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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.18 no.53 Murcia ene. 2019  Epub 14-Oct-2019

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.1.304491 

Articles

Risco para violência autoprovocada: prenuncio de tragédia, oportunidade de prevenção

Tamires Alexandre Félix1  , Eliany Nazaré Oliveira2  , Marcos Venicios de Oliveira Lopes2  , Maria Socorro de Araújo Dias2  , Jose Reginaldo Feijão Parente3  , Roberta Magda Martins Moreira4 

1Enfermeira. Mestra em Saúde da Família pela UFC. Professora Substituta do curso de Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, Sobral-CE/Brasil.

2Enfermeira/o. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Docente do curso de Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, Sobral-CE/Brasil.

3Psicólogo. Doutor em Educação. Docente da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, SobralCE/Brasil.

4Acadêmica de Enfermagem pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), Sobral-CE/Brasil.

RESUMO:

No Brasil, foram registrados mais de 30 óbitos autoprovocados por dia em 2012 sendo a estimativa para as Tentativas de Suicídio cerca de 10 a 20 vezes maior o que exige estratégias intersetoriais para prevenir novos casos e acompanhar os grupos de risco. O objetivo desta pesquisa foi analisar a associação de fatores considerados de risco com a tentativa de suicídio em pessoas atendidas em um hospital de referência da região norte do Ceará a partir do método caso-controle de base populacional. Foram incluídos 153 casos e 153 controles admitidos entre agosto de 2013 e agosto de 2015 pareados por sexo, idade e procedência. A coleta de dados foi realizada por um formulário próprio e as informações processadas peloSPSS. Na amostra de casos prevaleceram os adultos jovens sem diferença significativa por sexo. Destacou-se como método a Intoxicação Exógena e as motivações por conflitos amorosos e familiares. O lazer demonstrou-se protetor. Os fatores de risco foram ‘Tentativa de suicídio anterior’, ‘ser portador de algum transtorno mental’, ‘histórico familiar de comportamento autolesivo’ e ‘uso abusivo de drogas’. Muitos dos controles referiram ideação suicida em algum momento da vida. Recomenda-se o rastreamento a partir dos preditores mais impactantes e a sensibilização para notificação.

Palavras-Chave: Risco; Tentativa de Suicídio; Epidemiologia; Suicídio

INTRODUÇÃO

Ao manejar casos isolados, a impressão tanto dos profissionais como da população em geral é que o suicídio está presente em pequena proporção e que, portanto, tem uma escala de impacto reduzida no perfil saúde-doença das comunidades, uma grande inverdade. Este fenômeno é motivo de grande preocupação para a saúde pública demandando práticas sinérgicas de cuidado e ações de prevenção envolvendo todos os níveis de atenção1.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS)2, o suicídio vem atingindo progressivamente a população. Em 2012, foram registradas cerca de 804.000 mortes que correspondem a uma taxa de 11,4 suicídios para cada 100.000 pessoas sem considerar os agravos não notificados e as tentativas estimadas numa proporção dez vezes maior.

Os principais fatores associados a essa prática são: tentativas anteriores de suicídio que predispõem a progressiva letalidade do método, ser portador de transtornos mentais (principalmente depressão), abuso/dependência de álcool e outras drogas, ausência de apoio social, histórico de suicídio na família, forte intenção suicida, eventos estressantes e características sociodemográficas desfavoráveis tais como pobreza, desemprego e baixo nível educacional3)(4)(5.

No Brasil, oitavo país com mais suicídios no mundo, em 2012 foi registrada uma taxa de 5,3 suicídios para cada 100.000 pessoas equivalendo a mais de 30 mortes por dia. Em 20 anos, o número de óbitos por suicídio cresceu 1.900% na faixa etária de 15 a 24 anos. Com tal incidência, representa a terceira causa de morte de pessoas em plena vida produtiva2.

O comportamento suicida é cercado de tabus, envolve as dimensões biopsicossociais do ser humano atingindo o espectro da religião e das determinações divinas sobre a vida e a morte. Nos casos em que a tentativa é ‘frustrada’ a pessoa ganha estigmas que dificultam a reabilitação individual, familiar e social.

Neste contexto, a tentativa de suicídio precisa ser compreendida sob a perspectiva da prevenção. É necessário reconhecer os fatores determinantes ou de risco que tem contribuído para a elevação dos índices de morbimortalidade para este agravo. Isto evoca um novo olhar sobre as políticas públicas e sua efetividade nas populações vulneráveis.

Este estudo compõe a pesquisa “Saúde Mental e Cuidado de Enfermagem à Pessoa que Tentou Suicídio” e tem por objetivo analisar a associação de fatores considerados de risco com a tentativa de suicídio em pessoas atendidas em um hospital de referência da região norte do Ceará a partir do método caso-controle de base populacional.

Destaca-se que mediante a caracterização desta demanda será possível identificar grupos de risco para traçar estratégias de rastreamento, acompanhamento e avaliação principalmente no âmbito da Atenção Primária à Saúde. O reconhecimento dos aspectos relacionados ao fenômeno também contribui para o aprimoramento da assistência e no que concerne à relevância ética e social promove a escuta qualificada, humanização e desenvolvimento de políticas públicas em saúde mental, redução de danos e combate a violência.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo com abordagem quantitativa do tipo Caso-Controle de base populacional, cujos casos e controles são selecionados de uma mesma população dentro de uma área geográfica e de um período de tempo pré-definidos.

O cenário é a unidade de emergência adulta de um hospital de grande porte da mesorregião noroeste do estado do Ceará. A escolha da emergência como campo de pesquisa garante uma amostragem de casos incidentes que reduz a probabilidade de viés e permite conhecer os fatores envolvidos pela própria investigação decorrente da internação6.

O grupo de Casos foi composto por pessoas com idade mínima de 12 anos admitidos na unidade entre agosto de 2013 e agosto de 2015 com diagnóstico inicial compatível com tentativa de suicídio de acordo com o CID-10. Entre os critérios de exclusão para o grupo de Casos consideramos a permanência inferior a 12 horas na unidade e a readmissão por nova tentativa de suicídio; nesta situação sendo apenas revisitado o instrumento de coleta de dados inicial para complementar informações.

O grupo Controle foi composto por pessoas atendidas na mesma unidade com diagnósticos clínicos, traumatológicos, neurológicos e cirúrgicos que não se associavam diretamente com a saúde mental. Os controles foram pareados caso a caso por sexo e idade (+/-2 anos) sendo procedentes da mesma população/área geográfica/região em saúde. A coleta de dados do grupo controle ocorreu entre janeiro e agosto de 2015.

Partindo dos seguintes parâmetros: nível de confiança de 95%, poder de 80%, razão entre número de controles para cada caso de 1, proporção de indivíduos expostos no grupo controle de 25% eodds ratiode 2, a amostra mínima foi definida para 153 casos e 153 controles7.

A coleta de dados foi realizada por meio de um formulário próprio preenchido a partir de dados constantes no prontuário e de uma entrevista breve semiestruturada. Os dados foram processados através do softwareStatistical Package for the Social Sciences(SPSS) versão 21.0.

As análises incluíram as estatísticas descritivas, além da aplicação de testes específicos para variáveis dependentes. A aderência à distribuição normal foi verificada com a aplicação do teste de Kolmogorov-Smirnov. Na comparação entre variáveis categorizadas aplicamos o teste de McNemar. AOdds ratioconsistiu na medida de magnitude de efeito e o nível de significância para todas as análises foi de 5%. A pesquisa obteve parecer favorável no Comitê de Ética e Pesquisa com nº 384.6468.

RESULTADOS

A média de admissões foi de 1,47 casos por semana. Foram registrados 8 óbitos ainda no setor de emergência; 55,5% dos casos evoluíram bem com melhora clínica e alta hospitalar em menos de 48 horas.

O perfil identificado nos casos foi de homens e mulheres adultos jovens com baixo grau de instrução. Os controles também referiram menor grau de instrução, porém revelaram-se mais estáveis social e financeiramente. Em correspondência com a baixa escolaridade, as pessoas que tentaram suicídio eram a maioria desempregados, trabalhadores informais ou autônomos e agricultores. Sobre o estado civil, 46,4% dos casos eram solteiros.

Cruzando as variáveis idade e sexo, diferenças estatisticamente significantes foram observadas na faixa etária entre 12 e 21 anos, na qual um número superior de ocorrências de tentativa de suicídio foi observado no sexo feminino; entre 41 e 61 anos, os homens cometeram autoagressão quatro vezes mais que as mulheres.

Destacou-se a Intoxicação Exógena (82,35% da amostra de casos) como método mais utilizado nesta região para autoagressão. A maioria dos casos (30%) ingeriu veneno; entre os compostos citados estão os organofosforados (chumbinho), agrotóxicos diversos, pesticidas e substâncias de fabricação caseira. Também foi identificado ingestão de medicamentos diversos (26,8%) e ansiolíticos/antidepressivos de uso próprio contínuo do paciente (15,7%). Notou-se prevalência do sexo masculino na escolha de métodos mais agressivos ou letais como o ferimento por arma branca, enforcamento e associações de métodos.

Os diagnósticos médicos emitidos na admissão hospitalar conforme registro nas folhas de atendimento e prontuários por vezes não correspondiam com os métodos utilizados o que remete a certa dificuldade em identificar e registrar autoagressão.

A principal causa referida foi o Conflito Amoroso (31,4%) seguida dos Conflitos Familiares (26,8%) e Eventos Estressantes (16,3%). Em 11,8% dos casos, a Depressão foi relatada como causa mais relacionada aos sintomas do que ao fato de ter a doença. Somente 5,2% relacionou a dependência de substâncias psicoativas como causa; dado interessante considerando que 30,0% dos casos afirmou fazer uso abusivo ou ser dependente de crack, álcool e/ou outras drogas.

ATabela 1a seguir apresenta a análise dos fatores de risco de modo comparativo nos grupos Caso e Controle.

Tabela 1: Análise dos fatores de risco para tentativa de suicídio em pessoas atendidas em unidade de emergência. Sobral, 2015. 

Fuente: Formularios equivalentes a casos y controles recolectados entre 2013 y 2015 en la emergencia adulta del hospital ‘Santa Casa’ de la ciudad Sobral.

Com relação aos fatores de risco no grupo controle os valores foram alarmantes: 19,6% dos controles (n=30) referiu uso abusivo de drogas psicoativas sendo a maioria adultos jovens do sexo masculino; 15% (n=23) tem histórico familiar de suicídio; 7,8% referiram ser portador de transtorno psíquico (n=12); 5,9% já tentou suicídio pelo menos uma vez (n=9). Quanto ao fator protetor, 16,3% dos controles referiram não desenvolver quaisquer atividades de lazer conforme indicado naTabela 1.

Identificou-se que, apesar das evidências de proteção, as variáveis ‘ter apoio social’ (p=0,082) e ‘denominar-se/participar de uma religião/prática de apoio espiritual’ (p=0,416) não obtiveram significância estatística. A prática de atividades de lazer (individual, em família ou comunidade) demonstrou-se fator protetor diminuindo em aproximadamente 80% a chance de tentativa de suicídio (OR=0,211). Quatro fatores obtiveram significância estatística para risco de violência autoprovocada: Uso abusivo/dependência de drogas (dobra as chances de tentativa de suicídio); histórico familiar de suicídio (dobra as chances de tentativa de suicídio); tentativa de suicídio anterior (aumentou o risco em sete vezes mais para o episódio atual de autoagressão); ser portador de algum transtorno psíquico (elevou em 10 vezes o risco para o episódio atual de autoagressão).

As Tabelas seguintes tratam separadamente dos quatro fatores que obtiveram significância estatística para risco de violência autoprovocada cruzando os dados por sexo e idade.

Tabela 2: Uso abusivo de drogas entre casos de tentativa de suicídio atendidos na emergência adulta da Santa Casa de Sobral entre 2013 e 2015 por idade e sexo. 

1 - Teste exato de Fisher; 2 - Teste de Qui-quadrado.

Fuente: Formularios equivalentes a casos y controles recolectados entre 2013 y 2015 en la emergencia adulta del hospital ‘Santa Casa’ de la ciudad Sobral.

Em 30,0% dos casos foi identificado uso abusivo/dependência de crack, álcool e outras drogas. Destes 30%, o adulto jovem usa mais (60,9%) e a maioria é homem (71,7%).

Tabela 3: Tentativa de suicídio anterior reportados por pacientes atendidos na emergência adulta da Santa Casa de Sobral entre 2013 e 2015 por tentativa de suicídio de acordo com idade e sexo. 

1 - Teste exato de Fisher; 2 - Teste de Qui-quadrado.

Fuente: Formularios equivalentes a casos y controles recolectados entre 2013 y 2015 en la emergencia adulta del hospital ‘Santa Casa’ de la ciudad Sobral.

Identifica-se que 38,6% da amostra tinha história de autoagressão anterior. Proporcionalmente, o adulto e o idoso tem prevalência maior que 50 % deste fator de risco. Homens e mulheres apresentaram proporção aproximada. A diferença mais significativa está na faixa etária entre 12 e 21 anos onde as mulheres detiveram uma prevalência 10 vezes maior de episódio anterior.

Tabela 4: Histórico familiar de suicídio entre casos de tentativa de suicídio atendidos na emergência adulta da Santa Casa de Sobral entre 2013 e 2015 por idade e sexo. 

1 - Teste exato de Fisher; 2 - Teste de Qui-quadrado.

Fuente: Formularios equivalentes a casos y controles recolectados entre 2013 y 2015 en la emergencia adulta del hospital ‘Santa Casa’ de la ciudad Sobral.

O histórico familiar de suicídio está presente em 26,1% dos casos sendo mais frequente entre homens adultos. Um total de 29,9% dos homens e 22,4% das mulheres tem este fator o que pode sugerir que no sexo masculino esta variável se manifeste mais fortemente na determinação do ato. A faixa etária de adultos jovens (entre 21 e 41 anos) apresentou diferença estatisticamente significante, na qual homens que tentaram suicídio apresentaram uma chance três vezes maior que mulheres (p = 0,045) de relatarem histórico familiar de suicídio.

Tabela 5: Presença de transtorno mental de base entre dos casos de tentativa de suicídio atendidos na emergência adulta da Santa Casa de Sobral entre 2013 e 2015 de acordo com idade e sexo. 

1 - Teste exato de Fisher; 2 - Teste de Qui-quadrado.

Fuente: Formularios equivalentes a casos y controles recolectados entre 2013 y 2015 en la emergencia adulta del hospital ‘Santa Casa’ de la ciudad Sobral.

Os resultados indicam que quantitativamente os adultos possuem maior prevalência de transtorno psíquico diagnosticado, sendo a maioria do sexo feminino entre 21 e 41 anos. As mulheres de maneira geral têm esse diagnóstico melhor definido (20,3%). Não foram identificados transtornos em adolescentes do sexo masculino.

Destaca-se que 20,26% dos casos tentaram suicídio anteriormente e tinham transtorno mental de base mostrando forte associação entre estes fatores de risco com um aumento aproximado de três vezes mais chance de tentativa anterior de suicídio entre pessoas com psicopatologias de base.

DISCUSSÃO

A violência autodirigida como questão de saúde pública de etiologia multifatorial pode apresentar diferentes contextos clínicos associados mais especificamente a variáveis individuais como grau de adoecimento mental, cultura de origem, estrutura familiar e história pregressa.

O perfil sócio-demográfico identificado para tentativa de suicídio apontou que estatisticamente homens e mulheres tentaram suicídio na mesma proporção. Este dado sinaliza uma possível mudança de padrões epidemiológicos nesta região, visto que a literatura aponta o predomínio de mulheres na violência autoprovocada9-13ou pode sugerir também que os fatores de risco nesta realidade estejam afetando de forma mais direta o sexo masculino. No Ceará, em 2012, foram registradas 352 internações por lesões autoprovocadas sendo 238 em homens e 114 em mulheres o que já demonstra esta transição14.

Sobre o apoio social restrito e a baixa escolaridade evidente tanto no grupo Caso como no Controle, propõe-se que as políticas de seguridade social e capacitação para o trabalho sejam incentivadas, bem como outras ações intersetoriais que compõem o conjunto de estratégias de impacto sobre os determinantes da saúde mental que refletem na morbidade de ideação e tentativa de suicídio.

Houve similaridade nos padrões de violência autodirigida tanto para pessoas que vivem sozinhas quanto para as que estão em uma união estável/casamento. Apesar de a solidão ser apontada como contexto inapropriado para quem tem ideias de morte15; na realidade investigada a autoagressão se associou boa parte a conflitos interpessoais e amorosos vividos nos relacionamentos estáveis.

Um estudo caso-controle de Harrisonet al.16)realizado com idosos concluiu que, ao contrário do que se pensa, as dificuldades nas relações interpessoais, hostilidade e conflitos predispõem mais ao suicídio do que propriamente a solidão.

Os conflitos familiares também foram apontados como definidores de risco; estudo internacional revela que famílias monoparentais, relações de alto risco envolvendo pais e mães e mudanças na estrutura e funcionamento familiar são fatores de extremo risco para o suicídio infanto-juvenil17.

Os resultados também permitem concluir que as mulheres tentam suicídio cada vez mais cedo e homens mais tarde. Numa pesquisa realizada com adolescentes argentinos em contexto de autoagressão, 56,1% da amostra também era do sexo feminino o que corrobora com os resultados encontrados17.

O método mais utilizado foi a Intoxicação Exógena. Vários estudos reconhecem o uso crescente de agentes tóxicos como “armas” para provocar dano a si próprio18. O motivo pode estar relacionado à dificuldade de acesso a meios mais letais como a arma de fogo ou mesmo ao temor de sofrer antes da morte principalmente em indivíduos que cometem o ato pela primeira vez.

Um estudo realizado no mesmo hospital analisou as notificações intra-hospitalares por tentativa de suicídio por intoxicação exógena concluiu que “a incidência considerada elevada, se comparada a outras regiões do país, apresenta o caráter emergencial destas ações diante da exposição facilitada a tóxicos, as taxas crescentes de notificações e os altos índices em adolescentes do sexo feminino”(19.

A utilização elevada de venenos pode estar associada à cultura rural de muitos municípios circunvizinhos que utilizam a agricultura como fonte de renda e subsistência. Um estudo caso-controle20realizado na China identificou a relação dos pesticidas com o suicídio numa comunidade rural. Dos 370 suicídios incluídos, 245 (66,2 %) morreram pela ingestão de um pesticida, 50,4 % tinham um pesticida em casa, 22,6% tinha mais de dois pesticidas em casa entre herbicida, insecticida, bactericida e raticida.

As intoxicações por medicamentos, inclusive ansiolíticos e antidepressivos, destacou-se para um possível padrão de automedicação e prescrição indiscriminada de fármacos. Este método tem bastante significância clínica à medida que a sobredose gera efeitos sistêmicos em longo prazo exigindo quase sempre internação hospitalar prolongada. De acordo com o SINITOX (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas), só no Nordeste foram registradas 637 tentativas de suicídio por ingestão de medicamentos em 201221.

Erlangsenet al22realizaram um estudo de coorte para avaliar a proporção de idosos que morreram por suicídio que tinham prescrição recente de antidepressivos. Foi identificada uma crescente lacuna entre prevalência estimada de depressão e a taxa de prescrição de antidepressivos para a amostra.

Quanto aos diagnósticos de internação incongruentes, remete-se esta como causa base para subnotificação de casos. A dificuldade de registrar diagnósticos conforme CID-10 para lesões autoprovocadas interfere no dimensionamento do problema uma vez que a coleta de dados epidemiológicos se fundamenta em atestados de óbito, sistemas de notificação intra-hospitalares e ambulatoriais que podem conter falhas, pois dependem da interpretação subjetiva do profissional que os preenche.

Dos 153 casos, 8 evoluíram para óbito ainda no setor de emergência mais relacionado à exposição/letalidade do método e tempo decorrido até o atendimento do que propriamente à assistência hospitalar ou complicações clínicas decorrentes da internação. Na perspectiva do estudo, discutir sobre o número de óbitos registrados remete a ineficiência das ações de prevenção e ao fator de impacto que estas variáveis de risco exercem sobre a população.

Considerando o lazer como aspecto subjetivo difícil de mensurar, ressalta-se a importância de incentivar nos grupos de risco práticas que tragam conforto, sociabilidade e alegria mediante forte impacto protetor evidenciado pela pesquisa.

Quanto aos fatores de risco, vale ressaltar que o contexto identificado não é determinante para a violência autoprovocada, mas pode interagir e contribuir para a sua ocorrência quando existe sofrimento psíquico intenso, ou seja, o risco por si só não determina a autoagressão, mas um constructo circunstancial é que desencadeia o ato.

No que se refere ao abuso ou dependência de drogas, vários autores apresentam o álcool como a substância mais fortemente associada; seja como motivação (ter essa dependência atribui sentido negativo à vida) ou como estimulante (a ideação de morte é impulsionada pelo efeito do álcool)23)(24)(25.

Para esta população, os resultados evidenciaram que o uso de drogas pelo adolescente pode elevar em até nove vezes o risco para violência autoprovocada e que este risco está bem mais presente no sexo masculino, o que corrobora com o disposto na literatura nacional e internacional.

Outra variável considerada de risco é a tentativa de suicídio anterior. É consenso entre os pesquisadores que a pessoa que já vivenciou a experiência de se machucar ver seus problemas aumentarem após o episódio e começa a visualizar outras alternativas mais letais para cometer o suicídio. Predispõe-se que todo contexto de risco que já desencadeou uma autoagressão se mantém e, caso não haja intervenção, poderá incorrer novamente.

Os adolescentes detiveram um número dez vezes maior deste fator nas mulheres e os adultos responderam pelo maior número de casos com este histórico individual. Algo preocupante para pesquisadores que analisaram uma coorte retrospectiva em Minas Gerais e identificaram 807 tentativas de suicídio em 6 anos das quais 12 evoluíram para óbito por suicídio a maioria em menos de 24 meses após o episódio anterior26.

Sobre o histórico familiar de suicídio, este prediz que o convívio com pessoas que tem ideação de morte é prejudicial e também sugere que a herança genética tenha influência sobre o comportamento autodestrutivo. Estudos pioneiros de associação do genoma com a tentativa de suicídio ainda não identificaram variantes específicas, mas já sinalizam a presença de fatores que relacionam a violência autodirigida como expressão/fenótipo familiar em conjunto com aspectos ambientais27)(28.

Ao estudar a história familiar de 680 adolescentes que tentaram suicídio, pesquisadores identificaram que 12 deles tinham pais que morreram por suicídio revelando evidências fortes de que até a escolha do método tende a ser mesma nesses núcleos parentais. Na amostra deste estudo o sexo masculino e o adolescente foram os mais afetados por esta variável corroborando com este estudo29.

A partir da caracterização dos casos, concluiu-se também que a autoagressão é tratável, já que boa parte das pessoas com conduta autodestrutiva possuem transtornos psíquicos de base inadequadamente diagnosticados e/ou tratados tais como a Esquizofrenia, os transtornos de humor, de personalidade e a Depressão.

Assim, a abordagem adequada de pessoas acometidas por transtornos mentais, notadamente depressão, em serviços gerais de saúde parece ser a forma mais efetiva de prevenir o suicídio30.

Nesta investigação, 20,26% da amostra de casos tentaram suicídio anteriormente e tinham desordem mental de base mostrando forte associação entre estes fatores de risco com um aumento aproximado de três vezes mais chance das pessoas diagnosticadas com transtorno psíquico também referirem tentativa de suicídio anterior.

Apesar da possibilidade de delimitar estratos de risco, a violência autoprovocada não é um fenômeno previsível, mas que pode agigantar-se numa sociedade onde as dificuldades financeiras, a desestruturação familiar, o uso de drogas, a violência, a reformulação de valores e a fragilidade do sistema de saúde são notáveis.

CONCLUSÃO

Os resultados são consistentes para definir como fatores de risco para violência autoprovocada uso abusivo/dependência de drogas, tentativa anterior de autoextermínio, histórico familiar de tentativa de suicídio e portar uma psicopatologia.

Na amostra de casos prevaleceram os adultos jovens que utilizam como método a Intoxicação Exógena motivados por conflitos amorosos e familiares. O lazer demonstrou-se fator protetor. Muitos dos controles referiram ideação suicida em algum momento da vida revelando a elevada prevalência de risco e dificuldade no acompanhamento de casos dentro da Rede de Saúde Mental.

Dentre todas as variáveis investigadas, a tentativa anterior de autoextermínio e ser portador de uma desordem mental mostraram-se com maior poder de impacto nesta região definindo como estratégia de prevenção urgente fortalecer a Rede de Saúde Mental e os serviços de saúde em geral para delimitar fluxos de cuidado e capacitar para o adequado diagnóstico, tratamento precoce e monitoramento do comportamento autolesivo. Recomenda-se o rastreamento a partir destes preditores e a sensibilização para notificação.

O estudo tem limitações à medida que inclui somente uma unidade hospitalar, mas a partir dos resultados encontrados, contexto clínico e associações de risco, determinamos que as variáveis identificadas têm potencial de alcance na população em geral evidenciado pelos controles com predisposição ao comportamento autolesivo.

Toda a pesquisa foi desenvolvida com apoio do serviço de psicologia do hospital considerando os parâmetros éticos inerentes à vulnerabilidade biológica e psicológica do paciente e seus familiares.

A partir destes apontamentos é possível repensar as atitudes, ações e políticas direcionadas ao suicídio visando principalmente fortalecer a rede de vigilância e controle da comercialização e disponibilidade de meios, bem como dos registros e notificações das pessoas atendidas por autoagressão. É plausível inferir que estas informações colhidas de sobreviventes podem prevenir novos casos ou readmissões.

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Recebido: 17 de Setembro de 2017; Aceito: 10 de Novembro de 2017

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