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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.20 n.64 Murcia Oct. 2021  Epub Oct 25, 2021

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.480031 

Originais

Avaliação de intervenções educativas e conhecimento da equipe de enfermagem no uso de eletrocirurgia

Cristiane Leite de Almeida1  , Mayra Gonçalves Menegueti1  , Natassia Carmo Lopes Queiroz Ferreira1  , Thamiris Ricci de Araújo1  , Ana Maria Laus1 

1 .Facultad de Enfermería de Ribeirão Preto de la Universidad de São Paulo (EERP-USP). Brasil. analaus@eerp.usp.br

RESUMO:

Objetivo:

Avaliar o efeito de intervenções educativas no conhecimento e aplicabilidade de eletrocirurgia da equipe de enfermagem.

Material e Método:

Quase-experimento, com pré e pós-testes em um único grupo desenvolvido no centro cirúrgico de um hospital universitário terciário brasileiro. Foi desenvolvido em sete etapas, com aplicação de questionário semi-estruturado para avaliação do conhecimento dos participantes. Os participantes foram expostos a duas intervenções educativas (aula expositiva, dialogada e vídeo aula) e após cada uma das intervenções, foram avaliados quanto a retenção do conhecimento. Também foram avaliados indicadores da aplicação da unidade de eletrocirurgia durante os procedimentos cirúrgicos.

Resultados:

Participaram do estudo quatro enfermeiros e 28 técnicos de enfermagem. Os enfermeiros apresentaram conhecimento prévio do tema na maioria dos tópicos. Entre os técnicos de enfermagem, observou-se melhora nos itens checagem do equipamento e posicionamento da placa eletrodispersiva.

Conclusões:

Os profissionais apresentaram um bom rendimento teórico, porém o mesmo não fica evidente na prática pois os profissionais relutam em ter uma prática diferente da teoria. Pesquisas dessa natureza são oportunas pois proporcionam aos gestores uma possibilidade de propor projetos de melhoria contínua da assistência perioperatória.

Palavras-chave: Eletrocirurgia; centros cirúrgicos; tecnologia biomédica; capacitação de recursos humanos em saúde; enfermagem

INTRODUÇÃO

As unidades de eletrocirurgia podem ser encontradas em quase todas as salas cirúrgicas, sendo utilizadas em mais de 80% dos procedimentos. A eletrocirurgia permite que os cirurgiões dissequem o tecido e alcancem uma hemostasia rápida. No entanto, as dificuldades em prever os efeitos das combinações da magnitude da corrente elétrica, geração de calor e fatores relacionados ao paciente podem levar a complicações graves1.

Estudos apontam que a eletrocirurgia pode causar danos ao paciente, incluindo queimaduras cirúrgicas, incêndios na sala de cirurgia, interferência com marcapassos e lesões intestinais2)(3)(4. Outra investigação identificou que 15,9% dos incidentes durante procedimentos cirúrgicos estão relacionados a equipamentos, sendo que o uso da eletrocirurgia está frequentemente associado a riscos que podem influenciar o resultado do procedimento5.

O problema de treinamento insuficiente no uso de tecnologias em sala de operação pode contribuir para a ocorrência destes eventos adversos. Em 2016, o Emergency Care Research Institute (ECRI), publicou uma lista dos dez principais perigos de tecnologias em saúde, sendo o quinto lugar ocupado pelo treinamento insuficiente de profissionais em tecnologias de sala de cirurgia. Tal situação pode resultar em erros de uso que levam a complicações cirúrgicas, podendo requerer tratamento adicional e até mesmo ocasionar lesões graves ou morte do paciente6.

O treinamento em segurança no uso da eletrocirurgia é obtido principalmente de maneira informal na sala de cirurgia, sendo que o conhecimento da sua utilização se dá pela transferência de informação entre os pares ou por eventos patrocinados pela indústria usando seu próprio material de propriedade2. A falta de preparo para uso de equipamentos tem sido constatada junto à equipe de enfermagem. Investigação que objetivou avaliar o nível de domínio de novas tecnologias por parte de enfermeiras de centro cirúrgico encontrou que 75,8% desta categoria profissional relatou não estar preparada, sendo que 54,5% apresentaram domínio insatisfatório das novas tecnologias nessa unidade7.

O uso da unidade de eletrocirurgia deve ser feito com a maior segurança possível, que advém de um conhecimento teórico e prático prévio por parte da equipe presente na sala cirúrgica, uma vez que se trata de uma prática com forte dependência da atuação individual e da equipe de saúde8)(9.

Nesta direção, estudos reforçam a necessidade de treinamento dos profissionais na utilização da eletrocirurgia10)(11)(12. Pesquisa ressalta a importância de um programa de treinamento obrigatório que aborde toda a teoria sobre eletrocirurgia bem como o uso prático do equipamento1.

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo é avaliar o efeito de intervenções educativas no conhecimento e aplicabilidade de eletrocirurgia da equipe de enfermagem.

MATERIAL E MÉTODO

Desenho do estudo

Estudo quase experimental do tipo antes e depois.

Cenário

O estudo foi desenvolvido no centro cirúrgico de um hospital universitário terciário brasileiro com 322 leitos. O centro cirúrgico possui nove salas e realiza aproximadamente 800 cirurgias/mês, de diferentes portes.

População

A população foi composta pela equipe de enfermagem (enfermeiros e técnicos em enfermagem).

Critérios de seleção

Foram excluídos os integrantes da equipe de enfermagem que não participaram de todas as etapas estabelecidas nessa pesquisa.

Coleta de dados

Foram utilizados três instrumentos.

Instrumento 1 - Roteiro de observação da aplicação da unidade de eletrocirurgia (pautado nas recomendações da AORN (2015) avaliando 5 indicadores13: Indicador 1 - Posicionamento da placa - deverá estar mais próximo possível do sítio cirúrgico, sem risco de escoamento do antisséptico para a placa eletrodispersiva. Por exemplo, em cirurgias na região abdominal, pode ser colocada no vasto lateral da coxa. A placa não deve ser posicionada sobre proeminências ósseas, tecido cicatricial, pêlos, tatuagem, pontos de pressão em potencial ou áreas distais aos torniquetes. O eletrodo dispersivo deve ser colocado apenas após o posicionamento definitivo do paciente. Indicador 2 - Tamanho da placa - deverá ser adequada para o paciente segundo suas características (neonatal, infantil, pediátrico e adultos). No caso de eletrodo dispersivo de uso único, não poderá ser cortado e/ou dobrado e deverá ser garantido o contato total com a pele. Indicador 3 - Tricotomia - os pelos devem ser removidos/aparados em excesso para que não interfiram no contato do eletrodo dispersivo de uso único com a pele do paciente. Indicador 4 - O circulante de sala deverá assinalar no impresso próprio, se foi utilizada ou não a unidade de eletrocirurgia, bem como o tipo (monopolar/bipolar) e local de posicionamento da placa eletrodispersiva. Indicador 5 - Checagem do equipamento - antes de iniciar o procedimento cirúrgico, o circulante de sala deverá verificar se o equipamento está ligado na fonte de energia correta, seu funcionamento, se o som do equipamento está audível e se os plugs (caneta/placa eletrodispersiva) estão encaixando de maneira adequada.

Instrumento 2 - Questionário sócio demográfico com dados gerais dos participantes (idade, sexo, profissão, tempo de atuação no centro cirúrgico e treinamento prévio a respeito do emprego da unidade de eletrocirurgia).

Instrumento 3 - Questionário de múltipla escolha para identificação do nível de conhecimento de profissionais de saúde a respeito da aplicação da unidade de eletrocirurgia composto de sete questões apresentando somente uma alternativa correta. Foram avaliados os seguintes tópicos: posicionamento da placa dispersiva, tecido humano de melhor condutibilidade para corrente elétrica, necessidade de dispositivos isolantes entre paciente e metais, cuidados relativos ao paciente portador de tatuagens, conexão adequada da placa, efeitos da corrente elétrica para paciente e tecidos).

A coleta de dados compreendeu 7 etapas, desenvolvidas no período de janeiro de 2017 a janeiro de 2019, sendo elas:

Etapa 1: observação direta por 30 dias no período manhã e tarde dos procedimentos cirúrgicos de diferentes portes e especialidades com o objetivo de mensurar os indicadores propostos no instrumento 1.

Etapa 2: inicialmente os participantes preencheram o instrumento 2. Em seguida, foi realizada a capacitação dos profissionais por meio de aula didática e recursos multimídia com relação ao emprego da unidade de eletrocirurgia, posicionamento da placa dispersiva, condutibilidade elétrica no tecido, necessidade de dispositivos isolantes entre paciente e metais, cuidados relativos ao paciente portador de tatuagens e lesões de pele, conexão adequada da placa, diferentes modalidades da eletrocirugia (monopolar e bipolar), boas práticas recomendadas pela AORN em relação a placa de eletrodispersão, ao paciente e ao equipamento. Nesta etapa os participantes também preencheram o instrumento 3, antes e depois da realização da capacitação.

Etapa 3: observação direta por 20 dias no período manhã e tarde dos procedimentos cirúrgicos, escolhidos aleatoriamente da escala cirúrgica do dia, com o objetivo de mensurar novamente os indicadores propostos no instrumento 1.

Etapa 4: realizada dois meses após a capacitação dos profissionais, na qual foi aplicado o instrumento 3 para nova avaliação dos participantes.

Etapa 5: realizada após quatro meses da aula expositiva e dialogada, e constou de observação direta por 30 dias no período manhã e tarde dos procedimentos cirúrgicos com o objetivo de novamente mensurar os indicadores propostos no instrumento 1.

Etapa 6: realizada após seis meses da aula expositiva e dialogada, na qual os profissionais da equipe de enfermagem foram convidados participarem de nova capacitação com a apresentação de uma vídeo-aula com o mesmo conteúdo apresentado na aula expositiva e dialogada. O instrumento 3 foi preenchido novamente antes e depois da vídeo-aula.

Etapa 7: constou de observação dos procedimentos cirúrgicos com uso da unidade de eletrocirugia, realizada 12 meses após apresentação da vídeo-aula aos participantes da pesquisa que integravam a equipe de enfermagem da unidade.

Os procedimentos de coleta de dados foram planejados tomando por base estudo realizado em 2006 que também utilizou diferentes estratégias educativas em pesquisa sobre conhecimento e práticas de profissionais de enfermagem Hospitalar14.

A opção pelos intervalos de tempo para realização das diferentes etapas foi tomada partindo-se do princípio de que seriam necessários espaços no processo, de modo que o sistema de observação dos efeitos da intervenção pudesse retratar as ações dos profissionais dentro da dinâmica de trabalho do centro cirúrgico, permitindo a avaliação da ocorrência ou não de mudança no comportamento dos profissionais14,15.

Análise e tratamento dos dados

Os dados foram organizados, por dupla digitação, em uma planilha no Microsoft Excel Windows versão 7. Para comparar as taxas de adequação dos indicadores posicionamento da placa, tamanho da placa, tricotomia, preenchimento ao item relativo ao uso da eletrocirurgia no protocolo de cirurgia segura e checagem do equipamento entre as diferentes fases foi proposto um modelo linear generalizado com distribuição Binomial com função de ligação identidade. A classe de modelos lineares generalizados é uma extensão do modelo linear tradicional o qual permite que a média populacional seja dependente de um preditor linear por meio de uma função de ligação não linear e permite que a distribuição de probabilidade da variável resposta seja qualquer membro da família exponencial (Distribuição Normal, Binomial, Poisson e Gama)16. Foi utilizado o mesmo modelo para comparação das taxas de acerto de cada questão entre as fases, com a adição de um efeito aleatório devido à mesma pessoa ter sido analisada nas diferentes fases.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e ao Comitê de Ética da instituição participante do estudo, sendo aprovado com número CAAE 64850917.4.00005393

RESULTADOS

O resultado será apresentado em 2 partes: análise das diferentes metodologias educativas propostas para assimilação do conhecimento e análise da observação dos indicadores quanto à conformidade recomendada pela AORN.

Parte 1

Participaram do estudo 32 profissionais atuantes do centro cirúrgico sendo quatro enfermeiros e 28 técnicos em enfermagem. Quanto ao tempo de profissão em meses a média foi de 32,8 (desvio padrão (DP): 9,4) para os enfermeiros e 102 (DP: 52,3) para técnicos em enfermagem. Já o tempo de atuação médio no centro cirúrgico em meses foi de 12 (DP: 9,4) para enfermeiros e 88,5 (DP: 59,9) para técnicos. Houve predominância do sexo feminino tanto para técnicos 21 (75,00%) como para enfermeiros 3 (75,00%). Com relação a capacitação/treinamento prévio anterior, dois (50,00%) na categoria dos enfermeiros e 19 (67,90%) na categoria dos técnicos em enfermagem afirmaram ter tido este tipo de informação.

Análise dos questionários segundo categoria profissional dos participantes Enfermeiros

Quatro enfermeiros participaram da capacitação (n=4). A análise descritiva da Tabela 1 mostrou que a maioria dos participantes já tinham conhecimento prévio do tema e que se mantiveram durante todas as fases do estudo.

Tabela 1.  Descrição das taxas de acerto dos enfermeiros em relação ao questionário. Brasil, 2019. 

Pode-se observar que não houve padrão de melhora no conhecimento no grupo de enfermeiros, o que pode ser compreensível, pois este já era elevado neste grupo de participantes.

Técnicos de enfermagem

Com relação ao resultado obtido, durante a capacitação e utilizando diferentes tipos de estratégias na população de técnicos de enfermagem, verifica-se uma melhora no padrão de resposta frente ao questionário aplicado nas diferentes fases, em algumas questões, conforme dados da Tabela 2.

Tabela 2.  Descrição das taxas de acerto dos técnicos em enfermagem em relação ao questionário. Brasil, 2019. 

Foi realizada a comparação dos acertos entre as fases para as questões um e dois, sendo os dados apresentados na Tabela 3.

Tabela 3.  Comparação das taxas de acerto da questão um e dois por meio do modelo linear generalizado com distribuição Binomial. Brasil, 2019. 

Comparando-se a taxa de adequação do padrão de resposta da questão um nas diferentes fases, verifica-se uma melhora na taxa de adequação em 25 pontos percentuais (pp) do pré para a pós-aula expositiva. Observando o intervalo de confiança verifica-se que houve diferença da pré-aula expositiva para todas as fases até o pós-vídeo aula ou seja, melhorou o entendimento com relação ao posicionamento correto da placa de bisturi. Ao compararmos pós aula expositiva, verifica-se que o conhecimento se manteve. Então para questão um, pode-se considerar que a aula expositiva foi suficiente, não sendo necessária outras estratégias educativas.

Já na comparação da taxa de adequação do padrão de resposta da questão número dois nas diferentes fases, houve uma significativa melhora do conhecimento prévio, pois este foi de 50 pp comparando a fase pré com a pós-aula expositiva. Porém o padrão de resposta não se manteve entre as fases, tendo piorado entre a aula expositiva e o momento da vídeo-aula. A aplicação do vídeo aula foi responsável por melhorar o padrão de resposta em 25pp.

Quanto as questões três e sete, já havia um conhecimento prévio e o mesmo se manteve ao longo do estudo.

Não foi possível realizar as comparações das taxas de adequação envolvendo as questões quatro, cinco e seis pelo modelo linear generalizado com distribuição Binomial devido a não variabilidade das respostas. Nesse caso, optou-se por seguir com o teste de McNemar, comparando pares de fases quando possível. A Tabela 4 apresenta os resultados.

Tabela 4.  Descrição das taxas de adequação dos técnicos em enfermagem às respostas das questões quatro, cinco e seis pelo teste de McNemar. Brasil, 2019. 

Percebe-se que, na questão 4, houve uma melhora no conhecimento após a aula expositiva, e o mesmo se manteve constante após dois meses da capacitação. Quanto as demais questões já havia um conhecimento prévio e o mesmo se manteve ao longo do estudo.

Tabela 5.  Descrição das taxas de conformidade nas diferentes fases. Brasil, 2019 

Quanto a observação dos indicadores quanto à conformidade recomendada pela AORN a Tabela 5 demonstra que os indicadores tamanho da placa, tricotomia adequada e preenchimento adequado do item relativo ao uso da eletrocirurgia no protocolo de cirurgia segura tinham índices de conformidade superiores a 90% já no período pré intervenção. O indicador checagem do equipamento teve maior impacto pós intervenção e o posicionamento da placa também obteve melhoria, porém a adequação não chegou em 50%.

Comparação da taxa de conformidade dos indicadores entre as fases

Posicionamento da placa

A Tabela 5 demonstra melhora na taxa de conformidade neste indicador. No entanto, pelo modelo linear generalizado com distribuição Binomial, não há evidência de diferença estatística, sendo que, na comparação de todas as fases o p valor foi maior que 0,05. Porém, não significa que o dado não tenha relevância clínica.

Tamanho da placa

Com relação ao tamanho da placa, este já estava adequado na fase pré intervenção, e pelo modelo linear generalizado, não há evidência de diferença estatística, sendo que, na comparação de todas as fases o p valor foi maior que 0,05.

Tricotomia adequada

No indicador tricotomia observa-se que este antes, durante e após capacitação não se alterou pois já havia um padrão estabelecido e manteve-se ao longo do estudo

Preenchimento do item relativo ao uso da eletrocirurgia no protocolo de cirurgia segura

Neste indicador também observa-se que a taxa de conformidade já era superior a 95% antes da intervenção e manteve-se ao longo do estudo.

Checagem do equipamento

A Tabela 5 evidencia que em relação ao indicador checagem do equipamento houve uma melhora relevante. A Tabela 6 apresenta a comparação da taxa de conformidade deste indicador entre as fases.

Tabela 6.  Comparação da taxa de conformidade entre checagem do equipamento entre as fases segundo o modelo linear generalizado com distribuição Binomial. Brasil, 2019 

Observa-se que houve melhora na taxa de conformidade da checagem do equipamento entre todas as diferentes fases do estudo.

DISCUSSÃO

O centro cirúrgico por representar um ambiente de grande complexidade reúne um aparato tecnológico de expressão. Portanto, acompanhando esse desenvolvimento, identifica-se a ocorrência de eventos indesejáveis, que tem exigido adoção de boas práticas relacionadas aos diferentes procedimentos ali executados, num contexto de maior segurança cirúrgica.

A eletrocirurgia é uma prática vivenciada rotineiramente no período intraoperatório, que requer conhecimentos técnico-científicos do equipamento e de seus procedimentos, garantindo um uso eficaz e seguro dessa tecnologia. Para tal, constantes atualizações devem ser realizadas por toda a equipe de saúde, de modo a garantir ao paciente cirúrgico, a melhor condição possível, em termos de integridade física, funcional e emocional.

A falta de preparo dos profissionais a respeito da aplicabilidade da unidade de eletrocirurgia é considerada como fator de risco para a ocorrência de eventos adversos17.

Desta forma, um estudo realizado revelou ser primordial a constante formação dos profissionais, melhorando a atenção dada a este tipo de tecnologia e a necessidade de criação e implementação de protocolos9.

Neste estudo foi possível identificar que a maioria dos participantes já haviam recebido treinamento prévio sobre o uso da eletrocirurgia, não específico mas durante a prática diária. Para os enfermeiros, os mesmos já tinham conhecimento e tiveram percentuais de acerto de 100% na maioria das questões, mesmo no período pré intervenção. No entanto, os técnicos de enfermagem apresentaram aumento do percentual de acertos após o treinamento e após vídeo-aula. Ressalta-se que a unidade de eletrocirurgia é usada diariamente nos procedimentos cirúrgicos e quem a opera é o próprio circulante de sala, no caso, os técnicos em enfermagem.

Segundo estudo, quanto maior o conhecimento sobre os riscos associados, as formas de prevenção e a utilização adequada da mesma, maior é a probabilidade de sucesso cirúrgico9. Os autores ainda alertam que o uso da unidade de eletrocirurgia levanta uma questão bioética - a sua prática é necessária, mas deve ser realizada com a maior segurança possível, que advém de um conhecimento teórico e prático prévio por parte da equipe presente na sala cirúrgica.

Para a categoria técnicos de enfermagem, ficou evidente a aquisição do conhecimento, já que os percentuais de acertos sempre melhoram após cada intervenção educativa, no entanto, foi possível identificar uma dificuldade na memorização à longo prazo ou seja, é necessário ter mais de um tipo de abordagem várias vezes.

Segundo recomendações da AORN13 a placa eletrodispersiva deve ser colocada o mais próximo do sítio cirúrgico, pois a distância pode demandar um aumento de energia, que por sua vez, pode ocasionar lesão ao paciente.

Entretanto verificou-se que apesar do bom rendimento teórico, na prática, os profissionais não apresentaram melhora da adesão de todos os indicadores. O posicionamento da placa adequado, para evitar queimaduras, apresentou índices de conformidade inferiores a 50% em todas as fases do estudo.

Durante a investigação foi percebido que os técnicos de enfermagem persistiam em colocar a placa na panturrilha do paciente, julgando ser uma prática que minimiza a ocorrência de queimaduras, pois evita o escoamento de líquido de antissepsia pela mesma. Entretanto, não consideraram a necessidade de aumento de energia, o que poderia ser tão danoso como tal. Este é um paradigma a ser quebrado, ou seja, a transposição do conhecimento teórico para a prática.

O paradigma representa um padrão a ser seguido no âmbito científico ou social. Na comunidade científica, inclui crenças, valores, técnicas e teorias partilhadas, sendo influenciado pelos fatores culturais, políticos, econômicos e sociais vigentes18.

A educação em saúde deve proporcionar ao profissional a melhoria de suas capacidades e competências, buscando cumprir suas responsabilidades, e, ainda, garantir uma assistência com menor probabilidade de ocorrência de eventos adversos19.

Desta forma o treinamento deve, além de fornecer conhecimento, permitir a transferência do aprendizado, que consiste na generalização de novas aprendizagens para o trabalho e é definida, para fins de mensuração, como a aplicação eficaz, no contexto de trabalho, dos conhecimentos adquiridos durante ações instrucionais. O conceito de transferência de aprendizagem inclui, em sua essência, a questão da mudança na forma de desempenhar as atividades de trabalho a partir das aprendizagens ocorridas em eventos de treinamento. O foco está no grau de aplicação dos conhecimentos aprendidos e na capacidade dessa transferência de influenciar o desempenho subsequente do participante20.

Na realidade brasileira grande parte dos hospitais ainda utilizam a placa metálica. Na instituição hospitalar investigada verificou-se a utilização dos dois modelos, sendo as placas de eletrodispersão metálicas para a grande maioria dos procedimentos, e selecionadas as cirurgias mais complexas e prolongadas, tais como as cardíacas, neurológicas e algumas plásticas, para utilização das placas descartáveis.

Deve-se considerar que as recomendações emanadas da AORN servem de guia para os profissionais de enfermagem que atuam no centro cirúrgico e devem ser adaptadas de acordo com as características de cada instituição. Na sala cirúrgica, o circulante é o responsável pela colocação da placa eletrodispersiva no paciente, razão pela qual um forte preparo para atuação se torna essencial, considerando aspectos relevantes para a assistência de enfermagem, em razão das responsabilidades inerentes a sua atuação.

O ambiente de trabalho interfere na qualidade e segurança do cuidado fornecido ao paciente e está relacionado com a tecnologia empregada, instalações e serviços disponíveis, além das ações desenvolvidas pelos profissionais. E diretamente ligada aos padrões de qualidade que se pretende obter nas instituições está o investimento na sua capacitação.

Para o ambiente do centro cirúrgico, que concentra recursos humanos e tecnológicos altamente especializados, geralmente não disponíveis em outras áreas do hospital, proporcionando assistência complexa e sofisticada, torna-se primordial considerar a necessidade de profissionais preparados, minimizando os riscos que significam ameaças à segurança e integridade dos pacientes.

Desenvolver estratégias de capacitação profissional e promover a educação por meio de formação especializada, considerando as especificidades e experiências anteriores de formação dos trabalhadores é o que recomendamos.

Os resultados evidenciaram que os enfermeiros apresentaram altas taxas de conformidade de aprendizado. É interessante verificar que são profissionais jovens, com pouco tempo de profissão (32 meses) e ainda pouco tempo de atuação em centro cirúrgico (12 meses). Há de se considerar que são eles que assumem a liderança do cuidado e que, portanto, a constatação do preparo e habilitação para manuseio da eletrocirugia trazem um potencial importante de orientação em relação a categoria dos técnicos de enfermagem e instrumentadores cirúrgicos, que apresentaram, em média, 9 anos de profissão e 8 anos de trabalho na unidade.

Tanto as estratégias de ensino utilizadas como os pós testes de avaliação e observação de conformidade aos indicadores selecionados como de boas práticas no manuseio da eletrocirugia se mostraram adequadas ao alcance dos objetivos propostos nesse estudo. Estímulos diferentes de aprendizagem foram utilizados durante o treinamento com vistas a se trabalhar com o processo de aquisição e retenção de conhecimentos, habilidades e atitudes, na perspectiva de efeitos a longo prazo do treinamento.

A elaboração da vídeo-aula sobre o tema e sua disponibilização para a unidade de centro cirúrgico na qual se desenvolveu a pesquisa se constituiu num diferencial de contribuição para desenvolvimento futuro de novos treinamentos a serem realizados pela própria unidade.

A Educação Permanente em saúde tem sido apontada como um grande diferencial capaz de atingir os trabalhadores em serviço, promovendo mudanças em seus processos de trabalho, mobilizando suas competências e desenvolvendo outras aptidões técnicas e pessoais no desempenho de suas funções, na perspectiva de maior qualificação21.

Considera-se que o estudo traz contribuições para o conjunto de conhecimentos em enfermagem perioperatória, bem como para as práticas de gestão dos serviços de enfermagem, na perspectiva de os enfermeiros adotarem ferramentas gerenciais como planejamento, avaliação e educação em serviço, permeando a qualificação do trabalho e a implementação de protocolos e procedimentos com foco na segurança do paciente no ambiente cirúrgico e dos profissionais que atuam nesse cenário de cuidados.

CONCLUSÕES

Ao avaliar o efeito de intervenções educativas no conhecimento e aplicabilidade de eletrocirurgia dos técnicos de enfermagem verificou-se que o retorno em termos de retenção de conhecimento pode ser considerado muito bom pois conseguiram melhorar o conhecimento com relação a execução desse procedimento. No tocante aos enfermeiros, constatou-se conhecimento prévio a respeito do tema em alguns tópicos específicos da capacitação, corroborando no padrão de resposta.

Os indicadores de qualidade que tiveram melhores índices de conformidade após capacitação foram checagem do equipamento e posicionamento da placa eletrodispersiva. No entanto este último indicador ainda merece maior atenção por parte dos profissionais de enfermagem.

As intervenções educativas utilizadas mostraram-se factíveis, entretanto, não conseguiram sensibilizar os profissionais para a mudança do local de colocação da placa eletrodispersiva. Torna-se necessário buscar estratégias coadjuvantes, inovadoras ou não, afim de proporcionar quebra de paradigmas, pois, embora tenha se verificado assimilação/fixação do conhecimento adquirido constatou-se em alguns casos que o técnico de enfermagem reluta em colocar a placa de eletrodispersão mais próximo possível do sítio cirúrgico.

Pesquisas dessa natureza são oportunas pois proporcionam aos gestores propor projetos de melhoria contínua de assistência perioperatória, que envolvam toda a equipe de profissionais, uma vez que a qualidade em saúde deve ser entendida como uma somatória de esforços conjuntos na busca por resultados eficazes, seguros e humanizados.

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Recebido: 11 de Maio de 2021; Aceito: 17 de Julho de 2021

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