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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.18 n.56 Murcia Oct. 2019  Epub Dec 23, 2019

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.4.352261 

Originais

Cultura de segurança do paciente: avaliação dos enfermeiros na atenção primária à saúde

Sonia Maria Kalckmann de Macedo1  , Ana Raquel Campos de Almeida Barboza2  , Fabieli Borges1  , Karla Crozeta Figueiredo3  , Aida Maris Peres3  , Fernanda Assis4 

1Enfermeira. Mestranda acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior no ano de 2017 a 2019. Curitiba-Paraná (PR), Brasil.

2Enfermeira. Mestranda acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba-Paraná (PR), Brasil.

3Enfermeira. Docente de Enfermagem na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba-Paraná (PR), Brasil.

4Enfermeira. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba-Paraná (PR), Brasil.

RESUMO

Introdução

Os estudos sobre segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde são atuais, mas não aprofundam o real desempenho dos profissionais em relação à segurança do paciente. Desta forma, é relevante avaliar a caracterização da cultura de segurança entre os profissionais de enfermagem neste cenário, pois favorecerá melhoria do cuidado aos usuários.

Objetivo

Avaliar a cultura de segurança do paciente sob a perspectiva dos enfermeiros na Atenção Primária à Saúde.

Método

Estudo descritivo de abordagem quantitativa, realizado de julho a dezembro de 2017, em catorze unidades de saúde de Curitiba (PR). Participaram desta pesquisa quarenta e três enfermeiros. O instrumento utilizado foi o Medical Office Survey on Patient Safety Culture (MOSPSC) composto por cinquenta e uma perguntas que avaliam doze dimensões da segurança do paciente. A confiabilidade do instrumento é de alfa de Cronbach de 0,95. Os dados foram analisados por Estatística Descritiva, por meio da escala de Likert.

Resultados

Notaram-se problemas relacionados com a troca de informação com outras instituições, ao processo de trabalho, medo da culpa, punição pelos erros e referentes à gestão. Na avaliação global da Segurança do Paciente, 50% dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família consideram “muito bom” e na Unidades Básicas de Saúde, 73,9% consideram “bom”.

Conclusão

Resultados mostram uma cultura de segurança com potencialidades e fragilidades que necessitam ser trabalhadas, considerando o enfermeiro como alicerce deste processo para fortalecimento da qualidade e segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde.

Palavras-chave: Atenção primária à saúde; Enfermagem; Segurança do paciente

INTRODUÇÃO

As discussões sobre a Segurança do Paciente têm sido relevantes para a melhoria da qualidade nas organizações de saúde no cenário mundial.1 A Organização Mundial da Saúde (OMS)2 definiu segurança do paciente como a redução dos riscos de danos desnecessários relacionados com os cuidados de saúde, para um mínimo aceitável, considerada uma dimensão da qualidade da assistência. Contudo, nesta lógica, sabe-se que o erro zero é improvável na assistência em saúde.3,4

Atualmente, a ênfase das pesquisas relacionadas à segurança do paciente se dá no contexto hospitalar e estudos revelam a escassez de produções científicas na Atenção Primária à Saúde (APS).5 No Brasil, a APS é considerada a principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), o nível de atenção à saúde mais utilizado pela população e o centro de comunicação entre as Redes de Atenção à Saúde (RAS).6,7 Na cidade de Curitiba, há dois modelos de unidades de saúde em APS, as Unidades com Estratégia de Saúde da Família (ESF) e Unidades Básicas de Saúde (UBS).6

Os eventos adversos são corriqueiros também na APS; contudo, o princípio de não causar dano deve estar estritamente ligado ao papel da APS; para isto, é necessário ampliar a reflexão acerca da assistência segura, buscando implementá-la nas organizações de saúde como processo cultural, promovendo a participação dos profissionais e estimulando debate e discussão sobre o tema, auxiliando na implementação de estratégias que visem a melhoria da cultura de segurança e do cuidado em saúde.5,8 Neste sentido, o enfermeiro atua como peça-chave no desenvolvimento de ações que promovem a segurança do paciente na APS, como interlocutor entre o sistema de saúde e o usuário, visando gerar transformações nos ambientes de trabalho e fortalecer a cultura de segurança do paciente.9,10

Para alcançar o cuidado seguro, a cultura de segurança é entendida como uma estrutura multifatorial que promove as ações do sistema para prevenir e reduzir danos, de maneira que profissionais e organizações de saúde compartilhem práticas, valores, atitudes e comportamentos para redução dos danos e promover assistência segura à saúde.8

Desta forma, é relevante avaliar a caracterização da cultura de segurança entre os profissionais na APS, de modo a aferir as condições organizacionais que causam possíveis eventos adversos aos usuários dos serviços, bem como, diagnosticar o nível de cultura de segurança, benchmarking interno e externo, utilizando estratégias efetivas que visem a segurança do paciente e a evolução das intervenções e da cultura de segurança a médio e longo prazos.11,

Considerando a necessidade de discutir as recomendações para a melhoria da cultura de segurança do paciente em APS, apresentadas pelos enfermeiros e as lacunas da literatura brasileira sobre o tema, este estudo tem como objetivo avaliar a cultura de segurança do paciente sob a perspectiva dos enfermeiros na APS.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa descritiva de abordagem quantitativa, realizada em catorze unidades de saúde pertencentes a um Distrito Sanitário da cidade de Curitiba, estado do Paraná, Brasil, consistindo de sete Unidades Básicas de Saúde (UBS) e sete Estratégia de Saúde da Família (ESF). Apenas um distrito sanitário foi escolhido para realização deste estudo, já que existem dez subdivisões sanitárias no município que são gerenciadas separadamente, estando sujeitas a variações na cultura organizacional. Este trabalho integra o projeto de pesquisa intitulado “Avaliação e Planejamento da Segurança do Paciente e da Qualidade em Saúde: em busca de ações estratégicas para a melhoria do cuidado”.

Os aspectos éticos descritos na Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Carta Circular n° 51-SEI/2017 foram considerados para este estudo. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências e Saúde da Universidade Federal do Paraná e da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, sob os termos do Parecer Consubstanciado n° 2.043.970 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 66939717.3.0000.0102.

A população de profissionais da APS neste Distrito Sanitário é de cinquenta e dois enfermeiros. Profissionais que atuavam em período superior a seis meses no local de estudo foram incluídos e aqueles que se encontravam afastados de suas atividades laborais, por motivos de férias ou licença saúde/maternidade no período da coleta de dados, foram excluídos. A perda amostral foi de dois profissionais da ESF que se recusaram a participar deste estudo, um enfermeiro da UBS que não entregou o instrumento preenchido no período da coleta e seis que enfermeiros que se encontravam de férias ou licença saúde/maternidade. A amostra final deste estudo consistiu de quarenta e três participantes, vinte enfermeiros das unidades ESF e vinte e três das UBS, tendo sido realizado de julho a dezembro de 2017.

Com relação às características das unidades, o objetivo da ESF é reorganizar a APS no país sob as normas regulatórias do SUS. As equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um certo número de famílias, impulsionando ações de promoção e prevenção, recuperação e reabilitação de saúde, doenças e outros agravos. A carga horária profissional da enfermagem é de 40 horas semanais na ESF. UBS é a modalidade que deve atender os princípios e diretrizes propostos para atenção básica. A gestão municipal poderá compor as equipes de acordo com as características e necessidades do município. Seu objetivo é garantir o acesso, o vínculo entre os usuários e profissionais, a comunidade, coordenação e longitudinalidade do cuidado. A carga horária de trabalho da enfermagem é de 30 horas semanais na UBS.6

A abordagem para a coleta de dados foi iniciada por meio de contato telefônico com a chefia imediata de cada unidade e a pesquisa e seus objetivos foram explanados. Posteriormente, um dia foi agendado para que a pesquisadora fosse até o local do estudo para encontrar os participantes em seu ambiente de trabalho, fazendo um convite formal e apresentando os objetivos da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O instrumento de avaliação e o TCLE foram entregues para os profissionais que aceitaram participar. Os participantes tiveram a opção de responder o instrumento no horário de trabalho ou entregá-lo em outra data.

Medical Office Survey on Patient Safety Culture (MOSPSC) foi o instrumento utilizado.12 Este instrumento é composto de cinquenta e uma perguntas que avaliam doze dimensões da segurança do paciente e, no contexto brasileiro, foi traduzido, adaptado e validado.8 A versão do instrumento em português apresentou coeficiente de alfa de Cronbach de 0,95, o que expressa alta confiabilidade.8

Os dados provenientes do preenchimento do MOSPSC foram tabulados em planilha do Excel®, dupla digitação, e analisados por estatística descritiva. A gradual progressão de compreensão dos dados foi realizada pela escala Likert, conforme as denominações das suas seções e o modelo das respectivas unidades (ESF/UBS). Itens das seções C, D, E e F tiveram inversão da pontuação para seguir a lógica sequencial de ponto positivo, neutro e negativo dos demais itens do instrumento. As questões invertidas foram: (c3), (c6), (c8), (c10), (c12), (c14), (d4), (d7), (d10), (e1), (e2), (e4), (f3), (f4) e (f6). Elas foram identificadas por “inv”.

RESULTADOS

Quarenta e três enfermeiros participaram do estudo, 74,4% (n=32) exercendo cargo assistencial e 25,6% (n=11) exercendo cargo gerencial (denominado “autoridade local de saúde”), com idade de 30 a mais de 50 anos.

Devido à extensão do instrumento, optou-se por apresentar os resultados a partir da descrição dos dados mais relevantes que apresentaram baixos escores de cada seção em cada unidade e o percentual de respostas válidas discordantes de cada seção (Figure 1). Nota-se que na ESF houve predominância de discordância na seção E; na UBS, houve predominância de discordância na seção C. Este fato mostra alta preocupação para a segurança do paciente em APS.

Fonte: As autoras, 2018

Figura 1. Percentual de respostas válidas discordantes por seção e unidade 

A seção A fornece a descrição dos acontecimentos que podem interferir na segurança do usuário e na qualidade do cuidado. A questão (a1) (“Um paciente não conseguiu uma consulta em até 48 horas para um problema sério/agudo”), na ESF, apresentou as seguintes respostas: (a) “pelo menos uma vez na semana” [20% (n=4)]; (b) “pelo menos uma vez no mês” [10% (n=2)]; e (c) “diariamente” [5% (n=1)]. Na UBS, 21,5% (n=5) dos participantes relataram a eventualidade de “pelo menos uma vez na semana”.

A seção B referiu-se aos problemas relacionados com a troca de informação com outras instituições de saúde. As questões (b3) (“farmácias”) e (b4) (“hospitais”), indicaram ocorrências de problemas diários com a troca de informações com outras instituições na ESF. Na UBS, houve elevada marcação no item “não se aplica ou não sei”; contudo, problemas com centros de imagem/laboratórios tiveram destaque, em que 26,1% (n=6) escolheram “vários problemas nos últimos 12 meses” e 13% (n=3) escolheram “problemas diariamente” com os hospitais. Especificando os “Problemas ao menos uma vez por mês” na Fundação de Ação Social (FAS), um participante (4,4%) assinalou “outros”.

A seção C está relacionada ao processo de trabalho. Quanto à questão (c3.inv) (“Neste serviço frequentemente nos sentimos apressados ao atender o paciente”), na ESF, 50% (n=10) dos profissionais relatam que eles se sentem apressados. Em UBS, 43,5% (n=10) dos profissionais também relatam que eles se sentem apressados em relação a este item. Contudo, 39,1% (n=9) ficaram em uma posição neutra, marcando “não concordo nem discordo”.

A seção D refere-se à comunicação e ao acompanhamento médico. Na ESF para a questão (d7.inv) (“A equipe deste serviço acredita que seus erros possam ser usados contra si”), 45% (n=9) dos profissionais responderam sim. Em UBS, este item apresentou a pior avaliação nesta seção com 52,2% (n=12) dos participantes respondendo que os erros podem ser usados contra eles próprios.

A seção E está relacionada aos gestores/administradores/líderes e os respondentes são apenas os enfermeiros não gestores. Na ESF, o alto índice de insatisfação dos profissionais nessa seção foi analisada, uma vez que a maioria das respostas foi “discordo totalmente” e “discordo”.

No item (e.4 inv) (“Eles frequentemente tomam decisões baseadas no que é melhor para o serviço e não no que é melhor para os pacientes”), 43,7% (n=7) dos participantes reportaram conotações negativas, pois concordam que a maioria das decisões são baseadas na melhoria do serviço em detrimento do usuário. Para esta mesma questão, em UBS, 26,7% (n=4) concordam com esta afirmação, mas 33,3% (n=5) marcaram “neutro”.

A seção F refere-se ao local de trabalho do profissional de saúde. Quanto à questão (f.6 inv) (“Neste serviço a quantidade de atividades realizadas é mais importante que a qualidade do cuidado prestado"), na ESF, houve a pior avaliação, pois 30% (n=6) dos enfermeiros concordaram com a afirmativa. No item (f4.inv) (“É apenas por acaso que não cometemos mais erros que afetam nossos pacientes”), em UBS, 17,4% (n=4) dos participantes acreditam que isto é verdadeiro. Na questão (f6.inv), apenas 39,4% (n=7) concordam com a questão.

E por fim, a seção G foi dividida em duas categorias, G.1, avaliação global da qualidade e G.2, avaliação geral da segurança do paciente. A ESF apresentou três questões que denotaram respostas negativas. Uma delas foi a (g1c) (“Pontual: Minimiza esperas e atrasos potencialmente prejudiciais”), com 20% (n=4) dos participantes considerando esta afirmativa “razoável”. Na categoria (G.2), 50% (n=10) dos enfermeiros marcaram “Muito bom” em “segurança do paciente na atenção primária” e apenas 10% (n=2) consideraram “razoável”.

Na UBS, duas categorias chamaram atenção devido ao alto índice de negativismo. Na categoria (G.2), 73,9% (n=17) dos profissionais avaliaram a segurança do paciente na APS “Bom” e 26,1% (n=6) avaliaram “Muito bom”. Constatou-se que nenhum profissional considerou esta categoria com aspectos negativos.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos com a aplicação do questionário permitiram a avaliação da cultura de segurança pelos enfermeiros do Distrito Sanitário, bem como, identificação dos pontos fortes e fracos.

Compreende-se que a APS é a porta de entrada no sistema de saúde e a dificuldade ao acesso demonstra que o usuário, procurando os serviços, não necessariamente tem este acesso garantido. Os entraves para agendamento de consultas, cuidados médicos e a demora na realização de alguns exames põem em questão o papel de ordenança da APS que acabam servindo como álibi para as tentativas de deslocá-la como uma porta de entrada do SUS.13

As falhas com a troca de informação foram evidentes e diárias no âmbito da APS. A comunicação eficiente evita erros; entretanto, a existência de barreiras que a dificulta resulta em significados importantes, tanto para os profissionais, quanto para o usuário. Estudos têm mostrado que a comunicação ineficaz entre os profissionais de saúde tem sido um dos fatores contribuintes para a eventos adversos, sendo responsável por mais de 70% das causas-raízes dos erros no cuidado em saúde.14,15

Isso pode ser notado não apenas no local de trabalho, mas também noutras instituições de saúde, principalmente na APS, uma vez que esta necessita compartilhar informações com hospitais, laboratórios, centros de especialidades médicas e outros setores e instituições.

Este item é considerado primordial para a assistência na APS, uma vez que a comunicação com os outros serviços de saúde é deficitária.16 Deste modo, recomenda-se aprimorar e articular a comunicação entre as principais áreas envolvidas, para desenvolvimento e promoção de ações positivas para a segurança do paciente (programas de treinamentos de habilidades de comunicação, simulações práticas e maneiras padronizadas para apresentar informações ao usuário), minimizando os riscos e garantindo um cuidado seguro e de qualidade.15,17

No que diz respeito ao processo de trabalho, as instituições de saúde brasileiras vêm enfrentando uma falta de planejamento em saúde e, como evidenciado neste estudo, os profissionais sentem-se apressados para prestar atendimento ao usuário, muitas vezes, devido à alta demanda do serviço, que, somado à sobrecarga de trabalho, pode comprometer a segurança do usuário na APS

Entretanto, o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e outros órgãos ministeriais no Brasil têm implementado políticas para melhoria da assistência, resultando em consequente aumento da segurança do paciente nas instituições.

Um estudo brasileiro mostra que fatores como gerenciamento e gestão de serviço, déficit de recursos humanos, sobrecarga de trabalho, relacionamento interpessoal, falha na comunicação e baixa continuidade de atenção prestada aos usuários têm comprometido a assistência nas instituições.18

Apesar de expressarem suas opiniões, os profissionais da ESF e UBS acreditam que seus erros podem ser usados contra si próprios, evidenciando fragilidade nesta dimensão e confirmando outro estudo realizado no âmbito da APS.19)

Atrelar o erro à culpa ainda é uma prática comum em um ambiente de trabalho punitivo, bem como concluir que os erros são causados pelo profissional de saúde devido seu descuido ou desatenção. Quando os profissionais não expressam suas opiniões ou não relatam um suposto erro, os problemas permanecerão ou até mesmo se agravarão; deste modo, a cultura de segurança deve estar alinhada às discussões e prioridades das instituições, excluindo a cultura punitiva.20,15

Também é fundamental encorajar as equipes que a ocorrência de erros e a culpa podem ser chances para transformá-los em oportunidades para discutir, aprimorar o cuidado, refletir criticamente sobre eles e prevenir eventos recorrentes pela mesma causa.19

Na dimensão relacionada à gestão, os participantes da ESF demonstraram insatisfação com seus gestores, administradores e líderes, contrapondo os profissionais da UBS que permaneceram neutros. De maneira ampla, o compromisso dos gerentes para a segurança do paciente é um elemento essencial para o fortalecimento da cultura de segurança, pois, a gerência é um importante instrumento da política institucional, incorporando um caráter articulador e interativo.21 Gestores ou administradores são reconhecidos como uma subcultura da cultura de segurança, com responsabilidade de comprometimento pelo serviço ao usuário, bem como, para conceber os elementos pertinentes para a construção da segurança do paciente, incluindo as lacunas existentes, que implicam em redução na qualidade do cuidado.22

Os enfermeiros concordaram que seu processo de trabalho é efetivo para a prevenção de erro que pode estar alinhado ao estabelecimento do bom relacionamento entre os profissionais da equipe.

A identificação dos riscos na segurança do usuário é considerada uma estratégia para o desenvolvimento da cultura de segurança23 na APS. Contudo, no que diz respeito às respostas de conotação negativa, os enfermeiros relataram que a quantidade de atividades desenvolvidas é mais importante do que a qualidade, no contexto da ESF, já que este programa é voltado para o cuidado familiar.

Ao fim desta análise, o instrumento traz a avaliação global destes serviços de saúde. No que tange à avaliação geral da qualidade, os enfermeiros da ESF e UBS consideram os seus locais de trabalho “muito bom” ou “bom”. Essa percepção profissional é importante para avaliação direta do risco, porque isso colabora para o adequado gerenciamento do cuidado, com enfoque na prevenção do erro e no estabelecimento da cultura de segurança na APS.21

As contribuições desta pesquisa poderão servir de base para os gestores analisar a relevância de se compreender a cultura de segurança do paciente na APS. Um estudo evidenciou que muitos eventos adversos constatados no hospital são oriundos da APS e, muitas vezes, passam despercebidos pelos profissionais de saúde. Entende-se que esta temática está mais centrada no ambiente hospitalar, por considerar os cuidados mais complexos.

Estudar a cultura de segurança do paciente na APS é primordial para o avanço do conhecimento sobre os riscos, a magnitude e a natureza dos eventos adversos causados pelas práticas inseguras. Considerando estes aspectos, podem ser desenvolvidos protocolos específicos para cuidados seguros na APS.

CONCLUSÃO

A avaliação da cultura de segurança na APS é multifatorial e perpassa elementos relacionados à estrutura, processo e resultados do trabalho da saúde. No cenário estudado, percebe-se que a cultura punitiva focaliza os erros devido ao receio que os professionais têm de reportá-los.

Ressalta-se a necessidade de fortalecer as discussões sobre a segurança do paciente na APS para promover a conscientização dos profissionais sobre seu compromisso ético e comunicação eficaz, visando fortalecer a cultura não punitiva. A avaliação negativa atribuída pelos profissionais da ESF aos gestores reflete um desafio à APS.

A participação de somente enfermeiros e não da equipe multiprofissional é limitação para este estudo, o que não permitiu avaliar globalmente a cultura de segurança. Contudo, sabe-se da importância da enfermagem no engajamento para as práticas seguras e de qualidade e que o enfermeiro é o alicerce deste processo, sendo essencial para o aprimoramento das habilidades do conhecimento e elaboração de estratégias que promovam a segurança do paciente.

Entende-se que a cultura de segurança na APS é um fenômeno complexo que necessita ser identificada para proporcionar ações de melhoria e criar ferramentas para auxiliar e promover o cuidado seguro.

O usuário destes serviços deve ser inserido nesta luta, pois ele também é responsável pela segurança, auxiliando na identificação e prevenção dos eventos adversos e promovendo esta segurança.

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Recebido: 03 de Dezembro de 2018; Aceito: 06 de Fevereiro de 2019

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