SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.22 issue70Teaching and learning methods for nursing students on nutrition: scoping review author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

My SciELO

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.22 n.70 Murcia Apr. 2023  Epub June 26, 2023

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.516121 

Revisões

Cuidados de higiene oral ao utente intubado orotraquealmente: fatores influenciadores. Revisão sistemática da literatura

Tânia Filipa Cabrita-Xavier1  , Filipe Correia-de Melo1  , Maria do Céu Mendes-Pinto-Marques2   

1Centro Hospitalar Universitário do Algarve, Faro, Portugal

2Comprehensive Health Research Centre (CHRC), Portugal

2Departamento de Enfermagem da Universidade de Évora. Évora, Portugal

RESUMO:

Objetivo:

Identificar evidências científicas primárias sobre os principais fatores que interferem na prestação de cuidados de higiene oral, desenvolvidos pelos enfermeiros, aos utentes intubados orotraquealmente, nas unidades de cuidados intensivos.

Métodos:

Estudo de revisão sistemática da literatura, desenvolvido segundo o protocolo do The Joanna Briggs Insitute. Para a obtenção dos artigos recorreu-se aos motores de busca B-On( e PubMed(. Os termos utilizados na pesquisa tiveram em consideração o vocabulário indexado à base de dados Medical Subject Headings (MeSH), tendo sido estruturada segundo os operadores boleanos, com a seguinte combinação em inglês: “Oral Hygiene” AND “Pneumonia, Ventilator-Associated” OR “Pneumonia, Ventilator Associated” AND “Critical Care Nursing”. Foram definidos como limitadores, artigos publicados entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020, em Inglês, Português e Espanhol, disponíveis na íntegra, publicados em revistas científicas revistas por pares (peer review) e que se enquadrassem na pergunta PICO desenvolvida para o estudo.

Resultados:

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram incluídos na revisão oito artigos de natureza primária e qualitativa que abordam os fatores que influenciam a prestação de cuidados de higiene oral, pelos enfermeiros, aos utentes sob intubação orotraqueal.

Conclusões:

As práticas de cuidados de higiene oral prestadas aos utentes sob intubação orotraqueal, pelos enfermeiros, são influenciadas pelo seu conhecimento, atitudes, recursos disponibilizados, treino e políticas institucionais, bem como por fatores relacionados com o utente que se prendem, maioritariamente, com dificuldades de acesso à cavidade oral.

Palavras-chave: Higiene bucal; Intubação intratraqueal; Pneumonia associada à ventilação mecânica; Enfermagem de cuidados críticos; Unidade de terapia intensiva

INTRODUÇÃO

A presença de intubação orotraqueal é uma constante nos utentes internados nas unidades de cuidados intensivos (UCI) pela necessidade de manutenção da via aérea permeável, quer pela natureza da doença crítica, quer por necessidade de sedação, que impossibilitam a capacidade para respirar autonomamente1. No entanto, ao permitir a ventilação mecanicamente assistida, a presença de tubo orotraqueal predispõe os utentes a um risco acrescido de desenvolver pneumonia associada à intubação, ao dificultar o acesso à boca, facilitar a acumulação de biofilmes1 e, por outro lado, por diminuir as barreiras de defesa naturais do organismo, como o reflexo de tosse e o encerramento da epiglote, que acabam por facilitar a entrada de microrganismos para a via aérea inferior2. A pneumonia associada à intubação é definida como a pneumonia que surge na pessoa com tubo orotraqueal há mais de 48 horas ou em pessoa que foi extubada há menos de 48 horas3. É considerada a infeção associada aos cuidados de saúde mais comum3,4) e mais mortal nas unidades de cuidados intensivos4, contribuindo significativamente para o aumento de morbilidades, mortalidade, aumento dos dias de internamento e um incremento significativo dos custos de saúde associados5.

Por ser um problema global, pela sua elevada prevalência e pelo prognóstico associado à pneumonia associada à intubação, foram desenvolvidos por diversos países um conjunto de feixes de intervenção que têm como objetivo a sua prevenção. A higiene oral é uma das estratégias presentes nestes feixes, que ocupa um lugar central na sua prevenção, ao permitir a diminuição da acumulação de placa dentária, biofilmes e consequente carga bacteriana na cavidade oral do utente sob intubação1, diminuindo significativamente o risco destes microrganismos serem levados para as vias aéreas inferiores. Apesar das diretrizes e dos benefícios conhecidos desta ação, esta nem sempre é considerada prioritária pelas instituições e pelas equipas de enfermagem, sendo maioritariamente desenvolvida de forma heterogénea e inconsistente6. Por conseguinte, os cuidados de enfermagem assumem um papel central, no desenvolvimento de práticas altamente complexas e de extrema relevância. Neste sentido, surge a presente revisão sistemática da literatura (RSL), cujo objetivo é identificar os fatores que interferem com as práticas de cuidados de higiene oral, desenvolvidos pelos enfermeiros, aos utentes intubados orotraquealmente, nas UCI. O seu conhecimento permitirá dar a conhecê-los nos locais da prestação de cuidados, permitindo o posterior desenvolvimento de estratégias que visem a promoção de cuidados seguros, baseados em evidência científica.

MÉTODOS

Considerando a relevância da temática realizou-se uma revisão sistemática da literatura segundo as orientações do The Joanna Briggs Institute7. Deste modo, desenhou-se o respetivo protocolo de revisão, que se iniciou pela questão de investigação, formulada segundo o método PICO: P (População) - Enfermeiros; I (Intervenção) - Prestação de cuidados de higiene oral ao utente sob intubação orotraqueal; C (contexto): Unidade de Cuidados Intensivos de adultos; O (Outcome = Resultados) - Fatores que influenciam. Após a delineação do método PICO, definiu-se a questão de investigação: Quais os fatores que influenciam os cuidados de higiene oral ao utente sob intubação orotraqueal, prestados pelos enfermeiros, em unidades de cuidados intensivos?

Após ter sido formulada a pergunta de revisão e estruturado o objetivo da pesquisa, definiram-se os critérios de inclusão dos estudos, resumidos na Tabela 1.

Tabela 1: Síntese de Critérios PICO para a seleção dos estudos na revisão sistemática. 

A estratégia de pesquisa incluiu apenas estudos publicados e foi realizada em três passos. Primeiramente foi realizada uma pesquisa generalista nas bases de dados Google Scholar, PubMed( e Biblioteca do Conhecimento Online (B-On() que permitiu identificar todas as palavras-chave e descritores utilizados. Posteriormente foi realizada uma segunda pesquisa, com vocabulário indexado à base de dados Medical Subjetct Headings (MeSH() no dia 17 de abril de 2021, nos motores de busca: Biblioteca do Conhecimento Online (B-On() e PubMed(. Para esta pesquisa foram utilizados os limitadores: artigos publicados entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020; disponíveis em texto integral; revisto por pares (peer review); publicados em revistas académicas e disponíveis em português, inglês e espanhol.

Os termos utilizados na pesquisa foram estruturados segundo os operadores boleanos, com a seguinte combinação em inglês: “Oral Hygiene” AND “Pneumonia, Ventilator-Associated” OR “Pneumonia, Ventilator Associated” AND “Critical Care Nursing”.

No terceiro passo, procedeu-se à escolha dos artigos para inclusão na revisão sistemática. Da pesquisa efetuada obteve-se um total de 422 artigos (410 via B-On( e 12 via PubMed(). Após a remoção de duplicados (n=107) resultaram 315 artigos. Pela leitura do título foram selecionados 23 artigos (excluídos 292). Através da leitura do resumo foram excluídos 12 artigos por não responderem à questão de investigação, não responderem à questão de investigação no contexto delineado ou não apresentarem metodologia adequada, ficando a amostra com 11 artigos para análise de texto integral. Destes, após a avaliação dos mesmos, foram selecionados apenas estudos de cariz primário, subsistindo 8 artigos para a revisão sistemática da literatura, pertencentes às bases de dados: Academic Search Complete (2 artigos), Medline (2 artigos), ScienceDirect (1 artigo), Digital Access to Scholarship at Harvard (DASH) (1 artigo), Complementary Index (1 Artigo) e Suplemental Index (1 artigo). Este processo foi realizado de forma independente e autónoma por 2 revisores, tendo sido obtidos, por anuência dos mesmos, os estudos selecionados. No fluxograma realizado (Figura 1) foi possível sistematizar o processo de seleção dos estudos.

Figura 1: Fluxograma do processo de seleção dos artigos Adaptado de PRISMA (2021)(8). 

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos selecionados foi efetuada de acordo com os critérios definidos pelo The Joanna Briggs Institute7,8,9 utilizando os níveis de evidência segundo a caracterização dos estudos (Tabela 2) e o instrumento “Critical appraisal checklist for analytical cross-sectional studies”7, assumindo-se como estudos de metodologia correta e de qualidade comprovada aqueles que reunissem, no mínimo, 7 respostas afirmativas em 8.

Tabela 2: Avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos na revisão sistemática9,10.  

RESULTADOS

A extração dos dados relativos a cada artigo foi realizada através da criação de uma Tabela (Tabela 3) que incluiu, para cada estudo, as seguintes informações: autores, título, local, ano, objetivo do estudo, intervenção desenvolvida, período de tempo, tipo de participantes e principais resultados. A apresentação de dados em Tabela é recomendada pelo JBI7 e tem como principal objetivo conduzir o processo narrativo e sumariados dos dados encontrados.

Tabela 3: Resumo dos estudos obtidos - Fatores que interferem na prestação de cuidados de higiene oral aos utentes sob intubação orotraqueal. 

Tabela 3 (cont.): Resumo dos estudos obtidos - Fatores que interferem na prestação de cuidados de higiene oral aos utentes sob intubação orotraqueal. 

Tabela 3 (cont.): Resumo dos estudos obtidos - Fatores que interferem na prestação de cuidados de higiene oral aos utentes sob intubação orotraqueal. 

Tabela 3 (cont.): Resumo dos estudos obtidos - Fatores que interferem na prestação de cuidados de higiene oral aos utentes sob intubação orotraqueal. 

Tabela 3 (cont.): Resumo dos estudos obtidos - Fatores que interferem na prestação de cuidados de higiene oral aos utentes sob intubação orotraqueal. 

Os artigos incluídos na revisão sistemática da literatura foram publicados entre os anos 2017 e 2020 e incluem enfermeiros e utentes intubados, com amostras que variam entre os 28 e os 375 enfermeiros e os 47 e os 428 utentes. O contexto diz respeito a Unidades de Cuidados Intensivos (UCI). Na sua totalidade, são estudos descritivos, na sua maioria transversais, que utilizaram como principal estratégia de colheita de dados o questionário. No que concerne à origem demográfica dos estudos, estes foram realizados em diferentes países: Canadá6)(10)(11, Jordânia12,13, Paquistão14, Tailândia15) e Índia16.

Através da análise e interpretação rigorosa dos estudos incluídos nesta revisão, identificámos que a maioria dos artigos focam-se no conhecimento6)(12)(13)(14)(16, na atitude6,1-14,16 e na prática de cuidados de higiene oral dos enfermeiros aos utentes intubados13)(14)(11)(16. Alguns deles abordam a influência dos dados sociodemográficos 6,11, dos recursos11)(13)(14)(16 e da existência de instrumentos de atuação padronizados (guidelines, normas e/ou protocolos)6)(11)(12)(13)(15)(16 na prática dos cuidados. Outros estudos incluídos abordam ainda os fatores relacionados com a dificuldade de acesso à cavidade oral dos utentes, para a prestação de cuidados de higiene10)(14)(16.

DISCUSSÃO

Nos estudos analisados, apesar de todos eles serem direcionados para a prática de cuidados de higiene oral aos utentes intubados, o conhecimento dos enfermeiros foi avaliado em relação ao seu conhecimento da prática correta de higiene oral11)(12)(13, aos mecanismos de transmissão14 e às estratégias de prevenção da pneumonia associada à intubação16, uma vez que todos estes se encontram relacionados. Nas amostras analisadas o conhecimento dos enfermeiros é considerado mediano/baixo11)(12)(13. No estudo de Al-Zaru, Batiha, Al-Talla, Bani & Alhalaiqa13, os resultados indicam que os enfermeiros não detêm conhecimento adequado sobre a prática correta dos cuidados, nem uma perceção clara das características ideais das soluções de limpeza utilizadas na cavidade oral (que variam entre a utilização de cloro-hexidina, cloreto de sódio, peróxido de hidrogénio e o bicarbonato de sódio).

Al-Zaru et al 13 evidenciam ainda que os enfermeiros desconhecem os equipamentos adequados para a remoção da placa dentária, uma vez que identificam como principais recursos, a ser utilizados para esta função, os bastões de espuma e cotonetes orais (80% dos inquiridos)13) em detrimento da utilização de escovas de cerdas pequenas e macias17)(18)(19 preferencialmente com sistema de sução incorporado, definidas na literatura como o recurso adequado18. Dados estes que vão ao encontro do estudo desenvolvido por Tanguay, Reeves, LeMay, Khadra, Gosselyn & Cry-tribble11, que identificaram que o conhecimento dos enfermeiros em relação à prática correta dos cuidados de higiene oral é considerado baixo, e pelo estudo realizado por Alja'afreh et al, 201812, em que a maioria dos inquiridos não identifica corretamente a frequência indicada para a aspiração da cavidade oral e só 63% identifica a frequência correta para a utilização de escova de dentes.

Guari, Javaeed, Chaudry, Khan & Mustafa14 avaliaram os conhecimentos dos enfermeiros em relação aos mecanismos de transmissão da pneumonia associada à intubação e apesar de considerarem que no geral os enfermeiros detêm bons conhecimentos, no que concerne à prática relacionada com os cuidados de higiene oral, apenas 40% dos inquiridos concorda que a doença possa ser transmitida por secreções contaminadas da orofaringe. Facto este que é corroborado por Al-Zaru et al13, uma vez que identificou que existe uma falta de conhecimento dos enfermeiros acerca da relação existente entre os cuidados de higiene oral e a prevenção da pneumonia associada à intubação.

Sreenivasan, Gangana & Rajashekaraiah16 avaliaram os conhecimentos dos enfermeiros quanto às estratégias de prevenção da pneumonia associada à intubação e apenas 18% dos enfermeiros identificaram corretamente as estratégias enumeradas. No entanto, 82% dos inquiridos soube identificar as consequências associadas à pneumonia associada à intubação enumerada pelo questionário (aumento dos dias de internamento hospitalar; aumento da mortalidade; aumentos dos custos associados com o internamento).

No que concerne à origem do conhecimento dos enfermeiros em relação à prática de cuidados higiene oral, Al-Zaru et al13, referem que são maioritariamente os enfermeiros sénior a transmiti-las, seguido das escolas de enfermagem.

Existe um conjunto de fatores, identificados pelos estudos, que interferem com a atitude dos enfermeiros em relação aos cuidados de higiene oral. Estes passam, maioritariamente, pela priorização da higiene oral em relação a outros cuidados prestados pelos enfermeiros12)(13)(14, pelas pensamentos e raciocínios associados ao cuidado12,14, e pela avaliação (favorável/desfavorável, facilidade/dificuldade) que os profissionais fazem do ato de higienizar a boca dos utentes intubados orotraquealmente, que acaba por influenciar o seu nível de intenção de prática de cuidados 6.

No geral, os enfermeiros inquiridos pelos estudos identificados, consideram os cuidados de higiene oral como uma atividade de alta prioridade12,14. No entanto, Al-Zaru et al13, foram mais incisivos na sua análise e identificaram que os enfermeiros consideram a higiene oral do utente intubado como medianamente prioritária, quando comparada com outras atividades diárias como a avaliação física do utente, a cinesiterapia respiratória, a alternância de decúbitos, os cuidados de higiene e conforto no leito, entre outros. No entanto, quando comparou a higiene oral com atividades que se encontram relacionadas com a estabilização clínica do utente, como a administração de oxigenoterapia, a aspiração de secreções, a administração de terapêutica, a admissão de utentes na Unidade de Cuidados Intensivos, e as práticas de manutenção de catéteres, esta foi classificada em último lugar13.

Relativamente aos pensamentos e raciocínios associados a este cuidado, nos estudos identificados por Alja'afreh et al12 & Gharuri et al14, uma grande percentagem dos enfermeiros acredita que o estado da boca dos utentes intubados orotraquealmente vai piorar, independentemente dos cuidados que lhe são prestados. Sendo a cavidade oral dos utentes intubados considerada por 90,2% dos inquiridos no estudo de Guari et al14 como uma área do corpo difícil de higienizar. Alja'afreh et al12 acrescenta ainda que esta tarefa é considerada por 68% dos enfermeiros como desagradável. Sendo o odor, um dos fatores identificados por Al-Zaru et al13 que mais contribui para esta associação. Já Tanguay et al6 acrescentam que a perceção da facilidade/dificuldade para realizar determinada tarefa e a avaliação favorável/desfavorável para o adotar, são os constructos que mais influenciam o nível de intenção da prática dos cuidados de higiene oral. É realçado pelos diversos autores que o envolvimento das instituições hospitalares, juntamente com as de ensino, detêm um papel primordial na transmissão de saberes e na inerente construção de conhecimentos, pensamentos e raciocínios associados6)(12)(15)(16.

Nos estudos analisados, a prática de cuidados de higiene oral aos utentes intubados é considerada heterogénea16) e de baixa qualidade11)(12)(13, sendo maioritariamente uma tarefa considerada para o conforto e bem-estar dos utentes, em detrimentos da remoção eficaz de microrganismos13,16. Este facto relaciona-se com o conhecimento (já enunciado), os recursos, o tempo, a experiência, necessidade de treino adequado e com as políticas institucionais.

Ao nível dos recursos, a prática é influenciada pelo desconhecimento generalizado dos meios adequados para a prestação de cuidados de higiene oral13,16) e com os equipamentos disponibilizados pelas instituições6)(11)(13)(14.

No que concerne ao tempo, a maioria dos enfermeiros inquiridos nos estudos, refere não ter o tempo adequado para prestar cuidados de higiene oral6)(11)(12)(13)(14)(16 sendo este fator, em muito, influenciado pelos rácios (enfermeiro-utente) nos serviços11,13,16. Sendo salientado pelo estudo realizado por Guauri et al14, que 63% dos enfermeiros refere não ter tempo para providenciar cuidados de higiene oral, no mínimo, uma vez por dia.

Relativamente à influência dos dados sociodemográficos na prática de cuidados de higiene oral, Tanguay et al11 & Al-Zaru13, referem que os enfermeiros com mais anos de experiência em UCI tendem a prestar cuidados de higiene oral 11,13 e a realizar avaliações estruturadas da cavidade oral com mais frequência11. No entanto, no único estudo correlacional encontrado na amostra, não foi encontrada qualquer correlação entre o tempo de serviço em UTI e a qualidade da prática de cuidados de higiene oral11. Sendo referido por Tanguay et al (11 que a única correlação positiva encontrada na qualidade dos cuidados prestados relaciona-se com o nível de educação e de treino prévio dos enfermeiros.

Os programas de treino específicos são identificados por muitos dos enfermeiros inquiridos nos estudos como uma necessidade premente6)(11)(12)(14. Deste modo, é também enaltecida a importância da envolvência das instituições hospitalares6)(12)(13)(16, através do desenvolvimento de programas educacionais direcionados às necessidades dos enfermeiros6)(12)(15 que facilitem a introdução de conhecimento científico na prática dos cuidados12 e que contrariem os dados encontrados no estudo de Al-Zaru et al13, que identificam como principal fonte de conhecimentos desta prática, a transmissão efetuada por enfermeiros sénior. Outra das medidas passa pela introdução de instrumentos padronizados, através de protocolos ou guidelines atualizados6)(11)(13)(16, uma vez que a maioria dos enfermeiros reagem melhor a informações padronizadas que se encontrem disponíveis nas áreas de trabalho para guiar as suas práticas, aumentando o seu compromisso com os cuidados de higiene oral aos utentes intubados12,16. Sendo estas medidas, o desenvolvimento de programas educacionais abrangentes e a introdução de instrumentos que guiem a atuação de profissionais nos cuidados de higiene oral, uma das recomendações presentes em diversos artigos e opiniões de peritos que abordam esta questão1)(2)(18.

Quanto à presença de protocolos de atuação ou guidelines nos estudos da amostra, a sua presença é bastante variável. Alja'afreh et al12 refere que nos 3 hospitais analisados, na Jordânia, 65% dos inquiridos afirmam ter protocolos de atuação. Já Tanguay et al11, no seu estudo realizado em dois hospitais universitários do Canadá realça que só 41% dos inquiridos tem protocolos de atuação, no entanto, é salientado que 57% os considera desatualizados. Já Sreenivasan et al16 desenvolveu o seu estudo na Índia, em 21 hospitais, e refere que os protocolos são inexistentes.

A influência da introdução de programas de treino e protocolos é bastante percetível no estudo desenvolvido por Khasanah, Sae-Sai e Samkliang15, na Tailândia. Após a elaboração de um programa estruturado de ensino (com workshops, apresentações, e sessões de coaching privadas), com desenvolvimento e introdução de uma guideline e apoio da gestão hospitalar ao longo de dois meses, estes obtiveram um desempenho de 88 a 100% dos enfermeiros incluídos na amostra, durante os cuidados de higiene oral contemplados na guideline desenvolvida, com incrementos significativos no estado de saúde oral dos utentes. No entanto, Alja'afreh et al12 realçam que não basta desenvolver programas de treino e padronizar cuidados. Estas são uma das formas identificadas pelos estudos para aumentar o conhecimento dos enfermeiros e influenciá-los na aquisição de perceções e atitudes que possam vir a influenciar a prática, baseado em evidência científica6,12. É igualmente necessário monitorizar a prática de cuidados12, para que seja possível a consciencialização das mesmas e a implementação de estratégias que visem a sua melhoria.

Nalguns dos estudos analisados é identificado como fator influenciador das práticas de cuidados de higiene oral a grande dificuldade no acesso à cavidade oral dos utentes intubados10)(14)(16. Sendo que as principais dificuldades encontradas se relacionam com a visualização10, o espaço disponível para inserir instrumentos10,16) e a falta de cooperação do utente10. Estas dificuldades são ampliadas quando os utentes detêm patologia neurológica ou traumática na admissão (em detrimento de patologias médicas), quando têm mais que um dispositivo na cavidade oral, mais dias de intubação e apresentam períodos de agitação e dor nas quatro horas que antecedem dos cuidados de higiene oral10. Os comportamentos dos utentes que mais contribuem para as dificuldades de acesso inclui tosse/engasgos, encerramento da boca, morder e localizar ou alcançar os dispositivos durante os cuidados. Deste modo, é realçada a importância de uma abordagem multidisiciplinar, que inclua a prestação de cuidados de higiene oral rigorosos, com recurso à avaliação e gestão da agitação e da dor, sempre que necessário10.

Este estudo apresenta algumas limitações, devido ao fato de ter sido limitado aos idiomas selecionados, à falta de consenso nos questionários utilizados pelos autores e por alguma falta de definição consensual nos termos utilizados como: atitude, perceção e conhecimento. Outra das limitações passa pela falta de caracterização da prática de cuidados de higiene oral consideradas adequadas para cada realidade, quando não existem protocolos de atuação ou guidelines institucionais.

CONCLUSÃO

Assegurar que a prática de cuidados de higiene oral aos utentes sob intubação orotraqueal seja bem-sucedida implica um trabalho efetivo e conjunto das instituições, dos enfermeiros e de uma abordagem multidisciplinar e holística ao utente. Para dar resposta à questão de investigação formulada, é possível concluir que a prática de cuidados de higiene oral dos enfermeiros, aos utentes sob intubação orotraqueal, são influenciadas pelo seu conhecimento, atitude, pelos recursos disponibilizados, tempo disponível, treino e políticas institucionais, bem como, por fatores relacionados com o utente, que se prendem maioritariamente, com dificuldades de acesso à cavidade oral.

Os artigos estudados apresentam resultados convergentes, e apontam como necessidade premente o desenvolvimento de programas educacionais e de treino que visem o incremento do know-how dos enfermeiros relativamente aos mecanismos de transmissão e de estratégias de prevenção da pneumonia associada à intubação, realçando a necessidade da prática correta de higiene oral. Estes programas devem ser direcionados aos enfermeiros e procurar a transmissão de saberes baseada em conhecimento científico atualizado, que visem a desmistificação de pensamentos e raciocínios erróneos, muitas vezes associados a estas práticas. Estes devem procurar a mudança da prática, atualmente baseada no conforto e bem-estar do utente, para uma prática segura e sustentada que procure a remoção eficaz de microrganismos e prevenção da sua chegada às vias aéreas inferiores. Outra das medidas institucionais identificadas passa pela introdução de instrumentos de atuação padronizados atualizados (em forma de guidelines ou protocolos) que guiem a atuação da equipa de enfermagem e aumentem o seu compromisso com os cuidados de higiene oral, sendo igualmente necessário à sua monitorização. No entanto, não basta apostar na transmissão de conhecimento e consequente mudança de atitudes, é essencial um papel ativo por parte das instituições de saúde que visem dotar os serviços de recursos adequados. Estes recursos passam pela disponibilidade de equipamentos adequados para a prestação de cuidados de higiene oral seguros, bem como de profissionais, aumentando o rácio enfermeiro-utente e permitindo uma maior disponibilidade temporal para a prestação de cuidados de higiene oral.

A literatura aponta também para a necessidade de uma abordagem multidisciplinar ao utente que procure aumentar o seu conforto e bem-estar, diminuindo as dificuldades de acesso, de visualização da cavidade oral e de cooperação do utente, passando estas medidas, maioritariamente pela avaliação e gestão da agitação e da dor, permitindo a prestação de cuidados de higiene oral seguros.

O presente estudo é pertinente, atual e convincente da necessidade emergente de instituições e profissionais de saúde se unirem na senda da melhoria contínua da prática de cuidados de higiene oral, com impacto significativo na saúde dos utentes sob intubação orotraqueal.

REFERENCIAS

1. Wainer C. The importance of oral hygiene for patients on mechanical ventilation. Br J Nurs. [Internet]. 2020 [citado 2021 Abr 22]; 29(15): 862-863. Available at: https://www.magonlinelibrary.com/doi/epub/10.12968/bjon.2020.29.15.862Links ]

2. Gershonovitch R, Yarom N, Findler M. Preventig Ventilartior-Associated Pneumonia in Intensive Care unit by improved oral care: a review of randomized control trials. SN Compr. Clin. Med. [Internet]. 2020. [citado 2021 Abr 25]; 2: 727-733. Available at: https://link.springer.com/article/10.1007/s42399-020-00319-8Links ]

3. Direção-Geral da Saúde. "Feixes de Intervenções" de Prevenção de Pneumonia Associada à Intubação. DGS [Internet]. 2017 [citado 2021 Abr 22]. Available at: https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0212015-de-16122015-pdf.aspxLinks ]

4. Kovacs CS, Modi AR. Hospital acquired and ventilator-associated pneumonia: Diagnosis, management and prevention. Clev Cli J Med. [Internet]. 2020 [citado 2021 Abr 22]; 87 (10): 633-639. Available at: https://www.ccjm.org/content/ccjom/87/10/633.full.pdfLinks ]

5. Luckraz H, Manga N., Senanayake E, Mahmoud A, Gopal S, Charman SC, Giri R, Oppong R, Andronis L. Cost of treating ventilator associated pneumonia post cardiac surgery in the National Health Service: results from a propensity-matched cohort study. J Intensive Care Soc. [Internet]. 2018 [citado 2021 Mar 15]; 19 (2): 94-100. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5956688/Links ]

6. Tanguay A, LeMay S, Reeves I, Gosselin É, St-Cyr-Tribble D. Factors influencing oral care in intubated care patients. Nurs Crit Care. [Internet]. 2019 [citado 2021 Abr 22]; 25: 53-60. Available at: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31305004/Links ]

7. Joanna Briggs Institute. The JBI Critical Appraisal tools for use in JBI Systematics Reviews - Checklist for Analytical Cross-Sectional Studies. JBI [Internet]. 2021 [citado 2021 Abr 22]. Available at: https://wiki.jbi.global/display/MANUAL/Appendix+7.5+Critical+appraisal+checklist+for+analytical+cross-sectional+studiesLinks ]

8. Page M, McKenzie J, Bossuyt P, Boutron I, Hoffmann T, Mulrow C, et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ [Internet]. 2021 [citado 2021 Abr 22]; 372(71). Available at: https://www.bmj.com/content/372/bmj.n71Links ]

9. Joanna Briggs Institute. Developed by the Joanna Briggs Institute Levels of Evidence and Grades of Recommendation Working Party October 2013. JBI [Internet]. 2013 [citado 2021 Abr 22]. Available at: https://jbi.global/sites/default/files/2019-05/JBI-Levels-of-evidence_2014_0.pdfLinks ]

10. Joanna Briggs Institute. The Joanna Briggs Institute Levels of Evidence and Grades of Recommendation Working Party*. Supporting Document for the Joanna Briggs Institute Levels of Evidence and Grades of Recommendation. JBI [Internet]. 2014 [citado 2021 Abr 22]. Available at: https://jbi.global/sites/default/files/2019-05/JBI%20Levels%20of%20Evidence%20Supporting%20Documents-v2.pdfLinks ]

11. Dale CM, Smith O, Burry L, Rose L. Prevalence and predictors of difficulty accessing the mouths of intubated critically ill adults to deliver oral care: an observational study. Int J Nurs Stud [Internet]. 2018 [citado 2021 Abr 22]; 80: 36-40. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0020748917302845?via%3DihubLinks ]

12. Tanguay A, Reeves I, LeMay S, Khadra C, Gosselin E, St-Cyr-Tribble D. Survey of oral care practices in Quebec for intensive care patients receiving mechanical ventilation. Canadian Journal of Critical Care Nursing. [Internet]. 2018 [citado 2021 Abr 22]; 29(3): 39-44. Available at: https://www.caccn.ca/files/CJCCN/29-3-2018%20CJCCN.pdf#page=39Links ]

13. Alja'afreh MA, Mosleh SM, Habashmeb SS. Nurses' perception and attitudes towards oral care practices for mechanically ventilated patients. Saudi Med J [Internet]. 2018 [citado 2021 Abr 22]; 39(04): 379-385. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5938652/Links ]

14. Al-Zaru I, Batilha AM, Al-Talla AA, Bani YM, Alhalaiqa FN. Knowledge, attitudes, and practices of oral care in mechanical ventilated patients. Prakticky´ Le´kar [Internet]. 2020 [citado 2021 Abr 22]; 100: 5-11. Available at: https://www.researchgate.net/publication/345368721_Knowledge_Attitudes_and_Practices_of_Oral_Care_in_Mechanical_Ventilated_PatientsLinks ]

15. Ghauri, SK, Javaeed A, Chaudhry A, Khan AS, Mustafa KJ. Knowledge and attitudes of Pakistani intensive care unit nurses regarding oral care delivery to mechanically ventilated patients. J Pak Med Assoc [Internet]. 2020 [citado 2021 Abr 22]; 70(7): 1203-1208. Available at: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32799274/Links ]

16. Khasanah IH, Sae-Sai W, Damkliang J. The effectiveness of oral care guideline implementation on oral health status in critically ill patients. SAGE Open Nursing. [Internet]. 2019 [citado 2021 Abr 22]; 5: 1-9. Available at: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2377960819850975Links ]

17. Sreenivasan VP, Gangana A, Rajashekaraiah PB. Awareness among intensive care nurses regarding oral care in critically ill patients. J Indian Soc Periodontal. [Internet]. 2018 [citado 2021 Abr 22]; 22: 541-545. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6305093/Links ]

18. Doshi M. Mouth Care Matters - A guide for hospital healthcare professionals - second edition. NHS - Health Education England [Internet]. 2019. [citado 2021 Abr 25]. Available at: http://mouthcarematters.hee.nhs.uk/wp-content/uploads/sites/6/2020/01/MCM-GUIDE-2019-Final.pdfLinks ]

19. Collins T, Plowright C, Gibson V, Staut L, Clarke S, Caisley J, et al. British Association of Critical Care Nurses: Evidence-based consensus paper for oral care within critical care units. Nurs Crit Care. [Internet]. 2020 [citado 2021 Abr 25]; 1-10. Available at: https://doi.org/10.1111/nicc.12570Links ]

20. Grap MJ, Martin B, Munro C. American Association of Critical-Care Nurses Practice Alert - Oral care for acutely and critically ill patients. Crit Care Nurse. [Internet]. 2020 [citado 2021 Abr 25]; 37(3): 19-21. Available at: https://doi.org/10.4037/ccn2017179Links ]

Recebido: 20 de Março de 2022; Aceito: 13 de Outubro de 2022

taniacabritaxavier@gmail.com

Mestre en Enfermagem.

Doutora en Psicologia. Docente em Enfermagem.

Creative Commons License Este es un artículo publicado en acceso abierto bajo una licencia Creative Commons