SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.19 issue3Muscle Dysmorphia: predictive and protective factors in adolescents author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

My SciELO

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Cuadernos de Psicología del Deporte

On-line version ISSN 1989-5879Print version ISSN 1578-8423

CPD vol.19 n.3 Murcia  2019  Epub June 22, 2020

 

Editorial

Exercício, Cérebro e funcionamento Cognitivo

Jose Alves1 

1IP A Guarda, A Guarda, Portugal.

Quando falamos de cérebro a primeira pergunta que se pode colocar é: Porque é que o ser humano tem cérebro?

A resposta é fácil e tem já uma longa história. Os paleoantropólogos preocupam-se com o estudo da evolução do ser humano e apesar da controvérsia à volta da história da evolução humana, um único facto é por todos aceite “Nós movimentamo-nos” (Medina, 2009). De facto, Wolpert, em 2011, refere que só os seres vivos que se movimentam possuem cérebro o que significa que só nos movimentamos porque temos cérebro e só temos cérebro porque nos movimentamos. Assim, podemos compreender que foi o facto de os nossos ancestrais se movimentarem (e muito) quelevou à evolução do nosso cérebro e à cada vez maior sofisticação dos comportamentos do ser humano.

Ao longo dos tempos a questão da actividade física e do exercício foi sendo referida como importante para o adequado funcionamento cognitivo, quer por filósofos “A fim de que o homem tenha sucesso na vida, Deus presenteou-o com dois meios, a educação e a actividade física. Não separadamente, um para a alma e o outro para o corpo, mas para os dois juntos.

Com esses dois meios, o homem pode atingir a perfeição.” (Platão, cit em Ratey & Hagerman, 2008 “Eu só posso meditar quando estou andando. Quando paro, deixo de pensar; a minha mente só funciona com as minhas pernas.” (Rousseau, 1953/1782, p. 382) e Psicólogos “Responder ao desafio colocado por esta actividade, a manipulação de utensílios, teve por efeito aumentar a nossa capacidade de compreensão e de transformação no sentido de dar maior sofisticação cognitiva - a acção desenvolveu a nossa mente.” (Sprinthall & Sprinthall, 1993: p.113). Em 2014, na 9ª edição das diretrizes do American College of Sports Medicine, é evidenciado que as evidências do crescente corpo de conhecimento, apoiam uma relação positiva dos efeitos benéficos do exercício na função cognitiva, o que é confirmado, em 2018, na 2ª edição do “Physical Activity Guidelines for Americans,” Deste modo podemos perguntar: 1) Se as nossas habilidades cognitivas originais foram forjadas na fornalha da actividade física, é possível que a actividade física ainda as influencie? 2) São as habilidades cognitivas de alguém em boa condição física diferentes das de alguém em má condição física? 3) E se alguém em mau estado físico ficasse em forma, o que aconteceria?

Jennifer Cohen, na Forbes de outubro de 2013, refere que as pessoas de grande sucesso (como por ex: Margareth Thatcher e Frank Lloyd Wright), entre outras actividades que realizam antes das 8 horas da >manhã, se encontra o exercício. Qual a razão que leva estas pessoas a fazerem exercício logo pela manhã cedo? Se ouvirmos o Dr. John Ratey psiquiatra da Escola Médica de Harvard, numa conferência que realizou em 2012, podemos constatar que após fazermos exercício “o nosso cérebro está pronto a aprender”, pois o sangue que chega ao cérebro, em maior quantidade e mais oxigenado, fá-lo funcionar ao seu melhor nível.

Esta afirmação do Prof. Ratey vem na sequência do que refere no seu livro “Spark! How exercise will improve the performance of your brain” (2008), onde igualmente afirma que se queremos ser mais inteligentes devemos fazer mais exercício, pois que “o exercício é a ferramenta mais poderosa que possuímos para optimizar a função cerebral e… tem um profundo impacto nas habilidades cognitivas e na saúde mental.” (Ratey & Hagerman, 2008, p. 7).

Evidência científica baseada em investigações, realizada na última década e utilizando técnicas de neuroimagiologia, tem sido encontrada, comprovando a eficácia do exercício e actividade física na melhoria do funcionamento cerebral das regiões envolvidas no controlo da cognição, ao longo da vida (Gomez-Pinilla and Hillman, 2013; Ratey and Loehr, 2011; Audiffren and André, 2019).

Hillman, Erickson and Kramer (2008) num artigo que intitularam, sugestivamente, de “Be smart, exercise your heart: exercise effects on brain and Cognition” referem que estudos realizados em animais e humanos têm mostrado que o exercício aeróbio pode melhorar alguns aspectos da cognição (Controlo Executivo, espacial, velocidade de processamento da informação ), ajudando a melhorar não só a saúde física, mas também o desempenho académico. Este artigo analisa os efeitos positivos da actividade física aeróbia na função cerebral e na cognição, aos níveis comportamental, molecular, celular e dos sistemas.

O estudo conclui que há evidências convergentes de que a participação na actividade física é benéfica para a cognição, a nível molecular (Neurotrofinas BDNF, factores de crescimento - IGF-!, FGF- 2, VEGF), celular (plasticidade sináptica, neurogénese, angiogénese), comportamental e dos sistemas (atenão, aprendizagem, memória). Os autores evidenciam a importância da promoção da actividade física ao longo da vida para reverter a tendência recente para a obesidade e a doença, bem como prevenir ou reverter o declínio cognitivo e neuronal.

Mais recentemente, vários estudos e diversas metaanálises mostraram uma clara relação entre o exercício e a actividade física, incluindo a educação física escolar, e o funcionamento cognitivo e o rendimento académico, nomeadamente, na leitura e na matemática, mesmo em crianças pré-adolescentes com transtorno do deficit de atenção com hiperactividade (TDAH). A generalidade desta literatura não só não demonstra um decrescimento do rendimento académico, como evidencia, ao contrário, uma melhoria nos estudantes com maior actividade física.

Os estudos realizados contrariam a ideia generalitzada de alguns políticos que defendem que para que os estudantes melhorem os resultados académicos têm que alocar mais tempo às disciplinas ditas intelectuais (matemática, ciências, língua materna, etc.) e retirar tempo à educação física e outros tempos que os jovens dedicam à actividade física (desporto escolar).

Os estudos recentes apontam várias razões para esta estreita relação entre actividade física, o uncionamento cognitivo e melhor rendimento académico, baseando-se na investigação recente que mostra que a actividade física provoca mudanças biológicas que estimulam as células cerebrais a estabelecer ligações umas com as outras (plasticidade sináptica). Estas ligações reflectem a habilidade fundamental do cérebro para se adaptar aos desafios, pois o exercício proporciona um estímulo incomparável, criando um ambiente no qual o cérebro está pronto, disposto e capaz de aprender (Ratey & Hagerman, 2008).

Hillman et al. (2014) investigaram o efeito de um programa de actividade física extra escolar, no funcionamento cerebral, nomeadamente na inibição atencional e na flexibilidade cognitiva, em 221 crianças dos 7 aos 9 anos, com uma metodologia experimental aleatória, usando medidas comportamentais e electrofisiológicas do funcionamento cerebral. Os resultados evidenciam que o programa de actividade física produziu aumentos significativos na performance cognitiva e no funcionamento cerebral, nas tarefas de maior exigência de controlo executivo (incompatibilidade e maior quantidade de informação), evidenciando uma relação causal entre a AF e o funcionamento cognitivo.

O exercício ao melhorar a função cardíaca e a capacidade pulmonar, faz com que o cérebro receba um aumento de oxigénio, possibilitando o aumento dos níveis dos neurotransmissores (norepinefrina dopamina e serotonina) que se traduz na redução do stresse e na melhoria do humor que são condições indispensáveis para uma adequada aprendizagem. Por outro lado, estes neurotransmissores ajudam a que haja um aumento dos factores de crescimento (neurotróficos), nomeadamente o BDNF (Brain Derived Neurotrophic Factor) que ajudam a produir e maturar novas células nervosas e estimula a plasticidade sináptica (conexão entre neurónios), melhorando o comportamento das crianças e jovens na sala de aulas e a sua concentração.

É perfeitamente claro e de acordo com a literatura mais recente, que o exercício exerce um papel fundamental no funcionamento do cérebro e no funcionamento cognitivo, que se reflecte na melhoria de noves aprendizagens, na saúde mental e na prevenção do declínio neuronal provocado pelo envelhecimento natural. A questão que agora podemos colocar é como é que esses efeitos se produzem, isto é, quais os mecanismos subjacentes?

É, igualmente claro que os efeitos do exercício serão tanto maiores quanto se utilizarem programas com diferentes tipos de exercício (aeróbio, força, resistência, coordenação) em que não sejam somente solicitadas as diferentes estruturas osteomusculares, envolvidas no movimento, mas também, as habilidades cognitivas, isto é, quanto maior a complexidade do exercício físico e a necessidade de recursos cognitivos, para a sua aprendizagem e execução, maior a magnitude dos seus efeitos.

Finalmente, vários estudos têm demonstrado evidência consistente de que os efeitos do exercício se prolongam ao longo da vida do ser humano, pelo que, para podermos usufruir de uma velhice saudável, devemos promover estilos de vida mais saudáveis, incluindo, no nosso dia a dia, actividade física, alimentação adequada e maior convivência com a natureza, tal como os nossos ancestrais, que de acordo om (Young, 2007) nos faz ter uma maior exposição à luz natural que é também um factor que promove a síntese da serotonina, ajudando, em consequência, a prevenir os transtornos comportamentais (stress, ansiedade, depressão) e a melhorar o funcionamento cognitivo.

É, no entanto, de notar que o grosso da investigação tem utilizado essencialmente, modelos animais e é, ainda, muito escassa no que se refere ao tipo, contexto, quantidade e duração do exercício (qual a dose óptima), em humanos, sugerindo-se, por isso, o aprofundamento da investigação nesta linha de pensamento, no sentido de determinar as especificidades dos efeitos das diferentes formas de exercício e em que funções cognitivas específicas esses efeitos se fazem sentir.

Referencias

Audiffren, M. y André N. (2019). The exercise-cognition relationship: a virtuous circle Journal of Sport and Health Science, 8(4), 339-347.doi: https://doi.org/10.1016/j.jshs.2019.03.001 [ Links ]

Gomez-Pinilla, F. y Hillman CH. (2013). The Influence of Exercise on Cognitive Abilities. Comprehensive Physiology, 3, 403-428. doi: 10.1002/cphy.c110063. [ Links ]

Hillman, CH.Erickson,KI. y Kramer, A.(2008). Be smart, exercise your heart: exercise effects on brain and Cognition. Nature Reviews Neuroscience, 9, 58-65.doi: 10.1038/nrn2298 [ Links ]

Hillman, CH. Castelli, DM. Khan, NA. Raine, LB. Scudder, MR. y Kamijo, K.(2014). Effects of the FITKids randomized controlled trial on executive control and brain function. Pediatrics, 134 (4), 1063-1071. doi: 10.1542/peds.2013-3219. [ Links ]

Medina, J.(2009). Brain Rules: 12 Principles for Surviving and Thriving at Work, Home and School. Seattle, USA: Pear Press. [ Links ]

Ratey, J. & Hagerman, J.(2009). SPARK: The Revolutionary New Science of Exercise and the Brain. London: Quercus. [ Links ]

Ratey, J. and Loehr JE. (2011). The positive impact of physical activity on cognition during adulthood: a review of underlying mechanisms, evidence, and recommendations.Neuroscience,22(2), 171-185.doi: http://dx.doi.org/10.1515/rns.2011.017. [ Links ]

Rousseau, JJ.(1782). The Confessions of Jean-Jaques Rousseau. London: Penguin. [ Links ]

Sprinthall, NA. & Sprinthall, RC.(1993). Psicologia Educacional. Uma Abordagem Desenvolvimentista. Lisboa, Portugal: MacGraw-Hill. [ Links ]

Wolpert, D.(2011). The real reason for brains TEDGlobal, https://www.ted.com/talks/daniel_wolpert_the_real_reason_for_brains#t-304011Links ]

Young, SN.(2007 ). How to increase serotonin in the human brain without drugs. Journal of Psychiatry & Neuroscience, 32(6), 394 [ Links ]

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons