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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.21 no.66 Murcia Abr. 2022  Epub 02-Maio-2022

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.487441 

Originais

Avaliação da qualidade da assistência ao parto normal hospitalar por meio do índice de Bologna

Maria Clara Paiva Nóbrega1  , Magdielle Idaline da Silva1  , Geyslane Pereira Melo de Albuquerque2  , José Flávio de Lima Castro3  , Waglânia de Mendonça Faustino1  , Viviane Rolim de Holanda1 

1 Universidad Federal de Paraíba . João Pessoa, Paraíba, Brasil. maria_clara_paiva@hotmail.com

2 Universidad de Pernambuco , Programa de Posgraduación en Obstetricia de la Facultad Santíssima Trindade, Recife, Pernambuco, Brasil

3 Universidad Federal de Pernambuco , Centro Académico de Vitória, Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil.

RESUMO:

Objetivo:

Avaliar a qualidade da assistência ao parto normal hospitalar por meio do índice de Bologna.

Método:

Estudo observacional, de corte transversal e delineamento quantitativo realizado em um serviço de referência na atenção obstétrica, na região Nordeste/Brasil. Utilizou-se formulário com base nos indicadores de qualidade do índice de Bologna e diretrizes de assistência ao parto normal e puerpério. Analisaram-se os dados por meio da estatística descritiva e inferencial. Para análise do Índice de Bologna atribuiu-se 1 ponto para cada variável cumprida e após avaliação de cada item, classificou-se a assistência a partir do seguinte somatório: “0” para menor qualidade, “1 a 4” qualidade intermediária e “5” a maior qualidade da assistência.

Resultados:

Verificou-se média de 3,44 no índice de Bologna, correpondendo a assistência de qualidade intermediária. Dentre as cinco variáveis que compõem o índice de Bologna, os percentuais mais altos foram referentes ao uso do partograma (85,4%), presença de acompanhante no momento do parto (94,5%) e contato pele a pele entre mãe e filho na primeira hora de vida (98,1%). No entanto, houve um percentual reduzido quanto ao uso de posições não supinas (9,1%) e ausência de estímulos no primeiro período clínico do parto (56,3%).

Conclusão:

Houve avanço na qualidade do cuidado ao parto hospitalar, mas é preciso disponibilizar informações para o empoderamento das mulheres, maior adesão dos profissionais às boas práticas obstétricas e inserção do enfermeiro na assistência obstétrica de risco habitual.

Palavras-chave: Avaliação em saúde; Enfermagem; Indicadores de qualidade em saúde; Métodos de avaliação; Parto humanizado

INTRODUÇÃO

No Brasil, as práticas de humanização no parto normal visam melhorar o acesso à assistência por meio da utilização de protocolos e monitoramento de indicadores de qualidade1. Além disso, a assistência ao parto, em âmbito hospitalar, apresenta novas habilidades e práticas com o objetivo de reduzir os riscos, de modo a reordenar o modelo obstétrico de medicalização existente2.

A humanização do parto apresentou para o campo da obstetrícia a discussão sobre o empoderamento e a autonomia da mulher, tornando-a protagonista com vistas à redução da medicalização do corpo feminino durante o trabalho de parto e parto. Inserem-se, nessa perspectiva, as boas práticas de assistência obstétrica e neonatal como uma garantia dos benefícios oferecidos, ressaltando a participação feminina, sendo a mesma conhecedora de suas possibilidades durante todo o processo de parto3.

Do ponto de vista fisiológico, espera-se que a gravidez e o parto cursem sem complicações para a mãe e o seu concepto. No entanto, podem ocorrer algumas intercorrências decorrentes de patologias maternas pré-existentes, modificações e adaptações do organismo gravídico não adequadas, que podem ameaçar o binômio. Além disso, o momento de parir possui um significado marcante na vida da mulher e da sua família, pois consiste em um acontecimento natural, que necessita de respeito em virtude das alterações ocorridas, tanto no corpo como no psicológico feminino4.

No Brasil, a prevalência das boas práticas obstétricas ainda é baixa, o que contribui para o aumento dos riscos maternos e perinatais5. Em 2011, o Ministério da Saúde (MS) lançou o programa Rede Cegonha para consolidar o modelo de assistência humanizada no processo do parto e nascimento, bem como estimular a melhoria da qualidade da atenção durante o ciclo gravídico-puerperal. Esse programa engloba uma rede de cuidados que assegura às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e a ação humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e às crianças o direito ao nascimento seguro6,3.

Para algumas mulheres, em especial as gestantes de alto risco, os centros hospitalares que contém maternidades são considerados locais seguros para parir por apresentar tecnologias e uma assistência multiprofissional7. De fato, o avanço no campo da obstetrícia contribuiu para melhoria dos indicadores de morbimortalidade materna e perinatais, em contrapartida expôs as mulheres e seus conceptos a altas taxas de intervenções, como episiotomia, cesarianas sem indicações, ocitócitos de rotina, entre outras, que, na maioria das vezes, geram experiências negativas ou desfechos maternos e/ou neonatais desfavoráveis, por isso é imprescindível avaliar o processo de assistência obstétrica para garantia de uma assistencia segura e humanizada3.

De tal modo, avaliar a qualidade da assistência é fundamental para qualquer programa de atenção à saúde, pois favorece o aperfeiçoamento do processo, identificando possíveis acertos e erros. Embora não existam indicadores padronizados para avaliar a qualidade da assistência materna e neonatal, alguns são sugeridos por órgãos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), que auxiliam no processo de melhoria da qualidade do parto e nascimento seguro, crescimento e desenvolvimento saudáveis8.

Nesse contexto, o índice de Bologna consiste em um instrumento de avaliação da qualidade da assistência ao parto, abordando-o como um evento fisiológico. Este índicetem por finalidade indicar a qualidade na condução do parto normal em instituições obstétricas, destacando a presença do acompanhante, uso de partograma, ausência de estimulação do trabalho de parto, como o uso de ocitocina, fórcipe, manobra de Kristeller, entre outras variáveis9,8.

O estudo sobre a avaliação das boas práticas no processo de assistência ao parto normal hospitalar está apoiado na necessidade de identificar as inadequações e discutir sobre um cuidado de qualidade e seguro. Com isso, vale ressaltar a importância da utilização dos indicadores de qualidade, em especial o índice de Bologna, na avaliação da assistência oferecida durante todo o processo parturitivo, como um diagnóstico da assistência prestada e incentivo a reflexão sobre a prática obstétrica atual visando aperfeiçoamento e adoção das boas práticas de cuidado obstétrico e neonatal. Destaca-se que o índice de Bologna é um instrumento utilizado tanto nacional como internacionalmente, como sugestão da Organização Mundial da Saúde (OMS)8.

Com base no exposto, o presente estudo objetivou avaliar a qualidade da assistência ao parto normal hospitalar por meio do índice de Bologna.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, de corte transversal e delineamento quantitativo realizado em um serviço de referência na atenção obstétrica, na capital paraibana, região Nordeste/Brasil.

A amostra foi por conveniência e composta por todas as pacientes elegíveis durante o período de coleta de dados que ocorreu entre novembro de 2019 e março de 2020, totalizando uma amostra de 55 puérperas.

Para tanto, foram incluídas mulheres de qualquer faixa etária, de gestação de risco habitual, cujo parto vaginal, espontâneo ou induzido, ocorreu na maternidade, entre 37 e 42 semanas de gestação, com feto único e que, no pós-parto, encontravam-se, com até 48 horas, no alojamento conjunto.

Excluíram-se da amostra puérperas que apresentaram natimortos ou óbito neonatal; mulheres que possuiam alguma limitação cognitiva e mental, previamente diagnosticada, que dificultasse a compreensão e expressão verbal, impossibilitando sua participação; e puérperas adolescentes sem responsáveis legais no momento da entrevista.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas realizadas face a face com as puérperas durante a internação no alojamento conjunto da maternidade e informações complementares no prontuário da puérpera e do recém- nascido.

Para tal, construiu-se um formulário contendo perguntas sobre as características sociodemográficas da mulher, seus antecedentes obstétricos e dados relativos ao trabalho de parto, parto e pós-parto. O formulário ancorou-se em indicadores contidos no guia ‘Assistência ao parto normal: um guia prático’; Diretrizes do programa Rede Cegonha (RC); Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal; ‘Recomendações para uma experiência positiva de parto’; e no Índice de Bologna10)(6)(11)(12.

Posteriormente, o formulário de coleta de dados foi avaliado por três especialistas na área de saúde da mulher para adequação dos itens. Em seguida, realizou-se um teste piloto com cinco puérperas para verificar a aceitabilidade, clareza e entendimento da linguagem do instrumento. Verificou-se necessidade de novos ajustes e desprezou-se da amostra estatística. Um segundo teste piloto comprovou a qualidade e aceitabilidade do formulário de coleta.

As variáveis do Índice de Bologna utilizados foram a presença de acompanhante no parto; uso do partograma; ausência de estimulação do trabalho de parto (uso de ocitocina, fórcipe, manobra de Kristeller); parto na posição não supina e contato pele a pele entre mãe e filho, pelo menos 30 minutos, na primeira hora8.

Os dados foram tabulados no Excel e analisados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 26.0. Utilizou-se estatística descritiva (medidas de tendência central, frequência absoluta e relativa) e inferencial (Teste Qui-quadrado de Pearson ou Teste Exato de Fisher). O Teste Exato de Fisher foi utilizado nos casos em que o número de caselas com frequência inferior a 5 foi maior que 20%.

Realizou-se também o Teste Qui-quadrado de Proporção para avaliar a distribuição das variáveis, a fim de identificar as divergências entre as frequências observadas e esperadas naquela população. Para todas as análises, utilizou-se nível de significância o valor de 5% (p-valor<0,05).

Para análise do Índice de Bologna, atribuiu-se um ponto para cada variável, caso tenha sido cumprida. Após avaliação da assistência, o valor do somatório “0” é considerado como menor qualidade, de “1 a 4” qualidade intermediária e “5” maior qualidade da assistência.

Este estudo obteve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com o parecer nº 3.958.607/2020 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº94050318.6.0000.5208.

RESULTADOS

No que concerne às características sociodemográficas, verificou-se média de idade de 25 anos (DP ±6,56), a maioria das mulheres residia com companheiro/a (36; 65,5%), autodeclarou-se pardas (37; 37,3%), tinha atividade remunerada (28; 50,9%), possuia renda mensal de 1 a 3 salários mínimos (46; 83,6%) e tinha concluído o ensino médio (26; 47%), conforme apresenta a Tabela 1.

Tabela 1.  Distribuição sociodemográfica das puérperas (n=55). Joao Pessoa, PB, Brasil, 2021. 

Nota: *Salário mínimo na época da coleta dos dados: R$1.045,00 - **Teste Qui-quadrado de Proporção.

Quanto aos dados obstétricos, observou-se média da idade gestacional de 39 semanas (DP ± 1,56) e 1,93 cm de dilatação (DP ± 0,89) no momento da admissão na maternidade. A maioria das mulheres foram internadas para o parto normal com menos de 6 cm de dilatação cervical (63,6%). Dentre as participantes do estudo, apenas 3 elaboraram e entregaram o plano de parto (5,5%). Observou-se incentivo à amamentação em sala de parto (42; 76,4%). Os partos de baixo risco obstétricos foram assistidos por médicos (33; 60%) e por enfermeiras (22; 40%). O perfil obstétrico das puérperas e dados dos recém-nascidos encontram-se descritos na Tabela 2.

Tabela 2.  Perfil obstétrico das puérperas e dados dos recém-nascidos (n=55). Joao Pessoa, PB, Brasil, 2021. 

*Teste Qui-quadrado de Proporção

Dentre as entrevistadas, 26 eram primíparas e 47 tiveram partos espontâneos. A média de idas para a maternidade em busca da admissão foi de 2,71 (DP ± 0,10) e a média de toques vaginais realizados entre o momento de admissão e o nascimento foi de 2,60 (DP ± 0,09), realizado em sua maioria pelo profissional médico (46; 83,6%). Na maioria dos nascimentos, os récem-nascidos obtiveram apgar maior que 7 no primeiro minuto de vida (49; 89%).

Quanto à avalição da assistência obstétrica pelo índice de Bologna, observou-se média geral de 3,44, classificando o serviço com qualidade intermediária. Dentre as cinco variáveis que compõem o índice de Bologna, os percentuais mais altos foram referentes ao uso do partograma (85,4%), presença de acompanhante no momento do parto (94,5%) e contato pele a pele entre mãe e filho, pelo menos 30 minutos, na primeira hora de vida (98,1%). Em relação a práticas não recomendadas de assistência obstétrica, verificou-se uso de ocitocina (27,2%) durante a primeira fase do trabalho de parto e realização da manobra de kristeller (9%) no momento de nascimento (Tabela 3).

Tabela 3.  Variáveis do índice de Bologna no serviço de atenção ao parto e nascimento (n=55). João Pessoa, PB, Brasil, 2021. 

Dentre os tipos de posições para o parto normal, a mais frequente foi a posição litotômica (50; 90,9%). No entanto, verificou-se uma influência da posição horizontal sobre a qualidade intermediária obtida a partir do índice de Bologna, conforme apresenta a Tabela 4.

Tabela 4.  Associação entre o índice de Bologna e as variáveis sociodemográficas e obstétricas das puérperas (n=55). Joao Pessoa, PB, Brasil, 2021. 

*Teste Exato de Fisher; **Teste Qui-quadrado de Pearson.

DISCUSSÃO

A avaliação da assistência oferecida ao parto e pós-parto hospitalar com base nos indicadores de qualidade é fundamental para a melhoria da atenção obstétrica e maior satisfação com a experiência do parto normal. De acordo com essa proposta, a avaliação da qualidade assistencial torna-se contínua e não baseada apenas nas consequências de algum erro do processo1,13.

Vale salientar que o índice de Bologna engloba variáveis que agregam os aspectos associados aos procedimentos do cuidado ao parto, sendo um indicador quatitativo, acessível e de fácil aplicação e que tem por objetivo avaliar a qualidade da assistência ao parto normal8.

No Brasil, a assistência obstétrica de qualidade intermediária, obtida pelo índice de Bologna, também foi encontrada nos estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco9,8. E observou-se um perfil sociodemográfico semelhante a outras pesquisas brasileiras realizadas com puérperas em maternidades públicas14,15.

Por outro lado, uma pesquisa realizada em Porto Alegre apontou que a qualidade da assistência hospitalar ao parto não é satisfatória quando comparada a outros países do mundo que obtiveram coeficientes menores de mortalidade neonatal e maior adesão a boas práticas obstétricas. Essa afirmação pode está associada à manutenção das práticas inadequadas e prejudiciais realizadas em ambiente obstétrico hospitalar no Brasil14.

Percebe-se que este fato impacta, diretamente, na assistência oferecida e reforça a passividade feminina em detrimento da hegemonia do protagonismo dos profissionais de saúde ao longo do processo fisiológico, visto que são poucas as mulheres que elaboram planos de parto e possivelmente, dialogam com a equipe sobre a realização de intervenções durante o momento parturitivo8.

Salienta-se a necessidade de orientação e maior estímulo às boas práticas obstétricas de modo a abordar o respeito à fisiologia do parto. Além do incentivo das posições verticais a partir do encorajamento da mulher frente às possibilidades e a livre escolha da posição, a não utilização da manobra de kristeller, maior conscientização sobre a importância e os benefícios do uso do partograma, o respeito à presença de acompanhante no parto e o estímulo à hora dourada para fortalecer o vínculo e os benefícios para a saúde materna e neonatal8)(13)(15.

O uso de posições não supinas está associado ao controle e redução da dor e faz com que as contrações uterinas sejam mais eficientes. Ressalta-se que essa prática pertence à categoria A de classificação da OMS8. No entanto, registrou-se uma frequência considerável de mulheres que pariram na posição horizontal e com isso houve a contribuição para a redução de pontos no índice de Bologna.

Em Porto Alegre, verificou-se que as posições verticais no período expulsivo foram predominantes nos partos assistidos por enfermeiras obstétricas como estratégia que auxilia na redução da duração do segundo estágio do trabalho de parto, risco de cesariana, necessidade de analgesia epidural, entre outras vantagens. Sendo assim, ressalta-se que as mulheres devem ser informadas acerca dos benefícios relacionados à posição vertical e incentivadas a assumir aquela que melhor se adapte às suas necessidades, a fim de favorecer o curso natural do parto16.

Nos resultados, observou-se um percentual relevante quanto ao não uso de estimulantes do parto. Entretanto, ainda constatou-se o uso de ocitocina durante o primeiro período clínico bem como a realização da manobra de kirsteller, procedimentos que são contrários à fisiologia do parto normal.

No Brasil, a utilização da ocitocina sintética está associada ao crescimento da hospitalização do parto normal, à Figura do médico obstetra como principal responsável pelo processo de parturição, a alta medicalização do corpo feminino e a outras intervenções obstétricas, como a episiotomia, uso da posição horizontal e a manobra de Kristeller, procedimento proibido atualmente17. Um estudo transversal realizado na Suécia demonstrou um percentual de 46% no uso de ocitocina sintética na primeira fase do parto, relacionando-o com experiências negativas vivenciadas por mulheres durante o parto18.

A ocitocina sintética é útilizada em diversas maternidades brasileiras, de forma rotineira, com a finalidade de aumentar e acelerar as contrações, o que interfere diretamente no parto natural19. Já a manobra de Kristeller, além de ser reconhecidamente danosa à saúde materna e neonatal é, também, ineficaz durante o parto, que deve prosseguir com o mínimo de intervenções possíveis, conforme recomendam as evidências científicas20.

Soma-se a isso a recomendação da OMS de evitar a admissão precoce com dilatação cervical menor do que quatro centímetros por propiciar a realização de intervenções desnecessárias, associado ao prolongamento do período de internação da parturiente em ambiente hospitalar12.

Quanto ao uso de partograma, reconhece-se que esta ferramenta colabora para o acompanhamento preciso do trabalho de parto, desvios do bem-estar materno e fetal e da evolução do parto21. Esses registros auxiliam a equipe na realização das intervenções indispensáveis às necessidades clínicas da mãe e do feto, a fim de reduzir o risco de mortalidade materno-fetal22. Um estudo descritivo exploratório de delineamento transversal realizado no Acre mostrou o uso do partograma em 53,5% dos prontuáros analisados23.

Nessa perspectiva, é fundamental a sensibilização da equipe para o preenchimento adequado e contínuo do partograma, bem como a sua total compreensão. Para isso, é essencial que cada profissional, responsável pela assistência obstétrica, reconheça a importância desse instrumento, de modo a priorizar o seu uso, mesmo diante de um cenário desfavorável, pois os registros inadequados ou o não uso desse instrumento podem favorecer o aumento do número de cesarianas24.

Na presente pesquisa, percebeu-se um expressivo respeito à presença de acompanhante no parto, que está associada diretamente à garantia da lei e a uma assistência respeitosa, acolhedora e qualificada. Sendo assim, a experiência sensível do parto remete a um tipo de comunhão familiar desejada, pois a companhia de alguém que partilha a emoção de dar à luz é um vínculo com o contexto familiar e íntimo vivido antes do hospital, o que ajuda a situar o parto como história de vida25.

A presença de um acompanhante, conforme a preferência da mulher, durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato foi regulamentada no Brasil a partir da Lei nº 11.108, de 7 de abril de 200526. Tal medida foi reafirmada por meio da Portaria GM/MS nº 1.459, de 24 de junho de 2011, que institui o programa Rede Cegonha, com o objetivo de garantir a segurança e o acolhimento no parto e nascimento às mulheres e seus recém-nascidos, mediante a presença de acompanhante6.

Na variação do índice de Bologna, avalia-se, também, o contato pele a pele imediato e contínuo entre mãe e filho na primeira hora após o parto, e esse tem como propósito melhorar o período de adaptação do récem-nascido e da mãe na transição do espaço intra para o extrauterino e proporcionar um maior vínculo entre o binômio. Em umestudo retrospectivo e documental, de abordagem quantitativa realizado em uma maternidade do estado de Alagoas, observou-se um percentual de 79,17% no cumprimento da variável contato pele a pele imediato, o que demonstra uma adesão a essa prática de humanização no parto normal21. Em acréscimo, um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, desenvolvido no estado de Pernambuco expressou que os enfermeiros demonstraram um conhecimento científico adequado sobre esta prática bem como sobre outras ações de humanização realizadas na sala de parto27.

Durante o cuidado ao parto normal de risco habitual, a atuação da enfermeira obstétrica pode assegurar à mulher o sentimento de apoio, sensação de tranquilidade e confiança no cenário de parto. Essa relação de confiança mútua entre a enfermeira e a parturiente favorece o seu bem-estar e cria vínculo a partir da interação e da capacidade de escuta, para tornar essas relações mais horizontais e terapêuticas15.

Um estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa realizado em Salvador revelou que as mulheres entrevistadas relataram satisfação com a assistência de enfermagem, associando-a com a atenção no atendimento recebido, no tratamento conforme as necessidades individuais e subjetivas, no ficar ao lado e no recebimento de palavras de incentivo durante o processo de parto normal28.

Importa inferir que o modelo de atenção proposto pelo programa Rede Cegonha sugere a garantia das boas práticas e segurança na assistência ao parto e nascimento, incluindo a participação da enfermagem obstétrica na atenção ao parto de risco habitual, fomentando o seu protagonismo no cuidado e na autonomia de agir em equipe29.Entretanto, nas maternidades brasileiras, ainda há uma forte influência do profissional médico como responsável pelo processo parturitivo de risco habitual30.

Por fim, observa-se que o plano de cuidado humanizado quando presente no processo gravídico-puerperal favorece a troca de informações entre profissionais de saúde e mulheres, como um meio de garantir o conhecimento quanto aos direitos legais bem como empoderamento sobre a fisiologia do parto normal. Além disso, esse conhecimento favorece a autonomia da mulher no parto, tornando-a protagonista durante a gestação, parto e puerpério7.

CONCLUSÃO

A assistência ao parto normal hospitalar foi classificada como de qualidade intermediária, pelo índice de Bologna, com expressão relevante acerca do contato pele a pele entre mãe e filho, presença de acompanhante no parto e o uso de partograma. Diante dos resultados observados, no presente estudo, percebe-se que houve avanço na qualidade do cuidado ao parto hospitalar, mas faz-se necessário ampliar as informações para as mulheres, o que corrobora para a autonomia e escolhas seguras a partir do incentivo ao plano de parto, além da maior adesão dos profissionais às boas práticas obstétricas e inserção do enfermeiro na assistência obstétrica de risco habitual.

Os dados desta pesquisa têm potencial de contribuir para o aperfeiçoamento da assistência ao parto e nascimento e para discussão de variáveis que estimulam a qualidade da atenção obstétrica, a fim de despertar a continuidade na adesão às boas práticas nos serviços públicos de saúde.

No tocante às limitações do estudo, destaca-se o fato de as entrevistas terem se realizado dentro das 48 horas pós-parto, durante a internação da puérpera. Essa condição pode gerar viés de cortesia para a coleta de dados e assim, influenciar as respostas sobre as práticas de atenção ao parto. Além disso, outra limitação refere-se ao fato do índice de Bologna não contemplar variáveis qualitativasque podem ser fundamentais para se obter uma percepção ampliada da qualidade do cuidar obstétrico.

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Recebido: 23 de Julho de 2021; Aceito: 24 de Dezembro de 2021

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