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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.22 no.70 Murcia abr. 2023  Epub 26-Jun-2023

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.538551 

Originais

Desesperança em mulheres privadas de liberdade e sua correlação com sintomas de depressão e ansiedade

Thainara Cristina Quintela-Cavalcante-dos Santos1  , Gisele Milka Aureliano-Sousa1  , Kydja Milene Souza-Torres-de Araújo2  , Givânya Bezerra-de Melo3 

1Centro Universitário Tiradentes, Maceió, Alagoas. Brasil

2Professora Associado da Universidade de Pernambuco/Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças (UPE/FENSG). Brasil

Docente da Graduação em Enfermagem, Centro Universitário Tiradentes, Maceió, Alagoas, Brasil

RESUMO:

Introdução:

A desesperança é caracterizada como a perspectiva negativa do sujeito quanto ao futuro. Os indivíduos em privação de liberdade estão predispostos ao sofrimento e à perda de esperança. .

Objetivo:

Identificar a prevalência, o nível de desesperança e a correlação com a depressão e ansiedade em mulheres privadas de liberdade.

Materiais e método

Estudo quantitativo e descritivo com corte transversal, realizado em um Estabelecimento Prisional no Brasil, com 77 mulheres por amostragem não probabilística. Foram utilizados na coleta de dados: a) Formulário sociodemográfico; b) Inventário de Beck Depressão (BDI); c) Inventário de Beck Ansiedade (BAI); e d) Inventário de Beck Desesperança (BSH).

Resultados:

Na amostra, 5,2% dos sujeitos apresentaram desesperança com níveis moderado e grave. Maiores médias de desesperança foram percebidas em mulheres que nunca estudaram (7,33), desprovidas de profissão (5,04) bem como de religião (7,14) e que não desenvolviam atividades laborais no período do encarceramento (4,86). Maiores médias de desesperança foram identificas em mulheres que possuíam sintomas de depressão (5,31) e ansiedade (4,63). Houve correlação positiva entre o escore BHS e BDI.

Conclusão:

Houve baixa prevalência de desesperança. Ela esteve associada às condições socioeconômicas desfavoráveis e ao não desenvolvimento de atividades laborais no período de encarceramento. A desesperança se correlacionou à depressão, e as pessoas com sintomas de ansiedade apresentaram maiores níveis de desesperança. Sugere-se a investigação da desesperança entre as pessoas privadas de liberdade na prática clínica bem como a promoção de atividades laborais e educacionais no período de encarceramento para promover a esperança e a saúde mental

Palavras-chave: Ansiedade; Depressão; Desesperança; Esperança; Mulheres; Prisioneiros

INTRODUÇÃO

A esperança pode ser definida como um processo dinâmico e de orientação para o futuro, que atende ao passado e é vivida no presente, implicando diretamente o estabelecimento e alcance de objetivos importantes para a pessoa 1.

A falta de esperança ou desesperança, por sua vez, pode ser entendida a partir da perspectiva negativa do indivíduo acerca do futuro 2. Induzindo-o, dessa forma, a uma percepção negativa em relação à realidade e provocando prejuízos em todos os campos da vida 3. Ela pode apresentar-se como um sintoma isolado, no entanto, frequentemente se associa a outros fatores, tais como estilo emocional, contexto ambiental e, principalmente, a eventos estressores severos que ocasionam traumas4.

Nesse contexto, é perceptível que pessoas em privação de liberdade estão em contato com inúmeros fatores estressores que os predispõe ao sofrimento e perda de esperança em relação ao futuro. Assim, tem-se a importância do conhecimento sobre o adoecimento/sofrimento mental e a multifatoriedade dessa população 5.

A gravidade do adoecimento psíquico é maior entre as mulheres privadas de liberdade, pois há uma maior prevalência de abando pelos companheiros e familiares, refletindo em sentimentos mais intensos de solidão, abandono e interrupção das relações familiares 6. Sentimentos que também estão relacionados à desesperança4.

Apesar de haver políticas e serviços executados no âmbito prisional, as iniciativas ainda são insuficientes para lidar de forma efetiva com as questões ligadas à saúde, com ênfase na saúde mental. Aliado a este aspecto, verifica-se que as mulheres privadas de liberdade estão em uma condição, ainda mais preocupante tendo em vista que, historicamente, as prisões foram projetadas para as necessidades da população masculina. Há, portanto, a necessidade de fornecer no âmbito prisional uma atenção à saúde abrangente que contemple a promoção da saúde mental dessas mulheres, de modo a diminuir as barreiras de acesso com foco na desinstitucionalização e, não apenas no desencarceramento feminino 7.

Ademais, o último relatório da World Female Imprisonment List (WPB)8 informou que, no mundo, houve um aumento de 53,1% da população carcerária feminina desde os anos 2000, acarretando, com isso, mais de 714.000 mulheres e meninas mantidas em instituições penais em 2017. No Brasil, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) 9, em dezembro de 2019, 37.200 mulheres estavam privadas de liberdade no Brasil, sendo 160 dessas em Alagoas.

Portanto, compreender o encarceramento feminino é entender que as mulheres em situação de prisão constituem um grupo especialmente vulnerável, fruto das múltiplas vitimizações sofridas durante sua trajetória vital e, muitas vezes, expostas a processos de revitimização em decorrência da violência institucional vivenciada no ambiente carcerário com chances quase duas vezes maior de manifestar transtornos mentais relacionados à desesperança quando comparadas às demais mulheres 7.

Mediante este contexto, foram localizados na literatura poucos estudos atuais que investigam a desesperança e sua associação com sintomas de depressão e ansiedade em mulheres privadas de liberdade. Conhecer estes aspectos possibilita um maior aporte de informações para subsidiar o planejamento em saúde mental das mulheres privadas de liberdade no sistema prisional e, também, em outros equipamentos comunitários.

Ante esse contexto, o presente estudo possui como objetivo identificar a prevalência, o nível de desesperança e sua correlação com a depressão e ansiedade em mulheres privadas de liberdade.

MATERIAL E MÉTODO

Estudo com abordagem quantitativa, do tipo descritivo e com corte transversal. A coleta de dados do estudo foi realizada com 77 mulheres em privação de liberdade em um Estabelecimento Prisional Feminino de Alagoas/ Brasil. Os dados foram coletados entre maio de 2019 a fevereiro de 2020.

A amostragem foi não probabilística e por conveniência. Mulheres que estavam disponíveis no dia das entrevistas foram convidadas a participar. Foram incluídas mulheres privadas de liberdade com idade igual ou superior a 18 anos, que estavam reclusas há, pelo menos, três meses. Não foram incluídas no estudo mulheres que desprovidas de condições cognitivas ou psíquicas e/ou que apresentaram alterações significativas durante a coleta de dados.

As participantes foram esclarecidas e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE e foram esclarecidas de que a desistência poderia acontecer em qualquer fase do estudo conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo está associado ao estudo: Experiências traumáticas na infância entre mulheres privadas de liberdade, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Tiradentes sob o parecer número 3.539.450.

Na coleta de dados foram utilizados: a) Formulário sociodemográfico; b) Inventário de Beck Depressão; c) Inventário de Beck Ansiedade; e d) Inventário de Beck Desesperança. O Formulário Sociodemográfico foi elaborado pelos autores do estudo para caracterização sociodemográfica e clínica dos entrevistados.

Os inventários de Beck são instrumentos de triagem, adaptados e validados para o Brasil. Eles possuem propriedades psicométricas para avaliar e mensurar a dimensão dos sintomas da depressão, ansiedade e desesperança 10.

As perguntas do Inventário de Beck para Depressão são quantificadas em uma escala de 0 a 4 pontos de intensidade. As pontuações atingidas nos itens são somadas e classificadas dentro de escore geral, em que de 0 a 11 corresponde ao nível mínimo de depressão, 12 a 19 nível leve, 20 a 35 nível moderado e 36 a 63 nível grave 11.

Já o Inventário de Beck de Ansiedade possui perguntas classificadas em escalas de 0 a 3 pontos cada, em ordem crescente do nível de ansiedade. O somatório das pontuações constitui o escore total. Este escore possui pontuação máxima de 63 pontos e pode ser classificado como: mínimo (0 a 10); leve (11 a 19); moderado (20 a 30); e grave (31 a 63) 10.

A Escala de Desesperança de Beck, por sua vez, foi projetada para avaliar a expectativa negativa das pessoas em relação ao futuro. Ela consiste em 20 declarações verdadeiras-falsas, das quais 9 são consideradas falsas e 11 verdadeiras. Para cada afirmação, há uma pontuação de 0 ou 1, além da pontuação de “desesperança" total que é alcançada pela soma das pontuações nos itens individuais, podendo ser de 0 a 20 2.

No presente estudo, o ponto de corte para a classificação “com desesperança” foi de 9 pontos, portanto, apenas foram considerados com desesperança os indivíduos classificados com desesperança moderada/risco de suicídio e desesperança grave/maior risco de suicídio. Aqueles que pontuaram abaixo de 9 pontos, sem desesperança e desesperança leve, foram classificados como “sem desesperança”. Foram consideradas variáveis secundárias as da caracterização sociodemográfica e os níveis de depressão e ansiedade.

Sistematização dos dados

Os dados obtidos tiveram dupla entrada no banco de dados do programa Excel® (versão 2007 para Windows versão 3.5.3) por digitadores distintos e foram conferidos por uma terceira pessoa. Também foram realizadas análises de frequência simples das variáveis com a correção de erros de digitação. As variáveis foram codificadas para o banco de dados do pacote estatístico IBM Statistical Package for the Social Sciences (S.P.S.S.) for Windows versão 22.0.

Procedimento para análise dos dados

A análise dos dados foi executada com o auxílio do software SPSS versão 22.0. Foi aplicada estatística descritiva como medidas de tendência central bem como medidas de dispersão (desvio-padrão) para descrição e investigação do perfil sociodemográfico e da medida da desesperança (BHS).

Empregou-se o Teste de Shapiro-Wilk para determinar o uso de testes não paramétricos e paramétricos. Nas variáveis quantitativas e no BHS não foram identificadas normalidades. Assim, para atestar que dois grupos obtiveram distribuição igual, foi aplicado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.

Os testes de comparações múltiplas de Campbell e Skillings 12 foram aplicados, com a finalidade de encontrar quais grupos são divergentes. Houve nível de 5% de significância em todos os testes. Em relação à verificação da confiabilidade (grau de correlação entre os itens do questionário), aplicou-se o coeficiente “alfa de Cronbach” no escore total.

A determinação do grau de correlação das variáveis “BAI” e “BDI” com o escore total do “BHS” foi feita por meio do teste de correlação não paramétrico de Sperman como forma de alternativa ao teste não paramétrico de correlação de Pearson, tendo em vista que as variáveis não apresentam uma distribuição normal.

O valor (r) pode variar de -1 a +1, onde os valores negativos indicam a correlação inversa, os positivos indicam a correlação direta e zero a ausência de correlação. Quando todos os pontos do diagrama estão numa linha reta inclinada, para cima ou para baixo, obtém-se o valor máximo de r, seja ele -1 ou + 1. Quando não é identificada correlação, os pontos se distribuem em nuvens. A intensidade da correlação pode ser avaliada de modo qualitativo conforme mostram os critérios estabelecidos na Tabela 1.

RESULTADOS

No perfil sociodemográfico da amostra estudada, prevaleceram mulheres privadas de liberdade com 30 anos ou mais (51,3%), heterossexuais (66,2%), pretas e pardas (63,6%), que nunca foram casadas (42,9%), sem companheiro(a) (62,3%), com filhos (79,2%), sem renda mensal (68,8%), com relação familiar harmônica (76,6%), com 9 anos ou menos de estudo (59,7%), com desempenho escolar péssimo ou ruim (72,6%), com profissão (63,2%) e com religião (89,6%).

Prevalência de desesperança em mulheres privadas de liberdade

Em concordância com a Tabela 1, a média do score BHS obtida entre as mulheres privadas de liberdade foi de 4,31. A amostra apresentou confiabilidade, visto que o Alfa de Cronbach teve como valor 0,76.

Tabela 1. Relação do BHS com as estatísticas do estudo de mulheres privadas de liberdade em Maceió - AL, 2018 - 2022. 

Fonte: Elaborado pelos autores

Conforme pode ser verificado na Tabela 2, os dados coletados sobre a desesperança em mulheres privadas de liberdade, quando analisados, demonstram a prevalência dos sintomas de desesperança de forma mínima em 50,6% das mulheres e de forma leve em 44,2%.

Tabela 2. Análise de frequência de desesperança em mulheres privadas de liberdade em Maceió - Alagoas, 2018- 2022. 

Fonte: Elaborado pelos autores Legenda: N: Número total. %: Porcentagem.

Observando que os indivíduos considerados com desesperança, no presente estudo, pontuaram acima de 9 na Escala de Desesperança de Beck, como pode ser confirmado na Tabela 3, foram classificados “com desesperança” 5,2% dos entrevistados.

Tabela 3. Prevalência de desesperança em mulheres privadas de liberdade em Maceió - AL, 2018 - 2022. 

Fonte: Elaborado pelos autores;

Legenda:N: Número total. %: Porcentagem.

Associação entre desesperança e fatores sociodemográficos

A respeito da associação entre desesperança e as variáveis sociodemográficas, foram identificadas maiores médias de desesperança em mulheres que nunca estudaram (c) (7,33), (p: 0,042**), não possuíam profissão (5,04) (p: 0,025*), não estavam trabalhando no período do cárcere (4,86) (p: 0,025*), e não possuíam religião (7,14) (p: 0,007*). A variável nunca estudou (c) só demonstrou significância estatística quando correlacionada com as demais variáveis de desempenho escolar: ruim (b), regular, bom (a) e ótimo (a, b, c), conforme pode ser verificado na Tabela 4.

Tabela 4. Caracterização da amostra segundo a distribuição das médias e desvios-padrões dos escores dos domínios do BHS com relação às mulheres privadas de liberdade em Maceió - AL, 2018 - 2022. 

Fonte: Elaborado pelos autores;

*p-value obtido pelo teste de Mann-Whitney. Resultados significativos em negrito.

**p-value obtido pelo teste de Kruskall-Wallis.

Associação entre os sintomas de depressão e ansiedade e desesperança

No gráfico 1, é possível observar a relação entre as médias de desesperança e a depressão e ansiedade. Quanto à depressão, a maior média de desesperança foi em mulheres que possuíam sintomas depressivos (5,31), se comparadas com as que não possuíam sintomas de depressão. As mulheres com sintomas de ansiedade também apresentaram maior média de desesperança (4,63), quando comparadas às que não estavam com sintomas de ansiedade.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Gráfico 1: Média de desesperança relacionada a depressão e ansiedade em mulheres privadas de liberdade em Maceió - AL, 2018 - 2022. 

Correlação entre os sintomas de depressão e ansiedade e desesperança

Foi identificada correlação positiva e estatisticamente significativa entre o escore do BHS e BDI. Enquanto que entre o escore do BHS e BAI não foi identificada correlação estatisticamente significativa como pode ser verificado na Tabela 5.

Tabela 5. Caracterização da amostra quanto à relação entre desesperança e ansiedade e depressão de mulheres privadas de liberdade em Maceió - AL, 2018 - 2022. 

Fonte. Elaborado pelos autores;

**.A correlação é significativa no nível 0,01.

DISCUSSÃO

No presente estudo, a prevalência de desesperança entre as mulheres privadas de liberdade foi de 5,2%, equivalente aos níveis de desesperança moderada e grave. Na literatura atual não foram encontrados estudos para estabelecer comparação com a população privada de liberdade.

Estudos realizados com outros públicos demonstraram que a prevalência da desesperança (moderada e grave) esteve entre 2% e 90,4%. A prevalência mínima encontrada foi 2% em pacientes renais crônicos em hemodiálise e transplantados renais, seguida de 3,3% em profissionais de enfermagem que trabalham em serviços especializados de oncologia, 9% em pacientes em pacientes da psiquiatria forense e 90,4% em familiares de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas 3,13-15.

No presente estudo, a média do escore da Escala de Desesperança de Beck foi de 4,30 (DP+/- 2,90). Valor abaixo do encontrado no estudo de Kisa, Zeyneloğlub e Verimb 16 com 40 mulheres vítimas de violência conjugal que residiam em um abrigo na Turquia, as quais obtiveram média de desesperança de 8,60 (DP+/- 4,96). Rueda-Jaimes et al. 17, também encontraram uma média de desesperança superior, 7,8 (DP+/- 5,3), ao estudarem 244 pacientes com ideação suicida (63,52% mulheres) atendidos no pronto-socorro ou no ambulatório do Instituto do Sistema Nervoso do Oriente (ISNOR).

Os resultados do presente estudo também evidenciaram que mulheres com pior desempenho escolar, que não possuíam religião, não possuíam profissão e que não estavam trabalhando no período do encarceramento apresentaram maiores médias de desesperança quando comparadas às que não estavam nessas condições, havendo significância estatística. Ressalta-se que a desesperança está interligada às condições de vida do sujeito, tais como emprego, renda e vulnerabilidades sociais 18. Nesse sentido, quanto mais adversas forem estas condições, provavelmente, maiores serão os níveis de desesperança.

Reforçando esses achados, o estudo de de Kisa, Zeyneloğlub e Verimb 16 conduzido em abrigo, na Turquia, com as mulheres vítimas de violência conjugal, também demonstrou que a baixa escolaridade e a condição de estar desempregada estavam associadas à desesperança e sentimentos como a falta de expectativa quanto ao futuro. Ressalta-se que, além desses aspectos desfavoráveis, a falta de oportunidade de trabalho, lazer e tempo de ociosidade também são fatores que favorecem o adoecimento psíquico e, consequentemente, o surgimento de maiores níveis de desesperança 19. Nesse sentido, ressalta-se a importância do desenvolvimento de atividades laborativas, lazer, ensino, entre outros, no período de encarceramento, uma vez que trazem benefícios à saúde mental, física e desenvolvimento social 9.

A associação entre os maiores níveis de desesperança e não possuir religião, também é um fator importante nesse contexto. Praticar a religiosidade/espiritualidade se mostra como um fator protetor para a saúde mental, pois favorece a resiliência e a projeção do sujeito para o futuro de forma mais positiva e otimista 20. Ante estes aspectos, os profissionais de saúde que atuam na assistência às mulheres privadas de liberdade devem discutir sobre religiosidade/espiritualidade de forma a estimular um coping positivo, respeitando as crenças, sem emitir julgamentos ou imposições.

Ainda no presente estudo, foi evidenciado que as mulheres com sintomas de depressão apresentaram maiores médias de desesperança quando comparadas às que não possuíam essa condição. Destaca-se que no estudo de correlação entre o BSH e o BDI houve correlação positiva.

Corroborando esses dados, no estudo de Kavak Budak et al. 21, identificou-se proporcionalidade entre os graus de depressão e desesperança. Essa associação também foi confirmada pelos autores Coskun et al.22 que, ao estudarem graduandos de medicina, obtiveram uma correlação entre os níveis de depressão e desesperança. Ainda, sobre estes aspectos, um estudo observacional de 406 pacientes com transtornos depressivos evidenciou a associação entre esse transtorno e a desesperança, mostrando, inclusive, que durante um episódio depressivo o nível de desesperança tende a aumentar, e, na remissão da depressão, a diminuir 23. Ademais, Niu et al. 24 identificou que a desesperança é um importante fator de risco para o suicídio. Assim, a associação entre desesperança e depressão predispõe o indivíduo a um maior risco de ideação suicida.

Isto se deve ao fato de a desesperança motivar uma atitude pessimista quanto ao futuro, levando a pessoa a não saber reagir aos fatores estressores, uma vez que ela atua como um canal de mediação entre o sofrimento psicológico e o comportamento suicida, servindo como um potencializador de tais ideações 25.

No que se refere à relação entre ansiedade e desesperança, os dados estatísticos demonstraram que não houve correlação entre BHS e BAI. No entanto, as mulheres com ansiedade apresentaram maior média de desesperança, quando comparadas às que não apresentaram sintomas de ansiedade.

Os autores Hacimusalar et al. 26 apontam em suas análises que os níveis de ansiedade são um importante preditor de desesperança, tendo em vista que evidenciaram uma relação diretamente proporcional entre os níveis de ansiedade e desesperança. O estudo de Serin e Dogan 27, realizado com estudantes de enfermagem, também demonstrou essa relação proporcional entre o aumento dos níveis de ansiedade e desesperança, corroborando os resultados do presente estudo.

A relação entre ansiedade e desesperança pode ser explicada em virtude de a ansiedade ser um transtorno psiquiátrico caracterizado por experiências subjetivas que acarretam quadros de preocupação excessiva, pensamentos negativos e medo persistente 28. Assim, há uma tendência de os indivíduos com ansiedade terem uma baixa expectativa quanto ao seu futuro, ou seja, terem sentimentos de desesperança. Montaño et al. 29 abordou em sua pesquisa que os participantes que apresentaram um alto nível de ansiedade, também tiveram seus sintomas de desesperança elevados, além de correlacionar esse resultado ao fato de pessoas com ansiedade terem uma visão negativa quanto ao futuro, que os leva a crer que não há uma resolução para os seus problemas, por isso, tendem a ser desesperançados.

Mediante os resultados do presente estudo, é premente que haja a investigação sobre desesperança entre as pessoas privadas de liberdade, com ênfase nas mulheres, as quais foram público-alvo dessa pesquisa. É evidente que a esperança é um importante fator de proteção e prevenção das doenças mentais 30. Portanto, a investigação sobre desesperança, identificação de fatores relacionados, promoção de atividades laborais, inserção escolar, estímulo à religiosidade/espiritualidade no período de encarceramento são estímulos que podem proporcionar esperança a essas pessoas quanto ao futuro.

CONCLUSÃO

Foi identificada uma baixa prevalência de desesperança moderada e grave nas mulheres privadas de liberdade, porém, não foram encontrados estudos com o mesmo público para estabelecer comparação. As maiores médias de desesperança estiveram associadas estatisticamente: ao pior desempenho escolar; não ter profissão; não possuir religião; e não desenvolver atividade laboral no período do cárcere.

O estudo também demonstrou maiores níveis de desesperança em pessoas com sintomas de depressão ou ansiedade, entretanto, só foi encontrada correlação positiva entre desesperança e depressão. As condições do ambiente prisional e as especificidades das mulheres privadas de liberdade podem acentuar, ainda mais, essa relação entre desesperança e transtornos mentais.

Os dados da pesquisa contribuem para evidenciar a relevância da percepção, identificação, e correlação entre vulnerabilidades sociais, privação de liberdade, comprometimento da saúde mental e desesperança. Nesse sentido, com vistas à promoção da saúde mental, é imprescindível que os profissionais de saúde possam ter um olhar mais voltado à subjetividade dessas mulheres com a identificação de fatores relacionados à desesperança e adoecimento psíquico.

As condições do ambiente prisional bem como a promoção de oportunidades de aprendizado e atividades laborais no período de encarceramento alinhados à qualificação da assistência em saúde mental são fatores que certamente podem proporcionar uma projeção dessas mulheres privadas de liberdade de forma mais otimista para o futuro.

O estudo possui limitações como, amostra de tamanho reduzido, além de carência de artigos sobre desesperança na população feminina privada de liberdade, e, por isso, foi necessária a comparação de dados com outras populações, as quais não possuem as mesmas especificidades. Torna-se essencial que sejam desenvolvidos novos estudos acerca da desesperança em mulheres privadas de liberdade.

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Recebido: 11 de Setembro de 2022; Aceito: 13 de Outubro de 2022

Graduanda de Enfermagem

Enfermeira, Doutora em Enfermagem

Enfermeira, doutoranda em enfermagem pelo Programa Associado de Pós-graduação em Enfermagem UPE/UEPB (PAPGEnf), Brasil

givanya@hotmail.com

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