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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.19 n.57 Murcia Jan. 2020  Epub Mar 16, 2020

https://dx.doi.org/eglobal.19.1.366701 

Originais

Perfil epidemiológico e clínico de casos de microcefalia

Evelyn Maria Braga Quirino1  , Clarissa Mourão Pinho2  , Mônica Alice Santos da Silva3  , Cynthia Angélica Ramos de Oliveira Dourado2  , Morgana Cristina Leôncio de  Lima3  , Maria Sandra Andrade4 

1Enfermeira Infectologista. Mestranda em Enfermagem pelo Programa Associado de Pós-Graduação UPE/UEPB. Brasil. evelynquirino@hotmail.com

2Mestre em Enfermagem pelo Programa Associado de Pós-Graduação UPE/UEPB. Doutoranda em Enfermagem pelo Programa Associado de Pós-Graduação UPE/UEPB. Brasil.

3Mestranda em Enfermagem pelo Programa Associado de Pós-Graduação UPE/UEPB. Brasil.

4 Pós-Doutora em Saúde Pública. Docente em Enfermagem do Programa Associado de Pós-Graduação UPE/UEPB. Brasil.

RESUMO

Objetivo

Descrever o perfil epidemiológico e clínico dos casos de microcefalia em Recife, Pernambuco.

Método

Estudo transversal, quantitativo, desenvolvido em hospital de referência para casos de microcefalia. Os dados foram coletados em agosto/2016 a partir do formulário FormSUS. Foram incluídos todos os casos de microcefalia confirmados de agosto/2015 a julho/2016, perfazendo 180 casos. Para análise dos dados utilizou-se a estatística descritiva e os testes do qui-quadrado e exato de Fisher.

Resultados

A maioria dos casos ocorreram em outubro e novembro de 2015, com 55 (30,6%) e 52 (28,9%), respectivamente. A sorologia para o vírus Zika foi reagente para 79 (43,9%) dos bebês. O sintoma mais prevalente, durante a gestação, foi o exantema 105 (57,3%). Ademais, 150 (83,3%) crianças nasceram a termo, 78 (43,3%) apresentaram percentis entre 10 e 50 na relação peso e idade gestacional e 108 (60%) possuíam -3 desvios padrões na comparação do perímetro cefálico com a idade gestacional, considerada microcefalia severa.

Conclusões

É necessário garantir a essas crianças um atendimento integral e especializado. É imprescindível a vigilância epidemiológica, entomológica e ações de controle mais efetivas no combate ao vetor.

Palavras-Chave: Microcefalia; Infecções por Arbovirus; Zika Vírus; Enfermagem em Saúde Pública

INTRODUÇÃO

Em 2015, ocorreu no Brasil uma epidemia causada por arbovírus transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti. Dentre essas arboviroses, destaca-se a infecção pelo vírus Zika (ZIKV), relacionada aos casos de microcefalia, que acarretaram uma mudança no cenário epidemiológico e alterações congênitas em crianças recém-nascidas 1)(2)(3).

O ZIKV foi isolado pela primeira vez em 1947 no sangue de um macaco no Vale do Zika em Uganda e os primeiros relatos em humanos ocorreram em 1952 em Uganda e na Tanzânia2)(3)(4)(5. Poucos casos de infecção em humanos foram relatados até o ano de 2007, quando ocorreu a primeira epidemia do ZIKV no Estado de Yap, um dos quatro Estados Federados da Micronésia. Em 2013, um novo surto foi relatado na Polinésia Francesa, Nova Caledônia e em 2015 os pesquisadores brasileiros isolaram o vírus pela primeira vez na Bahia6)(7.

Trata-se de uma infecção transmitida por mosquitos artrópodes, geralmente assintomática ou com sintomas leves como febre, eritema e artralgia e que apresenta um tropismo pelo sistema nervoso (4)(8. Outras formas de contaminação além da vetorial foram relatadas como a congênita, sexual e por transfusão de sangue 9)(10. Na maioria dos casos a doença é assintomática, mas pode cursar com gravidade devido a casos de microcefalia e síndrome de Guillain-Barré associadas ao vírus11.

Estudos pontam que o aumento do número de casos de microcefalia no Brasil, principalmente no Nordeste do país, foi decorrente da infecção causada pelo ZIKV em mulheres em idade fértil. Estes achados foram confirmados após o isolamento viral no líquido amniótico de duas gestantes que tiveram diagnóstico fetal de microcefalia e apresentaram sinais e sintomas de arbovirose, além de uma autópsia de um aborto fetal de uma mulher europeia que viveu no país até o início da gestação 2)(3. Corroboram com os achados os resultados apresentados em uma revisão sistemática, onde houve relação de causalidade entre o ZIKV e anomalias congênitas12.

A microcefalia é um achado clínico decorrente de fatores genéticos ou não genéticos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera microcefalia quando o recém-nascido (RN) possui um perímetro cefálico (PC) abaixo de - 2 ou mais desvios-padrão e microcefalia grave quando apresenta uma medição inferior a -3 desvios-padrão. Esta medida deverá ser realizada por um profissional habilitado, com equipamentos e técnicas padronizadas, após 24 horas do nascimento e dentro da primeira semana de vida (até 6 dias e 23 horas) 13.

Após o diagnóstico de microcefalia, faz-se necessário um acompanhamento periódico para avaliar a sua gravidade e um possível retardo mental. Em estudo publicado em 1968, com 212 crianças com microcefalia, ficou demonstrada a correlação entre o perímetro cefálico e o retardo mental, ou seja, quanto menor a circunferência maior a gravidade do caso 14. Para estabelecer a etiologia e a severidade da microcefalia é necessário exame de neuroimagem que irá permitir uma melhor visualização das áreas acometidas. Estudos internacionais descrevem como maior achado uma redução do tamanho do sistema nervoso central (SNC), especialmente no córtex cerebral 13)(14)(15.

A microcefalia associada à ZIKV trata-se de uma emergência mundial em Saúde Pública16 que necessita ser melhor estudada. Assim, considera-se relevante conhecer os aspectos clínicos e epidemiológicos relacionados a essa arbovirose, buscando oferecer subsídios para que profissionais de saúde possam desenvolver linhas de cuidados que são essenciais para atuar nas diferentes fases do desenvolvimento dessas crianças. Nesta perspectiva, o presente estudo tem como objetivo descrever o perfil epidemiológico e clínico dos casos de microcefalia em Recife, Pernambuco.

MÉTODO

Cenário e tipo de estudo

Trata-se de um estudo transversal de abordagem quantitativa, desenvolvido no Núcleo de Vigilância Epidemiológica de Âmbito Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (VEAH- HUOC), unidade de referência estadual no atendimento a crianças com microcefalia.

A coleta de dados foi realizada no mês de agosto de 2016 a partir dos formulários de notificação no formulário FormSUS.

População

A população do estudo foi composta por 455 casos notificados de microcefalia atendidos no período de agosto de 2015 a julho de 2016.

Definição da amostra

Foram considerados os seguintes critérios: casos notificados de RN com menos de 37 semanas de idade gestacional, apresentando perímetro cefálico menor que - 2 ou mais desvios-padrão, segunda a Tabela Intergrowth e os RN com 37 semanas ou mais de idade gestacional apresentando perímetro cefálico menor ou igual a 31,5 cm para as meninas e 31,9 cm para os meninos e que foram confirmados através de exames de imagem (ultrassonografia transfontanela (US-TF) e/ou tomografia computadorizada de crânio (TCC) ou ressonância magnética) e/ou exames laboratoriais (relacionados a infecção congênita por STORCH e/ou infecção pelo Vírus Zika nos RN e mães)16)(17) .

Critérios de inclusão e exclusão

Nascidos vivos, notificados pelo núcleo de VEAH- HUOC, que tiveram diagnóstico de microcefalia intrautero e/ou após o nascimento. Foram excluídos da pesquisa aqueles que receberam alta após a exclusão da microcefalia e os que estavam em investigação no momento da coleta dos dados. A amostra foi composta por 180 casos confirmados de microcefalia.

Variáveis do estudo

As variáveis utilizadas foram retiradas do formulário FormSUS e classificadas em sociodemográficas (sexo, zona de moradia e mesorregião); relacionadas ao nascimento e gestação (idade da mãe, mês do nascimento, idade gestacional no momento do parto, perímetro cefálico ao nascer, peso x idade gestacional, perímetro cefálico x idade gestacional); relacionadas à presença de sinais e sintomas da infecção pelo ZIKV durante a gestação (exantema, presença de febre, dor articular e trimestre da gestação em que ocorreram os sinais e sintomas); relacionadas aos exames de imagem para confirmação da infecção por ZIKV (US-TF, TCC); e, por fim, relacionadas aos exames complementares (ecocardiograma, teste da orelhinha, fundoscopia, coinfecção do RN, sorologia para o ZIKV no RN).

Os resultados da TCC com calcificações e a medida de perímetro cefálico x idade gestacional foram utilizados para verificar associações com as seguintes variáveis: sexo, sorologia para ZIKV no RN, coinfecção do RN e o trimestre da gestação que apareceu o exantema.

Análise e tratamento dos dados

Os dados foram armazenados em planilha do software Microsoft Excel 2013 e exportados para o programa estatístico PASW Statistics 18. Para análise dos dados foi utilizada a estatística descritiva e os resultados apresentados em frequências absolutas, percentuais, médias e desvio padrão. Foram utilizados os testes do qui-quadrado e exato de Fisher. Todas as conclusões foram tiradas considerando o nível de significância de 5%.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em cumprimento a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde com CAAE: 57736116.9.0000.5192 e parecer nº 1.675.612 emitido em 2016.

RESULTADOS

Dos 455 casos notificados como suspeitos de microcefalia, 180 casos foram confirmados por critérios clínicos e exames laboratoriais, sendo estes os testes sorológicos (IgM ZIKV - ELISA), reação em cadeia de polimerase (ZIKV RT-PCR) e exames de imagem (US-TF e TCC). Ademais, 57 pacientes estavam em investigação no momento da coleta e 218 casos notificados foram descartados após exames de imagem e atendimento clínico. A amostra estudada (n=180) apresentou predominância do sexo feminino, provenientes da Região Metropolitana de Recife e residentes na zona urbana (Tabela 1).

Tabela 1. Distribuição dos casos confirmados de microcefalia de acordo com o sexo, zona de moradia e mesorregião. Recife, PE, Brasil, 2016. 

Fonte: Núcleo de Vigilância Epidemiológica de Âmbito Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz VEAH– HUOC. Recife, Brasil, 2016.

Em agosto de 2015, foram iniciados os atendimentos de casos suspeitos de microcefalia, com um atendimento. A maioria dos bebês diagnosticados nasceu nos meses de outubro e novembro de 2015, com 107 (59,4%) casos estudados. Mais da metade das crianças possuíam -3 desvios-padrões na comparação do perímetro cefálico com a idade gestacional, sendo estas consideradas com microcefalia severa (Tabela 2).

Tabela 2. Dados de nascimento e gestação dos casos confirmados de microcefalia. Recife, PE, Brasil, 2016. 

Fonte: Núcleo de Vigilância Epidemiológica de Âmbito Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz VEAH– HUOC. Recife, Brasil, 2016.

Os sintomas mais relatados pelas mães durante a gestação, relacionados às arboviroses, foram o exantema, a febre e dor articular. Das 39 (21,7%) mães que relataram estes sintomas no primeiro trimestre da gestação, 25 (64,1%) tiveram filhos diagnosticados com microcefalia severa (Tabela 3).

Tabela 3. Distribuição da presença de sinais e sintomas de arbovirose e trimestre da gestação relatados pelas mães. Recife, PE, Brasil, 2016. 

Fonte: Núcleo de Vigilância Epidemiológica de Âmbito Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz VEAH– HUOC. Recife, Brasil, 2016.

Após o primeiro atendimento na unidade de saúde, as crianças foram submetidas a exames de imagem como US-TF e TCC. Dos 68 pacientes que realizaram a US-TF, 58 (32,2%) apresentaram alterações de imagem, como calcificações, dois tiveram problemas na realização (por estarem com a fontanela fechada) e cinco tiveram seus exames de imagem considerados normais. Dos 180 bebês, 164 (91,1%) apresentaram alterações na TCC, 155 (86,1%) apresentara calcificações, 64 (35,6%) apresentaram malformação do desenvolvimento cortical, 41 (22,8%) apresentaram alteração da substância branca, 43 (23,9%) lisencefalia e 106 (58,9%) ventrículomegalia.

Para um melhor acompanhamento e investigação das 180 crianças, foi preconizado um protocolo clínico e epidemiológico no Estado de Pernambuco, com a solicitação de exames complementares cujos resultados estão demonstrados na Tabela 4. Essas sorologias também foram solicitadas para 53 genitoras. Dos exames realizados nos menores, 63 (35%) foram feitos através da coleta do líquido cefalorraquidiano (LCR).

Dentre os casos atendidos e confirmados, ressalta-se que 119 (66,1%) tiveram o seu diagnóstico após o nascimento, 163 (90,6%) continuam em acompanhamento, 16 (8,9%) foram transferidos e um evoluiu para o óbito.

Tabela 4. Distribuição dos resultados dos exames complementares realizados nos casos confirmados de microcefalia. Recife, PE, Brasil, 2016. 

Fonte: Núcleo de Vigilância Epidemiológica de Âmbito Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz VEAH– HUOC. Recife, Brasil, 2016.

Das 155 crianças que apresentaram calcificações na TCC observa-se maior prevalência (94,6%) no sexo feminino, assim como uma medicação de perímetro cefálico de -3DP (62,9%). Os testes de independência não foram significativos para os fatores avaliados (Tabela 5).

Tabela 5. Distribuição dos resultados da tomografia computadorizada de crânio que apresentaram calcificações e do perímetro cefálico x idade gestacional, segundo o sexo, sorologia para Zika, coinfecções e trimestre do exantema. 

Fonte: Núcleo de Vigilância Epidemiológica de Âmbito Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz VEAH– HUOC. Recife, Brasil, 2016.

DISCUSSÃO

O Brasil, até 30 de julho de 2016, notificou 8.801 casos suspeitos de microcefalia, sendo 1.773 casos confirmados. Destes, 1.510 são procedentes do Nordeste brasileiro e Pernambuco lidera o número de notificações com 376 casos. A unidade de referência estudada notificou 10,2% dos casos em âmbito nacional, 11,9% em relação ao Nordeste e 47,9% das notificações do Estado de Pernambuco 16)(17.

Com o intuito de melhorar o monitoramento dos casos a nível nacional, desde agosto de 2016, a notificação dos casos de microcefalia é realizada através dos Registros de Eventos de Saúde Pública. Em 2017 a doença deixou de ser um problema de emergência em saúde pública, porém os casos já existentes necessitam ações de promoção da saúde e acompanhamento clínico durante toda a vida 13)(17.

O atendimento das crianças com suspeita de microcefalia desde dezembro de 2015 vem sendo realizado em 18 unidades de referência divididas em 4 macrorregiões distribuídas pelo Região Metropolitana, Agreste, Sertão, Vale do São Francisco e Araripe do Estado de Pernambuco. A unidade na qual foi realizada esta pesquisa está localizada na macrorregião I, que, juntamente com mais 6 unidades, abrangem o atendimento em 72 municípios da Região Metropolitana 16)(12.

Vários fatores ambientais são causadores de más formações fetais, dentre eles o etanol, drogas, mercúrio, radiação e certos agentes virais que podem resultar em distúrbio do desenvolvimento cortical do feto. As infecções virais intrauterinas associadas a danos do SNC são consideradas raras, porém depois da entrada do Zika vírus no país, observou-se casos de microcefalia relacionadas a esse vírus18. Neste estudo, das 84 crianças que realizaram exame laboratorial e que o resultado foi disponibilizado, 94% tiveram resultados positivos para ZIKV.

As evidências científicas sobre a associação do ZIKV e microcefalia são muito consistentes. Um estudo brasileiro, publicado em maio de 2016, que analisou 5 casos suspeitos de ZIKV, teve resultados variados. No primeiro caso, um bebê que nasceu a termo não apresentou microcefalia, apesar de sua mãe, durante o oitavo mês de gestação, ter apresentado sinais e sintomas e sorologia positiva para ZIKV. O segundo caso foi de uma jovem com 31 anos que sofreu aborto semanas após iniciar quadro compatível com a doença. Os três últimos casos foram de neonatos, com exames positivos para o vírus, que foram a óbito com menos de 24h após o nascimento 19.

Os resultados preliminares de um estudo de caso controle, com 32 casos e 64 controles, sugerem que a epidemia de microcefalia é resultado da infecção congênita, visto que 80% dos casos foram positivos para os anticorpos específicos do ZIKV. Os resultados finais desse estudo, o qual teve como objetivo avaliar as associações de microcefalia com a infecção congênita pelo ZIKV e com o uso de vacinas e larvicidas, demonstrou a associação entre microcefalia e a infecção congênita pelo ZIKV e a não associação da microcefalia com a vacinação durante a gravidez e o uso do larvicida piriproxifeno20.

Ao analisar os sinais e sintomas da infecção pelo ZIKV, nas gestantes, pode-se notar que o exantema foi relatado por pouco mais da metade das entrevistadas. Outros sinais e sintomas característicos da doença estavam ausentes em aproximadamente metade dos casos ou as gestantes informaram não lembrar ou não sabiam relatar, o que pode caracterizar quadros assintomáticos ou ligossintomáticos. Em estudo realizado em 2009, 80% das pessoas infectadas não relataram sintomas característicos da doença 21.

Em estudo brasileiro, que acompanhou 88 gestantes de diferentes idades gestacionais e que apresentaram sinais e sintomas característicos das arboviroses, 72 tiveram resultado positivo para o ZIKV, sendo que 46 (63,9%) apresentaram dor articular e 20 (27,8%) apresentaram febre 22. O exantema foi observado em todas as gestantes, por ser um critério de inclusão do estudo, não sendo esse comparável a amostra do presente estudo.

Os meses de outubro e novembro de 2015 concentraram o maior número de crianças com microcefalia. Ao segmentar os trimestres gestacionais de uma gestação a termo, verifica-se que os primeiros e segundos trimestres ocorreram durante o verão brasileiro, período de aumento no número de Aedes aegypti. Estes vivem bem adaptados nas zonas urbanas e são transmissores de arboviroses como Dengue, vírus Zika e Chikungunya 23. Dessa forma, o aumento do número de casos de arboviroses e de má formação das crianças pode estar relacionado com o período sazonal de maior incidência do mosquito. Além disso, 96,7% das mães residiam em zona urbana.

Países de clima tropical têm posição de destaque na transmissão de arboviroses. Além da extensão territorial do Brasil possibilitar diferenças climáticas regionais, há ainda desigualdades na distribuição da rede de saneamento básico e hídrico que levam a maiores riscos adoecimento por patologias transmitidas pelo Aedes aegypti 24.

Neste estudo, pôde-se observar a presença de casos de microcefalia com um perímetro cefálico de até 33 cm. Este fato é decorrente do protocolo adotado no início do surto, que orientou a notificação dos recém-nascidos, entre 37 e 42 semanas de gestação, com perímetro cefálico aferido ao nascimento igual ou menor que 33 cm, na curva da OMS 25. Em seguida, após surgirem novas evidências dos estudos de campo, reduziu-se a medida de referência do perímetro cefálico para 32 cm em crianças a termo de ambos os sexos 26. Em março de 2016, uma definição padrão internacional para microcefalia foi adotada, alinhada às orientações da OMS, na qual para crianças a termo as medidas a serem adotadas eram de 31,5 cm para meninas e 31,9 cm para os meninos27). Apesar destes casos não estarem de acordo com o atual protocolo, os mesmos não foram desconsiderados neste estudo.

Analisando os perímetros cefálicos de acordo com o desvio padrão, nota-se um percentual de 60% de casos com microcefalia severa. Entende-se que, quanto menor o desvio padrão, mais grave é a microcefalia e consequentemente é maior a dependência desta 3 criança 15.

Estudo realizado na Colômbia, país endêmico, mostrou que durante o desenvolvimento embrionário ocorre o aumento do líquido cefalorraquidiano no espaço subaracnoideo e do volume ventricular além de redução do parênquima cerebral supratentorial, podendo resultar em diminuição do tecido cerebral e em microcefalia associada ao ZIKV 28. O vírus tem tropismo pelo tecido nervoso com efeitos teratogênicos sobretudo no cérebro do feto, tendo os recém-nascidos com microcefalia associado ao Zica, déficits de desenvolvimento neurológico 29. Logo, faz-se necessário um suporte e apoio à saúde, educação e ao psicológico para as famílias que tiveram seus filhos acometidos com o ZIKV.

Além disso, é importante a utilização de padrões de medição e de acompanhamento apropriados para as crianças, além da vigilância contínua dos casos de microcefalia potencialmente associados ao ZIKV. Os casos suspeitos devem ser investigados e confirmados a partir de evidências laboratoriais ou radiológicas 30.

No presente estudo, 164 crianças apresentaram alterações radiológicas no exame de TCC, estas alterações foram segmentadas de acordo com a ocorrência, sendo mais frequentes as calcificações, seguidas das malformações do desenvolvimento cortical, alterações da substância branca, lisencefalia e ventrículomegalia. Salienta-se que tais dados devem ser avaliados com maior propriedade pelos especialistas e que a realização do exame depende de inúmeros fatores como a sedação da criança, do operador e do interpretador do exame.

Em estudos que agruparam as crianças que tiveram ou não alteração radiológica, foi encontrado 41% de anormalidades, destacando-se calcificações, ventrículomegalia e lisencefalia24. Testes laboratoriais para ZIKV e TCC realizadas em 79 casos, demostraram que 21 (27%) apresentavam anomalias cerebrais importantes na tomografia 25.

Com relação às fragilidades do estudo, ressalta-se que se utilizou dados secundários para avaliação do perfil epidemiológico dos portadores de microcefalia. Faz-se necessário a realização de mais estudos que possam evidenciar aspectos clínicos e epidemiológicos a longo prazo de modo a contribuir com melhorias na qualidade de vida desses portadores.

CONCLUSÕES

O estudo foi proposto para descrever o perfil clínico e epidemiológico das crianças com microcefalia diagnosticadas em um surto de 2015 e espera-se contribuir para futuras investigações sobre esse agravo. Ressalta-se que a maioria das crianças apresenta microcefalia severa, logo, necessitarão de atendimento especializado multiprofissional ao longo de suas vidas. Como se trata de um agravo evitável em saúde pública que deve ter alta vigilância permanente, os profissionais, por sua vez, necessitarão de capacitação e treinamento específicos.

Além disso, a necessidade de dedicação integral ao bebê, com habilidades cognitivas e motoras comprometidas, deve causar impacto socioeconômico e irá repercutir de forma direta na qualidade de vida das famílias. Assim, além de um atendimento especializado, faz-se necessário o apoio social para estas famílias e a garantia de efetivação dos direitos referentes à saúde, à educação e à reabilitação.

Outro aspecto imprescindível refere-se à necessidade de prevenção afim de evitar o surgimento de novos casos, com ações de vigilância epidemiológica, entomológica, medidas educativas consistentes e ações de controle mais efetivas no combate ao vetor.

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Recebido: 10 de Março de 2019; Aceito: 23 de Junho de 2019

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