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Enfermería Global

versão On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.22 no.70 Murcia Abr. 2023  Epub 26-Jun-2023

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.537811 

Originais

Conhecimento de enfermeiros sobre o dispositivo intrauterino no contexto das unidades básicas de saúde

Isli Maria Oliveira-Martins1  , Maria Clara Paiva-Nóbrega2  , Verônica Ebrahim-Queiroga2  , Danyella da Silva-Barreto3  , Viviane Rolim-de Holanda4  , Waglânia de Mendonça-Faustino5 

1Acadêmica em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa, PB, Brasil

2Enfermeira graduada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa, PB, Brasil

3Docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa, PB, Brasil

4Docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa, PB, Brasil

5Docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa, PB, Brasil

RESUMO:

Objetivo:

Verificar o conhecimento de enfermeiros sobre o dispositivo intrauterino no contexto das Unidades Básicas de Saúde.

Método:

Estudo observacional realizado com enfermeiros da atenção básica. O instrumento de coleta foi elaborado por revisão de literatura e validado por especialistas da área da saúde da mulher. Os dados foram coletados de forma remota entre outubro de 2021 e janeiro de 2022. Respeitaram-se as considerações éticas para pesquisas com seres humanos.

Resultados:

Participaram 66 enfermeiros. A maioria dos enfermeiros teve seu conhecimento classificado como satisfatório (75,8%). Observou-se que a maioria respondeu corretamente acerca da classificação do DIU com cobre (69,7%), seus efeitos colaterais (89,4%), que o mesmo não interfere na amamentação (97%), não protege contra IST's (92,4%), não desenvolve câncer de colo uterino (92,4%). Sabiam que nulíparas (69,7%), diabéticas (97%) e hipertensas (97%) podem fazer o uso do DIU com cobre. No entanto, desconheciam o uso do DIU como contracepção de emergência (87,8%) e por mulheres com AIDS (66,7%), consideraram a necessidade de exames prévios como critério de elegibilidade (86,4%) e que a perfuração uterina é o risco mais frequente da inserção (63,6%).

Conclusão:

A falta de conhecimento dos enfermeiros, no âmbito da atenção primária de saúde, sobre o dispositivo intrauterino, torna-se uma barreira que limita o acesso ao método contraceptivo. Deve-se, portanto, fortalecer as habilidades dos enfermeiros por meio da educação continuada para a qualificação da atenção primária à saúde.

Palavras-chave: Conhecimento; Dispositivos intrauterinos; Enfermeiros; Atenção primária à saúde; Saúde reprodutiva

INTRODUÇÃO

A pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) comprometeu toda a sociedade. O que se pensava ser um evento breve se tornou uma crise sanitária global que vem perdurando por mais de dois anos e afetando, em especial, as mulheres 1. O redirecionamento dos serviços de saúde para lidar com a emergência COVID-19 deixou as mulheres sem acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, essenciais para fornecimento de informações e apoio em relação às suas decisões de prosseguir ou adiar a gravidez 2. Assim, estima-se que 25% das adolescentes latino-americanas ou caribenhas ficaram desprotegidas da gravidez indesejada por falta de uma efetivação da política de planejamento reprodutivo durante a pandemia 3.

Percebe-se que dificuldades para exercitar os direitos sexuais e reprodutivos têm exposto as mulheres a uma série de situações que comprometem sua saúde, dentre elas, as consequências de uma gravidez não planejada. Considera-se esse como um problema de saúde pública, visto que tira mulheres jovens e adolescentes da escola e do mercado de trabalho 4. Como agravante, projeta-se que mais de 47 milhões de mulheres em todo o mundo tiveram o acesso a métodos contraceptivos dificultado durante a pandemia da COVID-19, o que pode resultar em 7 milhões de gestações não planejadas5.

Na contramão da realidade imposta pela pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou sobre a necessidade de garantir o acesso e continuidade a métodos contraceptivos e a serviços de saúde sexual e reprodutiva, compartilhando as informações por meios acessíveis e interação dialógica entre a universidade e sociedade6.

O planejamento reprodutivo é direito de todos os brasileiros, logo a assistência à anticoncepção é uma atividade básica do Sistema Único de Saúde (SUS) 7. Nesse sentido, em 2002 o Ministério da Saúde (MS) criou o “Manual Técnico de Assistência em Planejamento Familiar”, reafirmando a importância do planejamento reprodutivo e disponibilizando aos profissionais de saúde os conhecimentos necessários para aplicá-lo na Atenção Básica de Saúde (ABS) 8.

A Unidade Básica de Saúde (UBS) tem sido um local estratégico para trabalhar o planejamento reprodutivo, pois a maioria das mulheres busca a unidade tanto para realizar seu pré-natal como para terem acesso aos métodos contraceptivos. Nesse contexto, o enfermeiro tem uma atuação importante no planejamento reprodutivo respaldado na consulta de enfermagem e suas atribuições destacadas na Política Nacional de Atenção Básica 9.

Observa-se que o Dispositivo Intrauterino com cobre (DIU TCu 380A) é um método contraceptivo de longa duração, com elevada eficácia (99%), de baixo custo e deve estar disponível na rede pública como método de garantia dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, necessitando de profissionais habilitados e com os conhecimentos necessários para a realização do procedimento de inserção, revisão e retirada do DIU TCu 380A na atenção básica de saúde 10,11.

Esse procedimento realizado por enfermeiros foi regulamentado pela Resolução COFEN nº 690/2022, mediante capacitação teórico-prática com carga horária pré-definida e educação permanente para constante atualização técnica e científica 12. Em acréscimo, a regulamentação da inserção e retirada do DIU, no Brasil, encontra-se pautada também na Portaria nº 526/2020, que incluiu na Tabela de procedimentos do SUS a inserção e retirada do DIU tanto por médicos quanto por enfermeiros da atenção básica de saúde 13.

No entanto, o Brasil apresenta o uso do DIU muito abaixo do esperado e os motivos encontrados estão relacionados com a falta de oferta e treinamento de profissionais e a centralidade da inserção por médicos ginecologistas14. Dessa forma, o conhecimento dos enfermeiros para realização de tal prática e para a discussão do planejamento reprodutivo possui extrema importância no campo dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A inserção de DIU pelos enfermeiros torna-se, portanto, uma estratégia para a ampliação da oferta e do acesso deste método contraceptivo, bem como para a prevenção de gravidez não planejada 15.

Neste sentido, este estudo teve como objetivo verificar o conhecimento de enfermeiros sobre o dispositivo intrauterino no contexto das unidades básicas de saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional de corte transversal e abordagem quantitativa realizado em Unidades de Saúde da Família de um município do Estado da Paraíba, nordeste brasileiro.

A amostra foi composta por enfermeiros atuantes na atenção básica do município que aceitaram participar da pesquisa. Foram incluídos os enfermeiros ativos da Estratégia Saúde da Família vinculados à Secretaria de Saúde. E excluídos os Enfermeiros (as) que estavam afastados de suas atividades laborais (férias, licença maternidade ou licença médica) durante a coleta de dados e aqueles que após três tentativas de envio do instrumento de pesquisa, com prazo de retorno de 15 dias, não o retornaram.

O instrumento de coleta de dados tratou-se de um questionário elaborado por meio de revisão de literatura 8)(10)(11)(14)(16)(17)(18. Em seguida, o instrumento foi avaliado por sete especialistas da área da saúde da mulher, utilizando-se a amostragem pelo método bola de neve. Os especialistas avaliaram a adequação do conteúdo e indicação de escores de pontuação da secção de conhecimento de cada questão levando em consideração o grau de dificuldade da resposta (Fácil: 1,0; Mediana: 1,5; Difícil: 2,0 pontos) e a significância de cada item. Para o conhecimento foram compostas 20 questões, do tipo verdadeiro ou falso, totalizando 25 pontos.

Após adequação do questionário, realizou-se teste piloto com 05 enfermeiras da atenção básica de saúde do município deste estudo, que o avaliaram positivamente e determinaram o tempo médio para sua resolução de 25 minutos.

Para a coleta dos dados, o questionário foi enviado para o endereço eletrônico dos participantes por meio de formulário virtual. As questões foram estruturadas sobre perfil dos participantes e conhecimento sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos, elegibilidade, oferta e inserção de DIU. A coleta de dados ocorreu entre outubro de 2021 e janeiro de 2022.

Os dados foram tabulados em programa de criação de planilhas e analisados em software estatístico. A análise foi realizada por meio da estatística descritiva e inferencial. A análise descritiva se deu por meio da frequência absoluta e relativa, bem como, avaliação das medidas de tendência central e dispersão (média, desvio padrão, mínimo e máximo).

No tocante a análise do conhecimento, a pontuação do questionário foi subdividida em cinco categorias: 0 a 5, sendo classificados como conhecimento muito insatisfatório; 6 a 10, conhecimento insatisfatório; 11 a 15, conhecimento regular; 16 a 20, conhecimento satisfatório; 21 a 25, conhecimento muito satisfatório.

Na análise inferencial foram aplicados os testes de associação de Teste Qui-quadrado de Pearson e Teste Exato de Fisher, sendo esse último apenas nos casos em que o número de frequências com dado inferior a 5 ultrapassou 20%. Para todas as análises, utilizou-se o valor de significância de 5% (p-valor<0,05).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma universidade pública por meio do número do parecer 4.736.330. Ressalta-se que foram respeitadas as considerações éticas presentes na Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas com seres humanos 19. Além disso, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de cada participante foi obtido.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 66 enfermeiros. No tocante aos dados sociodemográficos e de formação dos participantes, observou-se que a maioria era do sexo feminino (n=64; 97,0%), com idade média de 43,8 anos (DP=11,8), pardas (n=40; 60,6%), tinham especialização/residência (n=46; 69,7%) e possuíam acima de 10 anos de experiência profissional (n=41; 62,1%). Observou-se também que a maioria participou de alguma capacitação sobre saúde sexual e reprodutiva (n=44; 66,7%) durante atuação profissional e realizou ações educativas em planejamento reprodutivo na unidade de saúde (n=48; 72,7%).

Tabela 1: Distribuição dos dados sociodemográficos e de formação dos entrevistados. João Pessoa, Paraíba, Brasil, 2022. (n=66). 

No que diz respeito aos conhecimentos sobre o método contraceptivo, 69,7% (n=46) responderam corretamente acerca da classificação/mecanismo de ação e a efetividade do DIU de cobre, enquanto 89,4% (n=59) conheciam seus efeitos colaterais. Os participantes também responderam que o dispositivo intrauterino com cobre não interfere na amamentação (n=64, 97%), não protege contra IST's (n=61, 92,4%), não aumenta as chances de desenvolver câncer de colo uterino (n=63, 92,4%) e que a mulher não demora a voltar a fertilidade após a retirada (n=65, 98,5%). Todos os participantes responderam que o DIU não causa desconforto para a mulher durante o sexo (n=66, 100,0%). Contudo, 87,8% (n=58) dos participantes responderam que o método não pode ser utilizado para contracepção de emergência.

Em relação aos critérios de elegibilidade para a inserção do DIU, a maior parte dos participantes sabia que adolescentes nulíparas (n=46, 69,7%), mulheres diabéticas (n=64, 97%) e mulheres hipertensas (n=64, 97%) podem fazer o uso do dispositivo intrauterino de cobre. Contudo, 66,7% (n=44) desconheciam que nem todas as mulheres com AIDS podem fazer uso do DIU.

A maioria acertou que o DIU pode ser inserido em mulheres que não passaram por grupo educativo (n=46, 69,7%). Já em relação à realização de ultrassonografia transvaginal e papanicolau com resultados normais, 86,4% (n=57) desconheciam que não são critérios de elegibilidade.

No que se refere à inserção do dispositivo intrauterino com cobre, 56,1% (n=37) dos participantes acreditam que o DIU deve ser inserido apenas no período menstrual e pós-parto imediato; 63,6% (n=42) consideram que a perfuração uterina é o risco mais frequente durante a inserção do DIU.

A maioria dos participantes (n=59, 89,4%) respondeu corretamente que os enfermeiros podem realizar inserção do DIU, bem como, 78,8% (n=52) respondeu que mulheres casadas não precisam de autorização do parceiro para inserir o dispositivo. Grande parte dos participantes (n=65, 98,5%) respondeu corretamente quanto aos materiais necessários para a inserção do DIU.

Tabela 2: Conhecimentos dos participantes sobre o DIU. 

Em relação ao somatório do conhecimento de cada participante, a maioria dos enfermeiros teve seu conhecimento classificado como satisfatório (n=50, 75,8%) (Tabela 3)

Tabela 3: Classificação do nível de conhecimento prévio dos participantes. 

No tocante aos dados sociodemográficos, observou-se que não houve associação significativa sob o ponto de vista estatístico entre as variáveis. No entanto, o predomínio do conhecimento satisfatório foi identificado nos profissionais com idade de até 44 anos (n=6; 17,6%), que possuíam mestrado (n= 2; 28,6%), tinham acima de 10 anos de experiência profissional (n=7; 17,1%)

DISCUSSÃO

O estudo observou que os enfermeiros da atenção básica possuem conhecimento satisfatório para a oferta, revisão e inserção de DIU com cobre. Todavia, no município do estudo, que tem cobertura de 96% da Estratégia Saúde da Família, a oferta do DIU ainda é insipiente. No ano de 2021, na Paraíba, de acordo com informações constantes no DataSUS, foram realizadas 298 inserções de DIU em unidades ambulatoriais 20.

Estudos internacionais mostram que o fator do conhecimento possui extrema importância no que diz respeito ao método contraceptivo, mudando concepções e o cenário geral de uso dos métodos. Assim, as mulheres sentem-se mais informadas e seguras ao perceber que o profissional possui domínio do assunto, desmistificando mitos e ampliando a oferta/inserção 21)(22)(23

Um estudo inglês mostrou que os enfermeiros entrevistados relataram que as principais barreiras para o acesso do DIU com cobre envolvem a falta de treinamento para a realização da inserção e conhecimento insuficiente sobre o método 22. Em relação aos conhecimentos dos participantes do nosso estudo, verificou-se que os enfermeiros possuem um embasamento teórico acerca da classificação, do mecanismo de ação, da efetividade, dos efeitos colaterais, das potencialidades e das fragilidades do dispositivo intrauterino. Tal situação faz refletir a necessidade da implementação de uma política de capacitação prática para os enfermeiros, visto que eles possuem o conhecimento teórico do método, porém sem sua aplicabilidade na oferta/inserção do DIU durante a consulta de enfermagem em ginecologia.

Sobre o conhecimento sobre o uso do DIU durante a amamentação como método seguro, um estudo, realizado nos Estados Unidos, identificou que apenas 16,4% dos enfermeiros do estudo compreendem o DIU como método seguro para lactantes 24. Essa discrepância aponta para uma melhor atualização dos enfermeiros brasileiros deste estudo quando comparados aos estadunidenses, visto que apenas 16% dos enfermeiros tiveram educação contraceptiva prévia24, já em nosso estudo 66,7% dos enfermeiros relataram capacitação em saúde sexual e reprodutiva.

Assim, associar o conhecimento teórico com o conhecimento prático na oferta do DIU pós-parto poderá contribuir para o espaçamento entre as gestações e a melhoria na qualidade do cuidado às crianças e às mães. Por ser um método de longa duração, as mulheres terão mais autonomia de quando escolher engravidar. Outrossim, pode contribuir para a diminuição de mortes maternas por aborto inseguro.

Sobre a associação do DIU com o aumento da chance de desenvolver câncer de colo uterino e aumento do desconforto para a mulher durante o ato sexual, um estudo peruano que analisou as mesmas variáveis com mulheres observou que 57,6% concluíram que o dispositivo intrauterino pode causar câncer de colo uterino e 27,3% concluíram que os fios do DIU trazem desconforto ao parceiro durante o sexo, classificando esses tópicos como possíveis motivos de recusa ao método25. Contudo, observa-se que não há associações entre o DIU e a maior incidência de carcinogênese cervical por Papilomavírus Humano (HPV), visto que ele atua como agente protetor dessa neoplasia ao estimular a imunidade das células cervicais 26.

Percebe-se também que o desconhecimento sobre o uso do DIU como método contraceptivo de emergência diminui as opções das mulheres para evitar gravidez indesejada em situações de contracepção de emergência, especialmente para os enfermeiros da ABS, enquanto porta de acesso ao SUS. Tal situação mantém as usuárias desinformadas, visto que os profissionais da saúde são a principal fonte que elas têm acesso em relação à passagem de informações confiáveis acerca das contracepções de emergência 21.

No tocante ao conhecimento dos critérios de elegibilidade para inserção do DIU, foi observado que os enfermeiros sabem que o DIU pode ser inserido em mulheres hipertensas e diabéticas. A oferta de DIU com cobre para as mulheres hipertensas e diabéticas resulta na diminuição da oferta dos anticoncepcionais hormonais (ACH), o que se mostra como uma potencialidade, ao contribuir para a redução da morbimortalidade por pressão arterial elevada, trombose e mortes por Acidente Vascular Cerebral (AVC), bem como reduz o agravamento do quadro de diabetes em razão da interação dos ACH com os medicamentos utilizados para o seu tratamento 27,28.

Um estudo brasileiro realizado com servidores da atenção básica mostrou que a maior parte dos profissionais não indicam o DIU para adolescentes (62,2%), mas que fazem a oferta do DIU para nulíparas (62,2%) 29. Devido à falta de informações, é possível que enfermeiros estejam deixando de oferecer o DIU como um método de longa duração e poucos efeitos colaterais para adolescentes, de modo que a não oferta aumenta o risco de gravidez na adolescência, uma vez que o uso de camisinha e ACH para o adolescente têm riscos de falha por descontinuidade, em razão do esquecimento, inconveniência no seu uso, preocupação com a saúde ou efeitos colaterais 30.

Parte dos profissionais afirmou que para a inserção do DIU é indispensável a realização de ultrassonografia transvaginal e papanicolau com resultados normais e participação de grupo educativo de planejamento reprodutivo, sendo que a necessidade de tais procedimentos não se conFiguram como verdadeiros. Tais dados alinham-se a um estudo que observou que 71,6% dos participantes afirmaram ser necessárias a realização de exames e 25,4% a participação de grupo educativo 11. Assim, a implementação de critérios de elegibilidade desnecessários se conFiguram como barreiras que impedem as mulheres a terem acesso ao dispositivo intrauterino.

Outro equívoco observado se refere ao desconhecimento dos participantes ao afirmarem que mulheres com AIDS não podem usufruir do DIU com cobre como método contraceptivo. Um estudo mostra que 26,9% dos entrevistados adotam o HIV como condição clínica que impede a inserção do DIU 11. Contudo, de acordo com o Ministério da Saúde, o DIU de cobre só não poderá ser inserido em mulheres com AIDS nos estágios clínicos 3 e 4, logo mulheres que possuem HIV e AIDS estágio clínico 1 e 2 podem usar o método 9.

Em relação à inserção do DIU, observou-se que alguns enfermeiros condicionaram a inserção do método exclusivamente ao período menstrual e pós-parto imediato. Em discordância, um estudo evidenciou que 89,6% dos participantes (médicos e enfermeiros) sabem que o DIU pode ser inserido em qualquer fase do ciclo menstrual 22. Condicionar a oferta do DIU ao período menstrual significa reduzir as chances de acesso ao método, pois no município desta pesquisa a inserção do DIU é realizada por agendamento e não por demanda espontânea. Logo, nessa perspectiva, seria necessário coincidir o período menstrual com o dia da inserção, caracterizando-se como uma barreira.

Quanto aos riscos do método, grande parte dos enfermeiros ainda apontou a perfuração uterina como risco mais frequente. No entanto, mesmo não sendo um risco cotidiano, um estudo mostrou que 40,5% dos profissionais consideram a perfuração uterina como uma barreira para a oferta e 52,0% como uma barreira para a inserção do dispositivo intrauterino no âmbito da atenção básica29. Em conformidade, uma pesquisa mostra que os enfermeiros sentem-se inseguros na hora da inserção devido ao medo de perfuração. Contudo, o risco de perfuração uterina é baixo, geralmente associado a não realização de histerometria e falta de técnica cuidadosa na inserção, o que mostra a importância da capacitação prática para uma inserção correta e segura 9.

Este estudo possui limitações que podem dar viés aos resultados. A limitação da amostra e a escolha de forma não aleatória, considerando a facilidade de contato com os participantes. A coleta de dados foi feita de forma remota e sem supervisão, o que pode ter dado margem para os participantes pesquisarem as questões no ambiente virtual. Os resultados deste estudo podem não ser generalizáveis.

Como pontos fortes, elucida-se que este estudo possibilita um panorama dos serviços que promovem a saúde sexual e reprodutiva, o que abre espaço para reflexão e possibilita a implementação de políticas públicas de educação permanente que visem capacitar os enfermeiros para a oferta/revisão/inserção do dispositivo intrauterino. A incorporação de tais práticas é um ponto positivo, pois impacta diretamente no processo de trabalho dos enfermeiros, promovendo uma assistência de maior eficiência e qualidade para a população 23.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A falta de conhecimento dos enfermeiros, no âmbito da atenção primária de saúde, sobre o DIU TCU 380A no que tange os critérios de elegibilidade, efeitos colaterais, mecanismo de ação e necessidade de exames prévios, como observadas neste estudo, torna-se uma barreira que limita o acesso ao método contraceptivo.

A inserção, revisão e retirada de dispositivo intrauterino com cobre durante a consulta de enfermagem em ginecologia, nas unidades de saúde, com base em protocolos assistenciais e mediante capacitação prática, têm potencialidade para reduzir a gravidez indesejada, aborto inseguro e mortes maternas no Brasil. Portanto, deve-se fortalecer as habilidades dos enfermeiros por meio da educação continuada para a qualificação da atenção primária à saúde e assim aumentar a possibilidade das mulheres de obterem acesso aos métodos de contracepção, em especial ao DIU TCU 380A.

Desse modo, esforços governamentais são necessários para a instituição de uma política de capacitação que qualifique os enfermeiros no tocante à técnica de inserção, revisão e retirada do DIU no contexto das unidades básicas de saúde. A instituição de uma política de educação continuada garante a prática avançada nos cuidados de enfermagem como também minimiza as barreiras ao método contraceptivo e possibilita meios de garantir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

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Recebido: 03 de Setembro de 2022; Aceito: 17 de Janeiro de 2023

isli.martins@academico.ufpb.br

Médica.

Doutora em Enfermagem.

Enfermeira. Doutora em Ciências.

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