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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.20 no.63 Murcia Jul. 2021  Epub 02-Ago-2021

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.441571 

Originais

Diferenças entre profissionais de enfermagem e medicina acerca da cultura de segurança do paciente cirúrgico

Josemar Batista1  , Elaine Drehmer de Almeida Cruz1  , Francine Taporosky Alpendre1  , Danieli Parreira da Silva1  , Marilise Borges Brandão2  , Carmen Silvia Gabriel3 

1 Universidad Federal de Paraná, Curitiba - PR, Brasil. josemar.batista@hotmail.com

2 Complejo del Hospital de Clínicas de la Universidad Federal de Paraná, Curitiba - PR, Brasil.

3 Universidad de São Paulo, Ribeirão Preto - SP, Brasil.

RESUMO:

Objetivo:

Investigar se a percepção da cultura de segurança do paciente cirúrgico difere entre profissionais de enfermagem e medicina atuantes em instituição pública de ensino brasileira.

Método:

Survey e transversal conduzido em hospital da região sul do Brasil. Foi aplicado o questionário Hospital Survey on Patient Safety Culture a 158 profissionais entre maio e setembro de 2017. As 12 dimensões foram analisadas por estatística descritiva, inferencial e teste da consistência interna. Dimensões com índices ≥75% foram consideradas fortalecidas.

Resultados:

Evidenciou-se fragilidade na cultura de segurança, com menor índice na dimensão “Resposta não punitiva ao erro”, com 23,9% e 13,9%, respectivamente, entre enfermagem e medicina. Escores mais positivos foram considerados pela enfermagem em oito dimensões, com diferença (p<0,05) em relação aos profissionais médicos.

Conclusão:

A cultura de segurança difere entre as duas categorias profissionais, com respostas mais positivas pela enfermagem; porém demanda ações promotoras para fortalecer a segurança do paciente cirúrgico em ambos os grupos profissionais.

Palavras-chave: Cultura Organizacional; Profissionais de Enfermagem; Médicos; Segurança do Paciente; Pesquisa sobre Serviços de Saúde

INTRODUÇÃO

A efetividade de métodos de prevenção de erros, o conhecimento de sua ocorrência e consequências corroboram para a adoção de ações e decisões mais seguras, em especial, em serviços complexos como o contexto cirúrgico; os quais demandam, progressivamente, planejamento operacional e logístico, tecnologias avançadas e equipes interdisciplinares1. Esses, inerentes ao processo de trabalho frente às possíveis repercussões na oferta de cuidados seguros e de qualidade.

Sabe-se que a cultura das organizações de saúde é dinâmica e composta por subgrupos múltiplos, complexos e sobrepostos, com suposições, valores, crenças e comportamentos compartilhados de forma variável2. Essa é construída de forma positiva a partir de princípios, organização gerencial, políticas públicas e institucionais, entre outros fatores individuais e coletivos que compõem determinadas áreas assistenciais ou categorias profissionais. Devido à natureza particular e singular, acredita-se que a adoção de práticas seguras entre profissionais de enfermagem e medicina, para reduzir a ocorrência dos erros cirúrgicos, é influenciada por subculturas, que se não estiverem alinhadas com as metas de segurança do paciente organizacional, ou se os valores e normas se apresentarem diferentes, impedindo a comunicação, o aprendizado ou o trabalho em equipe eficaz entre as profissões, podem dificultar a implantação e/ou aprimoramento de processos de melhorias contínua da qualidade3.

No contexto da assistência à paciente cirúrgico deve-se destacar, entre os atributos organizacionais, a cultura de segurança do paciente, compreendida como os valores, atitudes, competências e padrões de comportamentos individuais e coletivos, que determinam o compromisso, o estilo e a proficiência da gestão para uma organização segura4. Apesar dos avanços ocorridos na segurança do paciente após a publicação do relatório Errar é humano: construindo um sistema de saúde mais seguro pelo Institute of Medicine em 1999, é possível observar que o sistema de cuidado de saúde persiste com baixo grau de confiabilidade, com ocorrência de eventos adversos evitáveis. Desta forma, entre as recomendações para que avanços ocorram, se destaca estabelecer abordagem sistêmica para melhor compreensão da natureza dos eventos, priorizando a cultura de segurança a partir da liderança5. Neste sentido, pesquisadores, gestores e profissionais da prática precisam valorizá-la em decorrência de sua influência positiva nos resultados perioperatórios6.

Nesse sentido, compreender as percepções dos profissionais das equipes de enfermagem e medicina da área cirúrgica é importante questão para as organizações de saúde, uma vez que esses estão na linha de frente da assistência e, muitas vezes, vivenciam problemas na execução ou decorrentes do cuidado. Ademais, esse conhecimento permite conhecer a forma como essas categorias entendem e assimilam as ações de segurança desempenhadas e sistematizadas pela gestão, além de fornecer subsídios para elencar estratégias na coordenação de equipe e na gestão hospitalar para a construção positiva nos compósitos da cultura de segurança do paciente cirúrgico, e de acordo com as demandas específicas da equipe de enfermagem e medicina. Desta forma, questiona-se: Existem diferenças na percepção de cultura entre as equipes de enfermagem e medicina acerca da segurança do paciente cirúrgico?

O objetivo da pesquisa foi investigar se a percepção da cultura de segurança do paciente cirúrgico difere entre profissionais de enfermagem e medicina atuantes em instituição pública de ensino brasileira.

MÉTODO

Survey transversal conduzido em cinco unidades de internação cirúrgica e um centro cirúrgico de hospital de ensino federal paranaense entre maio e setembro de 2017. O hospital em estudo é o terceiro maior hospital universitário do Brasil e realiza, em média, 840 cirurgias/mês. A escolha por essas unidades se deu por atenderem pacientes adultos e representarem, aproximadamente, 40% do total de procedimentos cirúrgicos do hospital.

A população-alvo foi constituída de 248 profissionais lotados e atuantes no centro cirúrgico e/ou unidades cirúrgicas (cirurgia geral e do aparelho digestivo, neurocirurgia, ortopedia, cirurgia plástica e transplante hepático). A seleção dos participantes foi caracterizada por amostragem não probabilística intencional, ancorada na recomendação da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) que estabelece amostra mínima de 50% para populações inferiores à 500 indivíduos7.

Foram critérios de inclusão: profissionais cirurgiões, anestesiologistas, médicos residentes em cirurgia e anestesiologia, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem atuantes nas unidades pesquisadas, com carga horária mínima de trabalho de 20 horas semanais e atividade, predominantemente, assistencial. Foram excluídos da análise os participantes cujos questionários tiveram menos de 50% das perguntas respondidas ou que continham apenas respostas para o perfil sociolaboral e/ou com a mesma resposta em todas as dimensões7. Desta forma, 166 profissionais aceitaram a participar da pesquisa, e após a aplicação dos critérios, oito participantes foram considerados inelegíveis e 158 constituíram os participantes.

Os profissionais de saúde foram abordados no ambiente de trabalho, em sala previamente designada pelas chefias das unidades, nos turnos matutino, vespertino e noturno. Àqueles que aceitaram participar foi entregue, em envelope lacrado, o Termo de Consentimento Livre Esclarecido e o questionário impresso e autoaplicável, denominado Hospital Survey on Patient Safety Culture (HSOPSC). Opcionalmente, foi facultado o preenchimento ad hoc do instrumento em tablet carregado na plataforma do aplicativo QuickTapSurvey. O HSOPSC é validado para o uso no Brasil8, está disponível para aplicação em diferentes países9, e contém 42 questões, distribuídas em 12 dimensões, redigidas positivamente e negativamente e respondidas em grau de concordância pela escala Likert de cinco pontos7,8.

As respostas foram armazenadas em planilha do Microsoft Office Excel® por dupla digitação, verificação e correção de inconsistências; os participantes foram agrupados nas categorias profissionais enfermagem e medicina. Após a recategorização das respostas em positiva (concordo totalmente/concordo ou sempre/quase sempre), neutra (nem concordo e nem discordo ou às vezes), e negativa (discordo totalmente/discordo ou nunca/raramente), e da inversão dos itens reversos, foram calculados os percentuais de respostas positivas. Dimensões com escores ≥75% de respostas positivas foram classificados como áreas fortalecidas para a cultura de segurança do paciente, entre ≥74% e ≤51% áreas neutras e áreas negativas quando índices ≤50%7.

Os dados foram processados com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences, versão 20.0, e assessoria estatística. As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão, e variáveis qualitativas por frequências absoluta e relativa. As variáveis categóricas foram comparadas usando-se o teste de Qui-quadrado, com valor de significância de p<0,05. Para permitir a comparação da consistência interna do HSOPSC8 foi utilizado o cálculo do coeficiente de Alfa de Cronbach, e considerou-se satisfatória quando ≥0,810.

A pesquisa atendeu às normas da instituição e à Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e integra o projeto “Avaliação da cultura de segurança e ocorrência de eventos adversos cirúrgicos em hospitais brasileiros” aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional sob parecer de nº. 1.990.760. Foi assegurado o anonimato e confidencialidade dos respondentes.

RESULTADOS

Participaram 158 profissionais, 86 (54,4%) da enfermagem e 72 (45,6%) da medicina, com média de idade e de tempo de atuação profissional, em anos, de 43,0 (desvio padrão de 12,3) e 18,0 (desvio padrão de 12,2), respectivamente. As características demográficas e laborais estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1.  Distribuição das variáveis demográficas e laborais da equipe de enfermagem e de medicina atuantes na assistência perioperatória de instituição pública de ensino brasileira (n=158). Curitiba, PR, Brasil, 2017 

Na Figura 1 apresenta-se o percentual de respostas positivas, das 12 dimensões de cultura de segurança; nenhuma foi considerada fortalecida (≥75% de respostas positivas).

Figura 1.  Distribuição de respostas positivas e negativas das dimensões da cultura de segurança dos profissionais atuantes na assistência perioperatória de instituição pública de ensino brasileira (n=158). Curitiba, PR, Brasil, 2017 

A Tabela 2 apresenta a distribuição do percentual de respostas das equipes referente às dimensões da cultura de segurança. Houve diferenças significativas entre os grupos estudados (categoria médica e de enfermagem) sendo que a enfermagem apresentou escores positivos mais elevados em oito dimensões (p<0,05). O Alfa de Cronbach geral foi de 0,89.

Tabela 2.  Distribuição do percentual de respostas e Alfa de Cronbach das dimensões da cultura de segurança da equipe de enfermagem e de medicina atuantes na assistência perioperatória de instituição pública de ensino brasileira (n=158). Curitiba, PR, Brasil, 2017 

* Teste de Qui-quadrado

A equipe de saúde avaliou a nota de segurança do paciente entre excelente/muito boa (65,2%; n=103), e 54,4% (n=86) relataram não ter notificado nenhum evento adverso nos últimos 12 meses. Houve prevalência de profissionais de enfermagem que atribuíram maior nota à segurança e reportaram não ter notificado evento adverso conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3.  Distribuição da nota de segurança atribuída e de notificação de eventos adversos da equipe de enfermagem e de medicina atuantes na assistência perioperatória de instituição pública de ensino brasileira (n=158). Curitiba, PR, Brasil, 2017 

DISCUSSÃO

Os resultados desta pesquisa possibilitaram conhecer e compreender que a percepção de cultura de segurança do paciente difere entre as equipes de enfermagem e medicina, justificado inicialmente pela execução de atividades interdependentes com habilidades, conhecimentos, preparação e uso de equipamentos e ferramentas/processos de trabalho distintos entre as categorias1) e, secundariamente, pela formação básica e de educação permanente ofertada aos vários atores envolvidos na assistência cirúrgica, de forma distinta, acerca da segurança do paciente e conceitos correlacionados11,12. Há de se destacar que características laborais da equipe de saúde como, por exemplo, tempo de experiência e cargo/função13,14 associadas às particularidades de cada unidade, no que se refere à estrutura e práticas organizacionais, influenciam no comportamento humano e impactam para a construção de subculturas15.

É notório que os aspectos preditivos da promoção da cultura de segurança constituem desafios nos cenários atuais e, dessa forma, investigar os fatores que os influenciam é tema a ser melhor explorado, em especial, nos compósitos que a enfermagem apresentou, significativamente, maior percentual de respostas positivas comparados à medicina. Esse achado é consistente ao estudo conduzido em três hospitais da China, ao analisar 492 e 325 inquéritos de profissionais de enfermagem e medicina, respectivamente. Esse identificou existir diferenças, significativas, favoráveis à enfermagem para as dimensões “Frequência de relatos de eventos” e “Passagem de plantão/turnos e transferências”16. Percepções e atitudes de segurança mais desenvolvidas entre os enfermeiros também foram relatadas em estudo desenvolvido em seis hospitais da Romênia17, o qual relacionou maior aproximação desta categoria aos diversos aspectos relacionados à segurança do paciente16.

Nas unidades investigadas, um fator que pode justificar a percepção mais positiva da equipe de enfermagem em relação à cultura de segurança, é a maior representação dessa categoria no gerenciamento das unidades, pela natureza do trabalho, em categorias profissionais, sob a liderança do enfermeiro. Comparada à equipe médica, infere-se que essa característica tenha promovido melhores escores de respostas positivas em dimensões relacionadas à gestão, comunicação e cooperação em equipe. Ademais, o apoio, às atitudes e às ações dos gerentes/supervisores em relação à cultura de segurança, contribuem para a percepção geral de segurança do paciente18, além de favorecer a comunicação de falhas oriundas do processo cirúrgico, facilitar o aprendizado e aprimorar o cuidado ofertado, com vistas à evitar a recorrência de erros.

Por outro lado, a literatura aponta existir animosidade nas relações de trabalho entre as equipes de enfermagem e médica, muitas das vezes em decorrência da distância existente pela teoria, técnica e valores compartilhados por cada grupo profissional. Os saberes, práticas e valores de médicos e enfermeiros são incomensuráveis entre si, fator que afeta diretamente as ações e práticas em saúde19) da mesma forma que, possivelmente, exerce influência na construção coletiva e positiva de dimensões de cultura de segurança relativas à comunicação e de trabalho em equipe. As relações interpessoais fragmentadas são condições que favorecem os conflitos entre os subgrupos e influenciam na colaboração entre as equipes. Nesse quesito, na presente pesquisa a dimensão “Trabalho em equipe entre as unidades” apresentou-se fragilizada e com potencial de melhorias, principalmente, entre médicos. Embora, sem significância estatística, investigação em hospitais da Europa apontou diferenças favoráveis à enfermagem nessa dimensão, com aproximadamente, 75% de respostas positivas16.

Sabe-se que a cooperação mútua dos profissionais está enraizada no conhecimento, habilidades e clareza da equipe ao que se refere às atribuições individuais e de outros membros da equipe, apoiados pela comunicação efetiva, oportuna, precisa e resolutiva de problemas em face de inesperados desafios cirúrgicos20. Historicamente, os médicos organizam suas práticas e decisões clínicas amparados por diálogo estruturado e com discurso altamente especializado e restrito à classe profissional19. Desta forma, acredita-se que essa circunstância proporciona concretizar linhas de comunicação mais verticalizadas que imputam em assistência insegura, dificultam a notificação de incidentes em saúde e facilitam a descontinuidade da transição do cuidado entre equipes e departamentos. Falhas na consolidação das relações interpessoais parecem estar relacionadas às dificuldades em consolidar a cultura de segurança do paciente e impactar, de forma proativa, na sua segurança21.

Considerando o ambiente de assistência ao paciente cirúrgico, a excelência na comunicação contribui para a prevenção do erro, e enfrentamento diverso diante dos problemas de segurança; implicando em mudança de comportamentos e construção de valores na perspectiva da assistência de qualidade. Esses fatores multifacetados explicam, parcialmente, os baixos escores de respostas positivas da equipe médica e os resultados mais favoráveis entre profissionais de enfermagem na dimensão “Aprendizado Organizacional - melhoria contínua”, haja vista, maior liberdade para reportar problemas de segurança e aprender mediante os próprios erros. Infere-se que a abertura da comunicação para o relato de erros é capaz de impactar em resultados positivos, sob a perspectiva da aprendizagem, sem negligência considerável dos problemas por parte dos supervisores/gerentes, e com iminente apoio mútuo entre os profissionais em prol do cuidado seguro.

A resistência à divulgação aberta e comunicação representa importante barreira para o progresso na prevenção de danos causados ​​por erros não intencionais16. Não obstante, por apresentar-se frágil, pondera-se a cultura punitiva como fator influente, visto que impõe receio à comunicação de erros. Estes, se não reconhecidos e enfrentados, impactam em neutralidade frente à construção da cultura institucional fortalecida. Atrelado a isso, destaca-se a dimensão “Respostas não punitivas ao erro” como a mais fragilizada na presente pesquisa, corroborando com revisão sistemática em análise de 31 artigos, reportando 21 países9). A cultura punitiva, fortemente percebida pelos profissionais de saúde nas estruturas organizativas hospitalares, sujeita os trabalhadores à omissão de erros, com destaque, na presente pesquisa, para a equipe médica que apresentou escores de, aproximadamente, 14% de respostas positivas; inferior ao relatado obtido entre médicos romenos (59,1%)17. Contudo, há de se destacar a baixa consistência interna desta dimensão, devendo os resultados serem analisados com cautela, uma vez que a desconstrução da percepção da cultura punitiva se dá gradualmente.

Quanto ao grau de segurança do paciente atribuída pelos profissionais, nota-se que houve prevalência de notas entre excelente e muito boa (65,2%;n=103). Esse resultado foi superior ao encontrado em estudo transversal conduzido com 518 profissionais de quatro hospitais da Etiópia, o qual identificou que, aproximadamente, 38% dos entrevistados classificaram o grau de segurança do paciente como excelente/muito boa22. Ainda nesse item, os achados aqui apresentados, mostram que a medicina atribuiu menor nota de segurança quando comparada à enfermagem. Pesquisadores brasileiros apontam que algumas categorias profissionais como, por exemplo, a médica, superestimam essa avaliação por desconhecer o processo da segurança na sua totalidade, e muitas vezes, ficam à margem da análise de indicadores e gerenciamento das notificações23.

No que se refere à frequência de eventos adversos notificados, a proporção de profissionais que nunca relataram evento adverso foi maior entre a enfermagem. Outro estudo corrobora com este resultado, apresentando maior número de notificações entre a categoria médica quando comparada à enfermagem18. Neste sentido, apesar de possuírem percepção mais positiva da segurança do paciente na instituição, a enfermagem não expressa, em notificações, a importância referida, o que se torna necessário melhor investigar este aspecto em estudos subsequentes.

A presente pesquisa apresenta, de modo geral, importante lacuna em relação à frequência na notificação de evento adverso entre as categorias profissionais investigadas, elemento fundamental ao dimensionamento do problema na instituição. Como importante estratégia para a sensibilização à prática da notificação, pesquisadores destacam que percepção positiva deve ser moldada na formação acadêmica, à luz de ensinamentos que teorizem acerca da importância da comunicação de incidentes, e valorizem o fato de os profissionais estarem sujeitos a erros. A educação/formação é apontada entre os fatores organizacionais individuais mais importantes para melhorias relativas às atitudes de segurança24.

Ainda neste contexto, a educação dos profissionais de saúde é considerada um dos desafios para melhoria da segurança do paciente, bem como a formação da liderança e o envolvimento do paciente e familiares. Portanto, destaca-se a necessidade da integração do cuidado entre as equipes e as diversas instituições do sistema de saúde como importante elemento em prol da melhoria da segurança e, também, da cultura das organizações 25. Nesse sentido, entender as principais causas e determinantes, bem como o impacto dessas subculturas no processo cirúrgico e nos resultados em saúde, deve ser valorado12. Aproximar os profissionais de saúde, em especial os médicos, a programas de segurança do paciente, bem como impulsionar a cultura de segurança mediante a adoção de metodologia de melhoria contínua, devem ser considerados como importante ações com vistas a favorecer a evolução progressiva dos compósitos da cultura26 e, desta forma, potencializar melhores indicadores, em destaque aos riscos e às condições do processo de trabalho, distintos entre categorias profissionais atuantes no ambiente cirúrgico.

As limitações da presente pesquisa referem-se a sua realização em um único contexto hospitalar e à baixa consistência interna nas dimensões analisadas, com destaque para dimensão “Respostas não punitivas ao erro”. Nesta investigação a consistência interna geral foi satisfatória (α=0,89) e nas dimensões variou de 0,10 a 0,82. É possível observar no estudo de validação do referido questionário para uso no Brasil que o alfa de Cronbach variou de 0,20 a 0,91 entre as dimensões8 enquanto que em outra investigação em hospitais na China essa variou de 0,31 a 0,8718. A extensão do questionário, possível fator de recusa à participação, se soma às limitações.

Considerando que o HSOPSC é autoaplicável e que a não avaliação, previamente, da equivalência dos conceitos em segurança do paciente entre as categorias profissionais pode ter interferido no entendimento das questões/itens, torna-se outro fator limitante da pesquisa conforme estabelecido por pesquisadores11. Deste modo, os resultados merecem precaução na generalização e poderão ser melhor explorados em estudos subsequentes, com outros delineamentos de pesquisa, que visem à complementar e explorar as subculturas deparadas da presente pesquisa.

CONCLUSÃO

As dimensões da cultura de segurança do paciente são percebidas pelos profissionais médicos e de enfermagem com características distintas e com áreas que requerem aprimoramento, com prioridade para a dimensão relativa à resposta não punitiva ao erro, que demonstrou maior fragilidade. Conclui-se que, resguardadas as diferenças nas percepções entre as equipes, os profissionais externam fragilidade na cultura de segurança, demandando ações institucionais para seu fortalecimento.

Ao mensurar a cultura de segurança do paciente de profissionais de enfermagem e de medicina atuantes na assistência perioperatória foi possível identificar as demandas de cada categoria, e cujos resultados potencialmente contribuem para a tomada de decisões em prol de promover o cuidado cirúrgico seguro e de qualidade. Os profissionais de medicina exibiram percepção mais negativa em todos os aspectos avaliados. Houve diferença significativa entre as categorias na percepção sobre a cultura de segurança em oito dimensões e, embora a enfermagem atribua melhor avaliação geral sobre a segurança do paciente, entre médicos deu-se a maior frequência relatada de notificação de eventos adversos.

Observa-se a necessidade de elencar ações para favorecer a construção de cultura de segurança, a qual mostrou-se frágil em ambas as categorias profissionais, avaliar as ações básicas de segurança no contributo da assistência cirúrgica segura e de qualidade, e evoluir no fortalecimento de cultura justa e não punitiva frente aos erros.

Os dados reforçam a importância da atuação das lideranças/coordenações de enfermagem e de medicina para o fortalecimento da cultura de segurança do paciente de maneira sensível às necessidades das categorias bem como, da inclusão da temática na formação dos profissionais de saúde, e da necessidade de aprofundar o trabalho e a educação interprofissional para exercer mudanças positivas nas crenças, valores e comportamentos adotados na área cirúrgica para a construção progressiva de práticas assistenciais seguras.

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Recebido: 01 de Setembro de 2020; Aceito: 21 de Dezembro de 2020

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