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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.12 n.32 Murcia Oct. 2013

 

ADMINISTRACIÓN-GESTIÓN-CALIDAD

 

Influência do contexto de trabalho na saúde dos profissionais de enfermagem de uma unidade de terapia intensiva em um hospital universitário

Influencia del contexto de trabajo en la salud de los profesionales de enfermería de una unidad de cuidados intensivos en un hospital universitario

Influence of working in the context of health nursing professionals of an intensive care unit at a university hospital

 

 

Silva Moisés, Mitsi*; de Medeiros, Soraya Maria** e Cartaxo de Freitas, Johêdyr Adjyan***

*Enfermeira. Residente do programa de residência integrada multiprofissional em saúde área de concentração em terapia intensiva do hospital universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/HUOL). E-mail: mitsinhaa@msn.com
**Doutora em Enfermagem. Professora adjunta IV do Curso de Enfermagem da UFRN/RN
***Administrador. Pós-graduado pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo. Brasil

 

 


RESUMO

O trabalho é um espaço de organização da vida social no qual o indivíduo pode atribuir significados geradores de prazer ao seu fazer ou dependendo do contexto em que está inserido pode ser percebido como uma fonte produtora de sofrimento. Isso pode ser potencializado, se associado a um ambiente de trabalho como o da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde exige complexidade do cuidar. Objetivou-se analisar o contexto de trabalho em uma UTI, tendo como referencial a teoria da psicodinâmica do trabalho. Desenvolveu-se estudo exploratório, de abordagem quantitativa e desenho transversal, com amostra intencional de 58 profissionais da enfermagem que atuam em um hospital universitário. Empregou-se a escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), composta por três fatores: contexto, condições e relações socioprofissionais de trabalho. Os dados foram analisados estatisticamente através do software SPSS. Observou-se que as três categorias analisadas contribuem moderadamente para o adoecimento dos profissionais de enfermagem que atuam em UTI. Reafirma-se ainda a emergente necessidade de se investigar a relação entre a forma como se organiza o trabalho em saúde e sua influência na maneira como o cuidado é desenvolvido aos usuários de saúde.

Palavras chave: Saúde do trabalhador; Unidade de Terapia Intensiva; ambiente de trabalho.


RESUMEN

El trabajo es un espacio de organización de la vida social al que el individuo puede atribuir significados generadores de placer en su actuación profesional o, en función del contexto en que está inserto, puede percibirse como una fuente de sufrimiento. Esto puede ser potenciado si está asociado con un ambiente de trabajo como el de la Unidad de Cuidados Intensivos (UCI), que exige la complejidad del cuidar. Este estudio tuvo como objetivo analizar el contexto de trabajo en una UCI, tomando como referencia la teoría psicodinámica del trabajo. Estudio exploratorio desarrollado con un enfoque cuantitativo y un diseño transversal, con una muestra de 58 profesionales de enfermería que trabajan en un hospital universitario. Se aplicó para el estudio la Escala de Evaluación de Trabajo (EET), integrada por tres factores: contexto, condiciones y relaciones socioprofesionales de trabajo. Los datos fueron analizados estadísticamente utilizando el software SPSS. Se observó que las tres categorías analizadas contribuyeron moderadamente a la enfermedad de los profesionales de enfermería que trabajan en UCI. Se reafirma también la emergente necesidad de investigar la relación entre la manera como se organiza el trabajo en salud y su influencia en como se desarrolla el cuidado a los usuarios de la salud.

Palabras clave: Salud del trabajador; Unidad de Terapia Intensiva; ambiente de Trabajo.


ABSTRACT

The work place is an organization of social life in which the individual can attribute meanings that can generate pleasure for him/her or depending on the context in which it appears may be perceived as a productive source of suffering. This can be worse if it is associated with a work environment such as the one in the Intensive Care Unit (ICU), which requires complexity of care. This study aimed to analyze the context of working in an ICU, taking as reference the theory of psychodynamic work. This exploratory, cross-sectional and quantitative study was developed with a convenience sample of 58 nursing professionals' workers at a university hospital. The Work Context Assessment Scale (WCAS) was used, which composed of three factors: context, conditions and social-work professionals. Data were statistically analyzed using SPSS software. It was observed that the three categories analyzed moderately contribute to the illness of nurses working in ICUs. Reaffirms is still emerging need to investigate the relationship between the way work is organized in health and its influence on how care is developed for users of health.

Key words: Occupational Health; Intensive Care Unit; Working Environment.


 

Introdução

As várias esferas sociais e políticas (dentre elas o mundo do trabalho contemporâneo) vêm passando por transformações que proporcionam sintonia com a nova ordem mundial, a da globalização dos mercados, da transitoriedade do emprego, das inovações tecnológicas e/ou sócio-organizacionais. Passou-se a incorporar novas técnicas de produção, produtos, equipamentos, organização do trabalho e gestão de recursos humanos. Com isso, constroem-se novas formas de organizar o trabalho e as relações dos indivíduos com o mesmo são as mais diversas. (1)

Não obstante, tais modificações, na sua maioria, têm-se configurado por expor a saúde e a segurança dos trabalhadores à mercê de condições de trabalho que os insere num contexto de riscos ocupacionais e de precarização (2,3).

A compreensão de que o trabalho tem consequências sobre a saúde dos indivíduos é antiga, desde o século XX vem-se descrevendo as vivências de prazer e sofrimento no ambiente de trabalho, no entanto, essa vertente de estudo ganhou novo direcionamento a partir da década de 1990 quando Christophe Dejours passou a analisar o trabalho como gerador de sofrimento psíquico ao trabalhador por meio da teoria da psicodinâmica do trabalho (4) .

O sentido do trabalho é fortemente influenciado pela organização do trabalho, uma vez que possibilita desenvolver grau de correspondência entre as características das pessoas e as propriedades das atividades desempenhadas, o que trás um fazer significativo para o trabalhador (5).

Na dimensão organizacional do trabalho, são apontados aspectos ligados à utilidade, organização e relações interpessoais no ambiente de trabalho. Assim, vale o conceito de que o trabalho precisa fazer sentido para o próprio sujeito, para seus pares e para a sociedade (6).

A saúde do trabalhador, frente às organizações do trabalho a que está exposta, deve ser estudada sobre uma ótica que permita compreender o trabalho como um espaço de organização da vida social em que os profissionais são sujeitos que pensam e agem motivados por um determinado contexto de trabalho (7)

É constante na literatura o reconhecimento de que os trabalhadores da área da saúde, especialmente os da equipe de enfermagem, vivenciam situações desgastantes em seu trabalho, além de estarem envolvidos em modos organizacionais que muitas vezes, não potencializam as suas capacidades e/ou não promovem ambientes saudáveis e geradores de bem estar podendo dessa forma, o trabalho ser visto como fonte produtora de sofrimento (6-8)

Trabalhos apontam ainda a necessidade de identificar em áreas consideradas de cuidados críticos, como as Unidades de Terapia Intensiva, os fatores causadores de sofrimento, bem como as estratégias para evitá-los, a fim de manter o bem estar psicossocial no trabalhador (8,9).

Nesse sentido, busca-se investigar a relação entre o contexto de trabalho e o adoecimento dos profissionais de enfermagem que trabalham em UTI, procurando responder aos seguintes questionamentos: quais são, no trabalho de enfermagem em UTI, os elementos organizacionais, as condições de trabalho e as relações socioprofissionais que apontam para os riscos à saúde dos profissionais de enfermagem?

Almeja-se que as atividades laborais sejam desenvolvidas de forma mais humana, agregando bem-estar à classe trabalhadora. Para que isso seja possível, é necessário que se conheça e analise o contexto de trabalho a fim de identificar e minimizar obstáculos na construção de ambientes saudáveis.

Essa apreciação poderá contribuir para estudos e práticas na área da saúde em geral, a partir do momento em que se percebe que a temática de saúde do trabalhador é uma medida de saúde pública, capaz de levar qualidade de vida não apenas para os espaços laborais, mas também com repercussões "extramuros", uma vez que o trabalho tem significativa importância na vida pessoal, social, econômica e cultural do trabalhador e da comunidade.

Portanto, este trabalho objetiva analisar e avaliar como o contexto de trabalho em uma unidade de terapia intensiva pode contribuir no processo de adoecimento dos profissionais de enfermagem, tendo como referencial teórico a teoria da psicodinâmica do trabalho.

 

Material e método

Este é um estudo essencialmente exploratório de abordagem quantitativa com desenho transversal descritivo e indutivo realizado em agosto e setembro de 2012; é composto por uma amostra intencional de 58 profissionais que atuam em UTI de um Hospital Universitário do Rio Grande do Norte/Brasil, porém a amostra real foi de 31 técnicos de enfermagem e 6 enfermeiros, pois somente esse grupo atendeu a todos os seguintes critérios de inclusão:

(1) ter vínculo empregatício com a instituição;

(2) estar no exercício da profissão - o que exclui aqueles que estão gozando férias, em licença maternidade ou premium;

(3) demonstrar disponibilidade de tempo e de interesse para participar de todas as etapas da pesquisa;

(4) preencher e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de pesquisa com seres humanos - de acordo com a Resolução 196/1996 (10).

A construção da análise quantitativa se deu inicialmente com questionamentos para caracterização dos sujeitos do estudo, considerando os seguintes aspectos: idade, sexo, categoria profissional, tempo de formação e de atuação em UTI.

O questionário utilizado no estudo foi o do Inventário sobre o Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA) que foi validado por Mendes Esse inventário consta de quatro escalas independentes que avaliam algumas dimensões da inter-relação trabalho e processo de subjetivação, traçando um perfil dos antecedentes e dos fatores que concorrem no processo de adoecimento dos trabalhadores.

No presente estudo, os resultados quantitativos obtidos pela aplicação do questionário se referem apenas à aplicação da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho que consiste em um questionário de 31 perguntas em formato de escala do tipo Likert com cinco pontos de variação, percorrendo os construtos: nunca, raramente, às vezes, frequentemente e sempre.

O tratamento dos dados deu-se através de estatística descritiva com frequência, média e desvio padrão, utilizando-se de técnicas estatísticas de tendência central através do software SPSS - Statistical Package for Social Sciences 17.0. Como resultado para a escala de EACT pode-se considerar:

• Acima de 3,7 = avaliação negativa, grave; indica que o contexto de trabalho possibilita de forma grave o adoecimento do profissional;

• Entre 2,3 e 3,69 = avaliação moderada, crítica; indica que o contexto de trabalho favorece moderadamente o adoecimento do profissional;

• Abaixo de 2,29 = avaliação positiva, satisfatória; indica que o contexto de trabalho favorece a saúde do profissional.

Os resultados foram discutidos com base no referencial teórico da psicodinâmica do trabalho, uma vez que possibilita compreender realidades concretas de contextos de trabalho, que constam de forças visíveis ou não, objetivas e subjetivas, psíquicas, sociais, políticas e econômicas, capazes de influenciar de maneiras distintas o ambiente de trabalho, transformando-os em lugar de saúde e/ou adoecimento.

Obedeceu-se os preceitos éticos da Resolução 196/96 (10), sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes institucional, cujo número do parecer é 78846.

 

Resultados e discussões

Os participantes do estudo eram predominantemente do sexo feminino correspondendo a 81,1% dos entrevistados, com faixa etária compreendida entre 30 e 35 anos de idade. A maioria é composta por técnicos de enfermagem sendo o total de vinte e quatro funcionários, equivalente a 83,8% de todos os profissionais participantes da pesquisa. Já quanto ao grau de instrução, observou-se também predomínio do nível técnico, porém há aumento progressivo no nível de instrução em cada um das categorias de enfermagem, ocorrendo da seguinte forma: os técnicos de enfermagem cada vez mais buscam a realização de uma graduação e os enfermeiros, por sua vez se engajam nas diversas modalidades de pós-graduação. Isso reflete uma tendência nacional, pois cada vez mais os trabalhadores buscam atender às demandas do desenvolvimento econômico, tecnológico, político, social e cultural vivenciado pelo país (12).

No presente estudo não foi apontado nenhum caso de desvio de função entre técnicos de enfermagem com formação superior exercendo na prática a função de enfermeiro.

Quanto ao tempo de experiência em atuação na UTI, 35,1% apresentam prática profissional nesse setor entre 10 e 15 anos e 21,6% possuem tempo de atuação em UTI entre 5 a 10 anos - o que demonstra bastante experiência e vivência da equipe nesse setor da instituição em estudo.

A EACT capta as representações que os indivíduos têm do seu contexto de trabalho com base em três dimensões analíticas: organização do trabalho, condições de trabalho, e as relações socioprofissionais de trabalho. Observou-se que as três categorias analisadas contribuem moderadamente para o adoecimento dos profissionais de enfermagem que atuam em UTI, contundo, a categoria mais contribuinte ao adoecimento dos profissionais tem sido a forma de organização do trabalho (M geral = 3,27) seguida do fator condições de trabalho (M geral = 2,80) e do fator relações socioprofissionais (M geral = 2,63). A tabela I resume as dimensões analíticas da EACT.

 

Diante do analisado, percebe-se que dentro do contexto de trabalho o item que mais possibilita o adoecimento dos profissionais é a "organização do trabalho". Em estudo comparativo que também se utilizou da EACT, realizado entre 44 profissionais de enfermagem que atuavam em uma UTI de uma instituição privada do Rio de Janeiro, observou-se resultados semelhantes; em que pese o fato de que tenha sido realizado em uma instituição privada, vale destacar a organização de trabalho como avaliação mais negativa e a possibilidade de adoecimento (7).

A organização do trabalho pode ser entendida como a divisão e conteúdo das tarefas, normas, controles, ritmos de trabalho. É um compromisso negociado entre trabalhadores e empregadores para cumprir certas funções, sendo, portanto, uma concordância entre objetivos e prescrições (procedimentos, maneira de organizar o trabalho, método) e as dificuldades reais para a realização do trabalho. Muitas vezes os diversos níveis hierárquicos não conseguem entender as dificuldades e racionalidades que rege a prática dos outros (13).

Os aspectos relativos à organização do trabalho, hierarquia e relações de poder podem ser fontes produtoras de estresse, capazes de interferir na autoestima e motivação pessoal dos trabalhadores, podendo influenciar na percepção do estresse e na vida em geral, caso não haja mecanismos de enfrentamento eficazes para o controle do estresse percebido dentro do ambiente de trabalho (14).

Ainda sobre a organização do trabalho, os itens "as tarefas são repetitivas" e "existe fiscalização do desempenho", obtiveram destaque devido às médias mais altas (acima de 3,70), o que configuram uma avaliação grave do ponto de vista dos profissionais em estudo. Em contrapartida, os itens "as tarefas executadas sofrem descontinuidade" (M= 2,54) e "os resultados esperados estão fora da realidade" (M= 2,14) tiveram as médias mais baixas, sendo está última considerada com uma avaliação positiva e satisfatória.

A literatura refere alguns nexos para os trabalhadores hospitalares em geral, dentre esses se pode citar lombalgias relacionadas ao transporte e movimentação de pacientes, bem como a transmissão ocupacional de doenças infecciosas, doenças psicossomáticas, cardiovasculares e osteomusculares relacionadas ao contato com pacientes e ao exercício dos procedimentos (8).

Em estudo publicado por Souza et al (15), que objetivou conhecer os riscos ergonômicos ósteo-mioesqueléticos aos quais está exposta a equipe de enfermagem no âmbito hospitalar, foi identificado que essa profissão enfrenta condições de trabalho inadequadas em seu ambiente de trabalho, como um desafio à sua rotina diária de cuidados e assistência, que pode levar a riscos ergonômicos. As principais foram a organização do trabalho (aumento do ritmo de trabalho e déficit de profissionais), os fatores relacionados ao meio ambiente (mobiliário e equipamentos inadequados e obsoletos) e uma sobrecarga dos segmentos corporais (15).

Por sua vez, as lesões por esforços repetitivos (LER) e os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), constituem problemas á saúde muito comum nos ambientes laborais, sendo a primeira causa de afastamento entre os profissionais da enfermagem (16). Tal fato talvez se explique pela natureza do trabalho desenvolvido pela enfermagem, caracterizado por assistência direta ao paciente, contato muito próximo com o sofrimento, realização de tarefas que exigem esforço físico, atividades repetitivas e monótonas, como elevação pesada de pacientes e frequentes reposicionamentos (17).

A percepção que os trabalhadores têm em relação à existência de constante fiscalização do desempenho pode ser explicada em parte, devido à herança do processo de trabalho inicial da enfermagem que foi durante muito tempo baseado em modelos tecnoburocráticos de gerenciamento. O foco principal é a realização da tarefa, entendida como ações que são meticulosamente definidas e precisas. Outrossim, quanto maior a rigidez da organização do trabalho, mais fracionado este se torna e menor será o conteúdo significativo da tarefa acarretando por sua vez, em aumento significativo do sofrimento psíquico do profissional (18).

Esse contexto de gestão pouco vem a contribuir para a formação de profissionais críticos e capazes de adotar postura de enfrentamento diante das inovações e questionamentos que emergem das novas propostas de gestão em Saúde e dos serviços de enfermagem (19).

Remetendo-se a essas questões, os profissionais entrevistados destacam como fator de risco a fiscalização do desempenho, demonstrando avaliação positiva em relação ao item "os resultados esperados do trabalho da equipe estão fora da realidade" (M = 2,14). Logo, pode-se inferir que embora exista fiscalização do desempenho, a cobrança por resultados tem se dado de forma congruente com a capacidade produtiva de cada indivíduo, ou seja, consegue-se manter certo nível de ajustamento entre a atividade real executada pelo profissional e o esperado pelos gestores.

Através dos dados apresentados na tabela II, observa-se todos os itens analisados correspondentes ao fator "organização do trabalho".

 

A dimensão "condições de trabalho" expressa a qualidade do ambiente laboral e material disponibilizado para os trabalhadores exercerem suas funções. É no ambiente de trabalho que o ser humano gasta boa parte do seu tempo e, por isso, acredita-se que os problemas de saúde e condições de trabalho estão interrelacionados de forma indissociável, sendo, portanto, impossível isolar causa e efeito. "Se a relação entre a saúde do trabalhador e o ambiente de trabalho é favorável, o trabalhador beneficiar-se-á contribuindo para sua dignidade e autoestima, e potencializará seu crescimento pessoal" (20).

O item condições de trabalho também foi avaliado pelos profissionais de enfermagem intensivistas entrevistados como favorecendo de forma moderada o surgimento de adoecimento nos profissionais (M = 2,80); apesar de não ter apresentado média muito alta como o do fator organização do trabalho, ele foi percebido de forma significativa tanto por enfermeiros (M = 3,0) como técnicos (M = 2,7), tendo sido os fatores "existência de barulho no ambiente de trabalho" (M= 4,0), "mobiliário existente no local de trabalho inadequado" (M = 3,0) e "as condições de trabalho oferecem riscos á segurança das pessoas" (M = 3,08) como aqueles mais valorados pelos profissionais, conforme demonstrado na tabela III.

 

Em estudo publicado por Leitão, Fernandes e Ramos (21), que objetivou analisar os riscos ocupacionais relacionados à equipe de enfermagem intensivista, foi apontado pela pesquisa que os trabalhadores identificaram como um dos principais riscos físicos presentes em uma UTI a frequência constante de fontes produtoras de ruídos, dentre elas os alarmes contínuos de bombas de infusão, monitores e dos ventiladores mecânicos causando irritação e dificuldade de comunicação entre os integrantes da equipe, sendo necessário muitas vezes aumentar o tom da voz e/ou repetir as palavras pronunciadas.

Alguns estudos apontam que o nível basal de ruído em UTI variava entre 60 e 70 decibéis (dB), com nível máximo de 120dB, valores acima do que recomendam as normas nacionais e internacionais vigentes. Segundo essas normas os níveis de ruídos em hospitais não deveriam exceder 45 dB, sendo indicado para o período noturno níveis de 35dBA (22).

A presença constante de exposição a ruídos no ambiente de uma UTI por um longo período além de determinar comprometimentos físicos, mentais e sociais no indivíduo pode contribuir para a existência de erros humanos decorrentes da compreensão equivocada de palavra ou frases, ou seja, a condição de trabalho pode oferecer riscos á segurança das pessoas, tanto dos profissionais quanto dos próprios pacientes.

A soma da natureza do trabalho repetitivo e físico da enfermagem associado à execução de tarefas com um mobiliário inadequado têm resultado em uma equação caracterizada por expor constantemente os trabalhadores de enfermagem, principalmente os que atuam em UTI, ao risco ergonômico. Camas com dispositivo manual de ajuste, macas sem ajuste de altura, ausência de equipamentos para mobilização e transferência de pacientes são apenas alguns dos itens do mobiliário que se encontram deficitários ou inexistentes na realidade de ambiente de trabalho de UTI da maioria das instituições de saúde públicas. Além das causas citadas, a literatura reforça ainda que a falta de espaços adequados para tarefas dos profissionais na UTI constitui outro fator de risco ergonômico bastante comum (8).

Em estudo realizado em um hospital universitário, que se utilizou de uma escala psicométrica objetivando avaliar o risco para os profissionais na movimentação e transferência de pacientes, demonstrou-se que a UTI é a unidade que apresentou o maior percentual de pacientes (64%) os quais oferecem alto risco ergonômico aos trabalhadores, isso sucede devido ao alto grau de dependência desses pacientes ao qual muitas vezes estão incapacitados de realizar atividades da vida diária como a higiene pessoal, sendo assim, o ambiente laboral da UTI é um dos lugares do hospital que mais oferece risco à saúde dos trabalhadores de enfermagem (23).

Faz-se indispensável que sejam identificados os riscos ocupacionais presentes no ambiente de trabalho, principalmente aqueles relacionados à estrutura física, uma vez que são considerados extrínsecos ao processo de trabalho e dessa forma, facilitará subsidiar ações futuras visando uma abordagem de educação em saúde preventiva e reflexiva; o agir dessa forma, consiste em perspectivas para um ambiente de trabalho seguro e motivacional para os trabalhadores (8)

Considera-se que deve haver uma concentração de esforços e recursos no sentido de promover mudanças no ambiente de trabalho, com a implementação de programas de prevenção e conscientização de práticas seguras e o fornecimento, de forma contínua e uniforme, dos equipamentos de segurança a todos os profissionais (21)

As transformações em curso presentes no mundo do trabalho advindas da globalização trouxeram uma nova forma de relacionamento entre as empresas e as pessoas, fazendo ressurgir debates que remetem às relações interpessoais no contexto laboral. A última dimensão discutida pelo presente estudo, dentro do contexto de trabalho em UTI, expõe justamente esse novo paradigma do mundo do trabalho, uma vez que, trata das dificuldades na gestão do trabalho, na comunicação e interação profissional (7).

A dimensão "relações sócio-profissionais" embora tenha sido a que obteve melhor avaliação pelos profissionais de enfermagem dentro do contexto de trabalho da UTI ainda pode se classificada com uma avaliação crítica (M geral = 2,63), ou seja, indicando que esse fator vem contribuindo moderadamente para o adoecimento dos profissionais em estudo.

A tabela IV expõe todos os fatores que foram analisados dentro da dimensão acima abordada, apresentando os resultados em ordem crescente.

 

A divisão técnica do trabalho de enfermagem pode criar situações complexas, conflituosas, nas quais a luta pelo poder é travada ora de forma explicita clara ou, ora de forma velada; tal situação prejudica a qualidade de vida no ambiente laboral, podendo trazer até repercussões físicas (24). A exaustão emocional oriunda do relacionamento interpessoal promove manifestações comuns como: ansiedade, aumento da irritabilidade, perda da motivação e redução de metas de trabalho, alienação e conduta voltada para si (25).

O item "os funcionários são excluídos das decisões" foi um dos fatores convergentes, emergido da análise dos dados tanto dos enfermeiros como dos técnicos de enfermagem, além disso, dentro do contexto das relações socioprofisssionais foi aquele que apresentou maior diferença média entre ambas categorias (2,83 e 3,66, respectivamente). Isso enuncia a possibilidade de discordância presente entre o trabalho prescrito e o real, demandando em dificuldades para o trabalhador e com consequente sobrecarga de trabalho e custos humanos.

As decisões devem ser tomadas o mais próximo possível de onde se origina as ações, permitindo assim que os trabalhadores tenham autonomia e apoio necessário para desenvolver um trabalho mais criativo e responsável. Quanto maior a organização e integração dos membros da equipe, maior a disposição de produzir nível de eficiência nas ações laborais (26).

Se existe a liberdade de negociação entre o sujeito e a organização do trabalho, o sofrimento, gerado nessa situação, é transformado e o trabalho é resignificado, favorecendo o vencimento das barreiras impostas pelo trabalho (3). Passa-se a existir a construção de estratégias que minimizam o sofrimento do trabalhador, permitindo a continuidade do processo produtivo. As relações sociais de trabalho amenizam o sofrimento vivenciado pelos trabalhadores, desde que se estabeleçam de forma ética e amigável.

Os enfermeiros ainda destacaram, no contexto das relações sócio-profissionais, que falta integração no ambiente de trabalho (M = 2,83); já para os técnicos de enfermagem, o segundo aspecto mais destacado foi a presença de disputa profissional no ambiente laboral (M= 2,84). Embora sejam aspectos diferentes a junção de ambos, em um mesmo contexto de trabalho, enuncia a existência de um processo de trabalho ainda baseado no modelo Taylor-fordista com relações interpessoais conflituosas onde o trabalhador se confronta individualmente com as cobranças de produtividade; isso por sua vez pode ter reflexos na qualidade da assistência prestada, pois o trabalho precisa fazer sentido para o próprio sujeito, para seus pares e para a sociedade (6). Nesse contexto, um trabalho que faz sentido é aquele realizado em um ambiente agradável, onde as relações interpessoais são positivas, e possibilitam relações construtivas (27).

Muito se fala em humanização da assistência de enfermagem. O primeiro passo, para que isto aconteça, é a "humanização dos relacionamentos" entre as pessoas que trabalham nas instituições de saúde (pares, chefes e subordinados), onde ações para redução do estresse dos trabalhadores de enfermagem e a valorização do seu trabalho certamente constituem-se como ferramentas para se atingir uma assistência de qualidade com excelência (14).

O relacionamento interpessoal no ambiente laboral apresenta relevância, pois o homem é um ser social por natureza e o desenvolvimento de relações harmoniosas no trabalho favorece sua realização de forma integrada. Logo, a preocupação com a melhoria da qualidade de vida no trabalho deve perpassar pela construção de relações de trabalho mais humanas, refletindo em maior satisfação e produtividade dos trabalhadores.

 

Conclusões

O estudo permitiu compreender o contexto de trabalho da enfermagem em UTI, buscando ampliar as discussões para além da comum descrição de ocorrência de doenças e riscos ocupacionais para o incomum delineamento dos determinantes relacionados ao contexto de trabalho que tem implicado na saúde desses trabalhadores.

Observou-se que a organização do trabalho foi a categoria mais destacada pela enfermagem como de risco para o adoecimento: tarefas repetitivas, fiscalização do desempenho e ritmo de trabalho excessivo. Considera-se, portanto, a necessidade de que essa profissão busque, cada vez mais, inovações na gestão dos serviços, de modo a amenizar as consequências do modelo tradicional de gestão ainda arraigado em boa parte das instituições de saúde.

O enfretamento dessas determinações deverá envolver a junção de profissionais com pensamento reflexivo sobre suas práticas no serviço, aliada a uma gestão sensibilizada com a importância do ambiente de trabalho na promoção e preservação da saúde dos trabalhadores. Possibilitando com isso o vislumbre de mudanças efetivas na prática laboral, capazes de tornar o trabalho significativo para os trabalhadores e a instituição empregadora.

É relevante ainda a colocação de que as experiências de trabalho, quando positivas, ajudam a enriquecer a identidade do indivíduo, maximizando o desenvolvimento de suas potencialidades. Por sua vez, profissionais de saúde satisfeitos no seu ambiente de trabalho produzem com melhor e maior qualidade, o que estará contribuindo, também, para a qualidade da assistência prestada à comunidade.

Por fim, reafirma-se a importância de se analisar a natureza psicossocial do trabalho e a emergente necessidade de se investigar a relação entre a forma como se organiza

0 trabalho em saúde e sua influência na maneira como o cuidado é desenvolvido aos usuários de saúde.

 

 

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