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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.21 n.68 Murcia Oct. 2022  Epub Nov 28, 2022

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.508511 

Originais

Autocuidado de usuários com doenças crônicas na atenção primária à luz da teoria de Orem

Eloísa Araújo-de Carvalho1  , Tarcísio Tércio-das Neves Júnior1  , Isadora Lorenna Alves-Nogueira1  , Carlos Jordão de Assis-Silva1  , Ana Angélica Rêgo-de Queiroz1  , Rejane Maria Paiva-de Menezes1 

1Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Rio Grande do Norte, RN, Brasil.

RESUMO:

Introdução:

As doenças crônicas não transmissíveis são consideradas as principais causas de morte e de incapacidades, tanto em nível nacional quanto mundial. Elas possuem causas multifatoriais, e as principais delas são as doenças cardiovasculares, os acidentes cerebrovasculares, as doenças respiratórias crônicas, diabetes mellitus e neoplasias.

Objetivo:

Descrever o autocuidado de usuários com doenças crônicas não transmissíveis na Atenção Primária à Saúde, à luz da Teoria do Autocuidado de Orem.

Método:

Estudo transversal, descritivo e exploratório, realizado em área adscrita de uma Unidade de Saúde da Família, no município de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. A amostra não probabilística e intencional contou com 80 usuários em condições crônicas de saúde. Os dados foram coletados entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019, por meio de entrevista estruturada e por meio de uso de formulário validado para a análise do autocuidado em adultos. Os resultados, apresentados em frequências absolutas e relativas, possuem intervalo de confiança de 95%.

Resultados:

Dentre as variáveis sociodemográficas, identificou-se que 70% dos usuários têm ensino fundamental e que 85% apresentam doenças cardiovasculares. Quanto ao autocuidado, todos os usuários eram independentes para realizar higiene corporal e para controlar as eliminações vesicais e intestinais. 98,8% eram independentes para vestir-se; 96,3%, para deambular; 87,5%, para mastigar e deglutir; e 83,8%, para preparar os alimentos.

Conclusão:

A independência para as atividades de vida diária e de autocuidado foram características presentes entre os participantes. Tal independência é considerada importante na Teoria do Autocuidado.

Palavras-chave: Doença crônica; Atenção Primária à Saúde; Autocuidado; Enfermagem

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são consideradas as principais causas de morte e incapacidades, tanto em nível nacional quanto mundial. No Brasil, elas representam um desafio para a saúde pública e correspondem a 72% das causas de mortes1-2. Em nível mundial, dados do relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre DCNT mostram que elas são responsáveis pelas principais causas de óbitos e estima-se que são responsáveis por 41 milhões de mortes anuais, as quais representam 71% de todas as mortes no mundo3.

As DCNT possuem causas multifatoriais e apresentam um curso mais ou menos longo ou permanente. Tais causas podem derivar de fatores individuais ou sociais. As principais DCNT são as doenças cardiovasculares, os acidentes cerebrovasculares, as doenças respiratórias crônicas, diabetes mellitus (DM) e neoplasias. Todas elas possuem em comum fatores de risco modificáveis, como o tabaco, a alimentação não saudável, uso nocivo do álcool e a inatividade física4.

Em resultados de estudo semelhante, tais fatores são relacionados aos processos de globalização e de urbanização acelerados, uma vez que os hábitos de vida da população têm se modificado. Isso acontece porque as pessoas optam cada vez mais por um estilo de vida sedentário, associado ao consumo de alimentos industrializados, bem como o uso nocivo de tabaco e de álcool, induzindo-os a uma secundarização do autocuidado5.

Observa-se que o estilo de vida das pessoas associado ao desenvolvimento de alguma DCNT pode afetar a sua qualidade de vida e desencadear limitações consideráveis aos indivíduos, pois estas demandam tratamento complexo e exige da pessoa acometida adesão a comportamentos de autocuidado, como cuidados com a alimentação e prática de atividade física6.

O autocuidado em relação a doenças crônicas é a soma de cuidados de duas ordens: individual e de enfermagem. Para que resultados sejam satisfatórios, as pessoas acometidas pelas DCNT precisam entendê-las, a fim de saberem lidar com o tratamento recomendado, com os ajustamentos emocionais e com as readaptações interpessoais nas suas atividades básicas de vida diária e instrumentais. Nesse sentido, a enfermagem atua por meio de ações de educação destinadas à pessoa e à família, de modo a assumirem responsabilidades pelas suas necessidades individuais de cuidados em saúde, com potencial para promover a autonomia dessas pessoas7.

Sendo assim, entende-se ser relevante a compreensão sobre a essência do autocuidado na prevenção e no tratamento das DCNT. Nessa perspectiva, adotou-se, para este estudo, a Teoria Geral de Orem: Teoria de Enfermagem do Déficit de Autocuidado como referencial para discutir os resultados alcançados. Trata-se de uma teoria abrangente, que envolve conceitos centrais e inter-relacionados ao autocuidado8. Além disso, ela possui relevância significativa na área de Enfermagem e é considerada uma referência para conduzir práticas assistenciais, podendo ser utilizada como instrumento do cuidar, além de ter validade para responder às necessidades do indivíduo acometido com alguma doença crônica9.

A Teoria de Enfermagem do Déficit de Autocuidado foi descrita, a princípio, em termos de suas funções, como uma teoria geral de enfermagem, constituída por outras três: i. Teoria do Autocuidado, a qual refere-se à realização do autocuidado em si, além de explicar e justificar a necessidade do autocuidado para a saúde; ii. a Teoria do Déficit de Autocuidado, que consiste em explicar quando e por que a enfermagem torna-se necessária e importante à pessoa em relação ao processo cuidativo; iii. a Teoria dos Sistemas de Enfermagem, a qual se refere à pessoa em situação de déficit de autocuidado, de modo que, para compensá-lo, necessita-se do cuidado de enfermagem9.

A Teoria de Orem8 esclarece o significado de autocuidado como sendo a prática de ações realizadas que geram contribuições e benefícios para o aperfeiçoamento e amadurecimento das pessoas que as realizam e as desenvolvem, dentro de momentos específicos, tendo como objetivo a preservação da vida e o bem-estar pessoal. Essa teoria também reitera que o autocuidado é uma atividade humana desempenhada intencionalmente pelas próprias pessoas ou por alguém que as executa por elas, com o intuito de manter a vida, a saúde e, portanto, o bem-estar.

Além disso, considera-se tal teoria um alicerce para o entendimento das condições e das limitações das pessoas no desenvolvimento das ações de autocuidado que podem se beneficiar com a enfermagem10.

O contexto de atenção à saúde das pessoas acometidas pelas DCNT requer um conjunto de fatores que integram o sistema de atenção à saúde, os profissionais de saúde e as pessoas usuárias, na tentativa de ter o controle efetivo, eficiente e de qualidade dessas doenças. Isso acontece porque os impactos gerados pelas incapacidades e pelas limitações exigem mudanças que necessitam de gastos com a doença e com serviços4-11.

Com o intuito de minimizar a prevalência das DCNT, o Brasil12 instituiu um plano de ação que tem como foco definir e priorizar as ações e os investimentos necessários à preparação do país para enfrentar e deter as DCNT nos próximos dez anos. Nesse plano, a atenção básica em saúde é compreendida como parte importante da realização das ações em saúde, incluindo assistência e acompanhamento longitudinal dos usuários com essas doenças.

Nesse âmbito, o profissional enfermeiro que atua no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS) destaca-se por estar à frente do desenvolvimento de ações e práticas de educação, promoção à saúde e prevenção das doenças/agravos da comunidade13. Tais características são fundamentais para a implementação do cuidado à saúde das pessoas com DCNT, tendo em vista que as ações de promoção à saúde fornecem um olhar não apenas sobre a doença, mas, acima de tudo, sobre a condição de vida das pessoas, bem como das famílias.

Desse modo, as DCNT são uns dos principais desafios de saúde e de desenvolvimento do século XXI, pois tais doenças contribuem para o aumento da incidência, prevalência e mortalidade da população acometida tanto no Brasil, quanto em outros países, identificando-se, assim, a necessidade de reforço nas ações de enfrentamento em saúde, bem como dos serviços ofertados pela APS14, com ênfase no autocuidado.

Porém, alguns desafios referentes à garantia do atendimento ao princípio da integralidade, orientação familiar satisfatória e acessibilidade persistem, o que implica necessidades de melhorias, principalmente relacionadas ao desenvolvimento e à execução de ações ampliadas para além dos agravos e das doenças15.

Diante dessa problemática, tem-se por objetivo, neste estudo, descrever o autocuidado dos usuários com doenças crônicas não transmissíveis atendidos em uma Unidade de Saúde da Família no município de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, no período de janeiro de 2018 ao mês de dezembro de 2019, à luz da Teoria do Autocuidado de Orem.

MATERIAL E MÉTODO

Esta pesquisa trata-se de um estudo transversal, de caráter descritivo e exploratório com abordagem quantitativa. O estudo foi realizado em área adscrita a uma Unidade de Saúde da Família, pertencente ao Distrito Sanitário Oeste no município de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.

A escolha desse local deu-se pelo fato de ser um bairro de região periurbana, com alto índice populacional (em torno de 110 mil habitantes e 44 anos de existência), caracterizada por alguns fatores, como níveis de escolaridade e renda baixos, com a maioria das pessoas em fase reprodutiva de trabalho.

A amostra não probabilística é do tipo intencional e composta por 80 participantes. Apresenta como critérios de inclusão: indivíduos acometidos por DCNT cadastrados na Unidade Básica de Saúde, maiores de 18 anos, com funções físicas e cognitivas mantidas e adequadas à participação de uma entrevista; como critério de exclusão, tem-se os usuários cadastrados na unidade que não apresentaram nenhuma condição ou doença crônica. O estudo apresenta a seguinte questão de pesquisa: “quais medidas de autocuidado são realizadas pelos usuários com DCNT na Atenção Primária à Saúdé”.

O arrolamento dos sujeitos ocorreu na sala de espera da Unidade de Saúde, enquanto aguardavam atendimento, com apoio dos profissionais de saúde do horário. A priori, todos os usuários com DCNT eram convidados. Os voluntários e os que atenderam aos critérios citados participaram da entrevista.

O período de coleta ocorreu entre os meses de janeiro de 2018 e dezembro de 2019, sempre às sextas feiras, dia disponibilizado pela Unidade de Saúde. Utilizou-se a entrevista estruturada e o uso de formulário validado por Santos16, contendo questões fechadas e abertas sobre informações sociodemográficas e dos fatores relacionados à saúde e aos aspectos do autocuidado para as DCNT. Ressalta-se, ainda, que é um formulário fundamentado no modelo de autocuidado para as condições crônicas (MACC), adaptado no Brasil por Mendes17, para o acompanhamento de usuários com DCNT na atenção primária de saúde.

Para a análise dos resultados, fez-se uso do referencial da Teoria do Autocuidado de Orem18. A propósito da Teoria do Autocuidado, segue a apresentação de um diagrama com os conceitos que compreendem a teoria, os quais possibilitaram a interpretação dos resultados da presente pesquisa.

Fonte: autoria própria (2021), com base na teoria de Orem

Figura 1: Síntese dos conceitos que envolvem a teoria do autocuidado. 

O Quadro 1 apresenta os fatores constituintes e propostos pela Teoria do Autocuidado, bem como sua associação às variáveis utilizadas. É possível identificar a relação desses conceitos com alguns dos resultados alcançados neste estudo.

Quadro 1. Associação dos conceitos que compõem a Teoria do Autocuidado com as variáveis de autocuidado utilizadas no formulário para coleta de dados. Natal, 2021. 

Fonte: autoria própria (2021), com base na teoria de Orem8.

Para a identificação do perfil de autocuidado dos sujeitos, os dados coletados foram tabulados e organizados no Microsoft Excel e analisados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20.0, por meio da estatística descritiva, com apresentação de frequências relativas, absolutas e intervalos de confiança de 95%, apresentados por meio de tabelas.

A pesquisa seguiu os preceitos éticos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP-UFRN), sob protocolo de nº. 94030518.5.0000.5/2017.

RESULTADOS

A análise das variáveis sociodemográficas demonstrou que a maioria dos usuários autodeclaram-se pardos (53,8%), possuem companheiro (53,8%), são do gênero feminino (87,5%), com religião praticante (62,5%), sem vínculo empregatício (71,25%), com ensino fundamental (70%) e renda maior ou igual a 1 salário mínimo (86,3%). Quanto à morbidade referida, a maioria (85%) possui doenças cardiovasculares, seguida de doenças endócrinas (56,3%), dislipidemias (6,25%) e doenças respiratórias crônicas (3,75%), conforme descrito na tabela 1.

Tabela 1. Caracterização de variáveis sociodemográficas junto a usuários acometidos por doenças crônicas não transmissíveis, na Atenção Primária à Saúde. Natal-RN, 2021. 

>Fonte: autoria própria (2021).

*IC:Intervalo de confiança.

No que concerne às características de autocuidado dos usuários, a maioria dos entrevistados (81,3%) referiram não praticar esportes, não possuírem vícios (cigarro, álcool, drogas, café) (53,8%), não terem dieta apropriada (54,2%), não terem dificuldades na mastigação e na deglutição (90,3%) e serem sem dependência para o preparo dos alimentos (83,8%). A maior parte dos entrevistados também relata receber visita de familiares (72,6%) e de amigos (82,5%), não possuírem vida sexual ativa (58,7%) e sofrerem de ansiedade (61,3%).

Quanto à dependência para higiene corporal, todos eles (100%) afirmaram serem independentes; já com relação à dependência para a higiene oral, 93,8% deles afirmaram serem independentes. No que concerne à dependência para se vestirem, 98,8% informam que não apresentam dependência; para as eliminações vesicais e intestinais, 100% afirmaram serem independentes; com relação à independência para deambulação, 96,3% afirmaram independência; para administrar seus próprios medicamentos, 97,5% o fazem habitualmente. A seguir, são descritos os achados na tabela 2.

Tabela 2. Características de autocuidado dos usuários acometidos por doenças crônicas não transmissíveis. Natal-RN, 2021. 

Fonte: autoria própria (2021).

Sobre a associação das variáveis do autocuidado deste estudo aos conceitos da teoria do autocuidado de Orem8, observou-se semelhança entre o conceito “as ações de autocuidado” com as características de autocuidado “prática de esporte”, “preparo dos alimentos”, “dependência para higiene corporal e oral”, “dependência para vestir-se”, “dependência para eliminações vesicais e intestinais” e “dependência para deambular”. Além disso, notou-se uma relação das características sociodemográficas “gênero” e “escolaridade” com o conceito dos “fatores condicionantes básicos” da teoria.

Em relação aos conceitos “Requisitos universais de autocuidado” e “Exigência terapêutica de autocuidado”, estes foram associados às características “ingerir dieta adequada” e “Recebe visita de familiares e amigos”, conforme apresentado no quadro 1.

DISCUSSÃO

De acordo com o perfil sociodemográfico dos entrevistados obtido, em relação à variável “faixa etária”, os resultados de maior expressão situam-se na faixa de idade entre 18 e 59 anos (48,8%). Em estudo realizado com indivíduos portadores de DM e/ou hipertensão arterial na APS, identificou-se que a maior parte dos entrevistados tinham entre 41 e 81 anos19. Tais resultados divergem dos achados deste estudo e isso pode estar relacionado à diferença entre os índices de idade de ambos os estudos. Segundo as estimativas da OMS20 em 2012, dos 5,1 milhões de mortes causadas pelas DCNT, 2 milhões foram consideradas como mortes prematuras, ou seja, antes de completar 70 anos. Nesse sentido, o estudo necessita de análises mais específicas entre as referidas faixas etárias.

No que se refere à variável “estado civil”, mais da metade dos usuários (53,8%) possuem companheiro/cônjuge. Resultado que corrobora com estudo semelhante, realizado com idosos hipertensos, o qual constatou-se que 54,2% dos participantes eram casados21. Sobre a variável “gênero”, observou-se que a maioria dos participantes são do gênero feminino (87,5%). Resultados próximos, foram encontrados em estudo recente desenvolvido com 100 idosos com DCNT, o qual demonstrou serem a maioria mulheres22. Outra pesquisa, que abordou as ações para o autocuidado apoiado na atenção primária em relação à hipertensão arterial, concluiu que 76,2% dos participantes também eram do gênero feminino23.

Levando-se em consideração esses dados, estima-se que a prevalência do gênero feminino esteja associada ao fato das mulheres serem mais presentes do que os homens nos serviços de saúde, possibilitando ações de prevenção para o diagnóstico e o tratamento de algumas condições de saúde23.

No que tange à variável “escolaridade”, identificou-se que mais da metade dos participantes (70%) possuem ensino fundamental. Semelhante a isso, em estudos atuais23-24, as DCNT foram mais prevalentes no grupo feminino e nos grupos com menor escolaridade. Esse indicador social sugere que o baixo nível de conhecimento prejudica o empoderamento sobre a doença e, consequentemente, sobre a prevenção das DCNT. Os indivíduos com essas doenças precisam entendê-las com o intuito de aderirem ao tratamento recomendado e às demandas das atividades de vida básicas7.

Conforme a teoria de Orem, os fatores condicionantes básicos influenciam na capacidade de autocuidado e, em tais fatores, considera-se o sexo e o nível de escolaridade, dentre os quais este último pode interferir, de maneira positiva ou negativa, nas ações de autocuidado do indivíduo8.

Apesar dos resultados sugerirem um nível de escolaridade baixa dos usuários, a teoria do autocuidado enfatiza que o autocuidado também é compreendido por outros fatores, dentre eles, as experiências e padrões de vida e estado de saúde9.

Quanto à característica "doenças", os resultados apontam que as doenças mais referidas pelos usuários, entre as DCNT, foram as doenças cardiovasculares (85%). Tal resultado corrobora com uma pesquisa recente, a qual analisou as práticas de autocuidado e nível de dependência de idosos para as DCNT25.

De acordo com Malta4, as principais DCNT são as doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, diabetes mellitus (DM) e neoplasias. Dentro da categoria prevalente deste estudo, “doenças cardiovasculares”, está a hipertensão arterial (HAS), a qual, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), é considerada um problema de saúde por serem doenças incidentes e prevalentes na população.

Nesse âmbito e considerando os resultados das variáveis relacionadas ao autocuidado, viu-se que a “prática de esporte” não foi citada por 81,3% dos usuários. A realização de atividade física auxilia tanto na prevenção como no tratamento das DCNT, mostrando-se capaz de diminuir os efeitos prejudiciais que tais doenças provocam26. Outro estudo semelhante, realizado junto a participantes com DCNT para avaliar a participação desses sujeitos em atividade física, verificou que grande parte deles também não praticam exercícios, fator este que aumenta o risco de desenvolvimento de doenças crônicas, incluindo a hipertensão18.

No que se refere à categoria “dependência para o preparo dos alimentos”, os achados apontam que 83,8% dos usuários são independentes para preparar as próprias refeições. Tal resultado se aproxima de um estudo recente, o qual concluiu que 91,1% dos entrevistados referiram não necessitar de ajuda para realizar essa atividade27.

Dessa forma, esses resultados vão ao encontro de um dos conceitos que embasa a teoria do autocuidado: as ações de autocuidado. Conforme já descrito, esse conceito relaciona-se à capacidade da pessoa para desempenhar práticas de cuidados em favor próprio. Assim, levando-se em consideração que a maioria dos usuários demonstraram ser independentes no preparo das refeições, considera-se que estes conseguem desenvolver as ações de autocuidado propostas na teoria9.

Sobre a variável “ingesta adequada da dieta”, 52,5% dos entrevistados indicaram não seguirem uma dieta adequada, conforme orientação da proposta dos requisitos universais da teoria do autocuidado. Nessa teoria, Orem considera que tais requisitos são comuns a todos os seres humanos, destacando que a qualidade da alimentação é um fator contribuinte para o autocuidado e para auxílio na manutenção da saúde e bem-estar8-10. Com isso, entende-se que os usuários deste estudo, mesmo independentes para as atividades de vida diária e, por conseguinte, para o preparo das suas refeições, indicaram não fazer uso de uma alimentação adequada.

Segundo a OMS28, a alteração nos padrões alimentares relaciona-se ao aumento da produção de alimentos processados e à mudança de estilo de vida. Além disso, outro fator que interfere na forma como a população escolhe a alimentação é o nível de escolaridade. Acredita-se que tal escolha possa ser influenciada a partir do conhecimento sobre alimentação e nutrição29. De acordo com resultado deste estudo, 70% dos participantes possuem apenas o ensino fundamental, sugerindo pouco conhecimento sobre saúde por parte deles, o que pode influenciar para uma prática alimentar inadequada.

Quanto aos resultados sobre as variáveis “recebe visita de familiares” e “recebe visita de amigos”, concluiu-se que 72,6% e 82,5% dos usuários, respectivamente, são contemplados com essa atividade de interação social, e tais variáveis são descritas na teoria do autocuidado como um dos requisitos universais. Nesse ponto, Orem julga ser necessário manter o equilíbrio entre o estar só e a interação social, e que essa dinâmica condiciona o bem-estar8)(9.

As características de autocuidado - como capacidade de alimentar-se, vestir-se, manter-se continente, deambular e realizar higiene pessoal - são consideradas atividades básicas de vida diária, a partir das quais são avaliados os comportamentos básicos e habituais de autocuidado30. Frente a isso, as características a seguir estão associadas às que foram citadas. Assim, referente à “Dependência para higiene corporal” e “Dependência para eliminações vesicais e intestinais”, todos os usuários (100%) referiram ser independentes para desempenhar essas atividades de vida diária. Similar a isso, em pesquisa realizada com idosos de uma unidade de saúde, que possuíam DM, verificou-se que 80% e 95% deles também eram independentes para realizar o banho e as eliminações fisiológicas, respectivamente26.

Em relação às variáveis “Dependência para deambular” e “Dependência para vestir-se”, os achados deste estudo evidenciam que quase todos os participantes - 96,3% e 98,8% -, são capazes de transferir-se e vestir-se sem auxílio, respectivamente. Resultados semelhantes indicaram que 94% e 96,3% dos entrevistados relataram ser capazes de vestir-se e deambular, nessa ordem, sem ajuda27.

As ações de autocuidado são condições para as atividades de vida diária; por consequência, a realização dessas ações demonstra a capacidade que a pessoa tem para executá-las e, nesse sentido, prover seu autocuidado, mantendo a qualidade de vida. Dentro das atividades de vida diária, Orem ressalta, também, a capacidade relacionada à eliminação e alimentação, atividade e repouso, equilíbrio entre estar só e ter interação social, bem como a promoção do funcionamento e do desenvolvimento do ser humano dentro dos grupos sociais8)(9.

Dessa forma, entende-se que a teoria do autocuidado descreve a importância do autocuidado e busca entender as condições que afetam sua provisão, verificando-se que os dados analisados apontaram para um autocuidado satisfatório dos usuários. Nesse contexto, ressalta-se ser imprescindível a participação do enfermeiro, como categoria profissional, nas ações de prevenção e de promoção da saúde, bem como na recuperação das pessoas com DCNT7.

Logo, o trabalho do profissional enfermeiro deve despertar nas pessoas a consciência e manutenção para o autocuidado, possibilitando reflexão educativa e compreensão dos sujeitos, principalmente, sobre as causas e as consequências de seu estado de saúde. Portanto, faz-se necessário incentivar a autonomia das pessoas e das comunidades, por meio de ações de promoção à saúde, com o intuito de realizar os cuidados da saúde de forma independente15.

Como limitação deste estudo, cita-se a ausência de análise e discussão dos resultados em uma perspectiva de diferenciação entre o autocuidado em adultos e em idosos, uma vez que a necessidade de cuidados da pessoa idosa apresenta suas particularidades. Nessa perspectiva, sugere-se que estudos busquem investigar essas possíveis diferenças e convergências para melhor compreensão do fenômeno em questão.

CONCLUSÕES

Os participantes deste estudo eram, em sua maioria, independentes para realizar suas atividades de vida diária, demonstrando potencial para o autocuidado. A prática de exercício físico foi a atividade com menor frequência, um dado preocupante, tendo em vista o fato de o sedentarismo ser fator de risco para as DCNT.

Partindo-se da análise sobre o autocuidado dos usuários com DCNT, inferiu-se que a maioria deles são independentes para desempenhar as ações de autocuidado, conforme a teoria do autocuidado de Orem, ou eles apresentam capacidade para desenvolver práticas de autocuidado que incluem as atividades de vida diária, bem como, atendem aos requisitos universais e de desenvolvimento. Além disso, demonstraram sofrer influência dos fatores condicionantes básicos, como escolaridade, propostos por Orem, no que tange às características sociodemográficas, mas que não interferem na capacidade de engajamento nas ações de autocuidado. Desse modo, acredita-se que a teoria de Orem é adequada para orientar o processo de enfermagem no contexto do cuidado às pessoas com doenças crônicas na APS.

Por fim, a teoria do autocuidado de Orem, adotada como plano de fundo deste estudo, apresenta conceitos importantes para o problema de pesquisa investigado, sendo possível afirmar que as variáveis do autocuidado, identificadas pelo estudo, abrangem as definições dos conceitos da teoria, tal qual foram identificáveis, a saber: as ações de autocuidado, fatores condicionantes básicos, exigência terapêutica e requisitos universais de autocuidado.

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Recebido: 25 de Janeiro de 2022; Aceito: 29 de Junho de 2022

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