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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.21 n.65 Murcia Jan. 2022  Epub Mar 28, 2022

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.444591 

Revisões

Qualidade da atenção à saúde do idoso atençãoprimária: uma revisão integrativa

Ricardo Saraiva Aguiar1  , Henrique Salmazo da Silva1 

1 Escuela de Salud y Medicina, Programa de Posgraduación en Gerontología. Universidad Católica de Brasilia (UCB). Brasília-DF, Brasil. saraivaaguiarricardo@gmail.com

RESUMO:

Objetivo:

Investigar, por meio de uma revisão integrativa da literatura, a qualidade da atenção à saúde do idoso na atenção primária.

Materiais e Métodos:

Revisão integrativa da literatura realizada nas bases de dados MEDLINE/PubMed, SciELO, LILACS e BDENF entre os meses de abril e maio de 2020, as quais geraram 780 referências. Após remoção das duplicatas e emprego dos critérios de inclusão e exclusão a amostra final foi composta por 15 artigos.

Resultados:

A qualidade da atenção à saúde do idoso na atenção primária esteve associada a potencialidades e fragilidades que envolveram a disponibilidade e treinamento dos recursos humanos, adoção de protocolos de avaliação, acompanhamento e monitoramento, oferta de insumos e variáveis estruturais ligadas à infraestrutura e à rede de apoio intersetorial. A efetividade das ações à pessoa idosa na atenção primária esteve relacionada à implantação da Estratégia Saúde da Família, conjugada com a atuação ativa do agente comunitário de saúde no território e a participação do idoso nas decisões.

Conclusão:

Fortalecer a atenção à saúde do idoso na atenção primária envolve esforços a curto, médio e longo prazo relacionados à educação, gestão de recursos humanos e materiais, atuação em rede e a formação de vínculo com o território e a pessoa idosa.

Palavras-chave: Saúde do idoso; Atenção Primária à Saúde; Qualidade da Assistência à Saúde

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional vem sendo pauta de gestores, profissionais, acadêmicos e formuladores de políticas públicas com o objetivo de garantir meios para que a velhice seja bem assistida e cuidada. No âmbito da atenção gerontológica, torna-se necessário planejar e implantar serviços resolutivos e de qualidade que ofereçam respostas sociais aos desafios impostos pelo aumento de idosos longevos1, com limitações funcionais, doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), maior risco de fragilização e desfechos adversos em saúde2.

Para isso, uma das apostas dos modelos assistenciais de saúde tem sido a adoção de cuidados de longa duração conjugados à Atenção Primária à Saúde (APS) e ancorados por uma visão integral e abrangente sobre a pessoa idosa, seus recursos e condições predisponentes do processo de saúde e doença3.

No Brasil, esforços têm sido empreendidos no Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de reorganizar a prática assistencial e a saúde do idoso. A APS é definida pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI) como porta de entrada para a atenção à saúde do idoso e a referência para a rede de serviços especializados de média e alta complexidade4. Posteriormente, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) estabelece ações como a promoção e a proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e a manutenção da saúde5.

A PNSPI delibera diretrizes relevantes para a atenção integral à saúde do idoso, tais como a promoção do envelhecimento saudável e ativo, apoio ao desenvolvimento de cuidados informais, bem como reabilitação e manutenção da capacidade funcional sendo responsáveis por nortear todas as ações no setor de saúde e indicar as responsabilidades das instituições para que se possa alcançar a proposta. Além disso, orienta sobre o processo continuado de avaliação que deve acompanhar seu desenvolvimento, levando em consideração possíveis ajustes provenientes da prática. Sua implementação abrange a definição e/ou readequação de projetos, programas, planos e atividades do setor da saúde de forma direta ou indireta relacionados com seu objeto6,7.

Conforme pesquisas realizadas no Brasil, a implantação do atendimento da pessoa idosa no contexto da APS inclui como desafios a falta de integralidade das ações, a desfragmentação do cuidado, a ausência de equipes interprofissionais e dificuldades de uso e acesso ao sistema de saúde8. Dados do estudo brasileiro ELSI indicou que a população com 50 anos ou mais e que frequenta as Unidades Básicas de Saúde (UBS) tradicionais apresentaram maior prevalência de dificuldades de acesso, continuidade do cuidado, comunicação com o profissional médico, coordenação e resolução do cuidado quando comparados à população assistida pela Estratégia Saúde da Família (ESF) e usuários do sistema de saúde suplementar9.

Nesse sentido, investigar os fatores que potencializam e fragilizam a qualidade da atenção ao idoso na APS pode auxiliar os profissionais e gestores a atuar no planejamento e aprimoramento das ofertas assistenciais. Esse tema é de grande relevância, pois 75,3% dos idosos brasileiros dependem exclusivamente do SUS para ter acesso a serviços de saúde e 70% possui uma ou mais DCNT. Dos serviços acessados por essa população, 83,1% realizaram pelo menos uma consulta médica nos últimos 12 meses e 10,2% dos idosos foram hospitalizados uma ou mais vezes9.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi investigar, por meio de uma revisão integrativa da literatura, a qualidade da atenção à saúde do idoso na atenção primária.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura realizada em sete etapas10: 1) delimitação da pergunta norteadora da revisão, 2) definição dos critérios de inclusão e exclusão, 3) busca extensiva da literatura, 4) identificação de potenciais estudos por meio de avaliação do título e resumo, 5) seleção dos artigos com base no texto completo, 6) avaliação da qualidade dos estudos inclusos e 7) síntese dos estudos inclusos.

Tendo em vista a primeira fase da revisão, elaborou-se a pergunta norteadora de pesquisa com base na estratégia PICO: P - população e problema, I - intervenção, C - comparação e O - outcome (termo em inglês que significa desfecho). Assim, considerou-se P: usuários idosos na APS, I: qualidade da atenção, C: qualquer comparação quanto aos fatores relacionados à qualidade da atenção ao idoso e O: assistência à saúde. Nessa direção, a pergunta construída foi: quais os fatores potencializadores e de fragilidade para a qualidade da atenção à saúde do idoso na APS?

A busca dos artigos foi realizada entre os meses de abril e maio de 2020 nas bases de dados eletrônicas MEDLINE/PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Científica e Técnica da América Latina e Caribe (LILACS) e Base de Dados em Enfermagem (BDENF).

Para definição dos termos de busca, foi realizada consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Elegeu-se o descritor “saúde do idoso” e seus correlatos que foi combinada com o termo de busca “atenção primária à saúde” e “qualidade da assistência à saúde” e suas respectivas expressões em inglês. Utilizaram-se os operadores booleano “AND” e “OR” para combinação. As estratégias construídas com os termos de busca e seus resultados são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1:  Estratégias de busca e resultados das produções identificadas. Brasília, Distrito Federal, 2020. 

Elaboração: Aguiar RS, Silva HS, 2020.

Teve-se como critérios de inclusão para a amostra: estudos com pessoas de idade igual ou superior 60 anos, profissionais de saúde e gestores; que abordassem a qualidade da atenção à saúde do idoso na APS; estudos com delineamento qualitativo, quantitativo e de métodos mistos; artigos publicados de forma on-line nos últimos 5 anos (2015 a 2020), disponíveis nos idiomas português, inglês ou espanhol e na íntegra. Descartaram-se revisões de literatura, resumos de congressos, anais, editoriais, dissertações e teses.

A busca nas bases de dados gerou 780 referências. A seleção dos estudos foi conduzida por meio da exportação dos resultados das buscas nas bases de dados eletrônicas para o gerenciador de referências EndNote desktop®. Com o programa, foram removidas 69 duplicadas e 453 no quesito de temporalidade (últimos 5 anos) o que resultou em 258 para avaliação dos demais critérios de inclusão por meio da leitura de títulos e resumos. Destes, 228 foram excluídos em função do tema (n= 172), método (n=30), não dispor de resumo (n=15) ou ser dissertação e tese (n=11). Ao final, 30 artigos apresentaram potencial de inclusão na amostra e, dentre esses, 15 foram escolhidos após leitura na íntegra (Figura 1).

Figura 1:  Fluxograma da busca nas bases de dados segundo recomendações PRISMA. Brasília, Distrito Federal, 2020. 

Classificaram-se as evidências dos artigos em seis níveis: Nível I - estudos relacionados à metanálise de múltiplos estudos controlados; Nível II - estudos experimentais individuais; Nível III - estudos quase-experimentais, como o ensaio clínico não randomizado, o grupo único pré e pós-teste, além de séries temporais ou caso-controle; Nível IV - estudos não experimentais, como a pesquisa descritiva, correlacional e comparativa, com abordagem qualitativa e estudos de caso; Nível V - dados de avaliação de programas obtidos de forma sistemática; e Nível VI - opiniões de especialistas, relatos de experiência, consensos, regulamentos e legislações11.

Elaborou-se, para facilitar a extração e síntese dos dados, uma matriz de síntese descrita em uma planilha de Excel®. Foram coletados dados como: periódico; país e ano de publicação; autor(es); título; desenho do estudo; principais resultados, fatores relacionados à qualidade da atenção e nível de evidência. Intentou-se com o instrumento, além de formar um banco de dados, mapear pontos pertinentes, integrar dados e caracterizar a amostra revisada. Desse modo, parte desses dados estão representados no Quadro 2.

Quadro 2:  Amostra final de artigos. Brasília, Distrito Federal, 2020. 

Elaboração: Aguiar RS, Silva HS, 2020.

Os dados compilados foram então analisados por meio da análise temática27, sendo organizados e apresentados em categorias temáticas obtidas a partir das seguintes etapas de análise: 1) familiarização dos dados (resultados dos estudos que compuseram a amostra e se relacionavam com a pergunta da pesquisa), 2) geração de códigos iniciais, 3) busca por temas, 4) revisão dos temas, 5) definição e titulação dos temas e 6) produção do relatório.

RESULTADOS

A amostra final desta revisão foi composta de quinze artigos, conforme descrito no Quadro 4.

Grande parcela das publicações refere-se ao ano de 2019, com sete artigos (46,7%), seguidas do ano de 2018 com três (20%), 2017 e 2015 com dois em cada ano (13,3% em cada ano) e 2020 com um artigo (6,7%). O desenho qualitativo foi o que mais prevaleceu dentre as pesquisas (cinco artigos, 33,3%). Quanto ao local de publicação e desenvolvimento, nove estudos (60%) foram realizados no Brasil, três (20%) nos Países Baixos, dois (13,3%) na África do Sul e um (6,7%) nos Estados Unidos da América (EUA). Sobre o nível de evidência dos artigos, houve maior prevalência de estudos não experimentais, como a pesquisa descritiva, correlacional e comparativa, com abordagem qualitativa e estudos de caso (93,3%).

A análise temática dos resultados dos artigos permitiu a organização em duas categorias temáticas principais: 1) potencialidades associadas à qualidade da atenção à saúde do idoso na APS e 2) fragilidades na qualidade da atenção à saúde do idoso na APS.

Potencialidades associadas à qualidade da atenção à saúde do idoso na APS

De maneira geral, os artigos trouxeram aspectos identificados e/ou executados pelos profissionais de saúde, gestores e idosos como necessários para a qualidade da atenção ao idoso na APS. Desse modo, a tipologia do serviço no modelo de ESF, a elevada abrangência da APS e a disponibilidade do serviço primário de saúde de forma gratuita foram aspectos destacados pelos artigos E1, E11 e E3, respectivamente12)(22)(14.

O estudo E11 identificou a Figura do agente comunitário de saúde (ACS) como ponto forte para a melhoria dos processos de seguimento dos pacientes devido à capilaridade da ESF no munícipio, atuação na orientação familiar, realização de visitas domiciliares aos idosos após alta hospitalar para continuidade do cuidado e o investimento na formação técnica em Enfermagem aos profissionais para um melhor acompanhamento dos usuários no território22.

Dentre os processos clínicos de acompanhamento dos idosos na APS, a atenção às DCNT foi a que mais se destacou, conforme constatado nos estudos E1, E3 e E1212)(23)(14.

Na percepção das pessoas idosas, identificou-se que essas valorizam a discussão sobre o impacto das doenças ou tratamentos na sua qualidade de vida (E9)20, o atendimento adaptado aos seus desejos (E10)21 e a manutenção de sua autonomia para decisões que impactam no seu acompanhamento e tratamento de saúde (E14)25. Adicionalmente, a continuidade do cuidado pelos mesmos profissionais de saúde foi identificada como aspecto positivo no estudo E1425, fato que corrobora com o identificado no estudo E13 que demonstrou a existência de vínculo devido à pequena rotatividade dos profissionais de saúde. Ademais, a comunicação centrada no paciente foi levantada como um marcador importante para a qualidade do cuidado24.

Ainda de acordo com os idosos, a qualidade da APS foi associada à produtividade percebida de suas interações com o médico e com o enfermeiro no estudo E213 e a construção de relação de confiança e afeto com o idoso permite a realização de ações mais efetivas nas práticas terapêuticas (E11) (22. O médico da APS foi identificado como um profissional de papel central na coordenação do cuidado dos idosos de acordo com o estudo E920, mas o estudo E10 trouxe que a colaboração multidisciplinar no atendimento ao idoso possibilita um acompanhamento mais satisfatório21.

No que se refere aos processos de trabalho dos profissionais, é valorizado no estudo E9 o fornecimento de educação em saúde aos idosos para uma melhor tomada de decisão e responsabilização do seu cuidado, bem como a disponibilização de folhetos ou sites confiáveis para pesquisa e educação em saúde20. No estudo E15, é incentivado a realização de discussões sobre cuidados em saúde em grupos de idosos26.

Adicionalmente, o estudo E11 abordou que são realizados acompanhamento das solicitações de encaminhamentos pelos profissionais de saúde para evitar absenteísmo nos atendimentos, redimensionamento das vagas de especialistas e/ou exames regulados de acordo com as demandas da APS e a contratação de serviços não disponíveis no município para a garantia de uma melhor atenção à saúde, visando a integralidade do cuidado22. Ademais, o estudo E3 apontou a entrega de medicamentos no domicílio para idosos frágeis como fator para ampliação do acesso e da acessibilidade14.

O estudo E1 demonstrou como necessidade a realização de avaliação constante dos processos de atenção para o monitoramento e avaliação dos usuários, além da necessidade no uso de dados epidemiológicos para um melhor desempenho na atenção integral à saúde do idoso12.

A relação entre profissional e usuário foi um aspecto destacado no estudo E9 no qual os idosos destacaram aspectos necessários para a qualidade do cuidado, a saber: explicação detalhada sobre os diagnósticos, relevância da avaliação, tratamento e apresentação de opções de tratamento com foco na preferência do paciente, comunicação oportuna com o médico, escuta dos pacientes e tradução de suas preocupações como aspectos importantes da comunicação, percepção de conforto e confiança quando o médico está receptivo a aprender novas informações sobre sua doença e cuidados, além da escuta, respeito, humildade e pontualidade como características positivas no atendimento aos idosos20.

Fragilidades na qualidade da atenção à saúde do idoso na APS

A APS é vista como a porta de entrada preferencial dos usuários no SUS devido a possibilidade de acompanhamento ao longo da vida e pela integralidade do cuidado, mas de acordo com o estudo E11 foi possível identificar a ausência de um modelo de atenção voltada à pessoa idosa nos serviços, pois o cuidado é fornecido com base na atenção ao adulto, sem levar em consideração as necessidades da pessoa idosa22.

Corroborando com esse achado, o estudo E10 apresenta uma APS reativa, fragmentada e que não é capaz de lidar de forma eficaz com a complexidade da necessidade de saúde das pessoas idosas na comunidade21. Ademais, os idosos consideram a qualidade dos serviços prestados na APS de baixa qualidade, e suas expectativas em relação aos atributos de atendimento dos serviços normalmente são maiores do que as suas percepções, conforme o estudo E718.

O trabalho e a formação de uma rede intersetorial são fundamentais na atenção à saúde do idoso, mas os estudos E1, E11 e E12 demonstraram a ausência de constituição de rede de apoio intersetorial e interdisciplinar, além do baixo desempenho de trabalho intersetorial, mesmo em serviços com avaliação positiva da APS12)(22)(3.

Apesar de ser identificado que a atenção às DCNT foi a que mais se destacou entre o acompanhamento clínico da pessoa idosa, a estratificação de risco ainda é subutilizada na prática de cuidado ao idoso, conforme demonstrado nos estudos E6, E11 e E1217,22-3. Além disso, verificou-se associação entre condições crônicas de saúde e uma pior percepção sobre o desempenho da APS nos atributos de coordenação do cuidado, orientação familiar e orientação comunitária no estudo E819.

Adicionalmente, a avaliação do grau de fragilidade e a avaliação multidimensional da pessoa idosa foi outro aspecto negligenciado pelos profissionais de saúde nos estudos E5 e E816,19. Ademais, identificou-se no estudo E1 a incipiência no desenvolvimento de ações voltadas para o envelhecimento ativo e saudável12; uma atenção não centrada no paciente ou inapropriada para a idade (E3)14; o desconhecimento do processo de envelhecimento e suas implicações nas demandas de saúde pelos profissionais, além de dificuldades de atuação com idosos portadores de declínio funcional ou idosos frágeis (E11)22. Estes fatos podem estar associados às percepções dos idosos identificadas no estudo E4 em que esses relatam que os profissionais de saúde são formados para ver os idosos como doenças a serem tratadas ao invés de indivíduos com necessidades de saúde15. Além disso, os estudos E5, E11, E12 e E14 demonstraram deficiência e/ou ausência de capacitação/educação permanente voltada aos profissionais de saúde16,22-3,25.

No que tange às ações de promoção e prevenção da saúde, os estudos E7, E11, E12 e E15 demonstraram em seus resultados a pouca incorporação, a ineficiência das ações com contribuição para o aumento dos atendimentos de urgência, a dificuldade de acesso a materiais informativos e a não priorização e/ou ausência de educação em saúde durante as consultas18,22-3,26.

O quadro 3 permite visualizar um compilado de outras fragilidades descritas pelos estudos que compõem a amostra final desta revisão integrativa, bem como os possíveis desfechos. Intervir no sistema de queixas requer ações de planejamento ancoradas na adoção de protocolos de avaliação, acompanhamento e monitoramento das pessoas idosas; uso de indicadores de gestão e da qualidade da assistência; oferta de insumos, ampliação da infraestrutura e melhor articulação da rede de apoio intersetorial; ações de educação continuada aos profissionais que atuam nas UBS, bem como ampliação das ações de acolhimento, formação de vínculos e educação em saúde aos usuários.

Quadro 3:  Síntese dos fatores negativos e possíveis desfechos descritos pelos estudos incluídos na revisão integrativa. Brasília, Distrito Federal, 2020. 

Elaboração: Aguiar RS, Silva HS, 2020.

Outro fator em destaque identificado nos estudos E3, E11 e E14 foi a respeito da atuação do médico em que foi verificada ausência de relacionamento interpessoal entre o profissional e a pessoa idosa, centralização na consulta médica e no modelo pautado na produção e não na resolução das demandas dos usuários, além de pouca disponibilidade médica para os atendimentos voltados aos idosos no território, respectivamente14)(22)(25.

Sobre a atuação dos enfermeiros, verificou-se no estudo E3 uma reputação negativa dos profissionais pelos idosos devido a desinteresse, julgamento de valor, grosseria e até agressão por enfermeiros em razão do não seguimento do tratamento por parte das pessoas idosas14. Adicionalmente, o estudo E6 demonstrou que as consultas de enfermagem estavam direcionadas para queixa-conduta durante o acolhimento, com consequente encaminhamento para avaliação médica17, além de existência de problemas relacionados a tomada de decisão por parte dos enfermeiros no estudo E1425.

DISCUSSÃO

A atenção à saúde do idoso deve ser baseada na oferta de práticas de cuidados voltadas para o alcance de uma velhice com independência, autonomia e produtividade, bem como dispor de uma rede de serviços articulada, integrada, referenciada e com sistemas de informação constituídos12,18.

No modelo contemporâneo de cuidado com o foco no envelhecimento e, principalmente, na pessoa idosa, torna-se necessário reunir um fluxo contínuo de ações de educação, promoção da saúde, prevenção de doenças evitáveis, postergação de agravos e manutenção da capacidade funcional12)(16)(23.

Diante disso, investimentos em recursos humanos, educação permanente, padronização e implementação de condutas relacionadas à saúde do idoso são necessários para qualificar a atenção à saúde de modo que haja uma melhoria na implementação de diretrizes clínicas na prática dos profissionais de saúde, visando promover alinhamento da atenção à saúde com as necessidades da pessoa idosa16)(7.

Ademais, o processo de trabalho das equipes de saúde precisa ser organizado de modo a oferecer uma assistência equânime e integral, acolhendo o usuário e vinculando-o aos serviços ofertados de acordo com suas reais necessidades, pois quando não se identifica e/ou se estratifica as demandas de saúde, pode-se ocorrer suboferta de cuidados necessários às pessoas idosas com maiores riscos e/ou a sobreoferta de cuidados desnecessários àqueles com menores necessidades, o que, por consequência, produz uma atenção inefetiva e ineficiente17.

Para isso, a estratificação de risco, a utilização de indicadores epidemiológicos e a avaliação da qualidade dos serviços da APS precisam ser institucionalizados como processo de transformação das práticas na APS. Somado a essa necessidade, tem-se a identificação das expectativas e percepções da pessoa idosa como um determinante para a organização do modelo de atenção aos idosos que permita a flexibilização e organização das ações de cuidado a partir das necessidades dos usuários de modo a valorizar e influenciar a adesão terapêutica17)(8)(20)(22)(24.

A pessoa idosa possui demandas e particularidades biopsicossociais que a diferenciam de um usuário adulto jovem e de meia-idade; desse modo, destaca-se a importância de se romper com a ideia de uma assistência generalizada ao idoso22 para investir em um cuidado centrado na pessoa, integral, proativo e interacional14)(5)(21)(26.

Diante disso, a institucionalização do processo de educação permanente em saúde tende a ser uma alternativa para qualificação e melhoria dos processos de trabalho no âmbito da APS14,25 e a criação de parcerias com instituições de ensino poderão servir de apoio para a concretização dessa medida17.

Mas, para além da institucionalização regular de capacitação aos profissionais para ampliação de conhecimentos nas temáticas específicas do envelhecimento e da saúde da pessoa idosa, torna-se necessário refletir que para uma mudança mais substancial no modelo de atenção podem ser necessários novas estruturas, materiais e equipamentos, o que aponta para a reorientação na destinação de verbas públicas26.

Portanto, explorar o potencial dos serviços da APS na gestão do cuidado e na manutenção da capacidade funcional da pessoa idosa associada a uma articulação em rede e com a participação e corresponsabilização dos idosos, pode superar o sistema fragmentado ainda vigente no SUS14)(24)(5.

CONCLUSÃO

A partir dos dados obtidos na revisão, identifica-se a existência de fragilidades na atenção à saúde do idoso na APS que impactam diretamente na qualidade do cuidado oferecida e percebida pela pessoa idosa. Foram identificados aspectos que envolvem ausência de treinamentos, protocolos, insumos, recursos humanos, infraestrutura e de rede intersetorial.

Ademais, ao fazer a associação com os atributos da APS, tem-se o acesso e a integralidade como os mais impactados na oferta de cuidado voltada à pessoa idosa no âmbito da APS. Paralelo a isso, foram identificados como aspectos positivos a efetivação do modelo de ESF como aspecto importante para a atenção à saúde do idoso na APS, além da atuação ativa do ACS no território, bem como a necessidade de valorização e participação do idoso nas discussões acerca do seu acompanhamento e tratamento.

Assim, esta revisão sugere a necessidade de pesquisas futuras no sentido de melhorar a compreensão acerca dos fatores associados à qualidade da atenção à saúde do idoso na APS, pois apesar dos esforços de qualificação da APS por meio da implantação da caderneta da pessoa idosa, atenção às DCNT, fortalecimento da ESF, oferta de cursos pela Universidade Aberta do SUS (UNASUS) e fóruns de educação permanente, não tem sido suficientes ou não é aplicado de forma abrangente aos profissionais da assistência direta. Esses desafios se tornam ainda maiores com a Emenda Constitucional n.º 95, que limitou por 20 anos os gastos públicos e com a dificuldade de operacionalizar a PNSPI na última década. Faltam ações de promoção do envelhecimento saudável amplas e mobilizadoras, bem como o uso de dispositivos técnicos e relacionais voltados ao território e à pessoa idosa.

Portanto, é necessária uma visão mais ampliada e abrangente sobre o processo de envelhecimento, bem como o engajamento dos profissionais ao tema, haja vista que o envelhecimento é uma realidade crescente na APS e que será cada vez maior nas próximas décadas.

No que se refere às limitações do estudo acredita-se que estejam relacionadas à utilização de uma única base de dados internacional, fato que pode ter limitado a ampliação da oferta de artigos científicos em outros idiomas que não o português.

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Recebido: 18 de Setembro de 2020; Aceito: 13 de Janeiro de 2021

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