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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.19 n.60 Murcia Oct. 2020  Epub Dec 21, 2020

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.408841 

Originais

Sintomas depressivos em gestantes e violência por parceiro íntimo: um estudo transversal

Leilsonda Silva Lima1  , Tainá Orrara Amaral do Carmo1  , Custódio de Souza Brito Neto1  , José Luis da Cunha Pena1 

1Universidad Federal do Amapá. Macapá. Brasil.

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a presença de sintomas depressivos em gestantes e sua associação com a violência sofrida pelo parceiro.

Métodos:

Trata-se de um estudo piloto transversal a partir de uma amostra de 65 gestantes que realizaram acompanhamento de pré-natal na Unidade Básica de Saúde da Universidade Federal do Amapá nos meses de setembro e outubro de 2018. Para coleta foi usado um questionário socioeconômico, demográfico e obstétrico; a Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo; e o Estudo Multi-Países sobre Saúde da Mulher e Violência Doméstica.

Resultados:

41,5% das gestantes apresentaram sintomas depressivos, na análise de regressão logística esses sintomas mostraram ter associação significativa em mulheres que sofreram algum tipo de violência pelo parceiro íntimo (OR = 6,74; IC95% 2,0 - 21,7; p=0,001), além disso, estar empregada, ser solteira, ter baixa escolaridade, baixa renda familiar e gravidez indesejada foram significativamente influenciadores para os sintomas depressivos durante a gestação.

Conclusões

Houve alta porcentagem de sintomas depressivos durante a gestação e esses estiveram relacionados com a violência por parceiro íntimo.

Palavras-chave: Sintomas Depressivos; Violência por Parceiro Íntimo; Gestação; Saúde Mental

INTRODUÇÃO

A gravidez é um evento considerado biologicamente natural, entretanto é um período de importante vulnerabilidade emocional em que sentimentos ambivalentes são vivenciados. É uma etapa de transição que envolve a necessidade de reestruturação e reajustamento em várias dimensões, principalmente no que diz respeito à mudança de identidade e uma nova definição de papéis1.

Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) revelou que mais de 25% das mães no Brasil são acometidas pela depressão pós-parto (DPP), e entende-se que a presença de depressão iniciada a partir gestacional é um dos fatores de risco para ela2. Partindo de pressuposto, a presente investigação foca-se na identificação de sintomas depressivos durante a gravidez, sabendo da possível implicação para o período pós-parto e, além disso, verificar se a violência pelo parceiro íntimo (VPI) pode estar associada nesse quadro.

A violência pode ser de várias naturezas, como por exemplo, física, sexual; psicológica; relacionada à privação, abandono, entre outras3. Em nosso estudo analisamos exclusivamente a proporção da violência psicológica, física e sexual sofrida pelas gestantes por seus companheiros, associando com a possível consequência no contexto da saúde mental delas, os sintomas de depressão especificamente. Estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) evidenciou que a prevalência de violência por parceiro íntimo na gravidez pode variar de 1 a 28% entre países4. Nesse estudo no Brasil, 8% das mulheres da cidade de São Paulo e 11% das da zona rural de Pernambuco relataram ter sofrido alguma forma de violência na gestação.

É importante ressalta que a melhoria e a manutenção e da saúde materno-infantil são alguns dos objetivos definidos pelo Ministério da Saúde e, para isto, é essencial a atenção pré-natal e puerperal, cuja responsabilidade é do Sistema Único de Saúde (SUS)5. Uma atenção pré-natal de qualidade é capaz de diminuir a morbidade e a mortalidade materno-infantil6, dessa forma salienta-se a importância da Atenção Primária à Saúde (APS) na identificação, acompanhamento e resolução de problemas que afeta a gestação, como a depressão e a violência pelo parceiro. No entanto, estudo realizado no Brasil mostra que 15% das entrevistadas receberam atenção pré-natal adequada, considerando-se todas as ações preconizadas7.

A escolha do tema baseou-se na necessidade de conhecer os potenciais riscos para uma futura DPP vinculados a VPI que ocorre durante a gestação, bem como servir de evidência para alertar os profissionais de saúde a terem maior sensibilidade em detectar o problema ainda na gestação e procurar soluções a fim de evitar possíveis consequências, visto que os danos podem ser altamente prejudiciais à saúde da mãe e do bebê. Tendo em vista a importante relevância da temática no que diz respeito à saúde pública, é imperativo o estudo da realidade dos problemas supracitados, pois é pertinente no contexto cientifico, social e na própria assistência prestada pela equipe, principalmente pela enfermagem.

Ao se pesquisar na literatura cientifica, percebe-se diversos estudos investigaram a depressão e suas implicações no período pós-parto, no entanto, ainda há poucos estudos que abordem a depressão no período gestacional, e além disso, façam associação com o relacionamento da gestante e seu parceiro íntimo. Então surgiu a nossa hipótese de estudo que os sintomas depressivos podem estar associados à violência por parceiro íntimo em gestantes acompanhadas na APS. E dessa forma, a pergunta de investigação feita no presente estudo foi: A presença de sintomas depressivos está associada com a violência causada pelo parceiro intimo durante a gestação?

Nesse sentido, a presente pesquisa teve como objetivo avaliar a presença de sintomas depressivos em gestantes e sua associação com a violência sofrida pelo parceiro.

MATERIAL E MÉTODO

Desenho de estudo

Trata-se de um estudo observacional, do tipo transversal e de abordagem quantitativa, ou seja, esse desenho de estudo o fator (causa) e efeito são observados num mesmo momento histórico. A pesquisa foi realizada através da aplicação escalas validadas com a finalidade de coletar informações sobre a presença de sintomas depressivos e violência em gestantes acompanhadas no contexto da APS. Essa investigação ocorreu na Unidade Básica de Saúde (UBS) da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), localizada em uma zona periférica da cidade de Macapá, região amazônica do Brasil.

População e amostra

Estavam elegíveis para o estudo gestantes de todas as faixas etárias e idade gestacional, cujo a gravidez estava confirmada através do exame de beta HCG (gonadotrofina coriônica humana) ou ultrassonografia obstétrica, as quais estavam realizando acompanhamento de pré-natal na UBS da UNIFAP nos meses de setembro e outubro de 2018 e aceitassem participar da pesquisa.

Nessa UBS, do início de 2014 até o final do primeiro semestre de 2018, foram registrados o atendimento de 2.125 gestantes, uma média aproximada de 472 por ano, ou seja, 39 por mês. Foi estipulado um período de coleta de dados de dois meses, dessa forma, a população prevista, com base na média mensal conhecida, foi de 78 gestantes. Para a obtenção de uma amostra de confiança foi utilizado a fórmula da Amostragem Aleatória Simples8, onde calculou-se um tamanho de amostra que permitisse alcançar uma quantidade viável com a realidade do local de coleta, para um nível de confiança de 95% e uma margem de erro aceitável de ± 5 pontos percentuais, assim, estimou-se uma amostra de 65 gestantes.

Coleta de dados

Quando as gestantes frequentavam a UBS para consulta de pré-natal eram convidadas individualmente para uma sala reservada, em seguida eram informadas sobre o objetivo da pesquisa, o caráter sigiloso e a confidencialidade dos dados obtidos e, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), responderia os instrumentos.

Para a coleta dos dados foram aplicados três instrumentos: um questionário socioeconômico, demográfico e obstétrico; a Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo (EPDS)9; o Estudo Multi-Países sobre Saúde da Mulher e Violência Doméstica (WHO VAW) da Organização Mundial de Saúde (OMS)10, validado e adaptado no Brasil em por Schraiber11.

A EPDS é um instrumento simples de 10 itens, foi desenvolvido para identificar as mulheres que apresentaram depressão pós-parto. Os itens da escala correspondem a vários sintomas de depressão clínica. Essa escala possui validação para uso em mulheres grávidas, apresentando-se confiável e aceitável, considerada uma ferramenta psicometricamente sólida12.

A avaliação geral é feita pela soma dos pontos de cada pergunta. Ela é determinada pela adição das pontuações para cada um dos 10 itens, que no somatório dos pontos perfaz um escore de 30 pontos, sendo considerado presença de sintomas depressivos um escore igual ou acima de 12. A EPDS pode ser utilizada dentro de oito semanas pós-parto, mas também pode ser aplicada para triagem de depressão durante a gravidez. O resultado não afirma o diagnóstico de depressão, mas a necessidade de cuidar dos próprios sentimentos e da situação emocional da família. Sua aplicação é rápida e simples, podendo ser utilizada por profissionais da área de saúde.

O WHO VAW é um estudo baseado em inquéritos domiciliares e objetivou estimar a prevalência das diferentes formas de violência contra mulheres e fatores associados à violência por parceiros entre os 10 países inicialmente participantes10. Em conformidade com sua perspectiva de gênero, foi estudada a violência física, sexual ou psicológica perpetrada pelos parceiros íntimos das mulheres ao longo de sua vida ou nos 12 meses anteriores à aplicação do questionário.

Na validação brasileira do WHO VAW foi evidenciado excelente consistência interna, em duas regiões do seu estudo os coeficientes alfas de Cronbach foram altos (0,88 e 0,89)11.

Para esta pesquisa, parceiro íntimo foi definido como o companheiro ou ex-companheiro com os quais as mulheres vivem ou viveram, independente da união formal, incluindo os namorados atuais, desde que elas mantivessem relações sexuais com eles.

Análise estatística

A análise estatística de dados foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22. Determinou-se “violência pelo parceiro íntimo” como variável independente e “sintomas depressivos na gestação” como variável dependente. As variáveis em estudo foram caracterizadas através dos valores mínimo, máximo, mediana, média e do desvio-padrão (variáveis quantitativas) ou de frequências absolutas e relativas (variáveis qualitativas).

A confiabilidade (ou consistência interna) das escalas usadas na pesquisa (EPDS e WHO VAW) foi avaliada pelo indicador Alpha de Cronbach. Para decidir quanto aos níveis de confiabilidade, foram seguidas as recomendações propostas por Hair e colaboradores13: Alpha de Cronbach deve ser superior a 0.70 (aceitável acima de 0.60).

Para estudar as e diferenças estatísticas e a associação da presença de sintomas depressivos com as variáveis da violência contra as mulheres (WHO VAW), as variáveis demográficas, socioeconômicas e com as variáveis relativas à gestação, foram usados o Teste de Mann-Whitney, o Teste do Qui-quadrado e Regressão Logística Binária. Foi considerado um nível de significância de 5% para os testes estatísticos, ou seja, as diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando o valor de significância foi menor do que 0.05 (p < 0.05) e a associação foi considerado o Odds Ration.

Considerações éticas

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Amapá, sob o parecer 2.952.483/2018, tendo sido solicitada às participantes a assinatura do TCLE. Além disso, foi respeitada a Declaração de Helsinki de 1975 e os autores declaram não haver conflito de interesses.

RESULTADOS

Caraterização demográfica e socioeconômica

Levando em consideração os critérios de elegibilidade e amostragem, foram inclusas 65 gestantes e apresentaram idades entre os 15 e 42 anos, com média de 2388 anos, predominando as gestantes de 20 a 24 anos (46.2%). A maioria vive em união estável (60.0%) e não estão empregadas (90.8%). Quanto aos companheiros, 69,2% estão empregados. Quanto à escolaridade, predominam as que têm o Ensino Médio Completo (38,5%). Quanto à residência, a maioria das gestantes vive em casa própria (80.0%), sobretudo localizada em área de ressaca (64.6%). Em média, vivem cerca de cinco pessoas na residência. Com relação à renda familiar mensal, mais de metade tem renda de até um salário mínimo (58.5%).

Quanto aos dados relativos à gestação, aproximadamente metade das gestantes encontrava-se no 3º trimestre da idade gestacional (49.2%). Quanto ao número de gravidez anterior, 30.8% nunca engravidaram, 30.8% tiveram uma gravidez, 16.9% tiveram dois e 21.5% tiveram 3 ou mais. Em relação ao número de partos, 38.5% nunca tiveram, 26.2% tiveram uma paridade, 18.5% pariram duas vezes e 16.9% três ou mais partos. Existem 20% que já tiveram pelo menos um aborto: 15.4% tiveram 1 e 4.6% tiveram 2. Apenas 3 (4.6%) gestantes referiram já ter tido depressão pós-parto.

Das 65 gestantes, 43.1% referiram que a gravidez atual era desejada por ambos os progenitores, 9.2% que era desejada apenas pelo pai e uma (1.5%) referiu que era desejada apenas por ela. Quase metade das gestantes referiram que a gravidez não era desejada por nenhum dos progenitores (46.2%). No entanto, a grande maioria ficou feliz com a chegada da criança (95.4%). Nenhuma das gestantes afirmou ter diagnóstico de algum outro transtorno mental/psiquiátrico. Quanto ao uso do álcool, 30.8% referiram que nunca usaram, 66.2% usavam antes da gravidez e 3.1% fazem uso de álcool.

Presença de sintomas de depressão

Na Tabela 1 são apresentados os resultados da caraterização dos sintomas de depressão das gestantes da amostra, obtida a partir da EPDS. Os resultados mostram que o escore médio da é de 11.4 pontos, variando do mínimo de 2 ao máximo de 23 pontos. Estes resultados permitiram concluir que 41.5% das gestantes apresentaram sintomas depressivos. O valor do Alpha de Cronbach da EPDS foi de 0.70, sendo indicador de uma confiabilidade (ou consistência interna) aceitável.

Tabela 1:  Caraterização quando ao escore da EPDS e à presença de sintomas depressivos (N = 65), Macapá, AP, Brasil. 

Nota: Alpha de Cronbach = 0.70

Formas de violência contra mulheres

Os resultados mostram que os atos de violência psicológica foram os que predominaram, seguindo-se os de violência física e, por fim, os de violência sexual. De fato, foram os itens da violência psicológica que tiveram mais respostas “sim”: 40.0% responderam sim à pergunta 1 “Insultou-a ou fez com que você sentisse mal a respeito de si mesma?”. Quanto aos itens de violência física, a maior prevalência foi o item 5 “Deu-lhe um tapa ou jogou algo em você que poderia machuca-la?” Com 18.5%. Quanto à violência sexual, duas (3.1%) gestantes responderam sim ao item 11 “Forçou-a fisicamente a manter relações sexuais quando você não queria?”.

Para avaliar a confiabilidade da escala WHO VAW e dos seus três fatores foi utilizado o Alpha de Cronbach. Os valores obtidos são indicadores de níveis de confiabilidade pelo menos aceitáveis, pelo que é adequado calcular escores representativos de cada fator: WHO VAW Total (Alpha de Cronbach = 0.723), fator da violência psicológica (Alpha de Cronbach = 0.833), fator da violência física (Alpha de Cronbach = 0.713) e fator da violência sexual (Alpha de Cronbach = 0.899). Assim, foram calculados escores de violência através da soma das pontuações dos respectivos itens, considerando-se 1 ponto se a resposta foi “sim” e zero pontos se a resposta foi “não”, podendo chegar a 13 pontos sendo que 1 ponto já indica a presença de violência por parceiro e quanto maior o escore, maior a diversidade de atos de violência contra a mulher.

Tendo isso em vista, na Tabela 2 são apresentados os resultados da caraterização dos escores da violência contra a mulher, nela é mostrado que 40% da gestantes sofreram pelo menos um caso de violência psicológica, 18,5% física e 3,1% sexual.

Tabela 2:  Caraterização dos escores WHO VAW e proporção do tipo de violência (N = 65), Macapá, AP, Brasil. 

Nota: Alpha de Cronbach: fator violência psicológica = 0.833; fator violência física = 0.713; fator violência sexual = 0.899; e Total = 0.723

Sintomas depressivos e os fatores associados

Acerca dos fatores associados com a presença de sintomas depressivos, foi estudado a associação da variável dicotômica presença de sintomas depressivos (não/sim) com as variáveis da violência contra as mulheres (WHO VAW), as variáveis demográficas, socioeconômicas e com as variáveis relativas à gestação.

Quanto à associação com as formas de violência (Gráfico 1), os resultados mostram que as gestantes com sintomas depressivos têm um posto médio maior de violência do que aquelas que não apresentaram esses sintomas, em resumo, as diversas formas de violência por parceiro apresentaram diferença estatística entre a presença de sintomas depressivos nas gestantes (p<0,001), havendo escores maiores do WHO VAW nas que possuíam sintomas depressivos. Através da regressão logística binária foi possível indicar que as mulheres que sofreram alguma das VPI têm uma chance de apresentar sintomas depressivos 6,74 vezes maior do que as que não sofreram [χ2(1) = 12,002; p = 0,001, R2Negelkerke = 0,227; OR = 6,74; IC 95% = 2,0 - 21,7].

Nota: OR= Odds ration; IC: Intervalo de Confiança

Gráfico 1:  Associação da presença de sintomas depressivos com as formas de violência (N = 65), Macapá, AP, Brasil. 

Os resultados da Tabela 3 mostram que a situação face ao emprego (p = 0.029), o estado conjugal (p = 0.002) e o nível de escolaridade (p = 0.009) houveram diferenças estatísticas significativas no estado depressivo. A porcentagem de gestantes com sintomas depressivos é mais elevada nas que estão empregadas (83.3%) do que nas que não estão empregadas (37.3%). Quanto ao estado conjugal, a percentagem de gestantes com sintomas depressivos é mais elevada nas solteiras (75%) e mais baixa nas casadas (10%). Relativamente à escolaridade, conclui-se a percentagem de gestantes com sintomas depressivos é mais baixa nas que têm escolaridade mais elevada - ensino médio completo ou ensino superior (20.7%).

Tabela 3:  Associação da presença de sintomas depressivos com os dados demográficos e escolaridade (N = 65), Macapá, AP, Brasil. 

* 1p do Teste de Mann-Whitney; 2p do Teste do Qui-Quadrado.

Além disso, se registou também associação significativa da presença de sintomas depressivos com a renda familiar mensal (p = 0.042): as gestantes com rendimento mais elevado (três ou mais salários mínimos) têm menor probabilidade de ter sintomas depressivos (9.1%) do que as que têm renda até um salário mínimo (44.7%) e do que as que têm renda de dois salários mínimos (56.3%).

Quanto às variáveis relativas à gestação (Tabela 4), apenas existe diferença significativa com a gravidez desejada (p = 0.022). A análise das frequências leva a concluir que a porcentagem de gestantes com sintomas depressivos é o dobro nos casos em que a gravidez não era desejada por nenhum dos progenitores (56.7%), comparativamente com os casos em que a gravidez era desejada por pelo menos um dos progenitores (28.6%). Um ponto importante para ressaltar foi que não houve diferença significativa entre o trimestre de gravidez, mostrando que os sintomas depressivos podem surgir desde do começo até o final da gestação.

Tabela 4:  Associação da presença de sintomas depressivos com os dados relativos à gestação (N = 65), Macapá, AP, Brasil. 

* 1p do Teste de Mann-Whitney; 2p do Teste do Qui-Quadrado.

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo avaliar a presença de sintomas depressivos em gestantes e sua associação com a violência sofrida pelo parceiro, por meio de instrumentos validados, consistentes e amplamente utilizados na literatura cientifica. O EPDS foi utilizado com o propósito de verificar a presença de sintomas depressivos das gestantes referentes aos últimos setes dias que antecederam a aplicação adotando um ponto de corte ≥12. Nele foi possível identificar que 41,5% das gestantes do estudo apresentaram sintomas depressivos. Utilizando também o WHO VAW se evidenciou que os sintomas de depressão obtiveram associação significativa em mulheres que sofreram VPI, ou seja, as gestantes que sofreram algum tipo de violência apresentaram mais sintomas de depressão.

Como análise adicional mostrou-se que estar empregada, ser solteira, ter baixa escolaridade, baixa renda familiar e gravidez indesejada foram significativamente influenciadores para os sintomas depressivos durante a gestação.

Ao observar que dentro da amostra do presente estudo que 41,5% das gestantes apresentam sintomas de depressão indica que esse valor é acima do estimado pela OMS14, que afirma que em todo o mundo, cerca de 10% das mulheres grávidas sofrem de um distúrbio mental, principalmente depressão, além do mais, nos países em desenvolvimento, isso é ainda maior, isto é, 15,6% durante a gravidez.

Um dos intuitos da pesquisa foi averiguar os sintomas de depressão antes do parto, ressaltando a possibilidade de que uma DPP possa ter iniciado ainda no período gravídico. Estudo de Hartmann e colaboradores15 mostra que a depressão pré-parto é fator de risco para depressão pós-parto, sendo esta, muitas vezes, continuação da depressão iniciada na gestação.

Ao analisar os resultados quanto a existência de violência contra as gestantes perpetrada pelo companheiro, nota-se que houve presença dos três tipos de violência em estudo, prevalecendo a violência psicológica, seguida da física e, por fim, da sexual, assim como o estudo de Durand e Schraiber16. Considerando esses tipos de violências, na pesquisa é evidente a presença de VPI, chegando a 40% no caso da violência psicológica, e sua presença é alarmante se comparar com outros estudos17,18,19, onde a prevalência encontrada de VPI durante a gestação variou de 0,9% a 34,6% dependendo do país, dos métodos e ferramentas de investigação utilizadas.

Nessa perspectiva, conforme os resultados da pesquisa, foi verificado que as diversas formas de violência levam à existência de sintomas depressivos, tendo forte associação significativa no escore do WHO VAW. Esse dado corrobora com uma pesquisa japonesa20 que apontou que tanto a violência física, quanto a violência verbal são determinantes causais para o desenvolvimento de sintomas depressivos nas mães durante a gestação.

Salienta-se a potencialidade dos sintomas depressivos na gestação perdurar mesmo no pós-parto, como demostrado em estudo realizado na Tanzânia21, cujo tal apontou que a exposição à violência doméstica pelo menos uma vez aumentou o risco de depressão pós-parto em mais de três vezes, semelhante com estudo obtido em Bangladesh22, no qual mais da metade das mulheres que sofreram violência durante a gravidez desenvolveram depressão pós-parto.

O presente estudo revelou que gestantes empregadas apresentam mais sintomas depressivos do que as desempregadas, diferente do que mostra outras pesquisas23,24, possivelmente devido trabalhar na gestação ocasione um maior estresse e desgaste mental, dessa forma, perante ao acúmulo de tarefas fica, então, suscetível a uma série de crises internas, podendo evoluir para o quadro depressivo.

Outro fator estatisticamente significante a sintomas depressivos foi o estado civil, onde verificou-se que as solteiras ou que vivem sozinhas apresentaram mais sintomas, indo de encontro com a pesquisa de Thiengo e colaboradores25. Vale mencionar que várias gestantes relataram ter bastante contato com o ex-companheiro, mesmo sendo solteiras e residindo sozinhas.

Com relação à escolaridade foi constatado que as gestantes que possuíam menos anos de estudos apresentaram mais sintomas depressivos, ou seja, quanto maior o número de anos completos de estudos, maior é a proteção para depressão, como se observa em outros estudos15 26. Entende-se que a educação reduz significativamente o risco de depressão adulta, pois mulheres com escolaridade mais baixa e menor rendimentos financeiros apresentam elevado risco para depressão27. Além disso, mulheres com renda familiar menores foi associado à maior presença de sintomas depressivos, o que também vai de acordo com estudos presentes na literatura científica27 28 29.

Nossa pesquisa encontrou diferença estatística entre sintomas de depressão e a gravidez indesejada, na qual a porcentagem de gestantes com sintomas depressivos é quase o dobro nos casos em que a gravidez não era desejada por nenhum dos progenitores Estudo com 1.121 mulheres, acompanhadas no pré-natal em Recife-PE sugere que valores elevados na escala de Edimburgo podem resultar de gravidez não pretendida30.

Indaga-se nesse estudo a importância da assistência prestada pela equipe multidisciplinar no que diz respeito à identificação, acompanhamento, e prognóstico de situações danosas para o binômio mãe-bebê, como violência e alterações mentais, desde o pré-natal. O que também é enfatizado em outros estudos sobre a importância dessa atenção antes mesmo do parto29. Por fim, a pesquisa aqui realizada mostra a necessidade de uma atenção pré-natal abrangente, que não foque apenas no aspecto físico e desenvolvimento fetal, mas também em problemas de saúde pública como a depressão e a violência, que podem ter repercussões futuras.

CONCLUSÕES

Apesar de ser um estudo com uma amostra que precisa ser ampliada em estudos futuros, foi possível constatar que se trata de uma temática relevante que, no entanto, precisa de uma maior atenção e identificação dos casos, tendo em vista a elevada prevalência encontrada no estudo.

O presente estudo conseguiu atingir os objetivos almejados, além de confirmar a aplicabilidade dos instrumentos de coletas. Nesse sentido, das 65 gestantes do estudo, 27 (41,5%) apresentaram sintomas depressivos e a partir das análises estatísticas verificou-se associação com a VPI, onde gestantes que sofreram violência pelo parceiro tiveram aproximadamente sete vezes mais chances apresentar sintomas depressivos. A idade gestacional não foi determinante para o surgimento dos sintomas depressivos, mas alguns fatores demográficos e a não aceitação da gravidez apresentaram significância estatística.

Portanto, é um estudo no contexto de atenção à saúde na Amazônia brasileira evidenciando a problemática pesquisada, teve como limitação o pouco tempo para a coleta de dados impossibilitando uma amostra maior

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Recebido: 05 de Janeiro de 2020; Aceito: 22 de Março de 2020

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