INTRODUÇÃO
A progressiva mercantilização do futebol à escala global tem estado na origem de grandes investimentos. Os clubes contratam os melhores futebolistas, apostam em especialistas para potenciar o maior rendimento e, em alguns casos, recorrem a estratégias eticamente reprováveis para pressionar árbitros (Gómez, Viera, Espínola, Arbinaga, & Reyes, 2019) tendo em vista o êxito desportivo e o respetivo retorno financeiro (Alvito, 2006; Brown, 2006). Esta realidade acarreta consequências no exercício de uma função pouco reconhecida a nível profissional considerando os desafios associados, principalmente do ponto de vista socio-emocional (De Oliveira, Penna, & Pires, 2017; Pedrosa & García-Cueto, 2015).
Atualmente, as exigências são cada vez maiores e mais abrangentes. Ultrapassam o domínio físico e o domínio cognitivo, inerente ao simples conhecimento do jogo e das suas regras (González-Oya & Dosil Díaz, 2004; Pla-Cortés, Gomà-i-Freixanet, & Avilés-Antón, 2015; Webb, Wagstaff, Rayner, & Thelwell, 2016). Portanto, a formação e preparação do árbitro de futebol deverá responder de forma ajustada aos novos desafios e às dificuldades do jogo, decorrentes da utilização de novos recursos tecnológicos, bem como da gestão do jogo face ao célere escrutínio das ações/decisões.
Processo formativo dos árbitros
Paradigmas europeus
Com intuito de dar resposta às exigências anteriormente referidas, tem-se assistido ao desenvolvimento de diversos programas de formação de âmbito formal, tanto em contexto escolar (Borrueco, Alcaraz, Ramis, & Cruz, 2019), como no seio das entidades que gerem o setor em termos mundiais. A Union of European Football Associations (UEFA), por exemplo, promove seminários específicos para os árbitros internacionais, monitoriza os seus treinos e solicita a realização de diversas atividades on-line (Webb et al., 2016), das quais se destaca a realização de exercícios de vídeo-testes, validados pela Fédération Internationale de Football Association (FIFA), para promover a correta tomada de decisão (Gallardo & Iglesias, 2011). No Centro de Excelência de Arbitragem (CORE) da UEFA, são ainda desenvolvidas formações teóricas e práticas específicas para equipas de arbitragem de elite, ou com potencial para o serem, indicadas pelas federações nacionais (Racek & Pelikán, 2015).
Em termos nacionais, a formação da arbitragem é uma responsabilidade de cada federação nacional, seguindo diferentes modelos. Em países como Alemanha, Espanha, França, Itália, Inglaterra ou República Checa, os árbitros encontram-se agrupados em duas categorias: Local - da responsabilidade das associações regionais; Regional e/ou Nacional - responsabilidade da federação de selecionar, nomear e distinguir os melhores árbitros a partir das classificações no final de cada temporada (Brochado, 2012; Perreau-niel & Erard, 2015; Racek & Pelikán, 2015; Webb, 2017). Na Premier League inglesa, a nomeação, formação e avaliação dos árbitros que integram a categoria profissional é competência de uma organização independente, a Professional Game Match Officials Limited. Esta organização realiza formações teóricas e desenvolve um acompanhamento próximo na preparação e avaliação física dos árbitros de futebol. Localmente também têm sido desenvolvidos outros programas de formação com o objetivo de melhorar as competências dos árbitros. A título de exemplo, na Turquia foi aplicado um Programa de Preparação Física à Distância (Kizilet, 2011); na Escócia, Inglaterra e Israel foram aplicados Programas de Intervenção Psicológica (Mathers & Brodie, 2011; Samuel, 2015; Slack, Maynard, Butt, & Olusoga, 2015); em Israel, Inglaterra e República da Irlanda foram ainda criados programas de desenvolvimento para a excelência, nos quais cada participante foi acompanhado de forma regular ao longo de toda a época (Brochado, 2012; Samuel, 2017).
Paradigma português
Portugal acompanha o desejo de evolução no processo formativo dos árbitros em vários quadrantes. Do ponto de vista formal, a formação dos árbitros é regulada em termos nacionais pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a nível regional por cada associação distrital (Brochado, 2012).
Durante a primeira década do século XXI, o modelo português de formação de árbitros assemelhava-se ao inglês, não prevendo no entanto qualquer avaliação de desempenho (Gomes, 2008). Após a conclusão do curso de formação inicial, os árbitros frequentavam, pelo menos, duas ações com fins formativos e avaliativos (Brochado, 2012; Reis, 2005).
A partir de 2013, o processo de formação do árbitro tornou-se mais formal, através da constituição da Academia da Arbitragem (AA). Esta foi criada com o objetivo de ministrar uma formação que prepare o árbitro para as exigências do jogo, mas também para as repercussões sociais e mediáticas da sua atuação (Montiel, Pina, & Pereira, 2013). Foram notórias as alterações provocadas ao nível da carga horária, do aumento dos níveis de formação, bem como da atividade prática realizada, sendo definidos ainda três níveis de formação distintos: Formação inicial (Nível 1, Competições Distritais); Formação Avançada (Nível 2, Competições Nacionais); Formação de Elite (Nível 3, Competições Nacionais de Elite). Durante cada uma destas etapas, os candidatos realizam diversas provas que permitem selecionar o grupo que posteriormente integrará a fase de transição para a categoria superior (Montiel et al., 2013). Esta transição decorre ao longo da época seguinte, num período de estágio (100h no Nível 1, 150h no Nível 2, e 450h no Nível 3), sob a orientação de um tutor (árbitro mais experiente) (Mack, Schulenkorf, Adair, & Bennie, 2018).
O processo de tutorias
A revisão das teorias mais recentes aponta para a existência de uma opinião consensual de que o êxito no processo de aprendizagem depende do maior envolvimento do aluno/formando. Para isso torna-se necessário, além da definição de metas e objetivos claros, a existência de um feedback permanente (Rosário et al., 2010). Daí que a introdução da figura do tutor, elemento que visa potenciar as capacidades de um tutorando, seja vista como uma mais-valia no processo educativo/formativo (Baudrit, 2009).
Num processo de tutoria, o tutor/mentor pode assumir-se como um modelo ou um líder motivacional do aprendiz, algo que a investigação demonstra ter um efeito positivo no desenvolvimento de jovens (Hamilton & Hamilton, 2005; Rhodes, 1994) e de atletas (Hoffmann & Loughead, 2016). O seu comprometimento com o tutorando é fundamental para o desenvolvimento do seu carácter, de competências cognitivas, sociais e, principalmente, para atingir as metas que podem estar previamente definidas (Baudrit, 2009; Frison & Simão, 2009). A introdução de tutorias estruturais tem emergido como uma ferramenta no ensino (Almeida & Palmeirão, 2015; Santos, 2012) e no desenvolvimento profissional (Eby, Allen, Evans, Ng, & DuBois, 2008), sendo utilizadas em intervenções mais gerais ou focalizadas (Saito & Blyth, 1992). A sua implementação pode ter impacto na comunidade envolvente, na medida em que potenciam uma maior relação entre os seus membros (Hamilton & Hamilton, 2005).
Estudos anteriores (Dubois, Holloway, Valentine, & Cooper, 2002; Eby et al., 2008) mostram que a participação em programas de tutoria está associada a uma ampla gama de resultados favoráveis (e.g., comportamentais, motivacionais, de carreira, entre outros). No entanto, o tamanho do impacto aumenta quando a orientação: i) incide sobre aspetos laborais; ii) prevê a aplicação de um número elevado de “boas” práticas baseadas em teorias; iii) está dependente de uma forte relação entre tutor e tutorando. No que concerne aos procedimentos potenciadores de efeitos positivos, recomenda-se: a formação contínua dos tutores, a estruturação das atividades de tutores e tutorandos, o esclarecimento das expectativas sobre a frequência das reuniões, o envolvimento da família do tutorando e o acompanhamento na execução do programa.
Apesar do benefício teórico da criação da AA para potenciar o desempenho do árbitro de futebol em Portugal, não existem quaisquer evidências sobre o seu efeito no desempenho do árbitro de futebol. Face ao exposto, este trabalho tem como objetivos: (i) analisar as perceções de especialistas sobre as alterações no processo formativo, através da introdução da AA na formação do árbitro de futebol em Portugal; (ii) identificar diferenças nas classificações dos árbitros em função da sua participação nas AA. É esperada uma reflexão e análise sobre os aspetos positivos e negativos da criação da AA, bem como a identificação do seu impacto na classificação dos árbitros ao longo da época. Mais especificamente, é esperado que:1) os árbitros que frequentaram o novo processo formativo antes da promoção de categoria revelem melhor desempenho em época de estreia na categoria superior, do que os árbitros que foram promovidos diretamente; 2) os árbitros que frequentaram o novo processo formativo antes da promoção de categoria revelem melhor desempenho, ao longo das épocas, que os árbitros que foram promovidos diretamente; e 3) os árbitros que frequentaram o novo processo formativo antes da promoção de categoria revelem um melhor desempenho, ao longo das épocas, que os árbitros que nunca foram promovidos.
MATERIAL E MÉTODOS
Participantes
No Estudo 1 participaram cinco árbitros/ex-árbitros portugueses de futebol, com uma média de idade de 49.6 anos, uma vasta experiência como árbitro de 1ª categoria (M=16.6, DP=2.30 anos) e a nível internacional (M=12.2, DP=2.04).
Em relação ao Estudo 2, foram recolhidos os dados relativos às classificações oficiais de 242 árbitros das duas principais categorias nacionais, entre as épocas de 2009/10 e de 2018/19. A média de idade da amostra foi de 34.7 anos (DP=4.828). Foram constituídos três grupos, de acordo com a formação e categoria dos árbitros: Grupo 1 (G1) = 81 árbitros que frequentaram o processo formativo da AA, com estágio, antes da promoção de categoria; Grupo 2 (G2) = 85 árbitros que foram promovidos diretamente sem o novo processo formativo da AA; Grupo 3 (G3) = 76 árbitros que não foram promovidos.
Instrumentos
No Estudo 1, de modo a analisar as perceções de árbitros especialistas sobre a introdução de programas de formação formais ao longo da carreira, foi utilizado um guião de entrevista semiestruturado, adaptado a partir das propostas e recomendações de alguns autores para a realização de entrevistas no domínio da excelência (Araújo, Cruz, & Almeida, 2011; Côté, Ericsson, & Law, 2005; Holt & Dunn, 2004), bem como da análise de carreiras e da regulamentação sobre a carreira do árbitro de futebol (Webb, 2017; Webb et al., 2016). Foi efetuada uma checklist avaliativa (Tabela 1), conforme proposto por Silvestre et al. (2014).
O guião proposto foi organizado em torno de dois grandes blocos temáticos - “Apoio institucional” e “Cultura da arbitragem” - em função dos objetivos definidos, de modo a permitir captar as experiências individuais de cada participante. O “Apoio institucional” remete para o modo como os árbitros iniciaram o percurso do árbitro (Mack et al., 2018; Mendes, Oliveira, & Travassos, 2020; Perreau-niel & Erard, 2015), como desenvolveram a carreira até ao profissionalismo (Mack et al., 2018; Slack, Maynard, Butt, & Olusoga, 2013) e o apoio tecnológico concedido (Kizilet, 2011; Webb et al., 2016). A “Cultura de arbitragem” abarca categorias como individualismo, exigência e rivalidade (Christensen & Sørensen, 2009; Lewin, 1951; Mack et al., 2018).
O guião de entrevista proposto inicialmente foi avaliado por três pesquisadores seniores, com experiência em métodos qualitativos. As propostas de alteração e melhoria permitiram chegar a uma versão inicial do guião, a qual foi alvo de um estudo piloto com um pequeno grupo de árbitros de futebol de nível nacional. Após o estudo piloto, o guião de entrevista foi alterado, tendo sido introduzidas duas questões: uma que solicita a comparação da etapa inicial do processo formativo dos entrevistados com o dos atuais candidatos e outra que incide nos Núcleos de Árbitros.
Em relação ao Estudo 2, as classificações dos árbitros entre 2009-10 e 2018-19 foram consultadas a partir dos Comunicados Oficiais emitidos pela FPF.
Procedimento
Para a concretização do Estudo 1, de natureza qualitativa, descritiva, analítica e transversal (Ato, López, & Benavente, 2013), os participantes foram contactados por correio eletrónico, tendo em vista o agendamento de uma reunião. Na reunião agendada, apresentaram-se os objetivos da investigação, o pedido de colaboração no estudo e o consentimento para gravação áudio das entrevistas, bem como foram garantidos o anonimato e a confidencialidade das informações recolhidas. Todas as entrevistas foram registadas através de gravador e duraram, em média, 50 minutos. A sua transcrição literal deu origem a 52 páginas A4, de espaço simples. Foram utilizados pseudónimos para garantir o anonimato de todas as informações de identificação pessoal. Após a transcrição literal, as entrevistas foram devolvidas por email aos participantes, para que confirmassem a qualidade e a precisão do seu conteúdo e significado. Apenas um participante prestou informações adicionais que, no entanto, não provocaram uma alteração significativa na transcrição realizada.
Relativamente ao processo de análise de conteúdo, optou-se por analisar uma entrevista de cada vez (Schilling, 2006), incidindo a análise no conteúdo manifesto (interpretação literal), assim como no conteúdo latente (interpretação do significado subjacente) (Bardin, 2004; Graneheim & Lundman, 2004). A qualidade da análise da codificação foi controlada a partir de uma abordagem qualitativa, através do método concordância por consenso (Anguera, 1990), desenhada com o fim de alcançar um acordo entre os observadores com base na discussão de cada código, antes de ser registado. Esta abordagem tem como vantagens, não só produzir um único registo, mas também usar uma ferramenta consistente, podendo ser adicionadas definições claras e informações complementares, sempre que necessário (Arana, Lapresa, Anguera, & Garzón, 2016; Mallo, Navarro, María, Aranda, & Helsen, 2007). Assim, na codificação do material, foram combinados três codificadores, estando os três no mesmo local e ao mesmo tempo. Cada um era especialista numa área distinta, a saber: Ciências da Educação, Ciências do Desporto e Psicologia do Desporto. Foram seguidas as diretrizes propostas por Arana et al. (2016), para ajudar a resolver eventuais desacordos ao longo deste processo. Foi definido um sistema de codificação preliminar, assente na abordagem dedutiva e, por conseguinte, na literatura existente, sendo definidas as categorias (Robbins & Judge, 2013), assim como algumas subcategorias (Oh, Wang, & Mount, 2011). O primeiro sistema foi organizado em quatro níveis hierárquicos: (a) dimensão geral; (b) dimensões específicas; (c) categorias; e (d) subcategorias. Foi considerada como dimensão geral “Perceção sobre o paradigma da arbitragem” e, como dimensões específicas, o “Apoio institucional” e a “Cultura da arbitragem” (Tabela 2). O “Apoio institucional” foi subdividido em 4 categorias (“Formação na arbitragem nacional”, “Avaliação”, “Profissionalização” e “Novas tecnologias”), enquanto a “Cultura da arbitragem” se subdividiu em 3 categorias (“Individualismo”, “Exigência” e “Rivalidade”). A categoria “Formação na arbitragem nacional” foi composta por 5 subcategorias (“Candidatos”, “AA”, “Plano de formação”, “Papel dos Núcleos de árbitros” e “Programas de desenvolvimento de talentos”), a “Profissionalização” por 3 (“Conceptualização”, “Aspetos positivos” e “Aspetos a corrigir”), o “Individualismo” por duas (“Fragilidades no espírito do grupo” e “Materialismo”) e a “Exigência” também por duas (“Preparação física” e “Preparação do jogo”).
No que respeita ao Estudo 2, e de modo a uniformizar os diferentes critérios e escalas consideradas, foi realizada uma conversão das notas de cada classificação, num ranking de 1 a 100. O tratamento dos dados foi efetuado com recurso ao software IBM SPSS (versão 25.0). Previamente às análises inferenciais realizadas (ANOVA a um fator, One Way, com teste Post-hoc Scheffé), verificou-se o cumprimento da normalidade da distribuição dos dados (com o teste de Kolmogorov-Smirnov) (Pallant, 2016).
RESULTADOS
No que concerne ao Estudo 1 e à análise qualitativa relativa à avaliação das alterações formativas do árbitro de futebol introduzidas pela AA, tendo por base o sistema de codificação utilizado, foi considerada a dimensão geral “Perceção sobre o paradigma da arbitragem”, a partir da qual se consideraram duas dimensões específicas: “Apoio institucional” e “Cultura na Arbitragem” (Tabela 2).
Na dimensão “Apoio institucional”, incluem-se conteúdos relativos à interação estabelecida entre as entidades que gerem o setor da arbitragem e os árbitros. Nesta dimensão integra-se a categoria “Formação na arbitragem nacional”, e respetivas subcategorias “Plano de formação” (contempla aspetos relacionados com os formandos e o processo formativo); AA [abrange os conteúdos que remetem para: o que se pretende da instituição responsável pela implementação do Plano Nacional de Formação (PNF); os seus resultados; as fragilidades reveladas]; “Papel dos Núcleos de árbitros”; “Programas de desenvolvimento de talentos” no processo formativo; “Candidatos” (Tabela 2).
No que diz respeito ao Plano de Formação e à AA, os participantes reconhecem este documento como elemento estruturante da formação dos árbitros desde a base até ao topo e a entidade, entretanto criada, como o organismo responsável pela sua implementação e supervisão:
Tem a virtude de ter unificado, em todo o país, a formação de árbitros que estava diferenciada. Existia a arbitragem do distrital, do nacional e do nível profissional com sinaléticas, instruções e cursos diferentes. Esta foi a grande mais-valia (…) uniformizou critérios da base ao seu topo.
Participante 1
O Plano de Formação para Árbitros (…) está ajustado a três níveis, cada um orientado ao seu quadro competitivo. Nível inicial, para a competição distrital, nível avançado para a competição de âmbito nacional e o nível de elite para o profissional. (…)
O plano está bem definido, pois foi devidamente pensado, refletido e projetado. Foram tidos em conta os conteúdos mais relevantes para cada categoria, pese embora esteja garantida alguma autonomia aos formadores. (…)
A AA é o braço armado uma vez que, na realidade, tem de coordenar a implementação do plano.
Participante 4
Os participantes revelaram, contudo, discordância relativamente aos resultados da implementação do plano:
Neste momento estão a emergir os primeiros produtos da Academia da Arbitragem e, as associações distritais, que perceberam o alcance do Plano Nacional de Formação e o aplicaram na íntegra, estão e vão tirar os seus frutos a curto médio prazo.
Participante 4
Passados quase cinco anos continuamos sem ver resultados, embora se analisarmos tudo aquilo que é público, pelo prisma que nos dá jeito, possamos dizer muitas coisas boas (…) mas não vejo que a arbitragem tenha melhorado assim tanto que justifique as centenas de milhares de euros já gastas nesse projeto.
Participante 3
Os mais críticos alertam para a qualidade da formação ministrada:
Acho que passar uma semana inteira fechado num centro de estágio e ter um conteúdo de hora e meia para as Leis de Jogo é tudo menos aquilo que se espera da arbitragem e tudo menos o que os árbitros precisam.
Participante 3
Um dos aspetos a rever, reside no facto de esta nova intervenção ser mais facilitada nas zonas litorais, e mais propriamente nas cidades mais próximas de Lisboa e do Porto do que no interior. Consideramos que continua a haver uma «décalage» muito grande em relação à formação e à atenção que é dada a diferentes regiões.
Participante 5
O processo de tutorias é também alvo de reparos, devido às capacidades técnico-pedagógicas e à disponibilidade dos tutores:
Jovens que ainda mal sabiam o que é a arbitrar já eram tutores de outros. Isso é subversão total. Se eu faço asneiras, pensando que está correto, vou transmitir esse erro ao meu tutorando. Verifica-se o mesmo efeito de uma doença infectocontagiosa, ou seja, transmite-se o vírus, espalhando-se. Se queremos a excelência devemos atuar de forma diferente. Os tutores deverão ser ex-árbitros, experientes, com provas dadas, capacidades técnico-pedagógicas, com uma série de valências que não são consideradas no modelo implementado.
Participante 3
Se pudesse proporia a possibilidade de ver o tutorando a arbitrar ao vivo seria interessante. Mas como é muito complicado aos árbitros de primeira categoria irem ao estádio ver o jogo do seu tutorando e, assim, fazermos um trabalho minimamente em condições, não há hipóteses (…)
Participante 5
É reconhecido o papel dos núcleos na integração, formação e desenvolvimento da coesão do grupo. Este facto desresponsabiliza as estruturas distritais da arbitragem e coloca em causa a pertinência e qualidade da formação ministrada:
É fundamental, muito mais que o dos conselhos de arbitragem. Tem sessões regulares semanais o que obriga os árbitros a estarem permanentemente preparados em termos teóricos, alerta às experiências dos seus colegas, a comungar de um espírito de união porque percebem as dificuldades dos colegas e sentem os seus problemas e acabam por aprender muito de forma mais descontraída.
Participante 2
Os dirigentes distritais da arbitragem aproveitaram o seu papel para se demitirem das suas responsabilidades. (…) Hoje a formação é exclusivamente dada pelos Núcleos, sem quaisquer critérios, sem controlo, sem nada que seja possível aferir o grau de competência e de assertividade dos conteúdos programáticos. Podemos estar a dar formação para uma área quando os objetivos do Conselho distrital poderão incidir na área oposta.
Participante 3
A possibilidade de se criarem Programas de Desenvolvimento é percecionada como uma mais-valia para potenciar arbitragem portuguesa, desde que devidamente delineado:
Os árbitros tiram um curso aos 16/17 anos, já são atletas e estão a tempo de efetuarem um planeamento de ordem física. O que é fundamental é que conheçam as suas caraterísticas (…) o estudo sanguíneo e tudo aquilo que é feito com os atletas de topo (…) deveria ser feito para que, uns são mais rápidos, outros mais fortes, uns têm melhor visão, outros têm melhor audição e nada disto é trabalhado. Só é trabalhado ao nível da excelência.
Participante 3
Acredito, claro que sim [em Programas de Detenção de Talentos na Arbitragem]. No entanto, essa deteção deve ser acompanhada com uma competente monitorização, sob pena de todo o esforço e investimento d organização e todos os envolvidos seja votado ao fracasso.
Participante 4
Se forem projetos bem delineados, estruturados, com respostas para evitar as saídas precoces, com a existência de planos B… acredito!
Participante 5
De acordo com os entrevistados, os candidatos a árbitros e o meio envolvente mudaram como resultado do acesso mais facilitado à informação:
Hoje em dia sabemos que as pessoas podem chegar ao Dr. Google, dedilhar meia dúzia de coisas, por exemplo sobre a tomada de decisão, relacionamento interpessoal, de comportamentos, de treino físico...
Participante 1
Os candidatos quando iniciam o seu curso de árbitros já têm uma formação de base distinta dos da minha altura. Há uma discrepância muito grande entre estes dois períodos.
Participante 5
Ainda na Dimensão “Apoio Institucional”, a categoria “Profissionalização” (modo como é percecionada a profissionalização dos árbitros, seus aspetos positivos e a corrigir) foi a terceira mais referenciada, seguida das categorias “Avaliação” (aspetos relativos ao processo de avaliação do árbitro) e “Novas tecnologias” (referências ao apoio de recursos tecnológicos na monitorização do treino e no auxílio ao exercício da função de árbitro).
Quanto à “Profissionalização”, os participantes apresentaram perspetivas distintas. Se, por um lado, reconhecem vantagens, por outro apontam lacunas:
É verdade que em tese que a profissionalização dos árbitros vai-lhes garantir uma estabilidade, o tal equilíbrio financeiro que é importante e quase que os obriga a prepararem-se, de forma quase exclusiva, para um bom desempenho no jogo mas, depois, existe um conjunto alargado de fatores, que pode ser um entrave, que pode ser um ruído da comunicação.
Participante 1
(…) permite que o árbitro se foque no jogo e se liberte de outros elementos que provocam distração e nos afastam do essencial, é, assim, um meio para termos mais eficácia.
Participante 4
Não vi que dali viesse uma mais-valia. Os resultados classificativos assim o demonstram. Os profissionais ficaram, em média, piores classificados do que os não profissionais. Houve profissionais a chumbarem nas provas físicas, nos testes escritos o que atesta que algo está errado. (…)
Ser profissional em Lisboa para um árbitro em Lisboa não é a mesma coisa que ser profissional em Lisboa para um árbitro de Leiria (…) ou criamos um quadro profissional e vamos viver todos para o mesmo sítio como é o modelo italiano, com entrada à quarta ou quinta-feira e saída para os jogos, e aí podemos dizer que somos profissionais.
Participante 3
Na categoria “Avaliação”, foram levantadas questões sobretudo quanto à forma como os relatórios técnicos estão concebidos e à qualidade dos observadores:
Atualmente a nossa intenção, e de todos os que estão na formação, é que o jogo seja visto mais numa perspetiva de gestão, de administração, de emoções e recursos para tornar o jogo mais apelativo, mais atrativo. (…) Mas quem hoje em dia avalia e forma os árbitros, é gente que tem uma formação de outros tempos. Alguns não acompanharam a evolução e outros têm dificuldade em acompanhar estas mudanças e todo o processo formativo.
Participante 1
A fiabilidade dos relatórios deixa muito a desejar, o que não contribui para a melhoria dos árbitros. Os relatórios estão vocacionados para apontar erros e não para a melhoria dos árbitros e dos seus desempenhos.
Participante 3
Na categoria “Novas Tecnologias” foi reconhecida a mais valia de todas elas, não só para o treino como, também, para o desempenho nos jogos:
(…) introduzimos o cardio-frequencimetro que permitiu monitorizar o esforço no treino. Portanto passamos a treinar melhor.
Participante 4
Objetivamente todas as tecnologias vieram contribuir para a melhoria do nosso desempenho, desde que bem aproveitadas. Todas elas acabaram por melhorar de forma significativa o nosso rendimento. Reconheço que de início, foi difícil, com exceção do bip das bandeirolas. A introdução do SCA e do VAR não foi fácil… mas reconheço que facilitam em muito o nosso trabalho.
Participante 5
Na dimensão específica “Cultura de Arbitragem”, onde se incluem aspetos relacionados com as práticas sociais adotadas pelos agentes deste setor no seu relacionamento, as três categorias em análise apresentaram incidência semelhante. A categoria “Individualismo” considera as subcategorias “Fragilidades no espírito de grupo”, provocadas pelo recurso às novas tecnologias para aceder à informação em detrimento ao auxílio dos colegas, e “Materialismo”, que enfatiza conteúdos relacionados com os benefícios materiais associados ao exercício da função. A categoria “Exigência” remete para a forma minuciosa como os árbitros se preparam fisicamente (subcategoria “Preparação Física”) ou o planeiam os jogos (subcategoria “Preparação do jogo”). Por último, na categoria “Rivalidade”, são incluídos todos os conteúdos relativos ao sentimento gerado nos árbitros que competem entre si pelas melhores classificações.
De acordo com os participantes, o desejo de triunfar a todo o custo está na origem de um aumento de exigência desmedido e do desenvolvimento de uma competição nem sempre saudável que, por vezes, chega a ser fomentada pelas estruturas da arbitragem:
A questão principal é perceber se a preparação [atual] é mais benéfica, se o excesso de detalhe, a competição entre árbitros para verificar quem estuda melhor as equipas, realiza o melhor plano de viagem e jogo, elabora o melhor PowerPoint, se isso é realmente o que importa… ou se o que importa é acertar nas grandes penalidades e nos cartões vermelhos.
Participante 3
(…) tenho procurado fomentar a necessidade e obrigatoriedade de sermos cada vez menos corporativos e ligados àquela ideia de que os nossos são bons e que os outros são todos os maus. (…) Nós não podemos dar continuidade a isto que existe muito, mesmo por parte das estruturas da arbitragem, onde ainda existem muitos mitos que importa ir eliminando.
Participante 1
Eu diria que os árbitros têm de dar um grande passo na sua evolução qualitativa para depois terem a legitimidade para criticarem os outros. Os árbitros, ás vezes, são os piores inimigos de si próprios. São pessoas que muitas vezes pensam que cada rival é um inimigo, tal como os clubes, são pessoas que acham que o demérito dos outros será o seu mérito.
Participante 2
Em suma, todos os participantes reconhecem as alterações no processo formativo dos árbitros, embora tenham discordado no que concerne aos resultados positivos desta mudança. Os mais críticos questionam a forma como o mesmo está a ser implementado e alertam para as consequências da cultura vigente no setor.
No que diz respeito ao 2º estudo, focado na análise das diferenças nas classificações dos árbitros (convertidas num ranking), em função da sua participação na AA, o G2 (promoção direta) revelou uma tendência de melhores valores em comparação com G1 (com estágio). No que concerne ao ranking médio de cada árbitro por categoria G3 (sem promoção) apresentou melhor ranking, sendo seguido do G2 e, por fim, do G1 (Tabela 3).
A análise do ranking em ano de estreia após a promoção não revelou diferenças estaticamente significativas entre os dois grupos na análise nas classificações médias (F162,-1=1.427; p>.01, η2 = .008), conforme se pode verificar na Tabela 4. Por sua vez, a análise do ranking médio por categoria revelou diferenças estaticamente significativas entre os três grupos em análise (F240,-2=7.004; p<.01, η2 = .06), podendo o tamanho do efeito considerar-se médio de acordo com Cohen (1988). A partir da análise post-hoc (Teste Scheffe), foi possível verificar que tais diferenças apenas ocorrem entre os grupos G1 (com estágio) e G3 (sem promoção), tendo o G3 melhor ranking que o G1.
Resumidamente, verificamos que o grupo de árbitros que frequentou o novo processo formativo antes da promoção de categoria não apresenta um superior desempenho classificativo em época de estreia na categoria, nem sequer ao longo das épocas, quando comparado com o grupo que foi promovido diretamente ou com o que não foi promovido diretamente. Paralelamente, o grupo dos árbitros que nunca foi promovido apresenta resultados estatísticos significativamente superiores ao longo das épocas, quando comparado com o grupo que foi promovido após ter frequentado o novo processo formativo.
DISCUSSÃO
Relativamente ao objetivo do estudo - explorar as alterações no processo formativo do árbitro introduzidas pela AA - podemos concluir que os entrevistados reconhecem vantagens na introdução do PNF, como a estruturação de toda a formação numa perspetiva vertical, desde os níveis mais baixos até ao topo da pirâmide, onde se encontra a profissionalização. As perceções no que concerne ao impacto e aos resultados da implementação do plano são, contudo, divergentes.
A formação de base continua muito dependente dos núcleos, que desenvolvem a sua ação com total autonomia, tal como já ocorria antes da criação da AA (Brochado, 2012). No PNF apenas está prevista a frequência de sessões técnicas como atividade de integração. De acordo com alguns participantes, a importância dos núcleos na formação de base apenas ocorre porque as estruturas distritais preferem desresponsabilizar-se desta função. Nenhum dos entrevistados defende que a implementação do PNF contribuiu para a melhoria da arbitragem portuguesa na sua globalidade. Se, por um lado, é defendido que os resultados positivos são morosos e estão dependentes de uma aplicação na íntegra do PNF por parte dos CA distritais, por outro, é apontada a inexistência de resultados objetivos que justifiquem o investimento no projeto.
A qualidade pedagógica e a disponibilidade dos seus recursos, formadores e tutores, é outra das críticas indicadas à forma como o PNF está a ser aplicado. Sugere-se que existe uma maior atenção e acompanhamento aos árbitros residentes nos grandes centros e alerta-se para falta de disponibilidade dos tutores. Conforme o exposto no PNF, um árbitro que integre um estágio curricular de nível 2 ou 3 pode ser, simultaneamente, tutorando de um árbitro de categoria superior e tutor de um de categoria inferior. Esta opção valoriza a perspetiva de que o tutor-modelo tem efeitos positivos (Hamilton & Hamilton, 2005; Rhodes, 1994), algo já demonstrado na arbitragem alemã (Wicker & Frick, 2016). O PNF ignora, todavia, que o duplo papel de tutor-tutorando coloca em causa um dos elementos essenciais no perfil definido para a função de tutor: a disponibilidade de tempo (Santos, 2012). Os resultados conhecidos são consistentes quanto à dificuldade de os árbitros gerirem o seu tempo (Perreau-niel & Erard, 2015; Samuel, Galily, & Tenenbaum, 2015; Sarmento, Marques, & Pereira, 2015; Slack et al., 2013). O presente estudo apresenta ainda outras fragilidades no processo de tutoria. No que concerne ao perfil do tutor, importa recordar que os aspetos de personalidade são considerados essenciais. O resultado de um estudo qualitativo efetuado com árbitros portugueses (Sarmento et al., 2015) enfatiza os valores éticos e deontológicos na representação do significado de arbitragem. Esta investigação, porém, alerta para o peso cultural de valores como o individualismo, a rivalidade e a exigência no contexto atual da arbitragem, os quais podem afetar o espírito de grupo (Mack et al., 2018). De acordo com a Teoria do Campo, este clima pode condicionar a forma como os árbitros se relacionam entre si e com o meio envolvente (Lewin, 1951). A influência de uma cultura específica associada ao futebol já foi identificada num estudo realizado junto de jovens futebolistas dinamarqueses. No caso, o contexto cultural específico da modalidade exerceu uma influência “magnética”, a ponto de os participantes relegarem para segundo plano a prossecução de estudos (Christensen & Sørensen, 2009). Face ao exposto, é provável que o individualismo e a rivalidade influam negativamente no processo de tutorias, o qual depende em muito da relação interpessoal estabelecida e do comprometimento entre tutor e tutorando (Baudrit, 2009; Frison & Simão, 2009; Montiel et al., 2013). Por conseguinte, num contexto cultural como o que é sugerido, é difícil imaginar que um árbitro, que procura atingir e manter-se no topo, esteja disponível para contribuir no desenvolvimento de um potencial concorrente. A ausência de um acompanhamento adequado poderá estar, então, na origem de uma preparação para os jogos incorreta, indicada por alguns entrevistados. Segundo estes, há árbitros que se focam em detalhes supérfluos ou em aspetos que influem negativamente no seu desempenho, como é o caso da reputação agressiva das equipas (Jones, Paull, & Erskine, 2002).
Ainda no domínio das tutorias, importa referir que o PNF contempla uma unidade curricular no Nível 2, denominada Introdução à Tutoria e às Autoscopias. Esta, que prevê uma carga horária de 8h, permite introduzir o árbitro no exercício da função de tutor. Esta unidade curricular é pertinente na ausência de qualquer outra formação, contudo, está longe de dar uma resposta efetiva para um acompanhamento que se pretende qualificado e contínuo (Dubois et al., 2002; Santos, 2012), premissa fundamental para o êxito dos programas de tutoria. Ora, estendendo-se o exposto relativamente à atividade dos Núcleos, podemos depreender que o processo de tutorias se encontra definido mais para desresponsabilizar as estruturas da arbitragem da falta de “Apoio institucional” percecionado pelos árbitros (Sarmento et al., 2015), do que para intervir na resolução das questões que os afetam. De entre estas, destacam-se as que estão na origem de abandonos precoces (Dell, Gervis, & Rhind, 2016; Luz & Rosado, 2014) ou de transições na carreira efetuadas de forma indevida (Samuel et al., 2015).
Na formação de base, é sugerida a pertinência do estabelecimento de programas de deteção e desenvolvimento de novos valores, que contemplem instrumentos para identificar potencialidades e fragilidades nos jovens árbitros e uma formação holística que encare o participante não somente como árbitro, mas como um ser humano que pode, a qualquer momento, seguir um caminho distinto do da arbitragem. É defendido que só uma estruturação adequada e uma monitorização permanente podem garantir o êxito deste tipo de programas, um pouco à semelhança do que ocorre com os programas de tutoria (Baudrit, 2009).
A última etapa da pirâmide da arbitragem, a profissionalização, é vista de forma distinta. Parte dos participantes reconhecem vantagens, como a estabilidade financeira e um maior foco na arbitragem, já sugerida por especialistas na área (Collina, 2003; Reis, 2005) e demonstrada de forma científica (Perreau-niel & Erard, 2015). Num plano inverso, é sugerido que o desempenho dos árbitros internacionais portugueses se encontra abaixo do que seria expetável e que a exigência associada é distinta de acordo com a residência dos árbitros.
Paralelamente, em nenhum momento os participantes fizeram alusão ao papel que a AA tem, ou poderia ter, na introdução das várias Novas Tecnologias no setor da arbitragem que, de forma unânime na literatura, é considerada como uma mais-valia, tanto na monitorização do treino (Kizilet, 2011), como na comunicação e partilha de responsabilidades durante o jogo.
No que concerne ao segundo objetivo, verificamos que não existe uma relação positiva entre um desempenho classificativo dos árbitros e a sua frequência na formação proporcionada pela AA. A classificação em ano de estreia, assim como a média em cada categoria, são ligeiramente inferiores nos árbitros que frequentaram uma formação específica proporcionada pela AA antes da ascensão de categoria. Esta situação é mais acentuada quando a comparação é efetuada com os árbitros que nunca foram promovidos ao longo da última época. Estes dados encontram paralelo com os resultados de outras investigações, segundo os quais o efeito dos programas de tutoria é reduzido e está dependente da forma como está estruturado, é aplicado e da relação estabelecida entre os dois principais intervenientes (Dubois et al., 2002; Eby et al., 2008).
Um dado que emerge desta investigação é que os árbitros que nunca foram promovidos na última década apresentam um desempenho classificativo superior ao dos que ascenderam de categoria. Por conseguinte, poderá supor-se que a experiência na categoria será um elemento preditivo de uma boa classificação. Este resultado é consistente com outros estudos (Catteeuw, Helsen, Gilis, & Wagemans, 2009; Correia et al., 2014) e dá força aos defensores da Teoria da Prática Deliberada (Ericsson, Krampe, & Tesch-Römer, 1993).
Relativamente às classificações dos árbitros há, contudo, um dado que se destaca nas entrevistas e que, a confirmar-se, influencia significativamente a avaliação do impacto da formação específica ministrada pela AA e dos estágios curriculares. A forma como o relatório de avaliação de desempenho dos árbitros está concebido e a qualidade de alguns observadores podem impedir que a diferença de qualidade dos árbitros esteja verdadeiramente plasmada nas tabelas classificativas finais. Este dado não pode ser menosprezado, uma vez que a injustiça na avaliação de desempenho já havia sido apontada em estudos com uma abordagem qualitativa, alguns deles baseados em entrevistas semiestruturadas com árbitros portugueses (Sarmento et al., 2015).
CONCLUSÕES
A desenvolvimento da carreira de árbitro e o seu processo formativo começa a despertar a atenção da comunidade científica, embora de forma tímida. Mais do que apresentar processos (Constantin, 2015; Racek & Pelikán, 2015; Webb, 2017) e metodologias (Gallardo & Iglesias, 2011; Kizilet, 2011; Spitz, Put, Wagemans, Williams, & Helsen, 2017), importa avaliar a formação existente para que, se necessário, se proceda a ajustamentos.
No caso da formação de árbitros portugueses, os resultados deste estudo sugerem a necessidade de proceder a uma reformulação na forma como o PNF está a ser aplicado, não só na abordagem pedagógica dos diferentes conteúdos como, também, na forma como estão a ser aplicadas as tutorias. Uma das possibilidades a ter em conta passaria pela constituição de uma equipa de formadores e tutores da AA, cujos elementos deveriam estar ligados ao setor, mas não a exercer a função de árbitros, e que estivesse disponível para colaborar de forma próxima junto dos CA distritais e dos Núcleos de árbitros, de acordo com planos devidamente estruturados.
Os resultados desta investigação sugerem ainda que seria pertinente: i) desenvolver estudos sobre o processo de avaliação dos árbitros e de recrutamento dos seus avaliadores; ii) realizar estudos mais consistentes sobre a cultura da arbitragem para que se promovam, se necessário, programas de intervenção que deem primazia aos princípios éticos e à emulação entre os diversos agentes da arbitragem; iii) explorar a possibilidade de aplicar programas estruturados de identificação e desenvolvimento de talento; iv) desenvolver estratégias para fomentar o espírito de grupo e substituir o individualismo e a rivalidade pela emulação.
Noutro contexto, importa referir como principal limitação deste estudo o reduzido número de entrevistados do estudo qualitativo. Seria também interessante avaliar as perceções dos árbitros sobre o impacto da AA no desenvolvimento das suas carreiras.