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Pharmacy Practice (Granada)

On-line version ISSN 1886-3655Print version ISSN 1885-642X

Pharmacy Pract (Granada) vol.4 n.2 Redondela Apr./Jun. 2006

 

Investigação original

Como medir (ou não medir) a adesão à terapêutica de erradicação

How to measure (or not) compliance to eradication therapy

Como medir (o no medir) la adhesión en el tratamiento de erradicación

Ana Paula MARTINS, Ana Patrícia FERREIRA, Filipa Alves da COSTA, José CABRITA.

RESUMO

Este estudo tinha por objectivo testar um método inovador para medir a adesão à terapêutica em doentes infectados com H. pylori na farmácia comunitária Portuguesa.
Um estudo de casos foi utilizado, no qual os indicadores de adesão foram obtidos através de dois métodos: método electrónico e relato dos doentes. Estes referiram-se à forma como utilizaram os medicamentos, bem como a reacções adversas sentidas, benefício da terapêutica e estado de saúde percepcionado.
A proporção média de adesão encontrada foi de 56%. Detectou-se um impacto positivo no estado de saúde percepcionado. O método utilizado foi considerado exequível pelos farmacêuticos comunitários, apesar de poder ter tido influência no comportamento normal dos doentes sob observação.

Palavras chave: Helicobacter pylori. Úlcera péptica. Adesão à terapêutica. Estado de saúde. Utilização de medicamentos. Serviços de farmácia comunitária. Portugal.

ABSTRACT

This study aimed to test a novel method of compliance measurement in Portuguese community pharmacy in Helicobacter pylori patients.
A case series design was used where compliance indicators were electronically measured, aside with patients’ reports. Experienced adverse drug reactions, perceived benefit of therapy and quality of life were also measured.
Mean compliance proportion was 56% and a positive impact on patients’ perceived health status was found. The method used was welcomed by community pharmacists, albeit having an influence on patients’ normal behaviour.

Key words: Helicobacter pylori. Peptic ulcer. Compliance. Health status. Drug use. Community pharmacy services. Portugal.



Ana Paula MARTINS. PhD. Centro de Farmacoepidemiologia (CEFAR-ANF) e Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (Portugal).
Ana Patrícia FERREIRA. Estatista Centro de Farmacoepidemiologia (CEFAR-ANF)
Filipa Alves da COSTA. PhD, Centro de Farmacoepidemiologia (CEFAR-ANF) e Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, Lisboa (Portugal)
José CABRITA. PhD. Professor de Sócio-Farmácia. Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (Portugal).

 

INTRODUÇÃO

A prevalência ao longo da vida da úlcera péptica em países industrializados é de 10%, tendo um impacto na saúde social e pública considerável.1 A infecção crónica por Helicobacter pylori, bem como o consumo de AINEs, têm sido descritos como as causas mais comuns de úlcera péptica.2 A terapêutica de erradicação de H. pylori assume, neste contexto, uma importância major no combate à morbilidade associada a esta doença. O tratamento de primeira linha para a erradicação de H. pylori foi consensualmente estabelecido como a combinação de um inibidor da bomba de protões (IBP) e dois agentes anti-bacterianos.3 A importância de uma correcta adesão à terapêutica é reconhecida para alcançar o máximo beneficio com a terapêutica. A adesão à terapêutica foi definida como “o grau em que o doente segue as instruções do médico”.4 Actualmente existem vários métodos para medir a adesão à terapêutica, sendo reconhecido que todos eles têm limitações; por isso, tem sido recomendado o uso simultâneo de pelo menos dois métodos combinados como uma forma de ultrapassar este problema.5 O stress físico e emocional são factores que interagem com o desenvolvimento da úlcera péptica6 e, como tal, a avaliação do impacto desta infecção no estado de saúde percepcionado pelos doentes pode ser considerado de grande interesse.

O objectivo deste trabalho foi contribuir para uma melhor utilização da terapêutica de erradicação de H. pylori através de: avaliação da adesão à terapêutica tripla recorrendo a dispositivos electrónicos (EMs); medição do impacto da terapêutica no estado de saúde percepcionado pelos doentes; avaliação da aceitabilidade e exequibilidade da utilização deste método na farmácia comunitária.

 

MÉTODOS

Desenho de estudo e período de estudo

Foi utilizado um estudo de casos com medição prospectiva dos indicadores de adesão à terapêutica, relatos dos doentes de reacções adversas a medicamentos e percepção do benefício da terapêutica. O estudo decorreu entre Maio de 2002 e Janeiro de 2003.

Considerações sobre a amostra

Uma amostra de utentes habituais das farmácias aderentes ao estudo foi convidada a participar. Os critérios de inclusão estabelecidos foram, respectivamente, ter uma prescrição de terapêutica de erradicação tripla e concordar em ser seguido durante um mês após o terminus da terapêutica. As terapêuticas consideradas de interesse para estudo foram qualquer associação de um IBP ou um antagonista dos receptores H2 e dois agentes anti-infecciosos. Foram excluídos os doentes com incapacidades físicas ou mentais.

Instrumentos para recolha de informação

1. Os doentes foram inicialmente esclarecidos sobre o estudo, oralmente e através da entrega de um folheto com informação detalhada.
2. As recusas à participação no estudo foram documentadas num formulário de recusa.
3. Os doentes que aceitaram participar formalizaram-no por escrito assinando uma declaração de consentimento informado.
4. O primeiro questionário foi administrado pelo farmacêutico. A informação recolhida consistiu em: dados sócio-demográficos; a especialidade do clínico; existência de prescrição prévia de terapêutica de erradicação; conhecimento sobre a infecção por H. pylori e a razão do tratamento prescrito; testes de diagnóstico realizados para confirmação da infecção por H. pylori.
5. O questionário para medicão do estado de saúde SF-36 foi utilizado para recolha de informação sobre a percepção dos doentes sobre esta variável no momento de início do estudo e um mês após terminar a terapêutica.
6. Um dia após finalizarem a terapêutica, os doentes responderam a um segundo questionário, onde para além das suas experiências com o manuseamento da terapêutica, foi recolhida informação sobre o benefício da terapêutica percepcionado e a ocorrência de efeitos adversos medicamentosos. A adesão à terapêutica auto-declarada foi igualmente avaliada neste momento, perguntando ao doente se alguma vez se tinha esquecido de tomar a medicação ou se alguma vez não a tinha tomada por sua iniciativa; quantos comprimidos tomava por dia, a que horas e se tinha sempre tomado à hora indicada. Foi ainda recolhida informação sobre a medicação concomitante para avaliar se esta variável tinha influência sobre distintos comportamentos de adesão.

Medição da adesão à terapêutica

O farmacêutico informou o doente que os seus medicamentos seriam colocados em três frascos separados, que deveriam ser utilizados durante todo o tratamento, aconselhando-o também sobre as condições de armazenamento. Foi explicado com especial cuidado que os frascos só deveriam ser abertos aquando da toma dos medicamentos. Neste estudo foi utilizado um sistema rigoroso para medição da adesão à terapêutica, um método indirecto que consiste em monitorização electrónica: System MEMO CAPS - Medication Event Monitoring. Este sistema recorre a frascos para colocação da medicação equipados com uma tampa onde se encontra um microchip armazenado, o qual regista a data e hora a que o frasco é aberto e fechado. Estes dispositivos são utilizados pelos doentes como uma caixa de medicamentos normal e a informação recolhida é então lida recorrendo a um software específico.

Indicadores de adesão

Os indicadores utilizados neste estudo foram a “adesão de toma” (taking compliance), a “adesão na dose” (dosing compliance) e a “adesão na posologia” (timing compliance), todos eles comparados com as auto-declaracões dos doentes.

- Taking compliance: Percentagem tomada da dose prescrita, calculada da seguinte forma: número total de eventos de toma registados/ número total de doses prescritas*100%. Exemplo: um doente abriu e fechou o frasco 170 vezes; o regime prescrito para este doente era de duas tomas diárias para um período de 100 dias. A taking compliance para este doente será (170/200)*100% = 85%. Esta é uma medida útil como informação geral. É, no entanto, bastante rudimentar, na medida em que não fornece informação sobre o intervalo inter-dose ou sobre os dias em que houve sobre ou sub dosagem; como tal, é possível que algumas doses omitidas sejam cobertas por outras tomadas em excesso em dias diferentes.

- Correct dosing: Percentagem de dias em que o número de doses prescritas foi correctamente tomado, calculado da seguinte forma: número de dias com eventos de toma registados como prescritos/ número total de dias monitorizados*100%. Exemplo: um doente abriu e fechou o frasco 170 vezes; o regime prescrito para este doente era de duas tomas diárias para um período de 100 dias; no entanto, houve registo de duas aberturas em 24h apenas em 58 dias. Assim, a sua correct dosing será: (58/100)*100%=58%. Esta variável é útil para investigação do uso real da terapêutica no dia-a-dia. Incorpora informação sobre a variabilidade diária da dose e não é influenciada pela “dosing catch-up”.

- Timing compliance: Calcula-se pelo: número de intervalos inter-dose de duração permitida/ número de intervalos inter-dose prescritos*100%. Esta estimativa é feita por defeito permitindo uma variação de ±25% no que respeita à duração de acção do medicamento, a qual pode obviamente ser ajustada de acordo com o medicamento em estudo. Por exemplo, se um medicamento for prescrito uma vez ao dia, utilizando a variação por defeito, o intervalo inter-dose permitido será entre 18 e 30 horas. Caso existam doses não tomadas, os intervalos inter-dose serão, por definição, menores que os prescritos, o que significa que a timing compliance não soma necessariamente 100%. Exemplo: um doente abriu e fechou o frasco 170 vezes; a sua receita indicava sulfalazina duas tomas diárias para um período monitorizado de 100 dias. No entanto, os intervalos inter-dose tiveram uma duração entre 18 e 30 horas apenas em 45 dias. A timing compliance será: (45/199)*100%=26%. Esta medida considera os intervalos inter-dose, o que traz informação adicional sob o ponto de vista farmacológico.

Aderente versus não aderente

Os doentes com registos dos três indicadores de adesão de 80% ou superior foram globalmente classificados como aderentes, ao passo que os que tiveram pelo menos um registo inferior a 80% foram classificados como não aderentes. Esta medida foi considerada como uma classificação global por indivíduo, levando em consideração os três indicadores para cada um dos três medicamentos.

Concordância entre a informação auto-declarada e a medição electrónica

Foram criadas três variáveis adicionais para avaliação da concordância entre estas duas fontes de informação. Quando a informação prestada pelo doente era consistente com a registada electronicamente, os dados foram considerados concordantes para cada um dos três indicadores de adesão. Se pelo menos um dos indicadores não fosse consistente, o doente era classificado como discordante. Visto que o doente tinha conhecimento de estar a ser observado na utilização dos três medicamentos, a informação foi apenas considerada concordante quando se verificou absoluta sobreposição de informação para os três indicadores, resultando num indicador global para a concordância.

Análise estatística: A informação recolhida foi armazenada numa base de dados desenvolvida em Access 2000 e a análise estatística foi realizada recorrendo ao software SAS versão 8.2 (SAS Institute). Inicialmente, foi realizado um controlo de qualidade da informação e posteriormente foi realizada uma análise exploratória dos dados com criação de novas variáveis. Os indicadores de adesão foram estimados directamente pelo software Power View version 1.4 (AARDEX Ltd). Devido à reduzida dimensão da amostra, a análise consistiu apenas na caracterização das variáveis em estudo, recorrendo a frequências absolutas e relativas. Para as variáveis contínuas, foram calculadas as proporções de adesão e as pontuações de cada domínio do estado de saúde. Foram igualmente calculadas medidas de tendência central, usando um intervalo de confiança de 95%. A análise bivariada foi utilizada para correlacionar algumas variáveis de interesse, tais como o estado de saúde nos doentes aderentes e não aderentes e a comparação dos comportamentos de adesão entre os doentes incidentes e prevalentes em relação à terapêutica de erradicação.

Medição do estado de saúde

O impacto da terapêutica na percepção dos doentes sobre o seu estado de saúde foi avaliado através da utilização do Short-Form 36 (SF36). Para cada domínio, foi calculada uma pontuação no momento inicial do estudo e um mês depois. A diferença entre estes dois valores, para cada domínio, foi assumida como uma medida do impacto da terapêutica no estado de saúde do doente. Foi também comparada a média das pontuações obtida em cada momento de seguimento e avaliada a sua significância estatística. Por último, realizou-se o mesmo tipo de análise comparando entre os subgrupos de doentes aderentes e não aderentes.

 

RESULTADOS

Participação dos doentes e dos farmacêuticos

Foram recrutados 25 doentes no total, através de 17 farmácias comunitárias, extraídas de uma amostra de 30 que concordaram inicialmente em participar. Não houve recusas nem desistências do estudo por parte dos doentes. Dois casos foram excluídos, um deles por ter lhe ter sido alterada a terapêutica, deixando de cumprir os critério de inclusão, e outro pelo facto de haver registos de uso inadequado dos dispositivos. No final do estudo, houve 23 casos elegíveis para análise.

Caracterização dos doentes

A maioria dos doentes recrutada era do sexo feminino (74%). Grande parte dos doentes tinha entre 46 e 65 anos de idade (39%), e os grupos etários extremos (25-45 e =65) foram equitativamente representados. A escolaridade mais comum na amostra foi a escola primária ou secundária (65%), havendo ainda 22% de doentes iletrados e apenas 13% tinham frequência universitária.

Caracterização da exposição à terapêutica de erradicação de H. pylori

A maioria dos doentes era incidente em relação à terapêutica de erradicação de H. pylori (87%; n=20). Apenas 3 doentes já tinham feito previamente uma terapêutica semelhante, 9, 12 e 24 meses antes. O regime terapêutico havia sido instituído pelo clínico geral em 61% dos casos; os restantes (n=9; 39%) tinham obtido o tratamento de um gastroenterologista (n=5), um internista (n=2) e um oncologista (n=1); informação sobre a especialidade do médico era omissa num caso. Quase todos os doentes (n=22; 96%) tinham feito testes de diagnóstico antes da instituição da terapêutica.

Quase três quartos dos doentes (n=17; 74%) referiram que tinham sido informados pelo médico sobre o estado de infecção por H. pylori, referindo a presença de um agente infeccioso como responsável pelos sintomas e justificando a terapêutica prescrita. A análise da forma de expressão dos doentes pode ser considerada útil de forma a compreender as suas percepções sobre a doença e os medicamentos; por esta razão, algumas citações extraídas das entrevistas com doentes são aqui apresentadas (tabela 1).

Estas citações demonstram que alguns doentes reconhecem o envolvimento de uma bactéria, mas outros parecem não ter conhecimento da sua presença ou responsabilidade pelos sintomas apresentados, um aspecto fundamental visto que pode condicionar o comportamento aderente dos indivíduos.

Adesão à terapêutica

Três tipos de indicadores foram obtidos através da utilização dos dispositivos electrónicos: taking compliance, timing compliance e dosing compliance. Cada um destes indicadores foi estimado para cada um dos medicamentos em estudo (total de 63; 3 por doente), tendo os resultados demonstrado uma maior dispersão na timing compliance, como demonstrado na tabela 2.

Considerando os doentes aderentes como os que apresentaram os 3 indicadores com valores de adesão de 80% ou superior, apenas 56% dos doentes foram classificados como tal (n=13).

Exemplo dos indicadores de adesão para um doente não aderente

Entre os 10 doentes classificados como não aderentes, foi seleccionado um caso para ilustrar com maior detalhe os resultados obtidos através das MEMO CAPS. Uma senhora de 31 anos, com frequência do ensino secundário, apresentou uma receita de terapêutica de erradicação tripla, prescrita pela primeira vez pelo clínico geral, após realização de endoscopia. O médico informou-a que tinha uma infecção da qual resultava o seu problema gástrico. A razão mencionada pela doente foi "aftas causadas por bactérias". O regime terapêutico instituído foi amoxicilina (1000 mg duas vezes ao dia durante 8 dias), claritromicina (500 mg duas vezes ao dia durante 8 dias) e omeprazol (20 mg duas vezes ao dia durante 8 dias e uma vez ao dia durante os seguintes 40 dias). [Figura 1]

Ao relatar a utilização de medicamentos, a doente referiu tomar a amoxicilina às 7h00 e às 20h00, excepto aos fins-de-semana, altura em que a administração matinal era adiada. Não sobrou nenhum comprimido; a doente referiu nunca se ter esquecido de nenhum medicamento, mas que por vezes tomava a horas diferentes das indicadas. Referiu ainda que percepcionava a medicação como benéfica e não sentiu qualquer efeito adverso. Verificou-se que havia concordancia entre o relato desta doente e a informacao registada electronicamente. A taking compliance para a amoxicilina foi de 77%, a dosing compliance de 73% e a timing compliance de 43%.

Factores potencialmente associados com o comportamente aderente dos doentes

Algumas das variáveis hipotetizadas como influenciando a forma como os doentes lidam com a medicação foram a percepção do benefício da terapêutica, a ocorrência de efeitos adversos, e o uso concomitante de outros medicamentos, entre outros. Os resultados da análise realizada para avaliar o impacto destas variáveis na adesão à terapêutica encontram-se na tabela 3.

Apesar da limitada capacidade de análise devido à dimensão da amostra, as tendências globais são visíveis e apontam no sentido dos indivíduos do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 46 e os 64 anos e os com menor grau educacional serem menos aderentes. Os doentes com mais medicamentos prescritos e com posologias triplas coincidentes em termos da hora de toma tenderam a ser mais aderentes. Os doentes que percepcionaram a terapêutica como benéfica foram mais vezes aderentes e, pelo contrário, aqueles em que se verificou ocorrência de efeitos adversos foram menos aderentes.

Comparação dos resultados de adesão medidos por auto-declaração e por métodos electrónicos de medição

Os doentes tenderam a relatar as ocorrências de forma bastante precisa, tendo sido verificado 70% de informação coincidente para a timing compliance e 52% para a taking compliance. As maiores discrepâncias foram registadas para a dosing compliance, em que foi verificado em 52% dos casos informação não concordante.

Adesão diferencial por classe terapêutica

As mais baixas proporções de adesão verificaram-se para os imidazóis (88.5%, 81.5% e 70.7% para a taking, dosing e timing compliance respectivamente). As razões possíveis incluem o facto destes fármacos serem administrados três vezes ao dia e/ou a hora da toma ser frequentemente não coincidente com a do outro anti-bacteriano e/ou o IBP; o facto desta classe terapêutica ter uma elevada incidência de efeitos adversos, tais como o sabor metálico; e a percepção de benefício destes fármacos não ser tão clara para os doentes.

Impacto da terapêutica no estado de saúde percepcionado

Ao comparar a percepção do estado de saúde no momento de inclusão para estudo e um mês após terminus da terapêutica, verificou-se haver um impacto positivo para a maioria dos domínios (tabela 4); no entanto, esta diferença teve apenas significado estatístico para o domínio do funcionamento físico (PF). Um impacto negativo foi registado para os domínios que avaliam a transformação na saúde (HT) e a função emocional (RE).

 

DISCUSSÃO

Nenhum dos doentes desistiu do estudo nem foi danificado nenhum dos dispositivos. Não houve recusas à participação, mas este facto, pode em grande parte ser atribuído ao método de selecção utilizado, visto que um dos critérios de inclusão era serem utentes habituais da farmácia.

O indicador de adesão em que se verificou uma maior proporção de discordância com os relatos dos doentes foi a dosing compliance. Tal pode dever-se ao facto de ser mais difícil para o doente lembrar-se das doses omitidas; pode também supôr-se que esse comportamento poderá ser intencional levando a relutância por parte dos doentes em admiti-lo ao seu farmacêutico. É de notar que apesar das reduzidas proporções de timing compliance observadas, estas foram também referidas pelos doentes, talvez por não considerarem este aspecto como determinante do sucesso terapêutico.

O recurso a dispositivos electrónicos tem sido referido como o método mais adequado para medição da adesão à terapêutica em terapêuticas crónicas, especialmente para as que incorrem em elevados custos.7 Neste estudo, a monitorização electrónica foi utilizada numa terapêutica aguda, em que não foi exequível recorrer a um período de wash-out. Isto implica que os doentes sabiam que estavam sob observação, o que poderá ter afectado o seu comportamento normal, conduzindo ao efeito de Hawthorne.8 Esta suposição é reforçada pela seguinte citação de um doente: “apesar de ter tido efeitos adversos, continuei com esta medicação porque sabia que estava a participar num estudo”.

Num estudo operacional, em que o objectivo é a medição do comportamento aderente a terapias de curta duração, uma forma possível de minimizar este viés seria avaliar simultaneamente uma amostra comparável de doentes através de outro método, como o pill-count. No entanto, esta solução permitiria apenas caracterizar a taking compliance.

Um dos resultados deste estudo reforça a necessidade de melhorar a comunicação estabelecida entre o médico e o doente. Alguns dos doentes em que a timing compliance foi inferior a 80% estavam numa situação de adesão total às indicações recebidas, i.e., tomavam os medicamentos com as refeições; no entanto, esta indicação não implica necessariamente que se cumpram intervalos inter-dose de 8 ou 12 horas (para 3 e 2 refeições, respectivamente).
Uma limitação importante deste estudo foi o desenho de estudo utilizado, visto que um desenho transversal condiciona a capacidade de avaliar o impacto de certas variáveis na adesão à terapêutica, pelo facto da direcção do efeito não ser conhecida, podendo assim conduzir a interpretações erróneas dos resultados, como a possibilidade de ignorar um potencial viés protopático; as percepções dos doentes (e.g. benefício da terapêutica percepcionado) são um bom exemplo, em que o investigador não pode avaliar se estas influenciaram o comportamento (i.e. adesão à terapêutica) ou vice-versa.

A medição do estado de saúde percepcionado antes e depois da terapêutica de erradicação tinha por objectivo avaliar de forma indirecta a efectividade terapêutica. Houve, de facto, uma melhoria na maioria dos domínios sob avaliação, podendo a falta de significância ser, em parte, atribuída à reduzida dimensão da amostra.

 

CONCLUSÕES

A utilização de dispositivos electrónicos para medição da adesão à terapêutica de erradicação de H. pylori foi exequível numa amostra de utentes habituais de farmácia comunitária. Esta conclusão é suportada pela verificação de não ter havido recusas à participação, não ter havido desistências do estudo e não se ter verificado danos em nenhum dispositivo. No entanto, deve ser mencionado que este método pode ter resultado numa sobre-representação das proporções de adesão visto que os doentes sabiam que o seu comportamento estava a ser observado. Na realidade, este método para terapêuticas agudas poderá ser mais adequado como estratégia estimulante da adesão9 do que uma ferramenta de medição. Por outro lado, a sua utilização em terapêuticas crónicas como método de medição, poderá ser útil desde que o adequado período de wash-out seja assegurado.

Os resultados apontam para um impacto positivo da terapêutica de erradicação de H. pylori no estado de saúde dos doentes, ainda que não tenha sido possível demonstrar diferenças estatisticamente significativas para a maioria dos domínios.

 

Referências

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9 World Health Organisation. Adherence to long-term therapies: evidence for action. Geneva: 2003.        [ Links ]

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