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Cirugía Plástica Ibero-Latinoamericana

On-line version ISSN 1989-2055Print version ISSN 0376-7892

Cir. plást. iberolatinoam. vol.49 n.3 Madrid Jul./Sep. 2023  Epub Dec 11, 2023

https://dx.doi.org/10.4321/s0376-78922023000300001 

EDITORIAL

História da Cirurgia Plástica em Portugal - o início

José Manuel Amarante2 

2Cirurgião Plástico, Professor Catedrático Emérito da Universidade do Porto, Portugal

“Reconhecimento aos primeiros, mesmo que os que vieram mais tarde vão mais longe.”

Sir Sydney Sunderland, 1977

Localizado no extremo da Europa, Portugal praticamente não viveu os horrores das guerra, tendo tido felizmente, muito poucos mortos ou mutilados razão pela qual a especialidade de Cirurgia Plástica surgiu um pouco mais tarde que noutros países da Europa. Contudo, entre nós, um escasso número de cirurgiões após a II Guerra Mundial, praticavam isoladamente, técnicas de Cirurgia Reconstrutiva. Progressivamente, mais cirurgiões se interessaram por esta área emergente, optando a maioria deles por adquirir formação em Serviços de Cirurgia Plástica no estrangeiro surgidos após a Primeira e sobretudo durante a II Guerra Mundial, inicialmente chamados Serviços de Cirurgia Maxilofacial, que com a expansão da área de intervenção, adotaram a denominação de Serviços de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva.

Estes médicos pioneiros eram estomatologistas, cirurgiões orais, cirurgiões gerais, otorrinolaringologistas, cirurgiões pediatras ou ortopedistas que partiram para o Reino Unido (António Baptista Fernandes, Álvaro Guimarães e Sousa, António Gentil Martins, Flávio Guimarães e Osvaldo Bonifácio), França (Fernando Gabriel Afonso, João Veiga Vieira, Manuel Cardoso do Carmo), Espanha (José Cardoso da Rocha) ou EUA (Elias Damião Pires) procurando serviços de referencia, rotina salutar que continuou nas gerações seguintes.

Anos depois, em abril de 1961, doze desses cirurgiões reuniram-se (A. Baptista Fernandes, A. Dias de Carvalho, Á. Guimarães e Sousa, A. Pinto Teixeira, Afonso Gentil S. Martins, António Gentil S. Martins, C. Elias da Costa, E. Damião Pires, F. Amado de Oliveira Pinto, F. Pinto Coelho, J. Lima Salreta, J. Monteiro de Sacadura), e decidiram propor à bicentenária Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa - à época sede obrigatória de todas as sociedades científicas médicas nacionais -, a criação de uma secção autónoma que representasse os cirurgiões que exerciam em Portugal Cirurgia Plástica, alguns em exclusividade.

A Sociedade Portuguesa de Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética (SPCPRE), foi criada nesse ano, tendo como primeiro presidente Carlos Elias da Costa e secretariado por Elias Damião Pires, decorrendo a primeira reunião científica em Lisboa a 18 junho 1961, organizada por António Gentil Martins tendo como convidado de honra, Ivo Pitanguy.(1)

Curiosamente, só cinco anos depois, em 4 de novembro de 1966 é que a especialidade é criada culminando o processo desencadeado na Ordem dos Médicos - Norte em 1959, com a atribuição do título a 20 cirurgiões (Á. Guimarães e Sousa, A. Gentil Marins, A, Baptista Fernandes, A. Pinto Teixeira, A. Silva Paúl, C. Elias da Costa, E. Damão Pires, F. Coelho Afonso, F. Santos Paredes, F. Prata de Lima, Flávio Guimarães, F. Costa Ramos, F. Gentil Martins, J. Monteiro Sacadura, J. Pratas Girbal, J. Gama Vieira, J. Cardoso da Rocha, J. Escarduça Dias, J. Boléo Tomé, M. Cardoso do Carmo).

A publicação do Dec. lei 1059 de 2 de dezembro de 1964, emitido pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, após o parecer favorável da Junta Nacional de Educação, ouvidos previamente um professores de cada uma das três Faculdades de Medicina (um votou contra), permitiu à Ordem dos Médicos (OM) a criação da especialidade. O título foi atribuído por consenso por um júri presidido por Professor Álvaro Rodrigues (cujo Serviço de Cirurgia Geral na FMUP – H. S. João no Porto, contava com dois especialistas em Cirurgia Plástica, F. Prata de Lima e depois Flávio Guimarães, que no mesmo hospital autonomizou o Serviço de Cirurgia Plástica). Estas decisões tiveram por base o parecer favorável, antes emitido em 1959 pelo relator Artur Giesteira de Almeida, professor de Cirurgia Geral, colaborador de Álvaro Rodrigues e membro Conselho Regional Norte. Assim se concluiu com êxito o árduo trabalho desenvolvido durante anos por Álvaro Guimarães e Sousa, iniciado em 1959 quando requereu o reconhecimento da especialidade em Portugal.(2)

Não terá portanto sido por acaso que o primeiro Serviço Hospitalar de Cirurgia Plástica em Portugal fosse criado na cidade do Porto, em 1960, no Hospital de St. António pertencente à Misericórdia do Porto, tendo como provedor Domingos Braga da Cruz. Foi nomeado diretor Álvaro Guimarães e Sousa. Ocupou inicialmente uma área cedida pelo diretor do Serviço de Cirurgia Geral José Aroso, cirurgião geral que tinha integrado o corpo expedicionário português na I guerra. Um ano mais tarde transferiu o serviço para um espaço maior, anteriormente ocupado pela Cirurgia da Faculdade de Medicina que, pouco tempo antes se transferira para o recém inaugurado H. S. João (uma vez mais a história da especialidade se cruza com a Faculdade de Medicina do Porto). Guimarães e Sousa a pensar já em expandir de novo o serviço viria a integrar desde 1967 a comissão instaladora do futuro hospital da Prelada, onde teve um papel relevante na sua conceção e organização.(2)

Refra-se que no Porto desde 1958 a título individual, J. Cardoso da Rocha praticava Cirurgia Plástica a par da Cirurgia Pediátrica tanto no H. Stº António como no H. Maria Pia, tendo sido nomeado médico chefe de Cirurgia Plástica no Hospital de S. João da Madeira- Aveiro, em 1967.

O segundo serviço a abrir oficialmente foi em Lisboa, no Hospital do Ultramar em 1971, mais tarde chamado Hospital Egas Moniz. José Boléo Tomé a par do trabalho desenvolvido no H.S. José, mantinha desde 1967 uma consulta no hospital do Ultramar, onde vinha também a desenvolver diligencias para a criação de um serviço. Após concurso publico foi nomeado diretor do serviço.(3)

No Hospital S. José, em Lisboa, a criação de um serviço autónomo foi um pouco mais confusa e controversa. Por este hospital passaram vários cirurgiões plásticos ligados aos diferentes Serviços de Cirurgia Geral do Hospital S. José (J. Baptista Fernandes, J. Boléo-Tomé, Elias Damião Pires, Paralta de Figueiredo, António Sancho, José Gomes Leal). Todavia, só em 1975 e após concurso público, foi nomeado diretor do recém criado serviço Paralta de Figueiredo, por pouco tempo, porque por motivos pessoais foi substituído por José Cardoso Nava.(4)

A. Baptista Fernandes trabalhou no H.S. José de 1951 a 1962 danda apoio da especialidade aos Serviços de Cirurgia Geral neste e noutros hospitais de Lisboa. Com ele trabalharam M. Enrica Mondillo e Boléo-Tomé, a primeira ao contrário de Boléo -Tomé que continuou no H.S. José, acompanhou-o para o H. Stª Maria onde permaneceu alguns anos até regressar de novo, como especialista, ao H. S. José.(3, 4) Baptista Fernandes esteve na origem da implementação da especialidade no H. de Santa Maria em Lisboa após, em sinal de protesto, deixar o H.S. José, como relatou o seu colaborador de então J Boléo-Tomé. A partir de 1963, após concurso publico, passou a dirigir o Serviço de Cirurgia Maxilofacial e Estomatologia no H. Stª Maria (Baptista Fernandes tinha a especialidade de Estomatologia), tendo em 1977 alterado o nome do serviço que passou a incluir Cirurgia Plástica. Acácio Cordeiro Ferreira e Edmundo Costa Santos testemunharam esta mudança, na verdade mais semântica que funcional. Ambos estavam já ligados nesse serviço à Cirurgia Plástica, o primeiro aí iniciando o internato da especialidade em 1972 e o segundo regressado especialista dos EUA em 1976.(3, 4, 5)

No final dos anos 60 e durante a década seguinte criaram-se outros Serviços e Unidades de Cirurgia Plástica nas cidades de Lisboa: no H. Militar Principal - Jorge Gonçalves e Elias Damião Pires; no Porto: no H. S. João (1984) - Flávio Guimarães, H. Militar - Manuel Cardos do Carmo e IPO-Porto(1974) - Osvaldo Bonifácio; em S. João da Madeira-Aveiro (1967) - José Cardoso da Rocha; em Coimbra (1987) - João Veiga Viera e nos hospitais pediátricos: H. D. Estefânia em Lisboa - Fernando Gabriel Afonso (1985) e no Porto, no H. Maria Pia - José Cardoso da Rocha. Algum tempo depois foi a vez de Évora - L. Carriére Momplé e Leiria - Artur Roldão.

No Instituto Português de Oncologia, em Lisboa, trabalhavam na unidade de Cabeça e Pescoço o cirurgião geral Lima Bastos, que estagiou em Inglaterra com Gillies e cujo trabalho foi continuado por José Conde que tinha colaborado no Serviço de Estomatologia e Cirurgia Maxilofacial do H. Sta. Maria.(6) Nesta unidade trabalhavam com os cirurgiões gerais citados, os cirurgiões plásticos José Sacadura e João Girbal.

Cite-se ainda, pela sua importância, os médicos militares de Cirurgia Plástica, que desenvolveram um importante papel e tiveram grande atividade na Guerra Colonial adquirindo enormes conhecimentos e experiência, nomeadamente no tratamento de queimados, tratando militares feridos e as populações locais. No exército destacaram-se Fernando Paredes que fez formação no H. Stª Maria onde mais tarde foi professor e diretor de um dos Serviços de Cirurgia Geral, Paralta de Figueiredo e António Sancho que exerceram no H. S. José, onde o primeiro foi diretor, e na força aérea, José Escarduça Dias.

O Internato Cirurgia Plástica Portugal teve Início em 1970, todavia, quatro anos depois, em 1974, a especialidade esteve para a ser interditada. Aquando da revolução dos cravos, um despacho governamental propunha “extinguir as especialidades burguesas por não terem lugar numa sociedade progressista”, e em primeiro lugar estaria a Cirurgia Plástica “especialidade fascista, nódoa da medicina burguesa”, como recorda o então presidente da Sociedade de CPRE, José Boléo-Tomé. Com bastante esforço, trabalho e imaginação ficamos a dever a este colega o facto de ter bloqueado essa ordem oficial e assim a continuidade e a progressão da especialidade.(1, 2, 3)

A carreira académica em Cirurgia Plástica iniciou-se com a submissão a tese de doutoramento à Faculdade de Medicinada Universidade de Lisboa (FMUL) por A. Baptista Fernandes, em 1982, intitulada “Afeções cirúrgicas da articulação Tempero-mandibular”. Anos mais tarde, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) em 1990, José Manuel Amarante foi o primeiro ao submeter a tese: “Retalhos Septo-cutâneos de fluxo invertido na reconstrução dos membros contribuição para o seu estudo a nível distal”, José Boléo-Tomé foi em 1997, na Faculdade de Medicinada Dentária Universidade de Lisboa (FMDUL): “Anomalias da classe III- Prognatismo”, e José Rosa de Almeida em 2003, foi na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa- Nova Medical Scholl (FCML/NMS): “A cirurgia reconstrutiva em patologia oncológica do nariz: paralisia do nervo facial e anatomia cirurgia do nariz”.

Embora nos anos 60, aquando da criação da especialidade se tivessem verificado resistências de alguns cirurgiões e professores de faculdades de Medicina (consideravam ser a CP uma técnica e não uma especialidade) progressivamente a academia foi-se abrindo à especialidade. Hoje contam-se um total de 20 doutorados em Cirurgia Plástica (Lisboa: J. Baptista Fernandes, Fernando Paredes, A. Cordeiro Ferreira, M. Júlia Amaral, Manuel Caneira, J. Guimarães-Ferreira, J. Tomé- Boléo, J. Rosa Almeida, M. Angélica Almeida, Diogo Casais. Coimbra: José L. Cabral. Porto: José M. Amarante, Horácio Costa, Marisa Gonçalves, A. Costa-Ferreira, Pedro Ferreira, Ricardo Horta, Inês Correia-Sá, Jorge Rodrigues, Augusta Cardoso).

O ensino pré-graduado da especialidade nas faculdades de Medicina em unidades curriculares autónomas, iniciou-se em 1975 com A. Baptista Fernandes na FMUL,(6) anos depois, no Porto, em 1994, com José M. Amarante da FMUP, sendo hoje uma realidade nestas, ensinada integrada na cirurgia, no ICBAS, na FCML e na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC).

Nos anos 80 teve início a implementação e a difusão de vários Serviços Públicos e Unidades da Especialidade de CPRE pelas capitais de distrito e outras cidades, existindo atualmente cerca de 30 Serviços ou Núcleos de CPRE públicos, o que juntamente com os hospitais e clínicas privadas, oferecem uma ampla cobertura assistencial da especialidade em todo o país.

A progressiva influência e visibilidade da especialidade ficou também muito a dever ao esforço desenvolvido por alguns cirurgiões plásticos que assumindo cargos antes praticamente interditos à Cirurgia Plástica, criaram condições para a especialidade se expandir a nível académico e hospitalar, podendo destacar-se: Á. Guimarães e Sousa - primeiro requerente da especialidade na OM, ainda não existente em Portugal, em 1959 diretor do primeiro Serviço de Cirurgia Plástica (1960) e fundador da SCPRE (1961); A. Batista Fernandes -coordenador de comissão nacional nomeada pela OM para a competência em Cirurgia Maxilofacial que daria origem à Cirurgia Plástica (1982), fundador da SCPRE (1961), primeiro português doutorado em CP (1982) e o grande impulsionador da especialidade em Portugal; J. Boléo-Tomé diretor do 2º Serviço de Cirurgia Plástica (1971), membro da comissão de trabalhadores do Hospital do Ultramar o que lhe deu acesso ao Ministério da Saúde e assim impedir a extinção da especialidade (1974) e fundador da SPCPRE(1961); M Júlia Amaral - foi a primeira cirurgiã plástica e doutorada em CP (1990) a nível nacional, presidiu a SPCPRE (1989-1994) e os primeiros Congressos Internacionais de CP em Portugal, o IX da FILACP em 1992, e o VIII da FECP, em 1997; José M. Amarante - fundador da primeira revista nacional de cirurgia, Arquivos Portugueses de Cirurgia (1992), diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) (2001) e Diretor do Departamento de Cirurgia da FMUP (2006) - coordenador de todas as especialidades cirúrgicas -; e ainda J. Laranja Pontes - presidente do Conselho de Administração do Instituto Português de Oncologia-Porto (2005).(2,3,4,5,6)

Ao contrário do seu inicio, a especialidade está hoje amplamente divulgada e é socialmente bastante prestigiada entre a população mas também na própria classe médica como o demonstram por exemplo, as elevadíssimas classificações no teste de seriação de escolha da especialidade necessárias para assegurar um lugar no internato da especialidade.

Bibliografía

1 50 anos da Sociedade Portuguesa de Cirurgia plástica (1961-2011): Passado, presente e futuro. Ed SPCPE, Lisboa, 2011. [ Links ]

2 Guimarães e Sousa A.M. História da Cirurgia Plástica e Reconstrutiva no Hospital de Santo António. Arquivos Portugueses de Cirurgia. 2003;12:45-64. [ Links ]

3 Joléo Tomé J.P. Curriculum Vitae, Lisboa, 1997. [ Links ]

4 Mondillo M.E. Curriculum Vitae, Lisboa, 1994. [ Links ]

5 Costa Santos E. Curriculum Vitae, Lisboa, 1994. [ Links ]

6 Batista Fernandes A.M. A cirurgia Maxilofacial: Evolução e conceito actual - Trabalho baseado no relatório efetuado como coordenador da Comissão Nacional para o Estudo da Competência em Cirurgia Maxilofacial nomeada pele OM e dirigido ao CE da OM, Lisboa, 1982. [ Links ]

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