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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.18 n.54 Murcia Apr. 2019  Epub Oct 14, 2019

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.2.324291 

Revisões

Identidade profissional do enfermeiro: uma revisão de literatura

Thais Araújo da Silva1  , Genival Fernandes de Freitas2  , Magali Hiromi Takashi1  , Tatiana de Araújo Albuquerque3 

1Doutoranda em Ciências, Programa de Pós Graduação em Gerenciamento em Enfermagem/PPGEn, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Brasil.

2Professor Titular, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo/EEUSP, Presidente do Programa de Pós Graduação em Gerenciamento em Enfermagem/PPGEn. São Paulo (SP), Brasil.

3Aluna ouvinte do grupo de pesquisa Formação de Professores do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Brasil.

RESUMO:

Objetivo:

Identificar, na literatura científica, as matizes identitárias da Enfermagem em diversos contextos, especialmente nos campos da gestão e do ensino, para contribuir e desdobrar novos apontamentos sobre a temática proposta.

Método:

Revisão integrativa, visando sanar o seguinte questionamento: Quais são as configurações identitárias da Enfermagem quanto profissão no contexto gerencial e de ensino? Os dados foram coletados em junho de 2017, sem delimitação temporal ou de idioma, que estivessem na íntegra, na base de dados da Cinahl, no portal da BVS e do Dedalus, e no diretório de revistas da Scielo. Ao final da análise dos dados, sete estudos foram selecionados.

Resultados:

Percebeu-se que estudos inerentes à identidade profissional da enfermeira gestora inserida em um Programa de Integração Docente Assistencial, são ainda pouco explorados. Entretanto, pôde-se discutir acerca da referida temática imergindo-se em publicações que refletem a respeito da identidade profissional da enfermeira docente e gerente.

Considerações finais:

A literatura elencada nesse estudo permitiu vislumbrar as variantes que impactam na construção de um arquétipo identitário, permitindo com isso, que novos desdobramentos surjam em decorrência da necessidade de se aprofundar nesse assunto eminentemente específico e peculiar, haja vista que é um tema instigante, rico de possibilidades e de transformações.

Palavras-chave: Papel do Profissional de Enfermagem; Ensino; Integração; Administração de Enfermagem; Identidade profissional; Enfermeiras e Enfermeiros

INTRODUÇÃO

A partir dos anos trinta, do século XX, o fenômeno profissional vem sendo estudado e analisado na Sociologia das Profissões, uma vez que os contextos temporais têm sofrido mutações, principalmente no que tange aos estudos das profissões1.

Na análise sociológica, o termo profissão possui três sentidos; o primeiro refere-se a emprego, que em inglês é traduzido comooccupations; o segundo sentido é definido como profissão liberal, que em inglês, traduz-se emprofessions; e o terceiro sentido, relaciona-se à ideia de ofício, definido no francês comométier2.

Antigamente os vocábulos supracitados agregavam-se às instituições de ofícios interligados, principalmente nas comunidades familiares, pois tais habilidades estavam imbricadas com a arte, cujo monopólio imperava nessas competências. Dessa forma, os grupos organizados pleiteavam direitos para manterem seus espaços e privilégios2.

Com a criação das Universidades, as competências ligadas às artes liberais e mecânicas, habilidades estas que compreendiam os artesões e trabalhadores intelectuais, foram se desagregando. As artes liberais começaram a ter um propósito relacionado às atividades do espírito do ser humano, as quais foram caracterizadas comoprofissões, e as artes mecânicas foram identificadas comoofícios2.

Revisitando a trajetória histórica da Enfermagem é importante salientar que o marco inicial do reconhecimento da Enfermagem como profissão, deu-se a partir de Florence Nightingale, precursora da Enfermagem Moderna, centrando-se seus esforços no desenvolvimento do saber técnico e científico da referida profissão3.

A profissionalização da Enfermagem no Brasil ocorreu com a criação da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, no Hospício de Alienados, em 1890, sendo esta, atualmente, nomeada como Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)4.

O movimento para o desenvolvimento da Enfermagem Moderna ou, também, conhecida como Profissional, no Brasil, foi propulsionado quando os enfermeiros compreenderam a premente necessidade da criação de Associações em nível nacional e regional5.

Em vistas do caminho percorrido da profissão enunciada, avista-se que a visibilidade, a imagem e a identidade profissional do enfermeiro, tem sido enfoque de estudos nas últimas décadas.

Em termos identitários, é na socialização familiar e escolar que os modelos de identidade vão se modelando e isso ocorre quando o indivíduo faz sua escolha profissional, quando adentra na Universidade e, principalmente, quando é inserido no mercado de trabalho2.

Em relação à Enfermagem, as configurações identitárias estiveram arraigadas na simbologia da vocação. A formação da enfermeira, muitas vezes, esteve voltada para a conduta moral, por vezes, até em detrimento do conhecimento5.

Outro ponto marcante, referente à identidade da enfermeira, no Brasil, ocorreu na década de 1920, quando esta realizava sua formação em Enfermagem na Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública. O recrutamento de profissionais para atuarem na assistência, foi divulgado em um folheto intitulado “A enfermeira moderna: Apelo às moças brasileiras”, elencando características identitárias pautadas no gênero, ao dizer que essa profissão era uma atividade eminentemente feminina e uma profissão imbricada ao devotamento, uma vez que tal folheto dizia que a enfermeira teria a “oportunidade de praticar a mais meiga de todas as artes da vida, encontrando ventura e propício ensejo de revelar os próprios dons e que esquecer-se de si mesma (...)”6.

Atualmente, estudos apontam que não há “clareza das atribuições exercidas pelo enfermeiro, tanto no que diz respeito à sua atuação na equipe de enfermagem, quanto como membro de uma equipe interdisciplinar”7, no entanto, é fundamental dar luz à identidade da enfermeira, principalmente no contexto da formação da mesma8.

Essa invisibilidade e desorientação referentes à identidade profissional da enfermeira podem ter causa na incompreensão da Enfermagem como profissão, visto que a categoria ocupacional é formada por trabalhadores profissionais e não profissionais, isto é, com ou sem formação, mesmo que, segundo a legislação, todos possuam respaldo legal para exercerem suas atividades dentro dessa profissão9.

Nesse sentido, vê-se que, dentro da categoria enfermeiro, há um leque de atribuições e atividades desse profissional, sendo a gestão, o gerenciamento e o ensino incumbências imbricadas aos deveres dessa classe.

Tanto a assistência quanto o gerenciamento e o ensino, no campo da Enfermagem, caminham juntos, portanto, não é possível, de fato, separá-los totalmente. Embora o cuidar tenha uma identidade própria, o gerenciar e o ensinar não deixam, também, de ter sua particularidade identitária.

Isto posto, é de vital importância atentar para os estudos que explanam a respeito das identidades profissionais, para clarificar as peculiaridades da profissão, nesse caso, da Enfermagem, e para evidenciar os obstáculos e conquistas que os profissionais dessa ordem enfrentam. Nesse sentido, emerge o seguinte questionamento: Quais são as configurações identitárias da Enfermagem quanto profissão no contexto gerencial e de ensino?

Dessa forma, este estudo teve por objetivo identificar, na literatura científica, as matizes identitárias da Enfermagem em diversos contextos, especialmente nos campos da gestão e do ensino, para contribuir e desdobrar novos apontamentos sobre a temática proposta.

MÉTODO

O presente estudo, visando responder à questão norteadora, selecionou como método de pesquisa a revisão integrativa, à qual possibilita ratificar e averiguar mudanças no contexto em diferentes realidades, surgir novas indagações e suscitar novas investigações, permitindo um (re) olhar para o objeto de estudo, uma vez que esta “reúne achados de estudos desenvolvidos mediante diferentes metodologias, permitindo aos revisores sintetizar resultados sem ferir a filiação epistemológica dos estudos empíricos incluídos”10.

Dessa maneira, nesse estudo, foram realizadas seis etapas, a saber: elaboração e definição da pergunta; inserção dos critérios para inclusão e exclusão dos estudos; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados; avaliação dos estudos eleitos; interpretação e apresentação dos dados encontrados11.

Cabe salientar que a coleta foi realizada no ano de 2017, para a pesquisa de doutorado de um dos autores do presente estudo e que é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Gerenciamento em Enfermagem (PPGEn), da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, que tem como objeto a identidade profissional da enfermeira gestora inserida no Programa de Integração Docente Assistencial (IDA), como modelo-referência estabelecido entre a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) e o Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP), no período de 1978 a 2015. A data limite para a defesa da tese abrange o ano 2020.

Pontua-se que esse Programa de IDA foi alçado por uma proposta que visa a conciliação dos esforços de articulação entre as instituições de saúde e de educação, com o enfoque nas necessidades reais da população12.

Dessa maneira, a coleta de dados foi realizada por meio da consulta na base de dados da Cinahl, no portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e do Dedalus, e no diretório de revistas da Scientific Electronic Library Online (Scielo), no mês de junho de 2017.

As buscas foram refeitas no mês seguinte do corrente ano para certificação dos resultados, pois foi evidenciado que havia poucos estudos inerentes ao tema, inclusive os que estavam voltados para as nuances da identidade profissional da enfermeira gestora no contexto do Programa de IDA. Entretanto, algumas publicações foram eleitas, pois trataram do tema relevantemente, ainda que algumas não tivessem como enfoque o campo administrativo, nem o cenário de ensino, mais especificamente, o Programa de IDA.

Para seleção dos estudos, foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), no qual foi possível realizar uma busca avançada com a utilização do operador booleano “[AND]”. Dessa forma, a busca ocorreu da seguinte maneira:

- Cinahl: Foi cruzada a palavra-chave “professional identity" com os descritoresNursing e Administration.Foram encontrados 17 registros;

-BVS: Foram inseridos os descritores Papel do Profissional de Enfermagem e Ensino, juntamente às palavras-chave Integração e Administração de Enfermagem. Foram encontrados 13 trabalhos. Entretanto, após a leitura na íntegra de todos os artigos da referida busca, não foi evidenciado nenhum que correspondesse ao objeto da presente pesquisa. Para tanto, foi refeita a estratégia de busca, usando os descritores Crise de Identidade e Enfermagem, e palavra-chave Administração; e foram encontrados 10 estudos;

- Dedalus: Utilizada as palavras-chave Identidade profissional e Administração de Enfermagem. Foram encontrados cinco trabalhos;

- Na Scielo: Utilizado os descritores Papel do Profissional de Enfermagem, Enfermeiras e Enfermeiros e a palavra-chave Administração. Foi localizado um trabalho.

Os critérios de inclusão se pautaram nos estudos que respondessem à questão norteadora e atendessem aos seguintes critérios: artigos originais de pesquisa, publicados em inglês, português ou espanhol. A busca não teve restrição de tempo de publicação limitado por se tratar de um assunto estritamente específico.

Os critérios de exclusão se pautaram em publicações repetidas, estudos reflexivos, cartas ao editor, livros, teses, dissertações, trabalhos de conclusão de cursos, editoriais, comentários, resumos de anais, e estudos que não abordassem a temática relevante ao objetivo da revisão.

A análise do material coletado foi realizada por dois revisores que leram criticamente os títulos e os resumos das publicações identificadas. E se caso houvesse alguma hesitação ou discordância, a análise de um terceiro revisor seria requisitada.

Dos 46 artigos, apenas 14 atenderam aos objetivos propostos pela temática. Destes, sete foram excluídos por se adequarem aos critérios de exclusão, o que resultou em sete artigos, os quais foram lidos e relidos na íntegra, criticamente e foram sistematizados os dados. Após esta análise, os sete artigos responderam à questão norteadora e compuseram o corpus final do estudo.

RESULTADOS

Para a caracterização dos estudos selecionados, cada artigo recebeu um código denominado pela letra T seguido do número apresentado pela ordem da seleção (Figura 1).

Figura 1. Codificação dos artigos seguidos do número apresentado pela ordem da seleção. Brasil, 2018 

A síntese da classificação da amostra dos estudos segundo ano, país e base de dados, portal ou diretório de revistas, encontra-se naFigura 2.

Figura 2. Características dos estudos selecionados na revisão integrativa, segundo código, ano, região, país, abordagem do estudo e cenário do estudo. Brasil, 2018. 

A maioria dos artigos selecionados provém do Brasil; sendo observado apenas um eleito da Espanha e um dos Estados Unidos. Dentre estes, dois encontram-se na Cinahl, dois na BVS, dois no Dedalus e um na Scielo.

DISCUSSÃO

Dentre os 17 estudos encontrados na Cinahl, um se destaca por tratar da identidade profissional do enfermeiro que atua na atenção primária na Espanha, onde este tem respaldo para realizar prescrições de medicamentos aos pacientes. O estudo revela que, mesmo que os usuários dos serviços de saúde espanhóis confiem e respeitem tanto os enfermeiros quanto os médicos, a identidade profissional é largamente discutida entre os profissionais de Enfermagem, ainda que os enfermeiros estejam habilitados a prescrever medicamentos, aguardam uma legalização formal. Sendo assim, acreditam que tal legalização aumentaria a autonomia profissional e, consequentemente, isso impactaria positivamente na identidade profissional13.

O cenário visto acima se equipara ao Brasil, no que tange à prescrição de medicamento pelo enfermeiro, cuja atividade está amparada pela Lei n. 7.498/1986, artigo 11, inciso II, alínea “c”, que declara que a prescrição de medicamentos pode ser realizada por enfermeiros em programas de saúde pública sob protocolos institucionais14.

É importante salientar que a “autonomia profissional de enfermeiros vincula-se ao cerne da identidade profissional, por ser esta constituída de características próprias inerentes à profissão”, e que isso está intimamente imbricado com o acesso ao ensino superior e o avanço das pesquisas nessa área15.

Outro estudo relevante, encontrado na base de dados da Cinahl, teve como objetivo identificar e analisar os enunciados discursivos que caracterizaram a formação de Recursos Humanos em Enfermagem, na década de 1940, pela Cruz Vermelha Brasileira. A pesquisa fundamentou-se no pensamento de Michel Foucault. Foi feito um estudo de abordagem histórico-documental, com fontes relacionadas à Enfermagem veiculadas no jornal “A Gazeta”, no período de 1940 a 1945, e do Regulamento da Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira, Filial Estado de São Paulo (EECVB-FESP), de 1940. Assim, os resultados se pautaram no discurso sobre a mulher/enfermeira, no sentido de que exercer a enfermagem à época, era uma maneira da mulher servir a Pátria, enfatizando as características em que a mulher/enfermeira deveria ser subserviente, ‘doce’ e possuir feminilidade, e estes atributos eram legitimados pelo Estado e pela igreja. Os resultados apontaram, ainda, uma identidade profissional a partir do modelo militar, pelo qual a EECVB elencava como protótipo na formação da enfermeira; lembrando que, nesse momento, o mundo estava atravessando a Segunda Guerra Mundial16.

É concernente remontar a respeito da escolha pela Enfermagem por Florence Nightingale em razão do Chamado de Deus, em que ela relata que sua missão era ser enfermeira por designação divina. Esse Chamado de Deus, conceituado por ela, foi traduzido pela mesma como vocação. Essa ideologia fora transferida para as enfermeiras inglesas, americanas, canadenses e, posteriormente, trazida para a América Latina17. Desse modo, tais características mencionadas no referido estudo, podem estar em consonância com a inculcação ideológica da época de Florence, principalmente no que tange à subserviência.

Nessa reflexão, é salutar acrescentar a questão do gênero, uma vez que se sabe que, no decorrer da trajetória da humanidade, boa parte dos cenários históricos aponta para as lutas e os embates das mulheres por espaços e direitos.

Esse panorama, no qual a mulher era tratada como um ser inferior aos homens, pode ser conferido por meio da obra póstuma de Tito Lívio Castro. O autor enfatiza que o cérebro do homem pesava mais do que o da mulher, sendo, portanto, este o motivo que a tornava inferior e insipiente. No entanto, o autor preocupava-se em estudar com maior profundidade tal craniometria, pois, dessa forma, acreditava que auxiliaria, favoreceria e facilitaria a inserção das mulheres na educação18.

Nessa esfera - gênero - há obsoleta dicotomia inerente à imagem da enfermeira, no que tange às características da ‘santidade’ e do ‘meretrício’. Ainda que tais idiossincrasias sejam arcaicas, elas persistem até os dias atuais no imaginário social. A ideia da enfermeira ‘santa’ provém da época em que o cuidado era realizado pelas religiosas, diaconisas, e estava pautado em ações caritativas e filantrópicas. A ideia da enfermeira ‘trivial’ advém da história na qual as mulheres que realizavam o cuidado em hospitais, eram consideradas de moral duvidosa e que aceitavam propina19.

Nesse aspecto, adentram as relações de poder, uma vez que este se situa como um fenômeno interacionista, ou seja, das relações que permitem ao indivíduo experienciar o processo de inserção e interação dele com o ambiente com o qual se socializa20.

Partindo para o portal BVS, fora encontrado um estudo que despontou a questão da crise identitária de docentes de Enfermagem, pois há grande demanda de indivíduos que procuram por essa profissão. O estudo reflete a preocupação dos órgãos formadores quanto à capacitação docente para o ensino de forma efetiva. Os autores acrescentam que dentre os requisitos que um docente da área da Enfermagem necessita possuir, destaca-se a capacidade dele em articular a teoria e prática21.

Outro estudo teve como objetivo correlacionar as etapas da elaboração da matriz de identidade social e profissional com as fases de desenvolvimento e construção do conhecimento da enfermeira-gerente. Foi feito um estudo qualitativo, que realizou uma entrevista semiestruturada e um teste projetivo gráfico com enfermeiras no exercício da gerência no contexto de hospitais privados de Belo Horizonte, Minas Gerais. Os resultados apresentaram três fases durante o processo de construção da identidade. A primeira, conhecida como crise identitária, apontou que a enfermeira-gerente possui um papel burocrático e que está distante da prática. Na segunda fase - transição - é o momento em que a identidade profissional está sendo elaborada, podendo ser resolvida a questão de quem eu sou e de quem eu quero ser, entretanto, nessa fase, ainda podem ocorrer crises. Uma das percepções que uma participante da pesquisa apontou foi que sua atividade gerencial estava em “consonância com o cuidado direto ao paciente, ainda que estivesse sendo prestado por outros membros da equipe de enfermagem”22. A fase de equilibração (terceira fase) demonstra o ápice da incorporação, aceitação e a ausência de crises, firmando-se assim, uma identidade estável representando a enfermeira-gerente como peça central nas inter-relações, “refletindo a importância da enfermeira na viabilização das relações interpessoais e na gestão dos recursos envolvidos na prestação do cuidado ao paciente” 22.

Em uma análise sociológica, é fundamental detectar quais dinâmicas modelam as categorias que são socialmente significativas. Portanto, os modelos identitários não podem ser comparados aos grupos existentes em um dado momento, porque estão ameaçados de uma obsolescência, principalmente em períodos de crise2.

En este final de siglo y de milenio, no me parece que ninguna configuración de formas identitarias haya adquirido legitimidad universal, ni siquiera reconocimiento consensuado. Si esta hipótesis es exacta, las configuraciones anteriores pueden considerarse en crisis en la medida en que su legitimidad no da más de sí. Si la pluralidad de formas y de sus combinacionescontinúa siendo una constante insuperable, ¿no significa tal cosa que ninguna de ellas ha conseguido imponerse históricamente? La cuestión de la identidad humana seguirá siendo, tal como lo pensaba Norbert Elias, aún problemática2.

Pode-se perceber que durante a trajetória histórica da enfermagem, ocorreram crises identitárias, haja vista que com os acontecimentos e com as mudanças de realidade, sempre ocorrem rupturas, e estas cooperam para o cenário de crise. Embora os avanços das lutas e conquistas na área da Enfermagem tenham sido evidentes, a invisibilidade do enfermeiro na sociedade é perceptível.

Retornando ao mecanismo de busca, agora, empreendido no Dedalus, um estudo teve como objetivo definir e analisar o perfil do enfermeiro-instrutor do treinamento admissional de enfermeiro de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Participaram desse estudo 29 enfermeiros de um hospital de atenção terciária da rede privada do município de São Paulo. A abordagem metodológica se pautou na perspectiva da pesquisa-ação, com o apoio da técnica de grupo focal e a interlocução por via eletrônica, para coleta de dados. No estudo, a palavra identidade, aparece diversas vezes, quando refere que o enfermeiro-instrutor da UTI mantém sua identidade pelo modo de agir e de cuidar, pois acreditam “que a educação, a troca de conhecimentos e sua socialização ocorridas durante o treinamento são transformadoras da realidade”23. Assim, ele é referência para o grupo que está em treinamento, serve como espelho para o mesmo e auxilia na formação da identidade profissional do enfermeiro da UTI daquela instituição23.

Os campos sociais, onde ocorrem as interações, são cenários nos quais o indivíduo desenvolve suas habilidades pessoais e competências profissionais, sendo assim, não é possível compreender as identidades individuais sem entender e estar inserido em um campo coletivo24.

Outro trabalho levantado na estratégia acima (Dedalus), embora não explore de forma explícita a questão da identidade profissional do enfermeiro, traz em seus objetivos nuances dos saberes e dos poderes históricos e contemporâneos da Enfermagem, o que, de certa forma, auxilia na composição de uma identidade profissional. Assim, os objetivos desse trabalho foram: reconstruir os determinantes históricos implicados na instituição dos modelos gerenciais de Enfermagem; identificar o contexto atual do modelo gerencial, o seu significado e as possibilidades futuras; apreender as estratégias de enfrentamento dessa problemática no que se refere aos saberes e poderes e elaborar proposta e estratégias para a reconstrução da Enfermagem na instituição. Foi feito um estudo de caso qualitativo em um hospital de ensino público de grande porte, localizado na cidade de Curitiba, Paraná. Os participantes da pesquisa foram 12 trabalhadores da Enfermagem sendo oito enfermeiras, dois técnicos e dois auxiliares de enfermagem. Assim, esse estudo aponta as lutas e os embates ao longo da trajetória da Enfermagem dentro da instituição de saúde. Demonstra que as enfermeiras tinham pouco poder decisório dentro do hospital, que havia necessidade de mudar o modelo gerencial do mesmo e que havia forte ameaça em extinguir o cargo de Diretor de Enfermagem. O estudo apresenta ainda que algumas enfermeiras, quando inseridas na gerência, não se consideravam mais enfermeiras, e sim, gerentes de uma unidade; que existiam crises de identidade das enfermeiras por conta da desorganização do modelo organizacional, uma vez que o hospital estava revisando e implantando um novo modelo de organização, principalmente, no que tangia à abolição da Diretoria de Enfermagem, pois muitas enfermeiras tiveram a sensação do não pertencimento, a falta de reconhecimento e de identidade25.

O sentimento de pertencimento é um fator preponderante na construção de uma identidade profissional, pois ele incide na visibilidade de uma profissão na articulação de competências e nas evidências técnicas, científicas e relacionais, nas quais culminam em uma representação social da profissão, viabilizando o perfil da autonomia, do reconhecimento e das competências particulares26.

Na Scielo, um estudo relevante para o presente estudo, realizou um ensaio na tentativa de discutir e refletir acerca das questões subjetivas que estão em jogo no gerenciamento de serviços de saúde inerentes à enfermeira-gestora. O referido estudo reflete que as ideologias positivista e cartesiana influenciaram na cisão entre o mundo feminino do masculino. Tais concepções podem ter impactado na estereotipização da identidade coletiva profissional da enfermeira, principalmente no que tange à subalternidade e à submissão. O estudo, ainda, questiona que dentro dos serviços de saúde, o fato das dimensões de saúde estar voltado ao tratamento da doença, tornam invisíveis as ações da enfermeira, no contexto do seu trabalho, uma vez que prioriza o modelo de saúde biológico, e o enfermeiro é um profissional que busca, em sua formação, olhar para o paciente de forma holística. Entretanto, essa visão reducionista é argumentada quando se questiona que tal invisibilidade do trabalho da enfermeira pode estar atrelada à comparação de grupos, mormente os que atuam na área da saúde27.

Mais uma vez alude-se à questão de gênero, no sentido de que a maioria dos profissionais de enfermagem é do sexo feminino, corroborado pela pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sob o patrocínio do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), a respeito do perfil dos profissionais de enfermagem brasileiros. Cabe pontuar que a referida pesquisa foi apresentada em 13 de agosto de 2015, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, e aponta que 84,6% dos profissionais da Enfermagem são do sexo feminino28.

Nesse conjunto de estudos que remetem à ideia da identidade profissional do enfermeiro, denota-se que a enfermagem passou e passa continuamente por múltiplos processos na construção de uma identidade capaz de fazer compreender seu papel na sociedade.

Sendo assim, é de fundamental importância que novos estudos elenquem novos conceitos, valores, pressupostos, e contribuam para a compreensão desse percurso até os dias atuais, permitindo responder às inquietações que emergem com o cenário contemporâneo sobre as causas, efeitos e tendências dessa profissão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nessa revisão de literatura de estudos que invocam a temática em questão, buscou-se destacar as publicações inerentes ao objeto da presente proposição que se refere à identidade profissional da enfermeira gestora e educadora em diferentes cenários, para conhecer e compreender a trajetória profissional da enfermagem.

Reitera-se que, embora muitos estudos tragam a questão da identidade profissional da enfermeira, estudos inerentes à específica temática da identidade profissional da enfermeira gestora inserida em um Programa de IDA, são ainda pouco explorados, sendo assim, de fundamental importância que pesquisadores desse ramo publiquem estudos relacionados a esse assunto, por exemplo.

Entretanto, a literatura elencada nesse estudo permitiu vislumbrar as variantes que impactam na construção de um arquétipo identitário, permitindo com isso, que novos desdobramentos surjam em decorrência da necessidade de se aprofundar nesse assunto eminentemente específico e peculiar, visto que é um tema instigante, rico de possibilidades e de transformações.

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Recebido: 12 de Março de 2018; Aceito: 02 de Junho de 2018

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