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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.19 no.59 Murcia Jul. 2020  Epub 10-Ago-2020

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.402951 

Originais

Depressão e ideação suicida na adolescência: implementação e avaliação de um programa de intervenção

Ana Paula Amaral1  , Josiane Uchoa Sampaio2a  2b  , Fátima Regina Ney Matos3  , Margarida Tenente Santos Pocinho1  , Rafael Fernandes de Mesquita4  , Laelson Rochelle Milanês Sousa5 

1 Escuela Superior de Tecnología de la Salud de Coimbra-IPC. Coimbra. Portugal. amaral.anapm@gmail.com

2a Coimbra Health School, Polytechnic Institute of Coimbra, Portugal

2b Medical Center Cetfama, São Luís, Brasil

3 Instiuto Superior Miguel Torga. Coimbra. Portugal.

4 Instituto Federal de Piauí. Piauí. Brasil.

5 Programa de Posgraduación en Enfermería Fundamental. Escuela de Enfermería de Ribeirão Preto de la Universidad de São Paulo. São Paulo. Brasil.

RESUMO:

Objetivo:

Analisar os resultados do desenvolvimento e implementação de um programa de prevenção do suicidio dirigido a adolescentes.

Materiais e Métodos:

Estudo quase experimental, do tipo antes e depois, com adolescentes de uma Instituição de Ensino em São Luís, Maranhão, Brasil. O estudo seguiu as etapas de desenvolvimento, implementação e avaliação de um programa de intervenção direcionado a prevenção do suicídio. Foram administrados três instrumentos de avaliação, antes e após a intervenção: a Escala de Ideação Suicida de Beck; o Inventário de Depressão de Beck e a Escala de Desesperança de Beck.

Resultados:

Antes da intervenção participaram 102 adolescentes, 30 (29,4%) apresentaram ideação suicida e sintomatologia depressiva. Após a intervenção os instrumentos foram aplicados para os 30 adolescentes selecionados, 12 (40,0%) continuaram com ideação. Antes da intervenção a média do Inventário de Depressão foi de 23,83 e depois 7,17 (p<0,0001). Quanto à desesperança, a média obtida antes foi 7.23 e depois 2,17 (p<0,0001); No que diz respeito à ideação suicida, a média obtida antes foi 10,50 e depois foi 2,57 (p<0,0001).

Conclusão:

Ocorreu uma diminuição da sintomatologia depressiva, da desesperança e da ideação suicida após a implementação do programa de intervenção elaborado.

Palavras chave: Ideação Suicida; Depressão; Adolescência; Intervenção psicoeducativa

INTRODUÇÃO

A fase da adolescência caracteriza o ser humano que busca uma nova identidade. Frequentemente, acumula experiências de sofrimento, solidão, dúvidas, ansiedade e confusão. Fazem parte desse caminho oscilações de humor que vão de alegria (tipo euforia) até à tristeza e à depressão, luto face à infância perdida, comportamentos antissociais, necessidade de aceitação em grupos e contestação diante de qualquer autoridade e de pessoas que representem o controle. A solidão e o isolamento também são comuns entre os adolescentes. Embora a depressão não seja uma doença silenciosa é muito pouco diagnosticada na prática médica diária. Estima-se que apenas 34% das pessoas com depressão procurem ajuda especializada e apenas um terço das pessoas com depressão encontrem a ajuda que necessitam. Na maioria das vezes as pessoas são incapazes de reconhecer ou nomear a sua doença e, frequentemente, apresentam queixas gerais. A prática usual dos ambulatórios médicos é cada vez mais assumida por profissionais de todas as especialidades médicas que não querem, ou não podem, conhecer o seu cliente no que concerne à sua história de vida, contexto pessoal, familiar, profissional, social, pensamentos, sentimentos e comportamentos 1.

A depressão apresenta-se como um dos fatores de risco que mais se relaciona com suicídio. O isolamento em pessoas com depressão tende a aumentar os sintomas da doença. O distanciamento de amigos e das pessoas mais próximas, desinteresse pelo trabalho, pelo lazer e por qualquer outra atividade do dia-a-dia, são características marcantes. Aqui, é importante avultar a necessidade de não se confundir tristeza e depressão. Quando se fala de depressão referimo-nos a uma doença psiquiátrica que requer cuidados especiais.

Os pensamentos suicidas são frequentes na adolescência, principalmente em fases de maiores dificuldades perante um estressor importante. Na maioria das vezes, são passageiros, não indicam psicopatologia ou necessidade de intervenção. No entanto, quando esses pensamentos são intensos e prolongados, o risco de desencadear um comportamento suicida aumenta. Os adolescentes são mais propensos ao imediatismo e à impulsividade, e ainda não possuem plena maturidade emocional; dessa forma, encontram maior dificuldade para lidar com estresses agudos, tais como, o fim de um relacionamento, situações que provocam vergonha ou humilhação, rejeição pelo grupo social, fracasso escolar e perda de um ente querido. Esses acontecimentos podem funcionar como desencadeadores de atos suicidas 2.

A ideação suicida está associada a um maior risco de futura tentativa de suicídio. Já o planeamento do suicídio implica risco elevado de morte. A presença de ideação suicida é por si só, um importante sinal de sofrimento psíquico e exige atenção redobrada na avaliação clínica. Um transtorno psiquiátrico pode estar presente, necessitando de pronto reconhecimento e de tratamento adequado 2.

O comportamento suicida pode ser classificado em três momentos: a ideação suicida (que pode ir de pensamentos de morte à intenção suicida estruturada com ou sem planeamento suicida), o suicídio consumado e a tentativa de suicídio que acontece entre a ideação e o suicídio consumado 3.

Os efeitos da história familiar sobre o comportamento suicida são mediados tanto por fatores genéticos, quanto ambientais. A maior prevalência de suicídio está mais associada à herança de traços de impulsividade e agressividade, do que a doenças mentais. São também fatores importantes, a identificação psicológica com entes que se suicidaram e a existência de dinâmicas conturbadas de certas famílias. Deve-se ficar alerta quanto há violência doméstica e ao relato de abuso físico ou sexual. Na adolescência, para além dos distúrbios clássicos associados ao suicídio, devem-se também considerar o “déficit de atenção com hiperatividade” e o “transtorno de conduta” descritos no manual de diagnóstico e estatística de transtornos mentais (DSM-V), podendo ocorrer uma exacerbação de outros transtornos mentais comórbidos, como a depressão, e o aumento da impulsividade e de condutas de risco2.

Diante destas abordagens, faz-se necessário o desenvolvimento de ações do tipo intervenção para a promoção da saúde mental de adolescentes a fim de identificar e reduzir possíveis riscos ao suicídio nesta população. A presente investigação tem como objetivo analisar os resultados do desenvolvimento e implementação de um programa de prevenção do suicidio dirigido a adolescentes com idades compreendidas entre 13 e 17 anos.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo quase-experimental, do tipo antes e depois, realizado com adolescentes de idade entre 13 e 17 anos alunos de uma Instituição Privada de Ensina da cidade de São Luís, Maranhão, Brasil. O estudo seguiu as etpas de desenvolvimento, implementação e avaliação de um programa de intervenção direcionada para a prevenção do suicídio.

Inicialmente, foram administrados quatro instrumentos de avaliação a 102 adolescentes: a ficha sociodemográfica, a Escala de Ideação Suicida de Beck (Scale for Suicide Ideation - SSI), o Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory - BDI) e a Escala de Desesperança de Beck (Beck Hopelessness Scale - BHS). A aplicação foi coletiva, com duração media de 30 minutos.

Após aplicação, foram selecionados, com base nos resultados dos questionários aplicados, os adolescentes com incidência de sintomas depressivos e ideação suicida, tendo sido constituído um grupo de 30 adolescentes.

Os 30 participantes fizeram parte da implementação do programa de intervenção, que também decorreu no espaço da escola. As intervenções grupo terapêutica e psicoeducatica foram constituídas por 15 sessões, três vezes por semana. Cada sessão teve a duração de 50 minutos.

No final do programa de intervenção, passamos ao segundo momento de avaliação, no qual os participantes voltaram a responder aos instrumentos administrados antes do programa de intervenção. As fases correspondentes à avaliação e implementação das sessões decorreram por um período de três meses, compreendendo os meses de Maio, Junho e Julho de 2017.

Instrumentos de avaliação

Questionário de caracterização sócio-demográfica

De forma a caracterizar a amostra, aplicou-se um questionário composto pelos seguintes dados: idade, gênero, estado civil e escolaridade.

Escala de Ideação Suicida de Beck

Com o objetivo de investigar a incidência de ideação suicida, optou-se pela Escala de Ideação Suicida de Beck (Scale for Suicide Ideation - SSI), uma versão de auto-relato de outro instrumento clínico, também desenvolvido no CCT da Universidade de Pennsylvania e utilizado, desde 1970, para investigar a ideação suicida em pacientes psiquiátricos.

Em sua forma final, a SSI é constituída por 21 itens, dos quais 19 apresentam três alternativas de respostas e refletem gradações da gravidade dos desejos, das atitudes e dos planos suicidas. Submetem os seguintes conteúdos: 1) Desejo de viver; 2) Desejo de morrer; 3) Razões para viver ou morrer; 4) Tentativa de suicídio ativa; 5) tentativa de suicídio passiva; 6) Duração das ideias de suicídios; 7) Frequência da ideação; 8) Atitude em relação à ideação 9) Controle sobre atos suicidas; 10) Inibições para a tentativa; 11 Razões para a tentativa; 12) Especificidade do planejamento; 13) Acessibilidade ou oportunidade do método; 14) capacidade de realizar a tentativa; 15) Probabilidade de tentativa real; 16) Extensão da preparação verdadeira; 17) Bilhete suicida; 18) Atos finais; 19) Despistamento segredo 4. Os dois últimos itens, não incluídos no escore final, de caráter informativo, fornecem importantes informações relativamente ao número de tentativas prévias de suicídio e quanto à seriedade da intenção de morrer na última delas 4.

Inventário de Depressão de Beck

O Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory - BDI) foi aplicado para investigar a presença ou não de sintomas depressivos; é recomendável a sua aplicação conjunta com a SSI. É universalmente reconhecido como medida da intensidade da depressão e um dos primeiros recursos dimensionais desse tipo. É uma escala de auto relato de 21 itens, cada um com quadro alternativas, subentendendo graus crescentes de gravidade da depressão, com escore de 0 a 3.

Beck refere que selecionou os itens com base em observações e relatos de sintomas e atitudes frequentes em pacientes com depressão, e não foram escolhidos para refletir qualquer teoria de depressão em particular. Os itens do BDI referem-se a: 1) Tristeza; 2) Pessimismo; 3) Sentimento de fracasso; 4) Insatisfação; 5) Culpa; 6) Punição; 7) Auto aversão; 8) Autoacusações; 9) Ideias suicidas; 10) Choro; 11) Irritabilidade; 12) Retraimento social; 13) Indecisão; 14) mudança na autoimagem; 15) Dificuldade de trabalhar; 16) Insônia; 17) Fatigabilidade; 18) Perda de apetite; 19) Perda de peso; 20) Preocupações somáticas; 21) Perda da líbido. Na versão em português, o conteúdo dos itens mantem-se idêntico. O escore total é o resultado da soma dos escores individuais dos itens. O escore total permite classificação de níveis de intensidade da depressão. Os níveis descritos no manual de Beck e Steer, com base em dados de pacientes do CCT, não são idênticos aos que devem ser usados com pacientes psiquiátricos, na versão em português 4.

Escala de Desesperança de Beck

Para investigar a presença ou não de desesperança, escolhemos a Escala de Desesperança de Beck (Beck Hopelessness Scale - BHS), originalmente desenvolvida no CCT, sendo apresentada como medida da dimensão de desesperança. Pode-se afirmar que o instrumento foi criado como uma maneira de operacionalizar a componente desesperança do modelo cognitivo de Beck sobre depressão, componente esse que, conforme Beck, corresponderá à definição de desesperança, apresentada por Stotland - sistema de esquemas cognitivos, nos quais o denominador comum é a expectativa negativa a respeito do futuro próximo e remoto4.

De acordo com os autores, as pessoas desesperançadas acreditam: 1) que nada sairá bem para elas; 2) que nunca terão sucesso no que tentam fazer; 3) que as suas metas importantes jamais poderão ser alcançadas e 4) que seus piores problemas nunca serão solucionados.

A BHS é uma escala dicotômica, que engloba 20 itens, consistindo em afirmações que envolvem cognições sobre desesperança. Ao concordar CERTO ou ERRADO com cada uma delas, o sujeito descreve a sua atitude, permitindo que seja possível avaliar a extensão das expectativas negativas a respeito do futuro imediato e remoto. O escore total é o resultado da soma dos itens individuais. Pode variar de 0 a 20, que é a estimativa da extensão das expectativas negativas face ao futuro, que pode ser classificada em níveis 4.

Programa de Intervenção

A intervenção foi constituída por 15 sessões, com três sessões semanais. As sessões foram grupais, cada uma com a duração de aproximadamente, uma hora. Os 30 adolescentes foram divididos em 2 grupos de 15 e em cada grupo foram implementadas as 15 sessões.

No início de cada sessão procurou-se criar um ambiente alegre e descontraído através de várias atividades: conversar sentados em círculo, realizar brincadeiras recreativas usando músicas, bambolês, raquetes, bolas, cordas, pandeiros e guitarras infantis. As atividades executadas em cada sessão estão descritas no anexo deste artigo.

Tratamento de dados

Para a análise dos dados, em relação às variáveis sociodemográficas, foi feita uma análise descritiva (cálculos de frequência). No que diz respeito à estatística inferencial, foi utilizado o teste exato de Fisher para averiguar a associação existente entre depressão e ideação suicida e a regressão logística para avaliar, entre as diversas variáveis do estudo, quais foram mais associadas à ideação suicida.

Os dados recolhidos foram objeto de tratamento estatístico através do programa EPI INFO, um software de domínio público criado pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention, em português Centro para o controle e prevenção de doenças) direcionado para a área da saúde.

Considerações éticas

Este estudo obteve um parecer favorável da Comissão de Ética da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, que considerou estar de acordo com os princípios estabelecidos na Declaração de Helsínquia.

RESULTADOS

Os 102 adolescentes participantes do estudo apresentaram a seguinte caracterização: 72 (70,6%) eram do gênero feminino, com média de idade de 15,06 anos e o desvio padrão de 1,22, 35 (34,3%) cursavam o 1º ano do ensino médio e 28 (27,4%) o 2º ano. Dos 102 adolescentes, 30 (29,4%) apresentaram ideação suicida e 37 depressão leve, conforme se observa na Tabela 1.

Tabela 1.  Intensidade de depressão, com e sem de ideação suicida (N=102) 

Depressão (mínima = 0-11; leve = 12-19; moderada = 20-35; grave = 36-63)

Foram selecionados para participação no Programa de intervenção os adolescentes que apresentaram ideação suicida na Escala de Ideação Suicida de Beck (SSI). De um total de 30, 25 (83,3%) eram do gênero feminino. As idades oscilaram entre 13 e 17 anos, sendo a média de 15,53 anos e o desvio padrão (DP) de 1,13. A maioria frequentava o 1º (36,7%) e o 2º ano (30,0%) do ensino médio.

Os resultados mostram que após a intervenção, quanto aos sintomas depressivos, 22 (73,3%) passaram a ter níveis de pressão “mínimos”, conforme se observa na Tabela 2.

Tabela 2.  Adolescentes com depressão antes e após a intervenção. 

No que diz respeito à desesperança, também foi observado um aumento do número de adolescentes com níveis mínimos de desesperança, 27 (90%). Antes da intervenção os níveis de desesperança eram mínimo 8 (26,7%), leve 10 (33,3%), moderado 10 (33,3%) e grave 2 (6,7%). Conforme se observa na Tabela 3.

Tabela 3.  Adolescentes com desesperança antes e após a intervenção. 

Os níveis de intensidade de depressão e desesperança da maioria dos 30 adolescentes que passaram pela intervenção psicoeducativa ficaram entre o grau “mínimo” e “leve”. A identificação da mera presença de ideação suicida não revela o grau de intencionalidade, pelo que é recomendável a administração do BDI para investigar a presença ou não de depressão e do BHS para investigar a presença ou não de desesperança, pois os três instrumentos complementam-se.

Tabela 4.  Adolescentes com ideação suicida antes e após a intervenção 

Quando comparamos as médias dos índices de depressão, desesperança e ideação suicida obtidas nos dois momentos, encontramos diferenças estatísticamente significativas (p<0,0001). Antes da intervenção a média do BDI foi de 23.83e depois da intervenção 7,17 (p<0,0001). Quanto à desesperança, a média obtida na BHS antes da intervenção foi 7.23 e depois da intervenção 2,17 (p<0,0001); No que diz respeito à ideação suicida, a média obtida no SSI antes da intervenção foi 10,50 e depois da intervenção 2,57 (p<0,0001), conforme se observa na Tabela 5.

Tabela 5.  Médias, desvio padrão e alfa de cronbach antes e após a intervenção 

Para verificar a confiabilidade ou o grau de consistência interna entre os indicadores das escalas de Beck, aplicou-se o alpha de cronbach. O Coeficiente Alfa de Cronbach do BDI entre o teste e re-teste variam entre 0,76 e 0,83. Relativamente ao BHS entre 0,85 e 0,75 e, no que diz respeito ao SSI entre 0,81 e 0,88.

DISCUSSÃO

Estudos têm evidenciado que a depressão, a desesperança e a ideação suicida são importantes preditores do risco de suicídio 5)(6)(7. Além disso, o ânimo negativo foi observado como preditor para ideação suicida em outro estudo 8. O desejo de morte para os adolescentes pode ser interpretado como uma alternativa desses jovens de encontrarem um sentido para vida. No entanto, o adolescente pode ocultar pensamentos suicidas por razões diversas, como motivações religiosas, culturais, entre outras. Os adolescentes que participaram no presente programa de intervenção apresentavam ideação suicida, sintomatologia depressiva e desesperança, não ocultando os seus pensamentos e emoções negativas, nem a vontade de por termo à vida.

Neste estudo desenvolvemos um conjunto de sessões baseadas em fatores relevantes para a prevenção do suicídio. Autores 5 referem que entre os principais fatores de risco, a depressão tem um papel fundamental no desenvolvimento de pensamentos e comportamentos relacionados com a morte. O que se verificou nos adolescentes que participaram no programa de intervenção, que para além da ideação suicida apresentavam também, sintomatologia depressiva.

Conhecer os principais fatores de risco associados ao suicídio e as diferentes formas de manifestação dos sinais a ele associados, pode ser um passo importante para o planejamento de programas de prevenção. Os fatores associados à ideação suicida na adolescência são multifacetados e incluem transtornos mentais, características pessoais e familiares, problemas comportamentais do próprio adolescente e dos amigos. Os autores referem que os fatores que mais se destacam são a depressão, a desesperança, a solidão, a tristeza, a preocupação, a ansiedade, a baixa autoestima, a agressão por parte de pais e amigos, a pouca comunicação com os pais, ser abusado fisicamente na escola, o uso de substâncias, conhecer alguém que tenha tentado suicídio. Ao longo das sessões que implementámos procurámos refetir sobre os fatores de risco, aumentando a consciencialização dos mesmos e permitindo a partilha de ideias/experiências e o desenvolvimento de estratégias de regulação emocional e de resolução de problemas 6.

A prevenção do suicídio é uma área que necessita de maior investimento. Neste sentido, é importante que se realizem mais investigação nesta temática, que fundamente o desenvolvimento de medidas preventivas, associadas à promoção da saúde da população por meio de ações embasadas em evidências científicas 9,10, tendo em vista que a vulnerabilidade e a mortalidade por suicídio entre adolescentes brasileiros tiveram aumento significativo nos últimos anos 11)(12.

Dos 102 adolescentes avaliados inicialmente, 30 (29,4%) apresentaram ideação suicida, um número elevado para uma população não-clínica, associada a depressão leve (33,3%), moderada (56,7%) ou grave (10%). Relativamente aos 30 adolescentes que apresentaram inicialmente ideação suicida, 83,3% eram do gênero feminino e a média de idades foi de 15.5 anos, uma idade considerada preocupante para o risco de suicídio ou para o comportamento suicida. Resultados semelhantes foram obtidos por outro estudo (9 realizado com 243 adolescentes matriculados em escolas privadas e públicas, e destes 34,3% apresentaram ideação suicida ou tentativa de suicídio. Referem também, que associados à ideação suicida foram identificados sintomas depressivos leves ou moderados e sintomas moderados de ansiedade. Associados à tentativa de suicídio foram identificados sintomas depressivos graves e ansiedade. Corroborando os nossos resultados, autores 6 referem também, que a depressão, a desesperança, a solidão e a tristeza são alguns dos fatores de risco da ideação suicida que mais se destacam, assim como ser do gênero feminino.

Os resultados deste estudo sugerem que após o programa de intervenção implementado, os valores médios relativos à sintomatologia depressiva, à desesperança e à ideação suicida diminuiram de forma significativa nos adolescentes. Os dados apontam também, que após a intervenção 73,3% dos adolescentes apresentaram valores mínimos de sintomatologia depressiva, 90% dos adolescentes apresentam valores mínimos de desesperança, e 60% deixaram de ter ideação suicida. Os 40% que mantiveram ideação suicida, apresentaram um decréscimo na pontuação final. Estes resultados são encorajadores e permitem-nos acreditar que a implementação de programas de grupo terapeutico e psicoeducativos têm potencial para contribuir com a promoção da saúde mental dos adolescentes, diminuindo a sintomatologia depressiva, a desesperança e a ideação suicida.

Na literatura não encontramos programas semelhantes ao implementado de forma a permitir comparações, no entanto, a importância das intervenções que permitem transformar parte do sofrimento advindo de transtornos em novos aprendizados pessoais ou coletivos é evidente 13.

Para além de ter ocorrido uma diminuição da ideação suicida, os adolescentes manifestaram pensamentos positivos, expressaram os seus sentimentos e, ao longo da intervenção, tivemos oportunidade de verificar que adquiriram conhecimento e maturidade emocional. É fundamental o desenvolvimento de fatores protetores, relativamente ao suicídio na adolescência, para que se construam estratégias de prevenção eficazes 5, há relatos de experiências exitosas de programas de prevenção voltados para a população em geral 14.

Dessa forma, torna-se necessário o fortalecimento das redes de apoio dos adolescentes, envolvendo principalmente a família, grupos de pares e a escola, na promoção de relações mais satisfatórias e de um maior bem-estar, tendo em vista que os relacionamentos pessoais e a percepção de apoio ocupam um importante papel nessa etapa do ciclo vital. As atividades desenvolvidas ao longo das sessões tiveram como objetivo minimizar os fatores de risco e fortalecer os fatores protetores, para além de criar um espaço de partilha e apoio entre os pares.

Os resultados da presente intervenção, num contexto escolar, vão ao encontro do defendido pela Associação Brasileira de Psiquiatria 15, que defende que a prevenção do suicídio não se limita à rede de saúde, mas deve ir além dela, sendo necessária a existência de medidas em diversos setores da sociedade, que poderão colaborar no sentido de diminuir as taxas de suicídio. A articulação de várias instituições/organizações na prevenção do suicídio, seria um importante incentivo ao desenvolvimento de iniciativas de promoção de saúde na comunidade, tais como a realização de grupos de autoajuda nas igrejas, os programas de educação para a saúde nas escolas, associações e ONGs.

Limitações

A limitação deste estudo é inerente ao percurso metodológico percorrido que se valeu de um quase experimento, sendo assim, ao longo da intervenção não foi possível controlar variáveis externas com potencial de interferência na redução dos sintomas de depressão e ideação suicida dos participantes da pesquisa.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o resultado da intervenção no espaço escolar foi positivo, pois ocorreu uma diminuição significativa da sintomatologia depressiva, da desesperança e da ideação suicida após a implementação do programa de intervenção elaborado.

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Recebido: 13 de Novembro de 2019; Aceito: 17 de Fevereiro de 2020

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