INTRODUÇÃO
É bem estabelecido que a aderência ao exercício regular tem importantes impactos e implicações na saúde do indivíduo (Bouchard, Shepherd, & Stephens, 1994; Bauman, 2004; Biddle, 2016). Todavia, para uma parte daqueles que são fisicamente ativos, a prática de exercício pode ser excessiva (Monok et al., 2012; Sussman, Lisha, & Griffiths, 2011), causando problemas físicos, psicológicos e sociais (Yates, 1991; Szabo, 1995, 1998, 2000; APA, 2013). Exercício obrigatório (Pasman & Thompson, 1988), compulsão por exercício (Taranis, Touyz, & Meyer, 2011), vício em exercício (Terry, Szabo, & Gtiffiths, 2004) e dependência do exercício (Hausenblas & SymonsDowns, 2002) - termo usado nessa pesquisa - são as diferentes denominações dadas pela ânsia em praticar exercício físico no tempo livre, que resulta em um comprometimento emocional e de tempo destinado a essa prática.
O exercício físico está identificado como uma atividade que pode causar dependência (Brown, 1993). Todavia, a dependência do exercício está identificada como “comportamento repetitivo” e não está incluída na quinta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5; APA, 2013), por haver poucas evidencias para criar um critério diagnóstico que estabeleceria a dependência do exercício como uma desordem mental. Entretanto, Hausenblas e Symons-Downs (2002) propuseram componentes centrais para caracterização da dependência do exercício, baseando-se nos critérios de dependência de substancias do DSM -IV-R (APA, 2000). Esses componentes seriam (a) abstinência, que aparece quando uma sessão de exercício é perdida, então deve-se continuar exercendo para evitá-la; (b) continuação do exercício, mesmo que surjam problemas físicos ou psicológicos repetidos devido ao exercício excessivo; (c) tolerância, que se reflete na necessidade de maiores quantidades de exercício para alcançar o efeito desejado; (d) falta de controle, que reflete esforços malsucedidos para reduzir o exercício; (e) redução de outras atividades, tais como atividades sociais ou ocupacionais importantes que são abandonadas ou reduzidas por causa do exercício; (f) tempo gasto em atividades que são necessárias para gerenciar o exercício por um longo período de tempo; e (g) efeitos de intenção, ou seja, exercitar-se por um período mais longo do que o inicialmente previsto. Pessoas que apresentassem altos escores em 3 ou mais componentes centrais, poderiam ser identificadas tendo risco para a dependência do exercício; não dependente sintomático tendo escores médios e não dependente assintomático ao apresentar baixos escores (Symons-Downs, Hausenblas, & Nigg, 2004).
A dependência em exercício pode ter um fim em si mesmo, sendo então chamada de dependência primária (Veale, 1995). Fatores favorecedores de seu desenvolvimento incluem o uso do exercício como estratégia de coping para as preocupações com a saúde, aparência e estressores em geral; crenças equivocadas a respeito de como o exercício melhora a aparência, a autoestima e valorização social (Hausenblas & Giacobbi, 2004). Pode ser também chamada de dependência secundária, quando está incluída na etiologia dos transtornos alimentares (Veale, 1995) e da dismorfia corporal (Pope, Gruber, Choi, Olivardia, & Phillips, 1997), nos quais o exercício físico é elemento compensatório ou mantenedor do transtorno.
Foram identificados como preditores da dependência do exercício a ansiedade traço, neuroticismo, perfeccionismo, motivação introjetada e investimento obsessivo (Spane, 2001; Hamer & Karageorghis 2002; Hausenblas & Symons-Downs 2002; Hausenblas & Giacobbi, 2004;Fortier & Farrell 2009; Hale, Roth, Delong, & Briggs, 2010; Gonzalez-Cutre & Sicilia 2012; Paradis, Cooke, Martins, & Hall, 2013). A dependência do exercício também já foi associada a insatisfação com o corpo, imagem corporal negativa, baixa auto-estima, compulsão, rigidez, perfeccionismo, extroversão, drive for muscularity, necessidade de realização, competência percebida para o exercício, investimento obsessivo, sentimento de estresse antes do exercício, de afeto positivo após e de sintomas de abstinência na sua falta (Hamer et al. 2002; Hausenblas & Symons-Downs 2002; Hausenblas & Giacobbi 2004; Edmunds et al. 2007; Fortier & Farrell 2009; Hall, Hill, Appleton, & Kozub, 2009; Pugh & Hadjistavropoulos 2010; Gonzalez-Cutre & Sicilia 2012).
Tanto a dependência do exercício primária e secundária parecem ter impacto na imagem corporal, a representação mental, dinâmica e singular, de nosso corpo em nossa mente (Schilder, 1981). A experiência corporal é o cerne do desenvolvimento da imagem corporal (Neves, 2015). Para fins de pesquisa, aborda-se os traços mais salientes da imagem corporal em sua dimensão perceptiva e/ou atitudinal - o que inclui crenças, afetos e comportamentos relacionados ao corpo (Campana & Tavares, 2009). O drive for muscularity é um componente importante ao se abordar imagem corporal e exercício físico, pois refere-se ao desejo de ser mais forte, musculoso, com baixos níveis de gordura corporal e musculatura bem definida (McCreary & Sasse, 2000). Níveis mais elevados de drive for muscularity parecem estar relacionados a comportamentos de alteração da aparência, como exercício físico, consumos de substancias ergogênicas e suplementos alimentares e dietas bizarras (Dakanalis et al., 2015; Galli, Petrie, Reel, Chatterton, & Baghurst, 2014; Leone, Wise, Mullin, Harmon, Moreno, & Drewniany, 2015). Distinta do drive for muscularity, é a dismorfia muscular (Tod & Edwards, 2015). As pessoas com dismorfia muscular estão preocupadas com o fato de não serem suficientemente grandes e musculosas. Podem até compreender que são fortes e grandes, mas não se sentem seguras quanto a isso. Suas vidas se organizam em torno dos treinamentos de força, dietas e atividades associadas ao desenvolvimento muscular. As conseqüências incluem um desconforto social profundo em relação ao corpo, problemas de relacionamentos afetivos e relacionados à carreira, além do uso de esteroides anabolizantes e outras drogas (Pope et al., 1997). Ademais, o treino excessivo e a preocupação constante com alimentação interferem nos relacionamento íntimo e na carreira: a perda de um dia de treino ou o desvio da dieta provoca uma grande sensação de ansiedade, e por isso, todas as outras atividades são colocadas subordinadas a estas (Pope, Phillips & Olivardia, 2000).
Outro aspecto da imagem corporal a ser considerado é a ansiedade físico social, que se refere ao desconforto e ansiedade que o indivíduo experiencia ao ter o corpo efetivamente avaliado por outro ou pela expectativa de ser avaliado (Hart, Leary, &Rejestky, 1989). Este constructo, desenvolvido no contexto da avaliação física em academias, tem evidências mistas de associação positiva e negativa com aderência ao exercício físico (Sabiston, Pila, Pinsonnault-Bilodeau & Cox, 2014). Por fim, o comportamento de checagem corporal está associado a avaliações corporais negativas, a comparações de si com outras pessoas e avaliações compulsivas sobre tamanho, peso e forma (Reas, Whisenhunt, Netemeyer & Williamson, 2002; Shafran , Fairburn, Robinson & Lask, 2004). Verificou-se que a checagem do corpo está associada a perfeccionismo, comportamento obsessivo-compulsivo, preocupação com a forma e peso corporal, desejo de aumentar tamanho musculare força, crenças negativas sobre aparência, preocupação corporal e uso de drogas que aumentam a aparência e o desempenho (Walker, Anderson, & Hildebrandt, 2009). A checagem corporal prediz insatisfação corporal e transtorno dismórfico corporal e, por sua vez, é predita por afeto negativo e sintomas obsessivo-compulsivos (Vartanian & Grishan, 2011).
A valorização da musculatura e da capacidade de fazer força é mais saliente em homens que em mulheres (McCreary, 2011). No Brasil, a compreensão dos diferentes aspectos da dependência do exercício e da imagem corporal é importante, haja visto a importância que a aparência do corpo musculoso tem entre os homens Brasileiros (Goldenberg, 2002; Sabino, 2000). Os homens que servem ao Exército Brasileiro estão em um cenário particular. Para os militares, a prática de exercício físico é obrigatória, em ordem para atingir padrões ideais de saúde a para a operacionalidade (EME, 2015). Para essa população, a prática de exercício e a muscularidade vão além das questões relativas à aparência e à atratividade física. Versa sobre a virilidade, o valor como trabalhador, a masculinidade, as chances de êxito em combate e a capacidade de manter em segurança a própria vida, capacidades e qualidades estas que são também avaliadas em cada resultado de teste de desempenho físico (Campana, Morgado, Morgado, Campana, Ferreira, & Tavares, 2014).
Se essa vigília sobre o corpo e a forma física garante que os militares tenham condições físicas para atuar nos segmentos que são designados, por outro lado, está associada aos transtornos alimentares, à ansiedade físico social,à insatisfação com o corpo, à baixa autoestima (McNulty, 1997; Carlton, Manos &Van Slyke, 2005). O sofrimento psíquico que estes profissionais podem experimentar em relação ao seu corpo, aliado à percepção dos riscos inerentes à sua própria profissão, são potenciais desestabilizadores da imagem corporal. Seriam empecilhos à obtenção da melhor resposta em suas missões e até em sua vida como um todo (Neves & Mello, 2009).
Considerando nossa argumentação anterior, o objetivo deste trabalho foi colaborar para a melhor compreensão da dependência do exercício e sua associação e disimilaridade com dos traços da imagem corporalentre estudantes brasileiros militares de educação física, uma população na qual o exercício físico, o corpo musculoso e o desempenho físico têm um alto valor associado à qualidade do militar.
MATERIAL E MÉTODOS
A presente pesquisa teve início apenas após a aprovação pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade são Judas Tadeu, C.A.A.E.: 90303518.0.0000.0089.
Participantes
A amostra do estudo foi composta por 45 participantes, todos alunos do curso de Instrutor em Educação Física do Exército Brasileiro, dos quais 100% eram homens, com idade média de 26,33 anos (DP = 1.82; Min = 23; Max = 32 anos). A média do índice de massa corporal (IMC) foi de 24.09 kg/m2 (DP = 2,33; Min = 19.53; Max = 31.99 kg/m2) e a média da porcentagem de gordura foi de 13.86%. A grande maioria estava dividida entre solteiros e casados (34.14%), praticando exercício físico em intensidade moderada/pesada (39.02%), com duração acima de 30 minutos por sessão (97.56%), de três a cinco vezes por semana (82.92%).
Instrumentos
- Versão Brasileira da Exercise Dependence Scale (EDS; Alchieri, Gouveia, Oliveira, & Diógenes, 2015). Elaborada para avaliar o grau de dependência do exercício, com base nos critérios de transtornos de dependência relacionados ou não a substâncias, do Diagnostics Statistics Manual of Mental Disorders-IV-R. As opções de respostas estão dispostas numa escala tipo Likert, de cinco pontos (1= nunca ; 5= sempre). Para obter o resultado da escala, some todos os itens: quanto maior a pontuação, maior é o direcionamento do respondente a um corpo musculoso. A versão Brasileira da escala é composta pelos 21 itens originais, operacionalizados em sete fatores, obtidos através de análise fatorial exploratória: (1) Intencionalidade (I-EDS) itens 7, 14 e 21; (2) Continuidade (C-EDS) itens 9, 9 e 16; (3) Tolerância (To-EDS) itens 3, 10 e 17; (4) Redução de outras atividades (R-EDS) itens 5, 12 e 19; (5) Falta de Controle (FC-EDS) itens 4, 11 e 18; (6) Abstinência (A-EDS) itens 1, 18 e 15 e (7) Tempo (Te-EDS) itens 6, 13 e 20. Os 7 fatores explicam 62% da variância da versão Brasileira do instrumento.Para o “risco para dependência do exercício” enquadram-se aqueles com pontuação acima de 80% da pontuação máxima em pelo menos três fatores da escala. A categoria “Não dependente sintomático” engloba aqueles que, em pelo menos três fatores apresenta média entre 60% e 79% podendo em algum deles ficar acima de 80%, desde que não se enquadre como em risco para a dependência. Já a categoria final, não dependente assintomático,enquadram-se aqueles que apresentam média abaixo de 60% em pelo menos três fatores, desde que atenda aos critérios de risco para a dependência ou não dependente sintomático.
- Versão Brasileira da Swansea Muscularity Attitudes Questionnaire - (SMAQ; Campana, Swami, Silva, & Tavares, 2013). Foi formulada para medir drive for muscularity, de modo a averiguar a preocupação dos homens com a sua musculatura. As respostas estão organizadas numa escala tipo Likert de sete pontos (1 = definitivamente sim; 7 = definitivamente não). A aprovação da versão brasileira, com avaliação fatorial confirmatória, indicou uma adaptação satisfatória para o modelo instrumentalizado em três fatores, sendo eles: (1) Investimento na Musculatura (IM - SMAQ) itens 2, 4, 5, 9 e 11; (2) Benefícios Associados à Musculatura (BM-SMAQ) itens 3, 7, 8 e 15; (3) Muscularidade e Masculinidade (MM-SMAQ) itens 1, 6, 10, 12, 13 e 14; RMSEA = .050, GFI = .993, AGFI = .990, NFI = .990, CFI = .996, NNFI = .995, retendo 15 dos 20 itens da escala original.Maiores escores indicam maior drive for muscularity.
- Versão Brasileira da Muscle Appearance Satisfaction Scale (MASS; Silva Junior, Souza, & Silva, 2008). Foi criada para avaliar a satisfação com que os indivíduos têm com sua aparência muscular, considerando características da dismorfia corporal e dismorfia muscular. A escala consta de 19 itens, organizados numa escala tipo Likert de 5 pontos (1 = discordo completamente; 5 = concordo completamente). A versão Brasileira do instrumento reteve os 19 itens, numa estrutura fatorial de 4 fatores, determinados por análise fatorial exploratória: (1) Dependência em Malhar (DM-MASS) itens 2, 3, 6, 7, 9, 10, 12, 15, 16 e 18; (2) Checagem (C-MASS) itens 1, 8, 11 e 13; (3) Satisfação (S-MASS) itens 5, 14 e 17 e (4) Uso de Substância (US-MASS) itens 4 e 19. Escores globais acima de 52 pontos indicam risco de dismorfia muscular (Mayville, Williamson, White, Netemeyer, & Drab, 2002).
- Versão Brasileira da Physical Appearance Perfectionism Scale (PAPS; Francisco, 2018). Foi desenvolvida para avaliar aspectos positivos e negativos do perfeccionismo relacionado à aparência física. A escala original tem 12 itens, organizados numa escala Likert de 5 pontos (1 = discordo fortemente; 5 = concordo fortemente) e está operacionalizada em 2 fatores: (1) Preocupações com a Imperfeição, itens 1, 3, 5, 8, 9, 10 e 11 e (2) Esperança para perfeição, itens 2, 4, 6, 7 e 12. Na versão Brasileira, foi mantida a estrutura fatorial, mas os itens 1 e 2 foram excluídos, com ajuste satisfatório para a amostra masculina, RMSEA= .081, CFI = .98, NFI = .96.
- Versão Brasileira da Social Physique Anxiety Scale (SPAS; Neves, Neves, Ferreira, Brandão, & Zanetti, 2018). A SPAS foi criada para avaliar o grau de ansiedade que uma pessoa experimenta quando outros estão observando ou avaliando o seu corpo. As opções de respostas estão dispostas numa escala Likert de cinco pontos (1 = nada parecido comigo a 5 = tudo a ver comigo). Os itens 1 e 5 são reversos.No Brasil, a estrutura fatorial com melhor ajuste foi a unidimensional, com 10 itens (RMSEA = .045; GFI = .99; AGFI = .99; NFI = 1; CFI = 1; NNFI = .99). Quanto à confiabilidade, o teste de alpha de Cronbach foi α = .82 e a confiabilidade composta CC = .80. O escore final da escala é dado pela soma de todos os itens, escores mais elevados indicam maior ansiedade físico social.
- Questionário Demográfico: Foram identificados dados categóricos das amostras, como arma, idade, peso, altura, % de gordura, estado civil. Além disso, os participantes completaram o Kasari Fit Index Scale (Heyward e Stolarczyk, 1996), no qual os participantes são solicitados a relatar suas práticas de atividade física em termos de frequência (1 = < uma vez por mês, 5 = >6 vezes por semana), intensidade (1 = exercício aeróbico leve, 5 = atividades de alta intensidade) e duração (1 = < 10 minutos por sessão, 5 = > 30 minutos por sessão). Dados esses que foram usado para calcular a nível de condicionamento físico (CF) - CF = escore frequência * escore intensidade * escore duração.
Procedimentos
O pesquisador convidou todos os integrantes da turma do Curso de Instrutores (CI) da Escola de educação Física do Exército (EsEFEx) a participarem voluntariamente da pesquisa, explicando oralmente os objetivos da mesma. Aqueles que se declararam voluntários a participar, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e pacote de questionários. Foi pedido a todos os participantes que lessem, assinassem e destacassem o TCLE antes de preencherem os questionários. O preenchimento foi feito em uma das salas de aula da EsEFEx, que tinha mesas e cadeiras que possibilitaram o preenchimento individual com privacidade na marcação das respostas. O preenchimento das escalas durou entre 20-25 minutos.
Análise estatística
Foram utilizadas medidas de tendência central e dispersão para descrição inicial dos dados. Em seguida, o teste de normalidade de Shapiro-Wilk foi usado para verificar a aderência dos dados à distribuição normal. Como constatou-se que os dados eram não paramétricos, o teste de correlação de Spearman foi utilizado para investigação das associações entre as variáveis. O teste de Qui-Quadrado foi utilizado para verificar a dependência entre as variáveis categóricas.
Face à natureza não paramétrica da distribuição dos dados, o que limita a realização de uma análise de regressão, optou-se por uma abordagem multivariada descritiva e não inferencial, exploratória em essência, a análise de cluster. Esta é uma técnica estatística multivariada que classifica objetos (respondentes, variáveis), separando grupos com homogeneidade interna e, ao mesmo tempo, dissemelhantes entre si (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2009). Determinou-se que a medida de distancia Euclidiana com normalização pelo escore s seriam usados para inferir as (dis)semelhanças entre as variáveis, por ser uma das mais usadas na análise de cluster (Malhotra, 1999). Por não haver, a priori, o estabelecimento de relações causais em potencial e, por conseguinte, do número de clusters, os sete métodos de aglomeraçãohierárquicos foram testados para verificar qual separaria melhor as variáveis. O métodohierárquico de Ward foi o que mostrou melhor separação das variáveis e os resultados aqui apresentados dizem respeito àqueles gerados pela análise com esse métodohierárquico de aglomeração.
Adotou-se a deleção listwise, para evitar viés nos resultados, e nível de significância de 95%, sendo que as correlações significantes a 99% também foram consideradas. O software SPSS, versão 15, foi usado em todas as análises.
RESULTADOS
. As médias, os valores de dispersão, os valores máximos e mínimos, assim como a significância do teste de normalidade dos dados pode ser vista na Tabela 1.
Do total da amostra, 13.3% (n=6) apresentaram indicativos de dependência do exercício; 71.1% (n=32) risco de não-dependência sintomática e 15.6% (n=7) de não-dependência assintomática. Ainda, 17.8% (n=8) podem ser considerados em risco para desenvolvimento de dismorfia muscular.
Entre os que tinham não indicativo de risco para dismorfia muscular, seis eram também dependentes sintomáticos, 28 não dependentes sintomáticos e sete não dependentes-assintomáticos. Entre os que tinham indicativo de risco para dismorfia, três eram dependentes sintomáticos e quatro eram não dependentes sintomático. O teste de Qui-quadrado demonstrou haver relação estatisticamente significante entre o risco de dismorfia muscular e o de dependência do exercício, χ2 = (2. 45) = 6.94, p = .03. No caso, a dependência sintomática e não dependência sintomática estão relacionadas ao baixo risco de dismorfia muscular, indicando que nessa amostra, a dependência do exercício é essencialmente primária.
A análise hierárquica de cluster indicou haver cinco clusters distintos nessa amostra. O primeiro, formado exclusivamente pelos fatores de dependência do exercício intencionalidade, tempo, redução e abstinência, e o índice de condicionamento físico que se mostraram dissimilares de todos os demais. Segundo, formado pelo do fator continuidade da dependência do exercício, pela ansiedade físico social e pela preocupação com a imperfeição. O terceiro, exclusivo dos fatores da dismorfia muscular. O quarto, pelo fator esperança com a perfeição da escala de perfeccionismo e falta de controle e tolerância da dependência do exercício. Por fim, o quinto cluster foi formado exclusivamente pelos fatores do drive for muscularity (Figura 1).
Quanto as correlações entre os fatores da dependência do exercício e os traços da imagem corporal avaliados, a análise de correlação bivariada de Spearman indicou haver correlações significantes positivas e médias entre o fator I-EDS e SPA (r = .37), o fator C-MASS (r = .37) e D-MASS (r=.33). O fator C-EDS teve associação positiva e média com PI-PAPS (r=.32). O fator R-EDS teve correlação negativa e moderada com o fator BM-SMAQ (r=-.35), positiva e moderada com SPA (r=.45) e D-MASS (r=.30). O fator Co-EDS teve correlação positiva e moderada com EP-PAPS (r=.32) e C-MASS (.36), tendo este ultimo correlação positiva e moderada também com A-EDS(r=.39). O fator Te-EDS teve correlação negativa e moderada com BM-SMAQ (r=-.33) e positiva e moderada com C-MASS (r=.31). Apenas o fator To-EDS não se correlacionou com nenhum traço da imagem corporal analisado e nenhuma outra correlação foi significante ao nível de p=.01 ou p=.05.
DISCUSSÃO
A presente pesquisa exploratória teve como objetivo colaborar para a melhor compreensão da dependência do exercício e sua associação e dissimilaridade com dos traços da imagem corporalno Brasil, especificamente entre militares que são alunos do curso de bacharel em educação física.
Inicialmente, destaca-se que foi expressiva a quantidade de participantes classificados como não-dependentes sintomáticos. Estudos anteriores identificaram frequência dessa mesma categoria entre 55% e 68% (Hausenblas & Symons-Downs, 2002; Symons-Downs, Hausenblas, & Nigg, 2009; Szabo & Griffiths, 2007; Lindwall & Palmeira, 2009; Costa, Coppolino, & Oliva, 2015). Apesar de aparentar não ser discrepante em relação ao que se observa em outras pesquisas, a não-dependência sintomática não deve ser ignorada, pois implica haver algum nível e sofrimento e preocupação com o exercício físico entre os participantes.
Importante observar que as categorias dependência do exercício e de risco de dismorfia muscular mostram-se relacionadas entre si. Podemos afirmar então, que nessa amostra a não-dependência sintomática ocorre mais frequentemente entre aquele que não tem risco de dismorfia muscular, que por sua vez congrega todos os não dependentes assintomáticos e metade dos dependentes. Esses resultados nos levam a concluir que há uma maior tendência à dependência do exercício primária, no qual o exercício físico é um fim em si mesmo.
A análise de cluster evidenciou que no primeiro cluster, quatro dos sete fatores da dependência do exercício estão completamente dissimilares de qualquer traço da imagem corporal avaliados, mas são interdependentes em relação ao condicionamento físico. Intencionalidade (fazer mais exercício que o inicialmente estipulado), tempo (grande quantidade de tempo despendido com a prática de exercício), redução (diminuição de outra atividades sociais, ocupacionais ou recreativas) e abstinência (sintomas físico e emocionais de abstinência que aparecem na ausência ou diminuição da prática do exercício) se mostram, nessa amostra, como características isoladas da dependência do exercício, distantes de qualquer outro traço. Esse resultado parece ser coerente sob a luz do fato de que o exercício físico é uma obrigatoriedade dentro do Exército e que o nível de preparo físico do militar é um fator determinante para sua carreira - vale mencionar que o teste de aptidão física influencia em promoção e determinação de missões - podemos especular que esses quatro fatores são os motrizes do condicionamento físico nesse público: fazer mais, por mais tempo, antes de qualquer outra atividade e sempre.
O segundo cluster aponta a interdependência do fator continuidade (exercício é persistido mesmo frente a um problema de saúde físico ou psicológico - que pode ter sido causado pelo exercício), da ansiedade físico social e do fator de perfeccionismo preocupação com a imperfeição do corpo. O sofrimento pela avaliação negativa do corpo e o desejo de mitigar suas imperfeições nessa amostra são traços da imagem corporal que mais se assemelham à atitude de persistência da prática de exercício mesmo em situações de saúde adversas. Na carreira militar, espera-se um comprometimento na manutenção e melhora da forma física para a execução das missões (EME, 2015), que em última instancia pode estar levando esses militares a ter uma atitude de tolerância com dor e cargas de treino para se enquadrar nos padrões de aceitação.
O quarto cluster congrega as similaridades entre os fatores esperança para a perfeição da escala de perfeccionismo e falta de controle (desejo persistente ou esforço sem sucesso de diminuir a carga de exercício) e tolerância (necessidade de maiores quantidades de exercício para alcançar o efeito ou um efeito diminuído ocorre com o uso continuado da mesma quantidade de exercício) da escala de dependência do exercício. Esse cluster parece ser o “outro lado da moeda” do cluster 2: na medida em que o militar se vê no padrão esperado ou mais próximo de estar no padrão físico ideal, o controle sobre o exercício físico é algo que se perde. Esse domínio específico do perfeccionismo relacionado a aparência já foi relacionado à dependência do exercício (Hall et al., 2009; Miller & Mesagno, 2014; Hall, Jobson, & Stamp, 2015). O presente estudo replica esses estudos e, ao fazê-lo, afirma a importância potencial do perfeccionismo em termos da sintomatologia da dependência do exercício. Avança em relação aos anteriores ao identificar dimensões especificas da dependência do exercício que são interdependentes dos fatores do perfeccionismo, permitindo identificar mais claramente o dinamismo entre as variáveis.
O terceiro cluster aponta exclusivamente a similaridade dos fatores da escala de satisfação com a musculatura e o quinto cluster exclusivamente pelos fatores de drive for muscularity. Alguns apontamentos podem ser feitos a partir desses resultados: (1) drive for muscularity e dismorfia muscular são constructos essencialmente distintos nessa amostra; (2) ambos independem da dependência do exercício, ou seja, apesar do exercício físico ser um recurso importante para a construção de um corpo musculoso, seu excesso não é uma atitude relacionada ao desejo por um corpo mais musculoso e nem ao sofrimento associado ao ideal de corpo (3) drive for muscularity e dismorfia muscular independem do nível e condicionamento físico - ou seja, a atitude frente ao corpo musculoso, o desejo de um corpo mais musculoso, a satisfação com a musculatura e o sofrimento a isso associado não são próximo ao exercício em si praticado, a atitude não se transforma em comportamento ativo. Esses resultados diferem daquele encontrado por Campana et al. (2014) o que sugere que as questões relacionadas à imagem corporal e exercício diferem entre grupos militares de forma importante.
Por fim, cabe comentar as associações identificadas entre as variáveis de imagem corporal e os fatores de dependência de exercício. Apenas o fator tolerância não foi associado a nenhuma variável. As correlações moderadas e negativas entre o fator BM-SMAQ e R-EDS e Te-EDS indicam que o tempo destinado ao exercício físico e a redução de outras atividades sociais, recreativas e ocupacionais diminuem frente à maior crença nas vantagens de um corpo musculoso. Essas correlações foram inesperadas, pois associações e efeito positivos são comumente reportados (Tod & Edwards, 2015). Isso pode ser indicativo de uma particularidade de nossa amostra e apenas a continuidade da pesquisa sobre o tema em homens brasileiros - militares ou não, pode responder melhor. O fator checagem da musculatura, (i.e.: comportamento ritualístico de medir e comparar a musculatura) foi o traço da imagem corporal que se associou positiva e moderadamente a mais fatores da dependência do exercício: intencionalidade, continuidade, abstinência e tempo. Parece ser coerente que o comportamento compulsivo de vigilância do corpo esteja associado à atitudes compulsivas do exercício. É a linguagem ativa da dependência do exercício.
Importante ainda destacar que o fator uso de substancias e satisfação com a musculatura não teve qualquer associação com dependência do exercício. Esses resultados são contrários ao comumente observado, já que excesso de exercícios de força, perda de controle sobre o tempo de prática de exercício com restrição de atividades sociais, recreacionais e laborais - que são dimensões da dependência do exercício - são associados à dismorfia muscular (Cafri, Olivardia, & Thompson, 2008; Olivardia, Pope, & Hudson, 2000). Esse resultado sugere que o excesso e a dependência de exercício não passam por essas dimensões da dismorfia muscular e talvez, por isso, tenham mais um fim em si mesmo nessa amostra, ratificando ao achados do teste de qui-quadrado feitos nesse estudo. Por fim, cabe destacar que tanto a ansiedade físico social quanto o fator dependência da MASS teve associação com os fatores I-EDS e R-EDS.
A despeito das novas descobertas e novas evidencias geradas, essa pesquisa tem limitações que devem ser consideradas. Primeiro, os dados não devem ser generalizados pois a amostra, além de não ser probabilística restringe-se a um grupo específico de militares: aqueles que são estudantes de um curso de bacharel em educação física. Ademais, trata-se de um estudo transversal. Um próximo estudo poderia registrar o exercício físico praticado em um período em um estudo longitudinal em diferentes grupos de estudantes de educação física para ampliar a compreensão desses fenômenos nesse grupo que gerenciará a prescreverá exercícios a outras pessoas. Deve-se também buscar compreender a relação entre imagem corporal e a dependência do exercício físico em outros grupos etários, como adolescentes e idosos, que são negligenciados nessas pesquisas.
CONCLUSÕES
Concluímos que nessa amostra, há mais não-dependentes sintomáticos do exercício e que os sintomas de dependência do exercício parecem ser primários, não fazendo parte da dismorfia muscular. Tanto a dismorfia muscular como o drive for musculairty mostraram-se completamente dissemelhantes da dependência do exercício, que se aproxima mais do perfeccionismo e da ansiedade físico social. O nível e condicionamento físico tem mais semelhança aos fatores intencionalidade, tempo, redução e abstinência da dependência do exercício. Algumas associações nessa amostra se mostraram contrárias à da literatura, o que nos leva a especular que a função corporal, em ordem de ser um militar com boa operacionalidade, é em alguns aspectos superior à aparência do corpo.
APLICAÇÕES PRÁTICAS
A presente pesquisa trouxe novas evidencias que ajudam a compreender melhor como a dependência do exercício e traços específicos da imagem corporal se associam e se assemelham em um grupo de estudantes de educação física militares. Esperamos que os dados possam ser aplicados em pesquisas experimentais e em estudos transculturais.