos publicados entre 2012 e 2016 (ver Figura 1).

Figura 1 Artigos selecionados para análise após critérios de inclusão e exclusão. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os artigos analisados foram publicados entre os anos de 2011 e 2016: 6 artigos (31,58%) em 2012, 7 artigos (36,84%) em 2013, 5 artigos (26,31%) em 2014, e 1 artigo (5,26%) em 2016. Evidenciam-se produções com ápice de publicações em 2012 e 2013, e ausência em 2011 e 2015 (ver Figura 2). Os títulos, autores e anos de publicação dos estudos analisados são contemplados na Figura 3.

Figura 2 Anos de publicações dos artigos selecionados para análise. 

Figura 3 Estudos analisados sobre a ortotanásia e cuidados paliativos em pacientes com câncer. 

Os 19 artigos selecionados foram organizados em categorias, objetivando que se pudesse visualizar, de forma clara, como a temática vem sendo abordada. Para a organização das categorias, levou-se em consideração a proximidade dos temas abordados pelos textos científicos, de modo a permitir a apresentação e discussão de diferentes práticas de atuação encontradas nos estudos. Ao final da divisão elencaram-se as seguintes categorias: 1) Significados da morte e da ortotanásia em pacientes oncológicos para os profissionais de saúde; 2) Percepções, experiências e práticas de cuidados paliativos em pacientes oncológicos para os profissionais de saúde; e 3) Cuidados paliativos na perspectiva de familiares, cuidadores e pacientes oncológicos (ver Figura 4).

Figura 4 Categorias que emergiram nas análises dos documentos. 

Categoria 1 - Significados da Morte e da Ortotanásia em Pacientes Oncológicos para os Profissionais de Saúde

Nesta categoria emergiram três estudos (f = 03). Retrata-se o significado da morte e da ortotanásia em pacientes oncológicos para profissionais da saúde, particularmente médicos e enfermeiros.

Santos, Aoki e Oliveira-Cardoso14 buscaram investigar o significado da morte para médicos que atuam com pacientes em condição crítica no contexto do Transplante de Medula Óssea (TMO). Participaram os cinco médicos vinculados a uma unidade de TMO de um hospital universitário do interior paulista. Os resultados mostram que no âmbito médico-hospitalar, a morte é quase sempre reduzida à racionalidade tecnicista, e por isso deve ser combatida a todo custo. As significações imputadas à morte são amparadas nos valores da sociedade contemporânea e subjetivadas nos percursos e dificuldades enfrentadas pelo médico ao longo de sua vida e na formação acadêmica, influenciando a maneira como vivenciam o processo de morrer dos pacientes.

A partir dos relatos de 10 médicos oncologistas de serviços públicos de saúde do Distrito Federal, Sanchez y Sanches e Seidl4 esclarecem que os oncologistas são profissionais da saúde que lidam frequentemente com o fim da vida. Os participantes mostraram a existência de associação entre a oferta de conforto e a não realização de medidas invasivas ou extraordinárias. Nesse caso, a ortotanásia consistiria em deixar a vida seguir seu curso, sendo que alguns relatos salientaram que a minimização do sofrimento é uma característica necessária nesse processo. Para as autoras, a proposta da ortotanásia não é apressar a morte, mas humanizá-la, ou seja, recolocar a pessoa no centro do processo, favorecendo a autonomia de suas escolhas, envolvendo, portanto, solidariedade, aproximação e respeito.

De acordo com Cassol, Quintana, Velho e Nunes15, os enfermeiros são profissionais que trabalham diretamente no cuidado, e mantêm uma relação de proximidade com situações de dor, morte e desesperança dos pacientes em fase de terminalidade. Nesse processo, nem sempre o paciente ou o seu familiar está apto a realizar escolhas sobre o tratamento. Nesse contexto, repensar as condutas relacionadas à finitude humana contribui para minimizar as dificuldades enfrentadas pelos profissionais diante da morte, no sentido de reduzir a obstinação terapêutica, proporcionando um cuidado humanizado ao paciente terminal.

A partir desses estudos, na primeira categoria contempla-se a atuação de profissionais (médicos e enfermeiros) que lidam com o processo de morrer dos pacientes com câncer. A análise desses estudos possibilitou o entendimento de que as questões que permeiam a morte são tratadas com cautela por alguns profissionais da saúde. Evidenciou-se a presença da morte interdita, por meio da racionalidade médica e seu objetivo de salvar vidas, mesmo que a partir da obstinação terapêutica. Por outro lado, identificou-se reforço da importância do processo de humanização da morte e da tomada de decisão por profissionais, pacientes e familiares sobre a ortotanásia, embora a compreensão do significado dessa conduta não esteja acessível a todos com a mesma facilidade. Destaca-se ainda a carência de estudos que abordem a temática da ortotanásia.

Categoria 2 - Percepções, Experiências e Práticas de Cuidados Paliativos em Pacientes Oncológicos para os Profissionais de Saúde

A segunda categoria engloba artigos (f = 11) que abordam a temática sobre experiências e práticas de cuidados paliativos em pacientes oncológicos para os profissionais de saúde. Nesta categoria, pode-se dividir a análise dos artigos em duas subcategorias: 2.1 Percepções e práticas de profissionais de saúde sobre cuidados paliativos em pacientes oncológicos adultos (f = 06); e 2.2 Experiências e práticas de cuidados paliativos em oncologia pediátrica (f = 05).

Categoria 2.1 - Percepções e práticas de profissionais de saúde sobre cuidados paliativos em pacientes oncológicos adultos.

A partir de estudo realizado com equipe interdisciplinar que presta cuidados paliativos a pessoas portadoras de câncer em uma instituição pública no Sul do Brasil, Matos, Pires e Gelbcke16 buscaram identificar a influência da prática interdisciplinar na organização do trabalho da enfermagem. Os resultados mostram que o Serviço de Cuidados Paliativos deve envolver e integrar a atenção ambulatorial, domiciliar e hospitalar, bem como articular e integrar as ações dos diversos profissionais de saúde que compõem a equipe. As atividades a serem desenvolvidas com os pacientes portadores de câncer e suas famílias que serão abordadas, e as visitas domiciliares a serem realizadas devem ser decididas pelos profissionais após ampla discussão.

Em consonância, Fernandes et al.9 realizaram uma pesquisa exploratória com nove enfermeiros assistenciais de um hospital que atende a pacientes oncológicos em regime de cuidados paliativos, situado no município de João Pessoa (PB), visando colher sua percepção sobre o significado dos cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. Os profissionais envolvidos reconhecem a importância da equipe multiprofissional, propiciando ao enfermeiro reflexões acerca do uso da comunicação como elemento essencial do cuidar para paciente e família sob cuidados paliativos.

No que concerne à importância da comunicação como prática de cuidados, o estudo de Miranda e Lo Bianco17 demonstra que a escuta da fala do paciente pelo profissional é um instrumento de trabalho fundamental em instituição oncológica. Os autores caracterizam duas posições possíveis a serem ocupadas por aquele que lida com a morte e com a finitude: poupar-se a si próprio do encontro com a dimensão finita e perecível da vida; ou escutar o paciente, reconhecendo tratar-se de algo comum a todos, de modo que o paciente possa se sentir amparado e não fique a sofrer sozinho.

Ao explorar outras formas de encontro entre profissionais e pacientes, em investigação fenomenológica estruturada na análise existencial de Heidegger, Silva e Sales18 buscaram desvelar o câncer. Constatou-se que o encontro mediado pela música constitui um recurso no cuidado de enfermagem em cuidados paliativos oncológicos que inspira vida aos dias dos usuários, imprimindo-lhes a sensação de cuidado e ressignificando sua existência.

Ao tratar das dores e sofrimentos do paciente terminal, Queiroz, Mota, Bachion e Ferreira19 apontaram que devem ser realizadas medidas preventivas com pacientes portadores de câncer com prevalência de úlceras de pressão em processo domiciliar. Os resultados do estudo permitirão às equipes de cuidados paliativos rever suas práticas e sugerir estratégias para orientação de cuidadores, tanto para a prevenção quanto para o tratamento de úlceras de pressão.

Por fim, Garcia, Rodrigues e Lima20 afirmam que os cuidados paliativos ainda não estão estruturados adequadamente, realidade que transforma essa temática em um problema de saúde pública e faz com que iniciativas nesse contexto tornem‐se relevantes. Segundo os autores, para a estruturação de um serviço de cuidados paliativos é imprescindível o estabelecimento de prioridades, que incluem a administração de fármacos para o controle da dor, a humanização, a multidisciplinaridade e a sensibilização e educação dos profissionais.

Categoria 2.2 - Experiências e práticas de cuidados paliativos em oncologia pediátrica.

Nascimento et al.21 enfatizaram a dificuldade dos profissionais da equipe multidisciplinar para lidar com os sentimentos diante da criança portadora de leucemia em cuidado paliativo. Contudo, apesar de esse campo de atuação gerar sofrimento e angústia no profissional, percebe-se que a equipe multiprofissional identifíca-se e gosta da área, proporcionando respeito, segurança e acolhimento à criança e sua família.

Nessa perspectiva, a partir de uma investigação fenomenológica heideggeriana realizada com profissionais de enfermagem, Mutti, Padoin e Paula22 compreenderam as dificuldades da equipe de enfermagem para cuidar de crianças que têm doença oncológica avançada, cuja enfermidade não responde mais aos tratamentos curativos. As autoras esclarecem que o profissional de enfermagem, no cotidiano de cuidado à criança que tem câncer, precisa separar o profissional do emocional, e apontam a necessidade do desenvolvimento de estratégias de ação multiprofissional no cuidado desse profissional, considerando que também precisa ser cuidado.

Em consonância, o estudo de Reis et al.23 relata as relações estabelecidas pelos profissionais da equipe de enfermagem no cuidado prestado às crianças com doença oncológica avançada, sem possibilidades terapêuticas de cura. Admite-se que essas relações refletem as dificuldades do cuidar diante do câncer, intensificadas por se tratar de crianças, uma vez que a concepção dessa doença está associada ao sofrimento e à morte.

Com foco na operacionalização da assistência, Monteiro, Rodrigues e Pacheco24 realizaram um estudo com o objetivo de analisar compreensivamente o cuidado do enfermeiro prestado à criança hospitalizada portadora de doença oncológica fora de possibilidade de cura. Os resultados evidenciaram que a utilização de medidas de suporte e conforto para o alívio do sofrimento, em virtude do avanço da doença, devem ser priorizadas, visando o bem-estar dessa criança e seus familiares. São estratégias de atenção da equipe que implicam compromisso em promover sistematicamente o que há de saudável para proporcionar o conforto. Constatou-se a necessidade de direcionar os cuidados também para o familiar ali presente, com o propósito de apoiá-lo, proporcionando atitudes de carinho, afeto e respeito.

Assim como nas pesquisas desenvolvidas sobre os pacientes oncológicos adultos, o estudo de França, Lopes, Costa, Nóbrega e França25, realizado com enfermeiros atuantes em oncologia pediátrica, indicaram a comunicação como elemento eficaz no cuidado com a criança com câncer e para a promoção dos cuidados paliativos. Os resultados apontaram que a comunicação autêntica entre o enfermeiro e a criança pode ocorrer, bem como entre todos os envolvidos no processo de cuidados paliativos. Nessa relação, a comunicação apresenta-se como eixo para o seu desenvolvimento, e é concebida pelos próprios enfermeiros como um dos instrumentos mais relevantes nos cuidados paliativos.

Numa análise final desta categoria, que mais englobou artigos na temática abordada, destaca-se a importância das práticas profissionais nos cuidados destinados aos pacientes oncológicos a partir de perspectiva mais humanizada e a relevância da comunicação nessa prática. Ressaltam-se as dificuldades no cuidar da criança portadora de câncer e de seus familiares e ainda a questão de que a própria equipe também precisa ser cuidada.

Categoria 3 - Cuidados Paliativos na Perspectiva de Familiares, Cuidadores e Paciente

No que diz respeito a esta categoria, os cinco artigos (f = 05) eleitos discutem os cuidados paliativos na perspectiva de familiares, cuidadores e do próprio paciente. Os estudos apontaram a importância da relação humana durante o processo de terminalidade.

Pinto, Caldeira e Martins26, a partir de um estudo observacional, transversal, desenvolvido com 92 doentes oncológicos em quimioterapia, analisaram seus índices de esperança e compreenderam a influência de algumas variáveis sociodemográficas, clínicas e religiosas sobre os mesmos. Constataram que o tempo em quimioterapia influencia a esperança dos doentes. À medida que o tempo avança, a esperança tende a diminuir, o que reflete o desejo natural das pessoas de quererem continuar ligadas à vida. Os resultados alertam para a importância de se manter os doentes a par da sua situação clínica e de ajudá-los a encontrar sentido e propósito na vida mediante o planejamento de metas possíveis, além de estimular a vivência de uma espiritualidade saudável.

Alves, Jardim e Freitas27 aplicaram o Inventário de Experiências Subjetivas de Sofrimento na Doença com 38 pacientes em situação paliativa, internados num serviço de cirurgia e hemato-oncologia. Os doentes manifestaram níveis intermediários de sofrimento global e observou-se a existência de correlação significativa entre a idade e a extensão do sofrimento sócio relacional. As autoras reforçam a importância da intervenção do enfermeiro junto à pessoa em situação paliativa, no sentido de desenvolver intervenções destinadas à prevenção e ao alívio do sofrimento desses doentes.

Sales, Grossi, Almeida, Silva e Marcon28 objetivaram demonstrar vivências e expectativas do acompanhante de paciente oncológico sobre a assistência de enfermagem recebida. Constataram que o cuidado que se direciona aos familiares que acompanham seus doentes sem possibilidade de cura não se restringe apenas às ações da enfermagem, mas envolve também medidas administrativas e, sobretudo, de infraestrutura no ambiente hospitalar.

De modo semelhante, Sanches, Nascimento e Lima29 realizaram pesquisa com familiares cuidadores de crianças e adolescentes que morreram por causa de câncer, em acompanhamento em um hospital-escola. O estudo identificou que o processo de adoecimento da criança e do adolescente é vivido intensamente pela família, que enfrenta múltiplas mudanças diante do diagnóstico do câncer, relacionadas aos aspectos físicos, psicológicos e financeiros, e, em particular, o desequilíbrio no convívio social e familiar interligado à sobrecarga do familiar cuidador.

A pesquisa realizada por Silva e Lima30 objetivou compreender a perspectiva dos enfermeiros sobre a participação da família no cuidado do câncer paliativo e analisar as estratégias de atendimento de enfermagem às necessidades dos familiares. Os resultados apontam que a perspectiva do enfermeiro acerca da presença do familiar na hospitalização em cuidados paliativos oncológicos tende a valorizar os aspectos positivos, considerando a oportunidade de capacitá-lo para que possa realizar os cuidados no domicílio, e acolhê-lo, buscando atender às suas necessidades.

Em resumo, observa-se que os estudos analisados na categoria três evidenciam a importância do envolvimento de familiares cuidadores no processo de tratamento oncológico em cuidados paliativos, compreendendo que os familiares também necessitam de cuidados. Destaca-se ainda nesta categoria a percepção do paciente diante da doença e os índices de esperança durante o tratamento quimioterápico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados do presente estudo, verifica-se que a formação e a racionalidade médica perpetuam a prática de obstinação terapêutica em pacientes terminais com câncer. Por outro lado, reforçam a importância do processo de humanização da morte, da efetiva comunicação profissional-paciente, da corresponsabilização de decisões e da participação da família. Ressaltam ainda a necessidade de cuidado dos familiares e da própria equipe.

No que se refere ao processo de humanização do atendimento aos sujeitos em terminalidade de vida, frente aos familiares e profissionais de saúde envolvidos, algumas iniciativas têm sido realizadas e discutidas, embora ainda seja significativa a necessidade de abordagem mais ampla nesse campo. Verifica-se a urgência de se ampliarem os esclarecimentos em torno da prática de ortotanásia e dos cuidados paliativos para familiares, profissionais da saúde, sujeitos em adoecimento e sociedade em geral, para que se torne possível empregar mais práticas de humanização e dignificação da morte.

O estudo apresenta algumas limitações, tais como o número pequeno de publicações que se direcionam ao processo de ortotanásia para o paciente oncológico, percebeu-se a escassez na literatura de estudos que abordam essa temática. Este trabalho também contribui ao fornecer subsídios teóricos para futuros estudos, e auxilia a atuação de profissionais da área da saúde na assistência aos pacientes oncológicos em processo de terminalidade.

Reconhecendo-se a necessidade de se ampliar as análises acerca desse tema, espera-se que este estudo tenha contribuído para fomentar a discussão referente à prática da ortotanásia e dos cuidados paliativos em pacientes oncológicos em estado terminal. Desse modo, faz-se um convite aos demais pesquisadores e estudiosos para que invistam em pesquisas que abordem essa temática.

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Recebido: 16 de Julho de 2017; Aceito: 13 de Outubro de 2017

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