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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.13 n.35 Murcia Jul. 2014

 

ADMINISTRACIÓN-GESTIÓN-CALIDAD

 

Erro de medicação em um hospital universitário: percepção e fatores relacionados

Error de medicación en un hospital universitario: percepción y factores relacionados

Medication error in a university hospital: perception and related factors

 

 

Santi, Tiago*; Beck, Carmem Lúcia Colomé**; da Silva, Rosângela Marion***; Zeitoune, Regina Gollner****; Tonel, Juliana Zancan***** e do Reis, Daiane Aparecida Martins*****

*Enfermeiro, Hospital Dr. Bartholomeu Tacchini, Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul.
**Doutora em Enfermagem. Professor Associado Departamento de Enfermagem/Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul.
*** Enfermeira, Doutoranda em Ciências, Professor Auxiliar Departamento de Enfermagem/Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul. E-mail: cucasma@terra.com.br
****Doutora em Enfermagem. Professor Titular do Departamento de Enfermagem Saúde Pública /Universidade Federal do Rio de Janeiro-Escola de Enfermagem Anna Nery, Rio de Janeiro.
*****Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria, Bolsista de Iniciação Científica, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

 


RESUMO

Trata-se de um estudo qualitativo, de campo, realizado com trabalhadores de enfermagem lotados em clínica cirúrgica de um hospital universitário do Sul do Brasil. Teve como objetivos conhecer a percepção da equipe de enfermagem sobre erros de medicação e discutir os fatores relacionados a esse evento.
Utilizou um questionário com questões abertas e fechadas e os dados foram analisados segundo análise temática.
Os resultados indicam que os trabalhadores associam o erro de medicação a causas multifatoriais e como fatores que influenciam o erro citam-se a letra ilegível, conversas na sala de medicações, sobrecarga de trabalho, desatenção, falta de identificação do paciente, leito, medicamento, hora e via.
A partir dos dados é imprescindível que as organizações de saúde implementem e utilizem protocolos relacionados ao uso de fármacos e que isso seja pactuado entre a equipe multiprofissional de modo a assegurar a segurança do paciente.

Palavras-chave: Enfermagem; Erros de medicação; Sistemas de medicação; Gerenciamento de Segurança; Qualidade da Assistência à Saúde.


RESUMEN

Se trata de un estudio cualitativo, de campo, realizado con trabajadores de enfermería en clínica quirúrgica superpoblada de un hospital universitario del sur de Brasil. Tuvo como objetivo conocer la percepción del equipo de enfermería sobre errores de medicación y discutir los factores relacionados a ese evento.
Se utilizó un cuestionario con preguntas abiertas y cerradas y los datos fueron chequeados según análisis temático.
Los resultados indican que los trabajadores asocian el error de medicación a causas multifactoriales y, como factores que influyen el error, citan la letra ilegible, charlas en la sala de medicación, sobrecarga de trabajo, falta de atención, falta de identificación del paciente, camilla, medicamento, hora y vía.
A partir de los datos es imprescindible que las organizaciones de salud implementen y utilicen protocolos relacionados al uso de fármacos y que eso sea pactado entre el equipo multiprofesional de forma a asegurar la seguridad del paciente.

Palabras clave: Errores de medicación; Enfermería; Administración de Seguridad; Calidad de la Atención de Salud.


ABSTRACT

The following research is a field, qualitative study performed with nursing workers in a surgical clinic of a university hospital in southern Brazil. It aimed at recognizing the perception of a nursing team on the medication errors and discussing the factors related to such event.
A survey with open and closed question has been applied and the data were analyzed according to theme analysis.
The results indicate that the workers associate medication error with multifactor causes and the as factors influencing the error, they cite unreadable handwriting, talking in the medication room, work overload, lack of attention, lack of identification in the patient, bed, medication, time, and via.
Considering the data, it is vital that health organizations implement and use protocols related to the use of medicines and that it is a pact among the multiprofessional team in a way to assure patient safety.

Key words: Nursing; Medication errors; Medication systems; Safety Management; Quality of Health Care.


 

Introdução

Os erros de medicação são ocorrências que podem assumir dimensões significantes e impor custos relevantes ao sistema de saúde, pois podem causar efeitos deletérios como reações adversas, lesões temporárias ou permanentes e até a morte. Os erros relacionados às drogas são classificados como eventos evitáveis podendo ou não resultar em danos aos pacientes, sendo que a ocorrência de dano caracteriza o evento adverso à droga, que se refere ao prejuízo ou lesão, temporária ou permanente, para o uso indevido da droga, incluindo a falta dela.(1)

Os eventos adversos relacionados a medicamentos podem levar a importantes agravos à saúde dos pacientes, com relevantes repercussões econômicas e sociais.

Dentre eles, os erros de medicação são ocorrências comuns e podem assumir dimensões clinicamente significativas e impor custos relevantes ao sistema de saúde.(2)

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária adotou do National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention o conceito de erro de medicação, definido como qualquer evento evitável que pode causar ou induzir ao uso inapropriado de medicamento ou prejudicar o paciente enquanto o medicamento está sob o controle do profissional de saúde, do paciente ou do consumidor.(3)

Nos hospitais, o ciclo do medicamento é bastante complexo e composto de vários processos. Ainda que o número e o tipo de processos variem de um hospital para o outro, estima-se que entre 20 e 60 etapas diferentes estejam envolvidas nos processos de prescrição, dispensação e administração de medicamentos. Sendo assim, o envolvimento de muitos profissionais nesse processo caracteriza esse ciclo como multidisciplinar o que pode favorecer a ocorrência de erros, pois quanto maior o número de elementos de um sistema, menor a probabilidade de que cada elemento opere com sucesso.(4)

Os erros podem ocorrer devido a falhas ativas pela prática dos diversos profissionais envolvidos ou falhas latentes no sistema de uso de medicamentos, tanto na prescrição, na dispensação pela farmácia ou na administração e monitoramento realizado pelo profissional da enfermagem.(5)

O erro de medicação é um evento adverso que pode ser prevenido. Os erros devem funcionar como ferramentas para promoção da qualidade do serviço prestado, impulsionar mudanças de cultura institucional e profissional, incentivar atitudes não punitivas, possibilitar a correção dos pontos falhos do sistema e garantir maior segurança aos pacientes.(6) Estudos demonstraram que os fatores relacionados aos erros de medicação estão relacionados às condições laborais, recursos insuficientes, anos de experiência, sobrecarga laboral, políticas institucionais e prática diária durante o manejo.(7)

O assunto é, portanto, importante para o sistema de saúde e merece atenção em especial dos trabalhadores da área da saúde, pois essas são as pessoas que estão sujeitas a cometer erro, sendo alvo de denúncia na mídia nos últimos anos. Acredita-se que a mudança desta realidade pode ser pensada a partir do desenvolvimento de estudos que identifiquem pontos vulneráveis que sejam indicadores na orientação de intervenções para prevenção ou diminuição da ocorrência dos mesmos, visando uma assistência segura à clientela.(8)

Dessa forma, investigar questões que abordam a problemática do erro de medicação fornece subsídios para a produção do conhecimento na saúde e na enfermagem com vistas a contribuir com a qualidade da assistência,(9) uma vez que os serviços de saúde estão buscando excelência no atendimento e assistência livre de riscos e danos ao paciente.(10)

Nessa perspectiva, delineou-se como questão norteadora: Qual a percepção de trabalhadores de enfermagem sobre os erros de medicação e que fatores estão relacionados a esse evento? Para responder essa questão delineou-se como objetivos conhecer a percepção da equipe de enfermagem sobre erros de medicação e discutir os fatores relacionados a esse evento.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de campo, do tipo descritiva. A abordagem metodológica foi selecionada para este estudo considerando que a investigação qualitativa trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das crenças e valores e compreende a descrição e a análise da realidade de diferentes formas, para representar as experiências vivenciadas pelas pessoas ou a vivência de um determinado fato.(11)

Optou-se pela amostragem censitária dos sujeitos, ou seja, trabalhar com o universo dos trabalhadores de enfermagem de todos os turnos lotados em uma Unidade de Clínica Cirúrgica de um Hospital Universitário localizado no Estado do Rio Grande do Sul. Esta instituição atua como hospital-escola com sua atenção voltada para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e assistência em saúde. Os atendimentos prestados à comunidade são realizados nos 291 leitos de unidade de internação, sendo que 46 destes correspondem aos da Clínica Cirúrgica, maior unidade de internação da instituição, que no momento de coleta dos dados contava com 47 trabalhadores de enfermagem (10 enfermeiros, 11 auxiliares de enfermagem, 26 técnicos de enfermagem).

Os critérios de inclusão foram ser trabalhador de enfermagem e estar em atividade no período de coleta dos dados. Foram excluídos aqueles que estavam afastados por qualquer motivo.

O instrumento de coleta de dados foi um questionário do tipo auto-aplicável, composto por questões fechadas sobre os dados sociodemográficos, e questões abertas em que os participantes tinham a oportunidade de se manifestar acerca do entendimento referente ao erro de medicação e os fatores que interferiram na ocorrência do erro.

Optou-se pelo uso do questionário porque este traduz os objetivos da pesquisa em questões específicas e seu uso tem como vantagens o anonimato das respostas, a possibilidade de atingir grande número de pessoas, a não exposição dos pesquisados à influência das opiniões e do aspecto pessoal do entrevistador.(12) Cabe salientar que um pré-teste foi realizado no intuito de verificar a pertinência do instrumento, não sendo necessária a reestruturação do mesmo.

A coleta dos dados ocorreu entre setembro e outubro de 2011, sendo os questionários entregues individualmente e agendada uma data para a sua devolução, que foi em média de 2 dias. Os sujeitos foram convidados a participar da pesquisa, sendo informados sobre os objetivos do estudo, do caráter voluntário da participação e da garantia do anonimato. Também foram orientados de que os dados por eles informados seriam utilizados para fins científicos, conforme preceitos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.(13) O assentimento em participar da pesquisa se deu mediante a leitura e posterior assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em que uma via ficou com os pesquisadores e a outra com o sujeito do estudo.

Os dados foram digitados em um editor de textos e lidos para a apreensão inicial do conteúdo. Essa leitura permitiu apreender o conteúdo manifesto e agrupar os fragmentos que se repetiam e/ou possuíam semelhança semântica. A seguir foram seguidos os passos metodológicos da análise de conteúdo temática: Pré-análise, que compreende leituras flutuantes e exaustivas, seguidas da organização do material e da sistematização de ideias e eixos estruturantes, que constituíram o corpus de análise; Exploração do material, que compreende a categorização dos dados e que utilizou expressões ou palavras significativas em unidades de registros a partir da similaridade dos conteúdos, e Tratamento dos dados e Interpretação, que corresponde à análise dos dados, com interpretação dos significados dos conteúdos temáticos com base no referencial teórico assumido pelo pesquisador.(11)

No intuito de manter o anonimato, os trabalhadores foram identificados pela letra "P" -Participante, seguido por um número correspondente a ordem de entrega dos questionários. O projeto recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob número do processo 23081.009/2011-00 e número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) número 0164.0.243.000-11.

 

Resultados e discussão

No período de coleta de dados, atuavam no serviço 47 trabalhadores de enfermagem, desses 45 atendiam aos critérios de inclusão e duas pessoas se recusaram em participar do estudo, totalizando 43 trabalhadores de enfermagem pesquisados, sendo 8 (18,6%) enfermeiros, 24 (55,8%) técnicos de enfermagem e 11 (25,6%) auxiliares de enfermagem; maioria do sexo feminino (90,7%), que não possui outro emprego (88,4%) e com faixa etária maior que 41 anos de idade (41,9%).

Quando questionados sobre a ocorrência do erro de medicação, 30 (70%) trabalhadores relataram tê-lo cometido. Especificamente por turno de trabalho, a frequência de trabalhadores que relataram ter se envolvido em erro de medicação foi de 7 (23,3%) no turno da manhã, 6 (20%) no turno da tarde e 17(56,7%) no turno da noite.

A análise dos dados possibilitou a construção das categorias: percepção sobre o erro de medicação e fatores relacionados ao erro de medicação.

Percepção sobre o erro de medicação

Nesta categoria, observa-se que para os trabalhadores o erro de medicação corresponde ao erro das fases de preparo e administração, como pode ser evidenciado nos seguintes relatos:

Troca de fármaco, horário, via de administração e dose, troca de pacientes/leito. P18

Quando é administrada dose inadequada, quando a medicação de um paciente é trocada e administrada em outro e também quando o preparo não é feito de forma adequada. P11

Sobre erro de medicação entende-se como a maneira errada de preparar/diluir a medicação, via de administração errada, dose errada, paciente errado, horário errado, medicação errada ou prescrição errada. P21

Entendo de várias formas: primeiro ler de forma errada, segundo diluir ou não de forma incorreta, terceiro administrar em via incorreta, quarto não observar dosagem correta, quinto não comunicar erros na própria prescrição. P3

Dosagem maior que o prescrito, administrar medicação no paciente trocado, esquecer de administrar a medicação de horário, fazer analgésico desnecessário, etc. P22

Um conjunto de fatores e condições que levam o profissional a expor o paciente a receber medicação errada (dose, via, diluição, troca de medicação). P20

A partir do exposto, pode-se inferir que os profissionais associam o erro de medicação a trajetória que o medicamento percorre até ser administrado no paciente, especialmente no preparo e na administração do fármaco. A instituição pesquisada não possui implementado um sistema de notificação dos erros de medicação tampouco protocolos de diluição de medicamentos ou rotinas descritas sobre o preparo e administração dos fármacos. É importante considerar que essas ações deveriam ser planejadas de maneira conjunta entre os trabalhadores e os gestores da instituição com vistas a minimizar a ocorrência do erro.

Assim, na perspectiva da busca de segurança e excelência no atendimento ao paciente, os cuidados de enfermagem são constantemente revistos, sendo periodicamente acrescentados itens aos certos da administração segura de medicamentos. Assim, o que eram os cinco certos: medicamento certo, paciente certo, dose certa, via de administração certa e horário certo; hoje já se pode encontrar a inclusão de mais quatro certos.

Os nove certos para administração de medicamentos: paciente certo, medicamento certo, via certa, hora certa, dose certa, registro certo,ação certa, forma certa e resposta certa.(14) Os nove certos não garantem que os erros de administração não ocorrerão, mas segui-los pode prevenir significativa parte desses eventos, melhorando a segurança e a qualidade da assistência prestada ao paciente durante o processo de administração de medicamentos.(15)

O erro de medicação, nos serviços de saúde, corresponde à falha em qualquer fase do caminho que o medicamento percorre até chegar ao paciente, constituindo um sistema complexo, no qual atuam médicos (na prescrição), equipe de farmácia (na dispensação) e de enfermagem (no preparo e administração). Sendo assim, o erro de medicação não está necessariamente relacionado a uma classe profissional e é resultado de erros consecutivos desse sistema.

Sobre isso, autores consideram que o erro pode estar relacionado à prática profissional, procedimentos, problemas de comunicação, incluindo-se prescrição, rótulo, embalagem, nome, preparação, dispensação, distribuição, administração, educação, monitoramento e uso de medicamentos(16).

O sistema de medicação envolve, portanto, diversas etapas e várias equipes multiprofissionais, sendo que a enfermagem está mais envolvida com o processo de preparo e administração de medicamentos, sendo esse último o mais frequente citado por enfermeiros, podendo ser erro de dose, de horário e de administração ao paciente errado,(17) o que pode ser evitado pelo profissional da saúde se houver a atenção para os cinco certos e para a leitura da prescrição médica.(18)

Sob este aspecto, os sujeitos deste estudo compreendem que o erro de medicação faz parte de um processo que envolve uma equipe multiprofissional, que inclui a equipe médica, de farmácia e de enfermagem, que podem detectar erros provenientes de outros profissionais que atuaram nesse processo,(19) e que não pode ser atribuído a ação de uma pessoa:

Grande falta de cuidado profissional seja ele médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar. P6

Prescrição médica com erros de dosagem [...], farmácia manda medicações erradas, dosagem errada. P16

Prescrição médica errada, quando vem da farmácia errado, administração de medicação trocada, por via errada, em horário errado, com diluição errada, aprazamento errado. P5

Pesquisa realizada em um hospital universitário identificou como erros mais cometidos pelos profissionais os erros de dose, ou seja, medicamentos administrados em uma dose menor ou maior do que solicitado na prescrição (24,3%), erros no horário, ou seja, administração do medicamento em horário diferente do prescrito (22,9%), medicamentos não autorizados, ou seja, medicamentos que não foram prescritos pelos médicos (13,5%), erros de técnica, entendidos como técnicas incorretas, que prejudicam segurança do paciente (12,2%), além de outros erros que envolviam erros de via, erros de prescrição, omissão, e paciente errado (2,7%).(18)

O erro de medicação também está associado ao número reduzido de trabalhadores de enfermagem, a falta de atenção, falhas no sistema de distribuição dos medicamentos, entre outros que podem comprometer a segurança do paciente. Os trabalhadores de enfermagem desse estudo compreendem parte desse processo e os resultados apontam para a necessidade de realização de reuniões de sensibilização com a equipe multidisciplinar em saúde, implantação da prescrição informatizada, padronização na prescrição das drogas, dispensação na dose exata, enfim, é necessário desenvolver ações conjuntas que minimizem os riscos à saúde dos pacientes e promovam a segurança do cuidado.

Dessa forma, na pesquisa realizada com profissionais da enfermagem apontou que 38% dos erros ocorrem na administração de medicamentos, sendo que 2% dos erros são interceptados, tornando essa fase do processo (vinculada diretamente à enfermagem) vulnerável quanto à promoção da segurança do paciente.(20)

Nesse sentido, torna-se imprescindível que a equipe possua uma visão ampliada do sistema de medicação e de cada um dos seus processos, dê garantias de segurança e qualidade do processo que está sob a sua responsabilidade, buscando informação do fluxo de suas atividades, problemas existentes com o ambiente, dos recursos humanos, conhecimento dos fármacos, das possíveis interações medicamentosas, vias de administrações e técnicas corretas de preparo e administração.(9)

É necessário considerar os fatores relacionados ao erro de medicação para que as vulnerabilidades possam ser identificadas e interceptadas em tempo. Neste estudo, os trabalhadores investigados citaram que a falta de atenção ao ler as prescrições, o número insuficiente de profissionais, o cansaço, as prescrições ilegíveis ou rasuradas, a conversa no momento do preparo/administração do medicamento são ocorrências que predispõe ao erro:

Letras ilegíveis nas prescrições, falta de atenção ao ler as prescrições, falta de tempo (o que gera correria e desatenção), número insuficiente de profissionais, vergonha e/ou constrangimento para perguntar [...], insegurança profissional, pouca prática e habilidade. P3

Prescrições mal feitas (rasuradas ou ilegíveis), [...] falta de atenção, cansaço, estresse, falta de funcionários (sobrecarga de trabalho). P4

Jornada dupla, ilegibilidade de prescrição, falta de atenção ao ler a prescrição, sobrecarga de pacientes, unidade complexa. P5

Falta de atenção, conversa na hora de retirar as medicações, pressa para fazer rápido. P3

Pressa, sobrecarga de serviço, falta de funcionários, falta de atenção. P9

Estresse no trabalho, agitação e rapidez nos procedimentos, saúde física/metal do funcionário comprometida, desorganização, falta de atenção. P21

É conhecido que vários fatores contribuem para a ocorrência de erros de medicação como o desconhecimento sobre os medicamentos, métodos, vias, locais, dosagens, diluição, técnicas, assepsia e utilização de materiais estéreis, tempo de experiência na área de enfermagem, trabalho em turnos, sobrecarga de trabalho, distrações e interrupções durante o preparo e administração da medicação, qualidade das prescrições no que se refere à caligrafia médica e a falta de padronização que levam a interpretações errôneas.(21) Este último fator é motivo de preocupação dos trabalhadores de enfermagem, pois a prescrição médica ilegível é fator recorrente nas instituições e foi citada pelos sujeitos investigados.

O Código de Ética Médica, no Capítulo III que regulamenta as responsabilidades profissionais do médico, em seu Artigo 11, proíbe ao profissional receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível.(22) Por sua vez, de acordo com o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem o enfermeiro deve prestar cuidados em saúde livre dos danos causados pela imperícia, negligência e imprudência. Para isso, ele deve buscar embasamento teórico/prático que subsidie suas atividades, aprimorar seus conhecimentos técnicos, científicos, éticos e culturais, em benefício da pessoa, família e coletividade e do desenvolvimento da profissão, sendo proibido administrar medicamentos sem conhecer a ação da droga e sem certificar-se dos riscos.(23)

Apesar do conhecimento sobre as repercussões relacionadas ao erro de medicação relacionado à ilegibilidade da prescrição, estudos realizados ao longo dos últimos anos têm evidenciado que as causas de erros nos sistemas de medicação podem estar relacionadas a falhas sistêmicas, tais como problemas no ambiente, falta ou falha no treinamento, carência de profissionais, falhas de comunicação, problemas nas políticas e procedimentos ou mesmo produtos inadequados utilizados na medicação do paciente.(4)

Sobre isso, além dos problemas com a prescrição médica, outros fatores estão relacionados à ocorrência do erro de medicação como as condições do ambiente físico e que podem comprometer o processo de cuidar:

Barulho, conversa, falta de concentração, ambiente inadequado para o preparo das medicações (espaço pequeno). P2

Falta de espaço na hora de tirar as medicações, barulho, conversas paralelas, falta de atenção [...]. P10

Falta de atenção, poluição sonora [...]. P1

Pesquisa confirma os achados deste estudo quando evidencia como fatores de risco para o erro de medicação a organização do trabalho, sobrecarga, recursos humanos insuficientes, profissionais mal treinados, locais desprovidos de recursos financeiros, como planta física inadequada, presença de ruídos e baixa luminosidade.(24) Além disso, foi citado a questão da falta de identificação da pessoa que irá receber a medicação:

Volume elevado de medicação, diminuição da atenção, troca de leitos de paciente, falta de identificação do paciente [...]. P11

A falta de identificação do paciente pela enfermagem pode estar atrelada a falhas na comunicação e excessiva carga de trabalho, o que compromete a atenção desse profissional. Sendo assim, se faz necessária à identificação do paciente para a sua segurança, uma vez que clientes com nomes parecidos, internados em uma mesma enfermaria e que recebem um mesmo medicamento, porém em doses diferentes, podem ser facilmente confundidos, passando a receber uma dose inadequada para o seu tratamento.(25)

Em virtude disso, a identificação do paciente no momento da administração dos medicamentos, confirmando-o pelo nome, é de fundamental importância para evitar tais erros. Além disso, o uso de pulseira de identificação e o código de barras na administração dos medicamentos também são estratégias importantes para se evitar esse tipo de erro. Um estudo identificou que somente 6,8% dos pacientes hospitalizados faziam uso das pulseiras de identificação, o que é alarmante, pois a pulseira auxilia na identificação do paciente, principalmente quando ele se encontra em condições que não consegue se comunicar.(18) Para prevenir o erro, é necessário compreender a multifatorialidade do processo que o envolve:

Multifatorial, inerentes ao profissional (formação, situações de estresse, jornadas duplas que incluem o turno da noite, falta de atualização) e institucional (falta de rotina/padronização de diluições, medicações que são dispensadas erradas pelo serviço de farmácia, letras difíceis de ler nas prescrições, aprazamento em local impróprio). P18

Observa-se que o trabalhador atribui o erro de medicação a um conjunto de responsabilidades que são suas e da instituição. É importante conscientizar o trabalhador no que se refere a sua participação nessa prevenção, no sentido de minimizar as chances de ocorrência do erro, que advém de um sistema de medicação falho, e não adotar medidas punitivas.

Dessa forma, a existência de protocolos e formulários para notificação, divulgação e monitoramento do erro, também podem possibilitar o desenvolvimento de medidas preventivas e aumentar a segurança dos pacientes. Recomenda-se, ainda, programas de capacitação profissional e de educação continuada, considerando-se a necessidade constante de treinamento e atualização de conhecimentos.(8)

A clínica cirúrgica da instituição pesquisada abrange pacientes em período perioperatório, com situação clínica instável e que fazem uso de variados medicamentos. Sendo assim, erros de natureza medicamentosa agravariam ainda mais a situação do paciente, mas que podem ser prevenidos. Disto depende a inclusão de todos os envolvidos no desenvolvimento de ações que possam efetivamente contribuir para a prevenção dos erros de medicação.

 

Conclusões

Os resultados deste estudo destacam a percepção dos trabalhadores de clínica cirúrgica sobre o erro de medicação bem como os fatores envolvidos nesse processo como a letra ilegível, conversas na sala de medicações, sobrecarga de trabalho, desatenção, falta de identificação do paciente, leito, medicamento, hora e via.

Ressalta-se que é imprescindível que os profissionais utilizem os conhecimentos dos certos da medicação para nortear suas ações bem como observam a data de validade e o tempo de infusão indicado para cada medicamento, o que poderia ser favorecido com a utilização de protocolos e pactuações entre a equipe. Dessa forma, o momento de preparo de medicações deve exigir do profissional cautela e atenção, proporcionando assistência segura.

Observam-se como limitações deste estudo a amostragem de um só hospital, o que limita a generalização dos resultados. Aconselha-se, assim, que sejam realizadas investigações em outras instituições, de diferentes complexidades, para ampliar o conhecimento sobre os motivos que levam aos erros de medicação bem como os fatores que possam ser utilizados para minimizar essa problemática nos serviços de saúde e proporcionar segurança do paciente.

 

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