INTRODUÇÃO
Os programas extracurriculares esportivos são considerados um contexto propício para o desenvolvimento positivo (Aoyagi et al., 2020; Côté & Hancock, 2016; Danish, Forneris, Hodge, & Heke, 2004; Gould & Carson, 2008; Grubertt et al., 2020; Holt et al., 2017; Vella, Oades, & Crowe, 2011), constituindo-se em um dos ambientes mais acessíveis para os jovens (Hansen & Larson, 2007). Contudo, inúmeros fatores podem influenciar a experiência dos jovens no esporte (Reece et al., 2020), como o apoio familiar, acesso e continuidade de programas de prática esportiva, formação dos treinadores, qualidade das relações interpessoais estabelecidas no ambiente de treino (Coutinho, Mesquita, & Fonseca, 2018; Gaion et al., 2020; Reverdito et al., 2016; Sheridan, Coffee, & Lavallee, 2014). Nesse estudo, o foco está sobre a qualidade da relação treinador-atleta na experiência positiva dos jovens no esporte.
A participação do treinador na estruturação de ambientes facilitadores para a qualidade das relações interpessoais é apontado como um elemento importante para o engajamento e permanência na prática esportiva (Lima, 2018; MacDonald, Côté, & Deakin, 2010; Reverdito, Galatti, Strachan, Scaglia, & Paes, 2020b), mobilizando aspectos importantes do processo de desenvolvimento de atletas (Camiré, Rathwell, Turgeon, & Kendellen, 2019; Gould & Carson, 2010; Santos, Camiré, & Campos, 2018). A valorização e promoção de treinos pautados no desenvolvimento positivo dos jovens (Holt et al., 2017; Santos et al., 2018), tem sido reconhecido como facilitador para a transferência de habilidades ao longo da vida. No ambiente da prática esportiva os treinadores têm o poder de influenciar a natureza e a qualidade das experiências esportivas, o que reforça a missão de educar, estimular e criar oportunidade para o crescimento e desenvolvimento pessoal dos atletas (Côté, Strachan, & Fraser-Thomas, 2008; Naylor, 2006; Santos, Gould, & Strachan, 2019).
A qualidade da relação treinador-atleta tem sido associada a experiências positivas de prática esportiva em diferentes contextos (Jowett & Cockerill, 2003; Mollerlokken, Loras, & Pedersen, 2017; Yang & Jowett, 2012). A coesão de grupo (Jowett & Chaundy, 2004; Rodrigues, Evans, & Galatti, 2019), melhorias nas habilidades físicas e psicossociais (Jowett, 2005), superação de momentos críticos (Jowett, 2009), eficácia coletiva (Hampson & Jowett, 2014), qualidade do treino (Reverdito et al., 2020b), satisfação dos atletas, estratégias de comunicação (Davis, Jowett, & Tafvelin, 2019) e inteligência emocional (Benito, Francisco, & Trigueros, 2018), são algumas das temáticas associadas à qualidade das relações interpessoais entre o treinador e os/as atletas. Da mesma forma, estudos apontam efeitos negativos da experiência da participação dos jovens no esporte associados ao treinador (Orozco, Perez, Sierra, Supervia, & Jarie, 2018; Reverdito, Galatti, Scaglia, & Paes, 2020a; Wachsmuth, Jowett, & Harwood, 2017), tendo o abandono precoce da prática esportiva como uma das principais consequências. Entretanto, é possível reconhecer na literatura consenso sobre a importância da qualidade da relação treinador-atleta para uma experiência positiva dos jovens no esporte e o desenvolvimento de habilidades para a vida.
A relação treinador-atleta refere-se a uma situação em que os aspectos afetivos, cognitivos e comportamentais dos treinadores e atletas se associam de maneira interdependente (Jowett & Poczwardowski, 2007). Yang e Jowett (2012) caracterizam a relação treinador-atleta ao nível da proximidade, comprometimento e complementaridade. Essas dimensões, interligadas, definem a qualidade da relação treinador-atleta e descrevem o constructo psicológico de caráter interpessoal da relação. A proximidade descreve o sentido afetivo e emocional, com referência ao respeito, confiança e admiração. O comprometimento mensura a intenção do treinador e atleta de manterem o relacionamento por muito tempo. A complementaridade refere-se aos comportamentos de cooperação, ligação, aceitação e responsividade que os atletas adotam e são desencadeados pelo treinador (Vieira et al., 2015b). Quanto mais os treinadores e atletas se manterem comprometidos, desenvolverem uma amizade positiva, cooperativa e equilibrada, maior a interdependência entre ambos (Mata & Gomes, 2016), consequentemente, espera-se melhor desenvolvimento positivo dos jovens no esporte.
A participação no esporte tem sido associada positivamente ao desenvolvimento da iniciativa (Larson, 2000), habilidades de liderança (Wright & Cote, 2003), satisfação com a vida (Gilman, 2001), estabelecimentos de metas (Papacharisis, Goudas, Danish, & Theodorakis, 2005), construção do caráter (Light & Light, 2006; Camiré & Trudel, 2010), desenvolvimento da identidade (Coatsworth & Conroy, 2009), habilidades cognitivas, pessoais e sociais (Hansen, Larson, & Dworkin, 2003) e o relacionamento entre pares (Smith, Ullrich-French, Walker, & Hurley, 2006). Ao revisar estudos que analisaram as atividades extracurriculares estruturadas, Larson (2000) afirma que o esporte é um contexto fértil para o desenvolvimento positivo, uma vez que possibilita aos jovens a vivência da motivação intrínseca e a concentração, associando essas atitudes ao desenvolvimento da iniciativa.
O contexto esportivo é um cenário para o engajamento dos jovens em uma atividade significativa e propício para promover o bem-estar (Gould & Carson, 2008; Santos & Martinek, 2018; Turnnidge, Côté, & Hancock, 2014). Contudo, para que as experiências sejam facilitadoras do desenvolvimento, faz-se necessário que o responsável por essa prática ofereça aos atletas o acesso ao esporte de forma organizada e sistematizada (Larson, 2000), uma vez que a estrutura e o contexto da atividade são um dos fatores que determinam a qualidade da participação (Galatti et al., 2017). É preciso que seja realizado de forma intencional pelo treinador, oferecendo diferentes níveis de intensidade no envolvimento e continuidade da prática esportiva.
As experiências positivas são influenciadas pela intensidade e o tempo de prática. Reverdito et al. (2017a) afirmam que quanto maior o período dos jovens participando de uma prática esportiva, maiores serão os benefícios desencadeados em relação ao conhecimento e o domínio das habilidades (Larson, Hansen, & Moneta, 2006). Reverdito et al. (2020b), por sua vez, indicam que também a permanência por período prolongado do treinador favorece o desenvolvimento positivo de jovens. Da mesma forma, quanto mais tempo os jovens se mantêm engajados em uma atividade, maior será o comprometimento e o envolvimento nas atividades, contribuindo para a qualidade das experiências adquiridas (Holt, 2008; Holt et al., 2017). O pressuposto é que um ambiente harmônico e de relações interpessoais positivas (Mageau & Vallerand, 2003), intencionalmente estruturado, seja mobilizador de experiências positivas dos jovens no esporte (MacDonald, Cote, Eys, & Deakin, 2012). As experiências positivas são compreendidas como situações de desenvolvimento capazes de promover o bem-estar (Larson, Perry, Hang, & Walker, 2011; Larson & Tran, 2014), e são preditoras da coesão social e de tarefas entre os jovens (Nascimento Junior et al., 2019).
Apesar dos estudos considerarem a qualidade da relação treinador-atleta como decisiva para o desenvolvimento de experiências positivas dos jovens no esporte (Gaion et al., 2020; Hampson & Jowett, 2014; Jowett & Cockerill, 2003; Nicholls, Earle, Earle, & Madigan, 2017; Yang & Jowett, 2012), não encontramos estudos que tenham observado de forma sistemática a relação treinador-atleta e a experiência dos jovens no contexto do esporte escolar brasileiro. Assim, o objetivo é verificar se a qualidade da relação treinador-atleta se relaciona com a percepção de experiência positiva dos jovens no esporte. A compreensão desta relação poderá favorecer a estruturação de ambientes de desenvolvimento capazes de promover o bem-estar dos jovens em contexto de prática esportiva.
MATERIAIS E MÉTODOS
Participantes
Participaram do estudo 630 atletas, do gênero masculino (n=350, 56%) e feminino (n=280, 44%), na fase estadual dos Jogos Escolares da Juventude (JEJ) do Estado de Mato Grosso/Brasil, nas modalidades coletivas de handebol (26%), voleibol (25%), futsal (31%) e basquetebol (18%), com média de idades de 16.06±0.82 anos. O tempo médio de prática da modalidade pelos atletas foi de 4.48±2.54 anos. Os JEJ são uma ação do Comitê Olímpico Brasileiro para promoção do esporte no contexto escolar, desenvolvido em 4 fases: fase municipal - evento entre as escolas no município; fase regional - escolas campeãs na fase municipal; fase estadual - escolas campeãs da fase regional; fase nacional - escolas campeãs da fase estadual.
Instrumentos
Foram utilizados os questionários Relacionamento Treinador-Atleta (CART-Q Atleta) (Vieira et al., 2015b) e Experiência Positiva dos Jovens no Esporte (YES-Y) (Rigoni, 2014), ambos adaptados e validados para a língua portuguesa. O questionário CART-Q Atleta (Vieira et al., 2015b), em Escala Likert, tem 11 itens que representam as dimensões de proximidade (α= .83), comprometimento (α= .64) e complementaridade (α= .80). O questionário YES-Y utilizado foi adaptado para a língua portuguesa e validado por Rigoni (2014), a partir da versão de MacDonald et al. (2012), sendo composto por 18 itens que representam as dimensões de habilidades pessoais e sociais (α= .57), habilidades cognitivas (α= .67), estabelecimento de metas (α= .68) e iniciativa (α= .61), e a dimensão maior, YES-Y Geral (α= .82). A consistência interna dos questionários apresentou indicador de confiabilidade aceitável.
Os instrumentos acima descritos já foram aplicados em diferentes culturas e ambientes de prática esportiva, apresentando boa confiabilidade (Cronin & Allen, 2015; Gould, Flett, & Lauer, 2012; Reverdito et al., 2017a; Rigoni, 2014; Vieira et al., 2015b). Assumimos assim que os instrumentos em causa captam a percepção dos efeitos da experiência da pessoa no contexto da prática esportiva.
Procedimentos para coleta dos dados
Foi realizado contato com a organização do evento e treinadores para apresentar os objetivos da investigação e procedimentos para coleta dos dados. Os questionários foram aplicados individualmente aos atletas, em ambiente reservado e silencioso, entre o primeiro e segundo jogo do evento esportivo. Os jovens foram orientados sobre como responder, bem como a prestar o máximo de atenção e serem sinceros ao registrar suas percepções. Durante o preenchimento dos questionários não houve intervenção. Para padronizar o processo e garantir padrões éticos e científicos, a equipe de pesquisa foi treinada em procedimentos de coleta de dados anteriormente à realização desta coleta.
Em relação à livre e espontânea participação nos estudos, os atletas e seus respectivos responsáveis manifestaram consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade do Estado de Mato Grosso (CAAE: 55729716.7.0000.5166).
Análises dos dados
A análise descritiva é apresentada para todas as variáveis de interesse (Tabela 1), sendo apresentadas a média e o desvio padrão (M±DP), bem como teste de normalidade. Relativamente à análise inferencial, foram aplicados testes de correlação paramétrica (R de Person) e não paramétrica (R de Spearman) para a análise da relação entre variáveis quantitativas e testes de comparação de médias entre grupos, nomeadamente o teste t e a ANOVA. O nível de significância foi fixado em 5%.
RESULTADOS
De acordo com os resultados na Tabela 2, podemos verificar que o coeficiente de correlação entre as dimensões do questionário CART-Q é forte (R>0.60) e positivo entre todos os pares de variáveis, indicando que efetivamente existe uma relação linear positiva entre estas dimensões e, portanto, quanto maior for o comprometimento na relação treinador-atleta, maior será a proximidade e a complementaridade. Já os resultados apresentados na Tabela 3, mostram que para as dimensões do questionário YES-Y, não existe uma correlação forte entre elas, embora seja significativa.
Ao considerar os dois prismas (CART-Q e YES-Y Geral) na Tabela 4, verificamos que o grau de correlação entre o índice geral de experiência dos jovens no esporte e as dimensões do CART-Q é fraco (R<0.40), o que sugere que no contexto investigado, a qualidade da relação treinador-atleta não se relaciona com a percepção do esporte como uma experiência positiva no contexto extracurricular em termos de desenvolvimento de habilidades e comportamentos.
Na análise comparativa entre gêneros (Figura 1) e (Figura 2), sobre as dimensões dos dois questionários, foi observada diferença significativa (p<0.05) somente em Iniciativa (p=0.03). Este resultado sugere que, na generalidade, o fator gênero não influencia a qualidade da relação treinador-atleta (CART-Q), nem a percepção da experiência positiva dos jovens no esporte escolar extracurricular (YES-Y).
Em relação à modalidade (Figura 3), foram encontradas diferenças significativas entre a modalidade de handebol e voleibol (Proximidade: p<0.001, Comprometimento: p=0.001, Complementaridade: p<0.001), sendo a qualidade da relação treinador-atleta significativamente melhor na modalidade de handebol em comparação com voleibol. Para a experiência positiva (Figura 4), só foram encontradas diferenças significativas na variável habilidades cognitivas entre o handebol e o futsal (p=0.007).
Relativamente à forma como os atletas das diferentes modalidades percebem a sua experiência no esporte (Figura 4), verificamos uma relação fraca entre o desenvolvimento das suas habilidades e comportamentos à prática esportiva. Nesse caso, poderá ser revelador que a qualidade da relação treinador-atleta não se relaciona com a percepção da experiência positiva dos jovens no esporte escolar extracurricular investigado.
Foi analisada a influência que o tempo de prática do atleta exerce no desenvolvimento das suas habilidades e comportamentos (dimensões do questionário YES-Y) e na qualidade da relação Treinador-Atleta (dimensões do questionário CART-Q Atleta). Através de uma análise de correlação bivariada não paramétrica verificamos que, à exceção da dimensão Estabelecimento de Metas, todas as variáveis avaliadas (Proximidade, Complementaridade, Comprometimento, Habilidades Pessoais e Sociais, Habilidades Cognitivas, Iniciativa e Índice Geral EJE) apresentam correlações positivas e significativas com o tempo de prática (p<0.05), indicando que quanto mais experiências esportivas positivas, melhores as competências/habilidades e a relação Treinador-Atleta construída. Contudo, e de acordo com os resultados apresentados nas Tabelas 4 e 5, verificamos que as correlações observadas são fracas (R de Spearman <0.20) e, portanto, a relação efetiva entre as variáveis não pôde ser inferida.
DISCUSSÃO
A qualidade da relação treinador-atleta é reconhecida como fundamental para a participação dos jovens no esporte. Conhecer a influência da relação treinador-atleta na percepção da experiência positiva dos jovens no esporte pode ser determinante para garantir uma prática esportiva prolongada. Nesse estudo, apesar do reconhecimento da importância da relação treinador-atleta (Camiré et al., 2019; Santos et al., 2019; Vella, Oades, & Crowe, 2013), os resultados encontrados sugerem que a qualidade da relação treinador-atleta não influencia a experiência positiva dos jovens no esporte. Esse resultado difere, em partes, das conclusões dos estudos de Vella et al. (2013), Vieira et al. (2015a) e Fiorese et al. (2018).
Ao identificarem correlação positiva entre a relação treinador-atleta e a experiência positiva dos jovens no esporte, Vella et al. (2013) concluíram que a qualidade da relação treinador-atleta influencia as experiências positivas dos jovens. Vieira et al. (2015a) identificaram que a qualidade da relação treinador-atleta é uma variável importante para a percepção da eficácia coletiva, destacando que os atletas com melhor desempenho competitivo tiveram maior percepção de eficácia coletiva e melhor relação treinador-atleta. Fiorese et al. (2018) verificaram que a relação treinador-atleta é determinante na associação entre a motivação (autônoma e controlada) e a coesão de grupo, constatando que essa relação tem influência sobre diversas variantes.
A explicação para a divergência entre os resultados encontrados e os apresentados por Vella et al. (2013), Vieira et al. (2015a) e Fiorese et al. (2018) pode estar relacionada ao nível de envolvimento na prática esportiva, tempo de prática, regularidade de competição, maior tempo de convívio e idade dos atletas. Os estudos acima citados foram desenvolvidos com participantes fora do contexto escolar, como em clubes. Já os participantes do nosso estudo, ainda que estejam em uma competição de nível estadual, têm sua prática esportiva acontecendo predominantemente no contexto escolar extracurricular. Em comparação com o clube, por vezes, a escola oferece uma prática menos estruturada e menor oportunidade de participação em competições. Em uma prática esportiva mais estruturada e organizada, a relação treinador-atleta poderá exercer maior influência sobre a percepção da experiência positiva dos jovens no esporte.
Ainda, o estudo de Nicholls e Perry (2016) sobre a relação treinador-atleta aponta que a qualidade do relacionamento parece ser mais importante para os treinadores do que para os atletas. Em outro estudo, com jovens em uma liga de futebol, observando mudanças na percepção da relação treinador-atleta e objetivos de realização esportiva ao longo de seis meses, Nicholls et al. (2017) apontam que a relação treinador-atleta foi associada positivamente apenas para o alcance de metas de domínio, por exemplo, na percepção que foi capaz de realizar uma habilidade. É consenso que há benefícios mútuos na qualidade da relação treinador-atleta, mas que precisam ser investigados considerando outros domínios da experiência esportiva, como fatores estressores, nível de competição, tempo de engajamento, motivação para a prática esportiva.
Nossos resultados corroboram com o estudo de Vella et al. (2013) e Vieira et al. (2015a) em relação ao tempo de prática esportiva influenciando positivamente a qualidade da relação treinador-atleta e a experiência positiva dos jovens no esporte. Nesse sentido, os estudos de Reverdito et al. (2017a) e Reverdito et al. (2017b), com jovens no esporte de participação, demonstraram relação entre os efeitos positivos do esporte e o tempo de engajamento. Os jovens com mais de dois anos de prática esportiva demonstram maior percepção de autoeficácia e experiência positiva no esporte. Holt (2008) corroboram com esses resultados, destacando que quanto mais tempo os jovens se mantêm engajados em uma atividade, maior será o comprometimento e o envolvimento nas atividades, contribuindo para a qualidade das experiências adquiridas.
Foi possível verificar que na relação treinador-atleta, quanto mais comprometimento existir, maior será a proximidade e a complementaridade existente entre ambos. Quanto mais os treinadores e atletas mantiveram-se comprometidos, desenvolver uma amizade positiva, cooperativa e equilibrada, maior a interdependência entre eles (Mata & Gomes, 2016). A qualidade das relações interpessoais influência no engajamento do atleta na tarefa e comprometimento com o treinador (Cheuczuk et al., 2016; Hampson & Jowett, 2014; Jowett & Ntoumanis, 2004). Nos estudos de Contreira et al. (2019) e Davis et al. (2019) foram associados positivamente com a percepção de satisfação dos atletas com o esporte. Quanto mais os atletas estabelecem relacionamentos interpessoais positivos com os seus treinadores, mais satisfeitos sentem-se com o esporte.
Estudo de Cheuczuk et al. (2016) identificou que quanto mais os atletas se percebem próximos e acolhidos pelo treinador, maior foi o foco na tarefa, ressaltando a tendência em vivenciarem um clima motivacional positivo (Adie & Jowett, 2010; Alfermann, Geisler, & Okade, 2013). Hampson e Jowett (2014) mostram que quanto melhor a percepção do relacionamento treinador-atleta, maior é a preocupação do atleta com o desenvolvimento das habilidades pessoais e o comprometimento da equipe em alcançar as metas. Jowett e Ntoumanis (2004) destacam a importância do atleta se sentir próximo e comprometido com seu treinador para que ocorra o desenvolvimento da orientação a metas (Alfermann et al., 2013), eficácia coletiva (Hampson & Jowett, 2014; Kawazu, Sugiyama, & Nakasuga, 2012), a coesão de grupo (Jowett & Chaundy, 2004) e o sucesso esportivo (Jowett & Cockerill, 2003). Portanto, a combinação de um comportamento de liderança do treinador e a qualidade da relação treinador-atleta fornecem as melhores oportunidades de experiências positivas de desenvolvimento no esporte.
É consenso que as experiências positivas no esporte estão ligadas à qualidade das relações interpessoais que os atletas desenvolvem com os treinadores, pais e colegas (Fraser-Thomas, Côté, & Deakin, 2005; Hodge, Kanters, Forneris, Bocarro, & -McCord, 2017; Jowett & Cockerill, 2003). Contudo, a partir do nosso estudo, fica demonstrada a influência de outros fatores para explicar a relação treinador-atleta e experiência positiva dos jovens no esporte. A relação treinador-atleta, considerando o contexto da prática esportiva e tempo de experiência, pode não influenciar a experiência positiva dos jovens no esporte em termos de habilidades e comportamento. Assim, a experiência positiva no esporte é percebida, mas não foi explicada pela qualidade da relação treinador-atleta por si.
Em relação às diferenças observadas por modalidade, é preciso realizar outros estudos. Não encontramos estudos realizados observando diferentes modalidades. Os estudos de Vella et al. (2013), Vieira et al. (2015a) e Fiorese et al. (2018), foram realizados respectivamente nas modalidades de futebol e voleibol. Em se tratando de diferenças entre modalidades, o perfil dos treinadores e fatores contextuais podem exercer influência, como calendário de competições e as características estruturais e funcionais da modalidade.
O gênero não se apresentou como um fator que influenciou a qualidade da relação treinador-atleta, nem a percepção da experiência positiva dos jovens no esporte escolar extracurricular. Para a relação treinador-atleta, percebemos que o gênero tem sido pouco explorado nos estudos, sendo apenas considerado no total da amostra. Para a experiência positiva dos jovens no esporte tem sido documentada diferença (Reverdito et al., 2017a), especialmente em relação às habilidades pessoais e sociais (Nascimento Junior et al., 2019). Contudo, estudos com diferentes abordagens teóricas e metodológicas têm associado o gênero à qualidade da relação treinador-atleta como determinante para a experiência positiva no esporte (de Haan & Norman, 2020). Logo, a qualidade da relação treinador-atleta precisa ser mais bem investigada em se tratando do gênero.
Assim, a partir desses resultados, destacamos a necessidade de conhecer melhor o treinador no contexto de esporte escolar extracurricular. No Brasil, a escola é o principal espaço de acesso à prática esportiva. Porém, há poucos estudos sobre treinadores que atuam no esporte em nível escolar, por exemplo, precisamos entender melhor seu conhecimento profissional, tempo de atuação, condições de trabalho e calendário esportivo. Essas informações são importantes para compreender a experiência dos jovens no esporte e o papel do treinador no desenvolvimento positivo dos jovens.
CONCLUSÃO
O objetivo deste estudo foi verificar se a qualidade da relação treinador-atleta está relacionada à percepção da experiência positiva dos jovens no esporte. Os resultados encontrados sugerem que a qualidade da relação treinador-atleta não influencia a experiência positiva dos jovens no esporte, no contexto escolar extracurricular. O contexto e o tempo de engajamento na prática esportiva precisam ser considerados na relação treinador-atleta e na experiência positiva dos jovens no esporte. Portanto, é possível concluir que a qualidade da relação treinador-atleta exerce influência sobre a experiência positiva dos jovens no esporte, mas pode não ser o principal preditor no esporte escolar extracurricular.
A modalidade foi associada positiva e significativamente com a qualidade da relação treinador-atleta. O tempo de treino foi associado positiva e significativamente com a percepção de comprometimento treinador-atleta e experiência positiva dos jovens no esporte. Deste modo, quanto mais tempo os atletas estão inseridos em uma prática esportiva, maiores poderão ser as experiências esportivas obtidas e melhores os resultados, favorecendo os benefícios obtidos por meio da relação treinador-atleta.
Embora as evidências deste estudo tenham destacado que a qualidade da relação treinador-atleta explicou parcialmente a percepção da experiência positiva no esporte, algumas limitações precisam ser apontadas. Verificamos apenas jovens atletas participantes do contexto escolar, sendo necessário explorar outros níveis de envolvimento com a prática esportiva. Além disso, pelo fato dos estudos sobre a relação treinador-atleta e experiência positiva dos jovens no esporte estarem concentrados em países desenvolvidos, ocorre a necessidade de estudos em outros contextos, uma vez que fatores socioeconômicos interferem nas condições de prática esportiva. Também, sugerimos que estudos futuros considerem o gênero e as características particulares da organização competitiva (quadro competitivo, planeamento, distância) do contexto investigado.
APLICAÇÕES PRÁTICAS
Como implicações práticas desta pesquisa, os resultados contribuem para a intervenção dos treinadores, evidenciando o quanto é essencial que se construa um ambiente de treino harmônico, pautado em relações interpessoais positivas com os atletas, de modo que tenham interesse em permanecer no contexto de prática esportiva por um longo período de tempo. Também, constituem diretrizes relevantes para seleção de conteúdos para os programas de formação de treinadores e gestores do esporte, especialmente em nível escolar. Quanto mais treinadores e atletas desenvolverem relações interpessoais baseadas no respeito, confiança, afeto, cooperação, ligação e apresentarem interesse em manter a qualidade desta relação, maior a interdependência entre eles e, consequentemente, melhor poderá ser a experiência dos jovens no esporte.