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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.18 no.53 Murcia Jan. 2019  Epub 14-Out-2019

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.1.306001 

Articles

A realização do teste diagnóstico para o HIV entre os participantes do carnaval

Márcio Tadeu Ribeiro Francisco1  1  , Vinícius Rodrigues Fernandes da Fonte2  , Carina D’Onofrio Prince Pinheiro3  , Monyque Évelyn dos Santos Silva4  , Thelma Spindola5  , Dalmo Valério Machado de Lima6 

1Enfermeiro. Doutor em Saúde Coletiva. Professor Associado da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil.

1Coordenador do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Veiga de Almeida. Rio de Janeiro - RJ, Brasil.

2Enfermeiro. Mestre em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil.

3Enfermeira pela Universidade Veiga de Almeida. Rio de Janeiro - RJ, Brasil.

4Enfermeira. Mestra em Ciências Cardiovasculares. Professora da Universidade Veiga de Almeida. Rio de Janeiro - RJ, Brasil.

5Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Associada da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil.

6Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor Adjunto da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa Universidade Federal Fluminense. Niterói - RJ, Brasil.

RESUMO:

Objetivo:

Identificar a adesão e descrever fatores associados à realização da testagem para o HIV entre os participantes do carnaval.

Método:

Estudo transversal realizado com 557 participantes. Os dados foram coletados com auxílio de um questionário. Foi realizada análise descritiva e empregado o teste qui-quadrado com nível de significância de 95%.

Resultados:

66,2% já fizeram teste para o HIV alguma vez na vida, 54,2% realizaram nos últimos 12 meses e 83,8% nunca fizeram o teste rápido. Houve associação significativamente estatística (p <0.05) na realização do teste com as variáveis, sexo, faixa etária, relacionamento, pratica sexual com pessoa do mesmo sexo, cadastro em Unidades de Atenção Básica e conhecimento sobre serviços de saúde que realizem o teste gratuitamente.

Conclusão:

Questões sociais, culturais, de gênero e acesso a unidades de saúde tem se mostrado mais eficientes no estímulo para a realização da testagem do que a exposição a práticas sexuais de risco.

Palavras-chave: HIV; sorodiagnóstico de HIV; diagnóstico da situação de saúde em grupos específicos; acesso aos serviços de saúde; enfermagem em saúde comunitária

INTRODUÇÃO

O enfrentamento à epidemia do HIV/aids vivencia uma oportunidade histórica de alcançarmos metas zero para novas infecções, para discriminação e para mortes relacionadas a aids. Essa proposta ambiciosa está sustentada pelos avanços técnico-científicos, principalmente nas esferas de diagnóstico e tratamento, onde investigações científicas têm evidenciado que o início precoce da terapia antirretroviral reduz as complicações relacionadas à infecção e o risco de novas transmissões1)(2)(3.

Desde 2014 o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS) estabelece o compromisso global de que até 2020, 90% de todas as pessoas vivendo com HIV tenham conhecimento da sua sorologia, 90% de todas as pessoas diagnosticadas com infecção pelo HIV iniciem terapia antirretroviral ininterruptamente e que 90% de todas as pessoas recebendo terapia antirretroviral tenham supressão viral4.

A meta 90-90-90 prevê um efeito cascata, através da identificação precoce das pessoas vivendo com HIV e início oportuno do acompanhamento de saúde e tratamento antirretroviral. No mundo existem várias metodologias para avaliar a cascata de cuidados às pessoas que vivem com HIV, sendo um componente chave na avaliação do tratamento como prevenção5. No Brasil, um dos indicadores de avaliação do efeito cascata é a entrada de pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) com CD4 igual ou superior a 200 células/mm³, o que significa um diagnóstico precoce6.

Embora a cascata de cuidados seja uma estratégia importante para o alcance da meta 90-90-90, ainda assim o enfrentamento da epidemia de HIV deve estar alicerçado nos princípios dos direitos da pessoa humana e combinado a outras estratégias de prevenção. É inadmissível o uso de estratégias coercivas, que não somente violam os direitos da pessoa humana, como fragilizam o vínculo e afastam as pessoas dos serviços que precisam7.

Os cenários, político e social, também devem ser capazes de assegurar o acesso universal ao acompanhamento de saúde, a testagem e ao tratamento, principalmente entre as populações chaves, que em geral, sofrem pelos estigmas, discriminação e exclusão social. Cabe ainda intensificar os programas de disponibilização de preservativos, de controle das demais infecções sexualmente transmissíveis, de utilização e acessibilidade à profilaxia antirretroviral pré e pós-exposição e aos serviços de redução de danos para pessoas usuárias de drogas4)(8.

A epidemia de HIV coloca toda a população em situação de vulnerabilidade a infecção. Muito mais do que um problema individual, da pessoa que vive com HIV/aids, a infecção atinge a gama coletiva ao nos colocar vivendo em um mundo onde existe o HIV/aids, trazendo suscetibilidade à infecção entre todos que nesse mundo habitam. É nessa perspectiva da vulnerabilidade coletiva e da resposta coletiva a epidemia, que todos devem estar engajados seja na prevenção, redução de danos ou tratamento9.

No mundo são cerca de 34 milhões de PVHA, com mais de 2,2 milhões de novas infecções e 1,7 milhão de mortes em decorrência da aids por ano. No Brasil, estima-se que existam 781 mil PVHA, mas apenas 649 mil (83%) tem conhecimento do seu status sorológico. A taxa de incidência nacional é de 19,7 casos em 100 mil habitantes e de mortalidade de 5,7 casos em 100 mil habitantes. Em 2015, 405 mil PVHA (52%) estavam em uso de terapia antirretroviral e 356 mil (46%) com carga viral indetectável, tendo um aumento de 29,4% e 50,8%, respectivamente, nos últimos dois anos6)(10.

No que tange a realização de testes sorológicos para detecção do HIV, na África, continente mais acometido pela epidemia, apenas 15% dos adultos tiveram conhecimento do seu status sorológico para o HIV nos últimos 12 meses11. Nos Estados Unidos da América, relatório do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), indicava que apenas 45% dos adultos foram testados para o HIV e apenas 10% a 12% destes foram testados nos últimos 12 meses12. No Brasil, em 2013, 33,5% da população entre 15 a 64 anos havia realizado o teste de HIV pelo menos uma vez na vida e, aproximadamente, 13% haviam realizado nos últimos 12 meses. As maiores taxas de realização do procedimento se referem às mulheres em idade reprodutiva, provavelmente relacionado à obrigatoriedade do teste no pré-natal6.

A baixa cobertura de acesso aos testes diagnósticos para o HIV produz um efeito dominó, pois o início tardio do tratamento antirretroviral aumenta os riscos de morbidade evitável, mortalidade por aids e transmissão do vírus11)(13. Nesse sentido, o estudo apresenta o seguinte problema de pesquisa: qual a adesão dos participantes do carnaval carioca à testagem para o HIV e quais fatores poderiam estar associados a realização ou não da testagem? Destarte, a investigação tem o objetivo de identificar a adesão à testagem para o HIV e descrever fatores de origem comportamental, social e programática associados a realização ou não da testagem para o HIV entre os participantes do carnaval no sambódromo do Rio de Janeiro.

MÉTODO

Pesquisa de desenho transversal, fruto do projeto de extensão da Universidade do Estado do Rio de Janeiro “Só Alegria vai Contagiar! O Samba da Prevenção vai Pegar nesse Carnaval!”. O projeto, criado em 1991, desde então atua de forma ininterrupta promovendo ações de educação em saúde e prevenção às infecções sexualmente transmissíveis/aids no carnaval do Rio de Janeiro.

O cenário do estudo foi o Sambódromo do Rio de Janeiro, local onde ocorre o apogeu do carnaval carioca com os desfiles das escolas de samba na passarela do samba professor Darcy Ribeiro. A população foi composta pelos mais de 600 mil frequentadores, entre foliões, expectadores e trabalhadores, que fazem desta festa cultural um dos maiores eventos do mundo. O critério de inclusão para participação no estudo foi possuir idade igual ou superior a 18 anos e de exclusão foram à incapacidade de leitura do questionário, seja por analfabetismo ou deficiência visual, e ausência de relação sexual penetrativa (anal, oral ou vaginal) há mais de 12 meses.

O tamanho da amostra foi calculado por meio de fórmulas para populações finitas, considerando erro amostral de 5% e nível de confiança de 95%. Participaram do estudo 557 pessoas, selecionados por conveniência e obedecendo aos critérios de elegibilidade estabelecidos.

A coleta de dados ocorreu nos dias dos desfiles das Escolas de Samba do Grupo de Acesso e Especial em fevereiro de 2016. Participaram da coleta de dados sete bolsistas do projeto de extensão, que foram distribuídos nas arquibancadas populares, nas áreas de circulação dos setores ímpares e pares e nas concentrações do lado “Correios” e “Balança, mas não cai”. Considerando que a pesquisa ocorre em um ambiente festivo, competitivo e envolto em custos de entrada para apreciação do espetáculo, o posicionamento dos pesquisadores objetivou garantir o envolvimento e participação dos entrevistados sem prejuízos para o evento. Portanto, a pesquisa iniciava-se às 16h, uma hora antes da abertura dos portões para acesso às arquibancadas (tempo necessário para captar informações dos trabalhadores), e se encerrava às 21h, devido ao início dos desfiles.

O instrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário, contendo variáveis sobre aspectos sociais (sexo, idade, escolaridade, crença religiosa, trabalho e conjugalidade), comportamentais (relacionamento extraconjugal, sexo com pessoa do mesmo sexo, sexo com múltiplos parceiros, sexo sob efeito de drogas e uso do preservativo), programáticos (acesso a serviços de saúde) e sobre teste diagnóstico para o HIV. Sua elaboração levou em consideração os objetivos do estudo, dados obtidos em pesquisas anteriores realizadas pelo coordenador do projeto, bem como a dinâmica social e epidemiológica das IST/HIV/aids. O instrumento foi testado, sendo aplicado um pré-teste nos ensaios técnicos que antecedem o carnaval.

Os dados coletados foram organizados em um banco de dados construído noSoftware Excel, versão 2013, e posteriormente transferido para o programaStatistical Package for the Social Science(SPSS), versão 18.0. A análise de dados foi realizada através da estatística descritiva, sendo aplicadas as medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis quantitativas. Para verificar a associação entre variáveis, foi aplicado o teste qui-quadrado dePearsoncom nível de significância de 95%.

O desenvolvimento do estudo atendeu as recomendações de ética em pesquisa envolvendo seres humanos conforme descrito na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, Brasil. Obteve parecer favorável através do protocolo 223.405/2013 e CAAE 12602113.9.0000.5291 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida.

RESULTADOS

Participaram do estudo 557 pessoas, sendo mais da metade do sexo feminino (58,7%), com média de idade de 38,5 anos e desvio padrão de 13,4. No que concerne a realização do teste sorológico para a detecção do HIV, ográfico 1, evidencia que 369 (66,2%) participantes foram testados ao menos uma vez na vida, 302 (54,2%) fizeram o teste nos últimos 12 meses e, apenas, 83 (14,9%) já fizeram o teste rápido. Dentre os que realizaram o teste nos últimos 12 meses, 178 participantes fizeram uma única vez, 79 fizeram o exame duas vezes e 45 fizeram três vezes ou mais.

Figura 1- Realização do teste diagnóstico para o HIV entre os participantes do carnaval no Sambódromo do município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2016. (n=557). 

ATabela 1apresenta a análise da associação entre a realização do teste diagnóstico para o HIV com variáveis independentes que abrangem aspectos sociais, comportamentais e programáticos. Os resultados evidenciam que foram observadas associações significativas (p <0.05) nas variáveis: sexo, faixa etária, relacionamento estável, possuir cadastro em posto de saúde ou na Estratégia de Saúde da Família (ESF) e conhecer serviço que realize o teste diagnóstico para o HIV gratuitamente.

Tabela 1- Fatores comportamentais, sociais e programáticos associados à realização do teste diagnóstico para o HIV entre os participantes do carnaval no Sambódromo do município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2016. (n=557) 

Fonte: elaborado pelos autores, 2016.

Legenda:*- Teste dePearson.

ATabela 2evidencia a análise da associação entre a realização do teste diagnóstico para o HIV nos últimos 12 meses com as variáveis independentes. Os resultados evidenciam que foram observadas associações significativas (p <0.05) nas variáveis: faixa etária, possuir cadastro em posto de saúde ou na ESF e conhecer serviço que realize o teste diagnóstico para o HIV gratuitamente.

Tabela 2- Fatores comportamentais, sociais e programáticos associados a realização do teste diagnóstico para o HIV nos últimos 12 meses entre os participantes do carnaval no Sambódromo do município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2016. (n=557) 

Fonte: elaborado pelos autores, 2016.

Legenda:*- Teste dePearson.

NaTabela 3é possível observar a análise da associação entre a realização do teste rápido para o HIV com as variáveis independentes. Os resultados evidenciam que foram observadas associações significativas (p <0.05) nas variáveis: sexo, faixa etária, relacionamento estável, ter se relacionado sexualmente com pessoa do mesmo sexo nos últimos 12 meses, ter se relacionado sexualmente com cinco parceiros sexuais ou mais nos últimos 12 meses, possuir cadastro em posto de saúde ou na ESF e conhecer serviço que realize o teste diagnóstico para o HIV gratuitamente.

Tabela 3- Fatores comportamentais, sociais e programáticos associados à realização do teste rápido para o HIV entre os participantes do carnaval no Sambódromo do município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2016. (n=557) 

Fonte: elaborado pelos autores, 2016.

Legenda:*- Teste dePearson.

As Tabelas convergem ao demonstrar que possuir cadastro em posto de saúde ou na ESF e conhecer serviço que realize o teste diagnóstico para o HIV gratuitamente são os fatores que tiveram associação significativa (p <0.05) para a realização do exame alguma vez na vida, nos últimos 12 meses e na realização do teste rápido.

DISCUSSÃO

O Brasil assumiu o compromisso global, proposto pela UNAIDS, de até 2020 atingir a meta de que 90% das pessoas vivendo com HIV/aids tenha conhecimento da sua sorologia, sendo a principal medida intervencionista o acesso aos métodos diagnósticos4. A presente pesquisa aponta que apenas 66,2% dos participantes já realizaram o exame sorológico alguma vez na vida e 54,2% o fez nos últimos 12 meses. Pesquisa realizada no Brasil, em 2013, evidencia que 33,5% da população havia realizado, ao menos uma vez na vida, teste para o HIV, sendo 13% nos últimos 12 meses. Entre as mulheres o percentual de realização do teste de HIV foi de 40%, número 56% superior ao encontrado em homens, onde apenas 26% relataram ter realizado o teste de HIV alguma vez na vida6. Entre os homens que fazem sexo com homens, pesquisa realizada em Salvador (Brasil) identificou que 44,1% dos entrevistados já haviam sido testados para o HIV, resultado superior ao encontrado entre homens em geral14.

Na Espanha, estudo conduzido em 2011, identificou que cerca de 55% da população espanhola havia realizado teste para o HIV anteriormente, principalmente os imigrantes. Entre os que nunca tinham sido submetidos a uma testagem para o HIV antes, as principais barreiras mencionadas foram: baixa percepção de risco e preocupação decorrentes da perda do anonimato15.

Nos Estados Unidos da América, investigação realizada entre 2011 e 2013, constatou que 19% das pessoas com idades entre 15 e 44 anos haviam sido testadas para o HIV nos últimos 12 meses, sendo 22% mulheres e 16% homens. Porcentagens mais elevadas de realização de testes para o HIV foram observadas em pessoas com idades entre 15 e 34 anos, negros não hispânicos, pessoas com parceiros do mesmo sexo que o seu e com múltiplos parceiros16.

Observa-se que questões de gênero ainda permeiam a realização da testagem para o HIV. Investigações sugerem que a maior participação de mulheres na realização do exame esteja associada à indicação do teste durante o pré-natal e do forte arcabouço de políticas públicas direcionadas as mulheres, enquanto que os homens obtiveram a primeira política integral de saúde, no Brasil, no ano de 2008. Não obstante aos aspectos programáticos, questões culturais masculinas o fazem reconhecer que são fortes, provedores e viris e, por isso, negam a presença de doenças por considerar que o cuidado está associado ao feminino7)(17.

A captação de pessoas para aconselhamento e testagem para o HIV ainda permanece baixa, devido, principalmente, ao estigma direcionado às pessoas que vivem com o vírus. Estudo realizado em uma comunidade sul africana buscou, através de intervenção educativa, melhorar as atitudes e aceitação dos serviços de aconselhamento e testagem voluntária. Após a intervenção foi observado que o conhecimento da população sobre HIV/aids aumentou, o estigma sobre as pessoas que vivem com o HIV diminuiu e a proporção de testagem para o HIV cresceu de 40%, no ano de 2014, para 70% em 200818. Não obstante, estudo realizado em Uganda também identificou que a atividade educativa e a aproximação dos serviços de saúde com a população local, no que tange ao aconselhamento e testagem do HIV, propiciaram a redução de comportamentos de risco, do estigma e discriminação associados à infecção pelo HIV e no aumento da testagem, que passou de 18,6% para 62%1.

Os estudos apresentados reforçam a necessidade de investimentos para redução das vulnerabilidades programáticas, através da oferta de atividades educativas e da aproximação dos serviços de saúde com a população. Os dados desta pesquisa corroboram com os estudos citados, ao afirmar que os participantes que conheciam serviços de saúde que realizavam o teste de HIV gratuitamente e que estavam cadastrados em Unidades Básicas de Saúde ou Equipes de Saúde da Família haviam realizado mais testes de HIV do que os que não sabiam ou não eram cadastrados.

O diagnóstico de pessoas vivendo com HIV/aids é um compromisso global de enfrentamento à epidemia. A busca de novas tecnologias é imprescindível para, de fato, apresentarmos respostas eficazes. O advento dos testes rápidos revolucionou o acesso ao diagnóstico, além do resultado imediato o teste é de fácil execução e não necessita de estrutura laboratorial, sendo possível realiza-lo em regiões de difícil acesso e em populações flutuantes. Para alcançar a meta ambiciosa de 80% da população conhecer seu estado sorológico para o HIV até o ano de 2010, o governo do Quênia investiu maciçamente na oferta dos testes rápidos, seja nas unidades de saúde, fora das unidades através de bases comunitárias, testes de “porta em porta” e auto-testes. Análises qualitativas evidenciaram que a população que aceita o teste de “porta em porta” possuíam medo do estigma e da vulnerabilidade emocional associada com o recebimento do resultado em instalações públicas. Isso justifica os cerca de 60% das pessoas que foram testadas pela primeira vez através desta nova metodologia de oferta de testagem para o HIV3.

A baixa procura pelas instituições de saúde ou a recusa em ir procura-las devido ao medo da estigmatização e discriminação também foi abordado em um metanálise. Os resultados indicam que algumas estratégias têm sido adotadas para assegurar uma melhor cobertura de oferta de testes para o HIV, tais como: testes em unidade móveis, de “porta-em-porta”, na comunidade, auto-teste, locais e trabalho e escolas. Os testes realizados fora das instituições de saúde aumentam a chance de diagnóstico de pessoas com CD4 elevados, mas tem uma taxa de positividade inferior entre os que procuram a unidade de saúde10.

Em estudo conduzido com vinte e três trabalhadores da saúde de um hospital de referência em doenças infectocontagiosas em Florianópolis (Brasil), foi identificado que as estratégias de prevenção ao HIV/aids tem sido repensadas. Haja vista que o uso do preservativo não é uma realidade constante na vida da população, ações de prevenção devem considerar uma ampla gama de estratégias que envolvam desde a educação sexual ao diagnóstico precoce19.

Apesar do resultado da presente investigação não retratar as múltiplas formas de oferta de métodos diagnósticos para o HIV, pode-se observar que ainda podemos avançar na oferta dos testes rápidos. Embora as unidades básicas de saúde e as Estratégias de Saúde da Família (ESF) estejam associadas a uma maior realização de testes para o HIV, ainda assim inúmeras pessoas podem não estar sendo contempladas com a testagem pelo medo de comparecer nas instituições em virtude de estigmas e descriminação ainda presentes na epidemia do HIV.

Nesse sentido, o estudo convida a demais pesquisadores a analisar a oferta e adesão a testagem do HIV, em especial quanto efetividade das múltiplas formas de ofertar o teste (“porta em porta”, auto-teste, unidades móveis e etc) e priorizando o encontro com as populações mais vulneráveis e não vinculadas com as unidades de saúde.

A limitação do estudo consiste na utilização de um instrumento de coleta de dados como o questionário em um ambiente dinâmico e festivo, que pode ter influenciado para a desatenção das pessoas nas respostas as questões da pesquisa, considerando que as informações sobre testagem são auto-relatadas. No entanto os resultados apresentam uma congruência com a literatura, demonstrando um aumento no número de testagem ao longo dos anos, provavelmente devido ao maciço investimento na ampliação do teste rápido no Brasil, as campanhas do Ministério da Saúde e ampliação da ESF, especialmente no Rio de Janeiro.

CONCLUSÃO

O presente estudo buscou identificar a adesão à testagem para o HIV entre os participantes do carnaval no sambódromo do Rio de Janeiro. Os resultados evidenciaram que 66,2% dos participantes foram testados ao menos uma vez na vida, 54,2% fizeram o teste nos últimos 12 meses e 14,9% já fizeram o teste rápido. A faixa etária, possuir conhecimento sobre o local onde se realiza teste para o HIV gratuitamente e estar cadastrado em uma UBS ou ESF se mostraram fatores estatisticamente significativos para realização do teste para o HIV alguma vez na vida, nos últimos 12 meses e o teste rápido entre as variáveis analisadas.

Os dados apontam que mais da metade da população já foi testada para o HIV, mas ainda não alcançamos a meta de 90% das pessoas que vivem com HIV terem conhecimento do seu status sorológico. Ainda são necessários, portanto, esforços para aumentar a abrangência da testagem e manter uma periodicidade, especialmente entre as populações mais vulneráveis.

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Recebido: 08 de Outubro de 2017; Aceito: 13 de Dezembro de 2017

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