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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.23 n.73 Murcia Jan. 2024  Epub Feb 23, 2024

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.573201 

Originais

Ações do enfermeiro na consulta de enfermagem em puericultura na atenção básica

Matheus Fernandes-Carvalho1  , Jaira Gonçalves-Trigueiro2  , Rodrigo Jácob Moreira-de Freitas2  , Marcelino Maia-Bessa3  , Joyce Oliveira-de Souza4  , Layane da Silva-Lima5 

1Enfermeiro. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil

2Enfermeira/o. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil

3Enfermeiro. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Encanto, Rio Grande do Norte, Brasil

4Enfermeira. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Limoeiro do Norte, Ceará, Brasil

5Enfermeira. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil

RESUMO:

Introdução:

Na Consulta de Enfermagem em puericultura, o enfermeiro realiza a vigilância do crescimento e desenvolvimento da criança, prática essencial para promoção e prevenção da saúde. Entretanto, evidencia-se fragilidades na sua implementação como lacunas de registros e debilidades na avaliação preventiva de desfechos importantes na infância, como obesidade e desnutrição.

Objetivo:

Identificar as ações do enfermeiro na consulta de enfermagem em puericultura na rede de Atenção Básica de um município do Semiárido Nordestino brasileiro.

Métodos:

Estudo qualitativo descritivo-exploratório realizado com 9 enfermeiros atuantes nas Estratégias de Saúde da Família da Atenção Básica de um município do Estado do Rio Grande do Norte, interior do semiárido nordestino brasileiro. Os dados foram coletados por entrevista semiestruturada entre janeiro e março de 2021 e analisados por Análise de Conteúdo do tipo Temática.

Resultados:

Emergiram 5 categorias de análise e discussão: acolhimento para o vínculo; antropometria e exame físico; vigilância do desenvolvimento infantil; educação em saúde: atitude de cuidado; dificuldades no preenchimento da caderneta de saúde da criança.

Conclusão:

Percebeu-se que os enfermeiros conseguem realizar ampla avaliação de saúde das crianças, perpassando o cuidado pelo vínculo e acolhimento e pela educação em saúde. Evidencia-se que as deficiências no preenchimento da caderneta existem e que o processo de enfermagem não obedece a estrutura prevista, podendo comprometer com a qualidade da assistência.

Descritores: Atenção primária à saúde; Cuidado da criança; Desenvolvimento infantil; Processo de enfermagem

INTRODUÇÃO

Com a instituição do Programa de Saúde da Família, que posteriormente é elevado a Estratégia de Saúde da Família, a Atenção Básica ganha um modelo preferencial de assistir e gerir os processos de cuidado, especialmente à saúde da criança, focalizado no uso de tecnologias leves, relacionais e atitudinais, no acolhimento e escuta qualificada das necessidades de saúde dessa população(1).

A Atenção Básica assume seu papel de coordenadora do cuidado e ordenadora das redes de atenção à saúde, qualificando, dentre outras, a vigilância do desenvolvimento infantil e cuidado em puericultura, medidas estratégicas para a redução da morbimortalidade que atinge o público infantil. Ressalta-se a drástica diminuição da mortalidade infantil desde a implementação da APS no âmbito do Sistema Único de Saúde(2).

Nesse interim, o enfermeiro assume papel de membro essencial das equipes que atuam nos territórios e Unidades Básicas de Saúde, construindo seu processo de trabalho baseado nas necessidades comunitárias e sociais e atentando-se para as necessidades das crianças, famílias e cuidadores(3).

Com a Consulta de Enfermagem em puericultura, o enfermeiro realiza a vigilância do crescimento e desenvolvimento da criança, prática essencial para promoção e prevenção da saúde. A consulta é momento fértil para que enfermeiro, criança e família construam vínculos e relações harmoniosas, troca de saberes e práticas, atividades de educação em saúde e orientações que auxiliem no trato infantil cotidiano e a maximização das potencialidades do ser criança(3,4).

Estudo aponta a potencialidade do enfermeiro capilarizar práticas e disseminar ações de baixo custo e alta efetividade no âmbito da Atenção Básica, enaltecendo a consulta de enfermagem, como método eficaz de promover saúde, distinguir as reais necessidades da criança e sua família e implementar um cuidado de enfermagem que esteja em consonância com a realidade familiar e social desses sujeitos(5).

Entretanto, revisão de literatura identificou fragilidades potenciais nas consultas de enfermagem em puericultura, especialmente no que se refere a lacunas de registros em prontuários e cadernetas, o que impossibilitou avaliar a integralidade da assistência pelos enfermeiros(6). Estudo também apontou debilidades na avaliação antropométrica e na predição de estados de morbidade em crianças como obesidade e desnutrição(7,8), o que aponta vulnerabilidades no uso da consulta de enfermagem e no alcance de suas potencialidades.

Dessa forma, reconhecendo as ações que o enfermeiro pode lançar mão para o cuidado infantil de qualidade e reconhecendo as diferentes características que a vigilância do crescimento e desenvolvimento assume na Atenção Básica nacional, questiona-se: quais as ações do enfermeiro na consulta de enfermagem em puericultura no nível da Atenção Básica?

Com isso, objetiva-se identificar as ações do enfermeiro na consulta de enfermagem em puericultura na rede de Atenção Básica de um município do semiárido nordestino brasileiro.

MÉTODOS

Estudo qualitativo e descritivo. A pesquisa qualitativa tem por função descrever a ocorrência de fenômenos, suas construções subjetivas e retratar seus significados que emergem da subjetividade individual e coletiva(9). A escrita do artigo seguiu o cheklist COREQ para pesquisas qualitativas(10).

Foi realizado no município de Pau dos Ferros, no interior do semiárido potiguar, Brasil, tendo sido escolhido por ser uma cidade de médio porte, intermediadora entre os pequenos e grandes centros urbanos, reguladora dos fluxos econômicos e sociais da região, sede da sexta região de saúde do Estado, segunda maior economia da Região Oeste do Estado do Rio Grande do Norte e estar situada dentro do polígono das secas, região marcada por grandes desigualdades sociais(11).

Constitui-se como população do estudo os enfermeiros atuantes no nível de atenção supracitado. Utilizou-se amostra não-probabilística, do tipo intencional, por se compreender a necessidade da exaustão dos dados para efetiva validade em pesquisa qualitativa(12).

Foram inclusos os enfermeiros que estavam atuantes na Atenção Básica há mais de 6 meses e excluídos os que não estiveram presentes nas Unidades Básicas após três tentativas de recrutamento, o que levou a uma amostra de 11 enfermeiros, dos quais 9 aceitaram participar da pesquisa mediante disponibilidade e não interrupção da rotina de trabalho. A perda amostral de 2 enfermeiros ocorreu devido critério de exclusão estabelecido.

Os enfermeiros foram contactados presencialmente pelo pesquisador, nas Unidades de Saúde da Família que trabalhavam, utilizando carta-convite impressa em anexo aos termos de consentimento e autorização de gravação de áudio, tendo sido realizada leitura da carta e explicação dos objetivos e justificativa da pesquisa.

A coleta de dados ocorreu mediante consentimento prévio dos participantes, por meio de entrevista guiada por roteiro semiestruturado. O roteiro contemplava questões sobre a estrutura da consulta de enfermagem em puericultura, marcos do desenvolvimento, padrões de crescimento, participação dos pais/cuidadores, preenchimento da caderneta de saúde da criança, orientações e humanização da assistência, tendo sido elaborado a partir de revisão integrativa da literatura pelo pesquisador sobre os principais pontos de avaliação e orientação do enfermeiro no cuidado infantil.

As entrevistas aconteceram nos locais de trabalho dos participantes ao final do expediente, em sala reservada para pesquisador e participante, estando somente ambos presentes na sala, minimizando interferências na rotina do serviço. As entrevistas ocorreram entre janeiro e março de 2021, tiveram média de 20 minutos de duração e foram gravadas em formato de áudio (.mp3) por aparelho smartphone Galaxy A30S de uso exclusivo para tal. O anonimato dos participantes foi preservado utilizando código alfanumérico de letra E seguido pelo numeral (1,2,3...) para identificação das entrevistas e substituição dos nomes.

A análise dos dados aconteceu após transcrição das entrevistas para documento Word®, utilizando a técnica de análise temática e que compreende três fases(13). Na primeira se realizou leitura flutuante e seleção das entrevistas por exaustividade, homogeneidade e pertinência quanto ao tema pesquisado.

Foram divididas em unidades de registro (trechos) que receberam codificação alfanumérica conforme temática: AV (Acolhimento e Vínculo), AEF (Antropometria e Exame Físico), VCD (Vigilância do Crescimento e Desenvolvimento), ES (Educação em Saúde), CSC (Caderneta de Saúde da Criança) seguido por número que corresponde a sequência dos trechos (1, 2, 3...) e do código da entrevista que corresponde ao enfermeiro/a (E1, E2, E3...).

Na segunda fase acontece a categorização das unidades de registro conforme agregação temática e exploração profunda do material. A última fase corresponde à inferência dos resultados através de comparação com achados na literatura científica(13). Emergiram das falas dos entrevistados 5 categorias temáticas que não foram previamente estabelecidas e nascem da aglutinação dos sentidos expostos pelos interlocutores.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, obedecendo a resolução 466/12(14) do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovada em 13 de fevereiro de 2020 sob o parecer nº 3.835.550, CAAE nº 28811320.1.0000.5294.

RESULTADOS

Foram entrevistados 9 enfermeiros das Estratégias de Saúde da Família do município de Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte. Todos trabalhavam a mais de 6 meses na Atenção Básica, sendo 2 há mais de 20 anos. O grupo era composto por 3 profissionais do sexo masculino (33%) e 6 do sexo feminino (67%).

Ressalta-se a existência de cinco categorias temáticas sobressalentes e que compreendem o trabalho do enfermeiro na puericultura: “Acolhimento para o vínculo”; “Antropometria e exame físico”; “Vigilância do Desenvolvimento Infantil”; “Educação em Saúde - atitude de cuidado”; “Dificuldades para o preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança”.

A seguir serão apresentados as categorias e os depoimentos que colaboram para a descrição e caracterização da atividade do enfermeiro no cuidado infantil.

Acolhimento para o vínculo

O acolhimento foi ressaltado na escuta para a formulação do vínculo entre pais, cuidadores e/ou família e o profissional enfermeiro. Os enfermeiros destacam que o acolhimento e a construção do vínculo são imprescindíveis para que a puericultura se estabeleça.

Como você acolhe aquela família [...] não é só acolher a criança, a mãe, o pai, porque algum problema que acontecer em casa reflete em todos na família. E7

Um atendimento sensível, que você tem que ter a sensibilidade em atender bem, dar o seu melhor, em ouvir a mãe, ter uma atenção especial para aquela criança né, até para que seja estabelecido um vínculo. E2

Alguns participantes também destacaram que o acolhimento se dá no entendimento da necessidade do outro, de ouvir, de prestar apoio e solidariedade, de compreender que nem sempre há uma única fórmula de atender e que isso aproxima os pais e famílias da Unidade Básica de Saúde e melhoram o cuidado infantil.

Você não pode dizer “você tem a obrigação de amamentar seis meses, é uma obrigação sua”, porque cada caso é um caso. Entender que cada mãe ela é única. E5

É a forma como acolher, como perceber o outro se sente [...] é a questão de ser educado, vai muito mais além [...] é mais escutar. Então, ouvir, tentar se colocar no lugar do outro, tentar ser empático. Às vezes só um olhar diferenciado, uma conversa, uma orientação, já pode mudar tudo. E8

Entende-se que os enfermeiros compreendem a necessidade de existir um atendimento acolhedor e capaz de prestar de ouvir o outro e estar com o outro. Constata-se que sem a criação do ambiente acolhedor e do vínculo, as necessidades de saúde não serão atendidas.

Antropometria e exame físico

Os enfermeiros apontaram, dentre as atividades realizadas na consulta, a antropometria e o exame físico como essenciais. A antropometria foi largamente mencionada, sendo descrita quanto a cada tipo de medida realizada na criança.

No primeiro momento passa na triagem [...] afere o peso, aí aqui comigo fica essa parte além: fico responsável pela altura, essas partes de medição como PC (perímetro cefálico), abdominal, cefálico, essas coisas, a gente trabalha mais com o cefálico. E7

Eu faço o peso, meço a criança, a altura, também faço o perímetro cefálico. Eu não faço o torácico não. Aí faço o exame físico, olho a boquinha, ouvidinho, olhinho, vejo os reflexos se estão presentes. E9

É perceptível a importância dada pelos enfermeiros a essas medidas, como forma de avaliação. O exame físico global da criança foi mencionado muito vagamente, o que pode estar relacionado com o entendimento de que, junto a antropometria, são uma atividade única.

A gente vai lá pra ver perímetro cefálico, torácico, a estatura, a gente já consegue observar muitas outras coisas. Você sempre faz da cabeça aos pés, né, essa avaliação. E2

Percebe-se que os enfermeiros entendem a necessidade de avaliação geral das crianças, mas não fazem distinção do que avaliar, entendendo que a avaliação geral tem as mesmas especificidades, o que pode comprometer atributos e características que tem uma avaliação mais específica e própria.

Vigilância do desenvolvimento infantil

Os enfermeiros fizeram especial menção aos marcos do desenvolvimento infantil, retratando as dificuldades de visualizar os marcos do desenvolvimento, seja pela atitude não colaborativa da criança ou pela própria dinâmica dela, tendo os pais como colaboradores imediatos para atenção a esses imprescindíveis indicadores.

Eu observo e pergunto aos pais, porque tem marcos de desenvolvimento que o pai né, que não é só no momento que a gente consegue observar. E2

Mas se a gente estimula os reflexos, têm alguns reflexos que a gente não consegue ter de certeza, então “mãe, quando ele tá mamando, ele olha no seu olho? Mãe, quando você chama ele fica assim, procurando?”. Então eu acho que não é só a parte de ver, mas tem que perguntar aos pais como eles estão vendo. E8

Para superar as dificuldades apresentadas, um dos participantes elenca o uso de um programa que traz os marcos e a forma como devem ser pesquisados.

E a gente usa o programa do e-SUS, que ele também, geralmente, acompanha por aqui, tem muitas perguntinhas, que de acordo com a faixa etária a gente vê se (os marcos do desenvolvimento) tá presente ou não. E9

A abertura dos enfermeiros em utilizarem instrumentos que auxiliem e qualifiquem o cuidado demostra a importância que a vigilância ao desenvolvimento infantil possui na prática profissional destes e seu compromisso com a saúde da criança.

Educação em saúde: atitude de cuidado

Outro destaque foi a educação em saúde, como atividade primordiais e centro do trabalho de enfermagem, através das orientações e do diálogo. Apontaram principalmente orientações voltadas a alimentação, segurança, vacinação e estímulo ao desenvolvimento:

Desde a questão do pós-parto, o aleitamento materno, as etapas do desenvolvimento, o que é normal, o que é esperado, e é importante para que a gente possa intervir no momento certo né, pra que aquele crescimento e aquele desenvolvimento ele não seja estagnado ali. E8

A parte motora, vê os cuidados gerais com o RN, e sempre orientando a mãe. Cuidado com queda. E7

Então é muito amplo. Tem a questão dá... das vacinas, a imunização. E6

Um aspecto importante levantado pelos entrevistados foi a qualidade da informação transmitida. Por se encontrarem em uma região historicamente marcada pela desigualdade social, como é o sertão nordestino, os enfermeiros se sensibilizam quanto a dificuldades de compreensão e aplicabilidade das orientações transmitidas.

Depende muito do nível social da pessoa porque você não pode dar uma aula de enfermagem né, numa consulta. Então o que você vai fazendo? Identifica os problemas aqui, vou tratar problema aqui e, embora fale de maneira geral, eu só não posso ser específico de muita coisa porque ela não vai entender. E1

E é isso, as vezes não adianta você dizer “a criança tá se acabando com uma cólica” e você achar que você passar uma dieta pra mãe se ela não pode comprar aquele alimento. E5

Os enfermeiros se mostraram atentos a realizarem orientações e educação em saúde compreensível aos pais e cuidadores, revelando atenção as disparidades sociais inerentes ao local onde trabalham e convivem. Entretanto, não evidenciam em suas falas uma atitude completa de horizontalidade na construção de saberes, mantendo a verticalização do cuidado.

Dificuldades no preenchimento da caderneta de saúde da criança

Essa última categoria tem como objetivo apresentar os discursos dos entrevistados quanto a Caderneta de Saúde da Criança, instrumento de registro e acompanhamento longitudinal da saúde infantil. Os enfermeiros abordam a importância da caderneta da criança para os pais e cuidadores na perspectiva de conhecerem o estado de saúde da criança e instrumento de auxílio no cuidado.

Lá [na caderneta de saúde da criança] tem o parâmetro do que é normal e do que não é normal, você se baseia muito por aquilo que tem ali, né. Acredito, poderia até ter mais coisas [...] então ele (o pai) próprio identificaria em casa, como geralmente acontece quando a criança atinge oito meses, um ano de idade, ela apresenta alguma deficiência e aí os próprios pais relatam. E1

Eu costumo anotar na caderneta aquelas coisas que realmente, os marcos, peso, altura, o gráfico, mostro aos pais como é que ele tá, como a criança tá se comportando durante aquele acompanhamento todinho naquele gráfico. E8

Apesar da importância destacada, os profissionais relatam um déficit no preenchimento do instrumento, em valorização ao preenchimento dos dados na ficha clínica da criança, por meio do Prontuário Eletrônico.

A gente atualiza no prontuário eletrônico é... o e-SUS, e lá tem espaço, e tem pra gente colocar tudo do desenvolvimento, do acompanhamento da criança, tem todos os dados já lá, e onde não tem (caderneta de Saúde da criança) tem espaço pra você escrever. E3

Na caderneta, como são muitas coisas para anotar, geralmente a gente deixa muito a desejar [...] a gente sabe que tudo deve ser registrado, todos os marcos na caderneta, mas eu acho que isso é senso geral, acho que quase ninguém registra tanto no prontuário como na caderneta. E8

Atenta-se que mesmo conhecendo a importância de a caderneta conter todas ou o máximo de informações possíveis, os enfermeiros não conseguem assegurar seu preenchimento correto, o que interfere diretamente na qualidade do cuidado e na sua integralidade para outros pontos da rede de atenção à saúde.

DISCUSSÕES

A pesquisa demostrou o interesse dos enfermeiros em realizarem a vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil e dispenderem tempo, oportunidade, conhecimentos, técnicas e atitudes para que esse momento seja profícuo para a criança e sua família.

Ao apontarem a necessidade imprescindível da vinculação, os profissionais mostram a importância que a manutenção das relações duradouras entre criança, família e profissional é fundamental para a linha de cuidado em puericultura, permitindo que ambas as partes atuem conjuntamente para um cuidado dinâmico, vivo e possível de ser realizado diante das diversas realidades que se interpõe(1,3).

Na puericultura o enfermeiro desenvolve ações que compreendem os níveis de promoção, proteção, prevenção, tratamento e reabilitação da saúde, quando necessário, além de estarem capacitados para detectarem precocemente atrasos e desvios no desenvolvimento infantil, ponto central de toda a vigilância da saúde da criança(1).

Para tanto, o enfermeiro empreende em sua prática o uso de métodos para alcançar uma atenção plena à saúde, destacando-se o Processo de Enfermagem, que em ambientes ambulatoriais se denomina consulta de enfermagem (CE). Respaldado pela Lei de Exercício Profissional e pela resolução 358/09 do COFEN(15), a CE é um método de trabalho, que sistematiza a assistência do enfermeiro quanto a avaliação de saúde.

Constituída de cinco partes interdependentes, histórico, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação, a CE se elabora como mediação do trabalho do enfermeiro, guiando-o em sua assistência e avaliação de saúde dos diversos ciclos de vida e grupos sociais, especialmente as crianças, tendo baixo custo e grande efetividade(15,16).

A CE tem a premissa de garantir a qualidade do cuidado, individualizar as ações, direcionar o trabalho do enfermeiro para o indivíduo, sendo seu centro e objeto de cuidado. Em estudo realizado utilizando a Teoria de Wanda Horta, a CE se mostrou eficaz em identificar e abranger as necessidades de saúde das crianças e suas famílias atendidas pelos enfermeiros na Atenção Básica(4).

O número de consultas anuais preconizadas pelo Ministério da Saúde para o primeiro ano de vida da criança totaliza 7 consultas; 2 no segundo ano de vida e 1 a cada ano até os 10 anos de idade. A consulta de enfermagem em puericultura deve debruçar-se, além da atenção as necessidades atuais da criança e família, a identificação precoce de agravos e considerar a criança em seu ambiente e estrutura familiar e social, ampliando o conceito de saúde para entender sua determinação social(4).

A consulta de enfermagem, no entanto, não pode ser algo engessado em si mesmo, com lógica sequencial mecânica e automatizada. Como método-guia, ela deve permitir que o enfermeiro se sinta livre para incrementar e renovar seus aspectos, concedendo liberdade criativa capaz de fazê-lo reconhecer seu trabalho e a si mesmo ao mesmo tempo que o realiza(16).

No estudo foi possível perceber que os enfermeiros não mencionaram a consulta de enfermagem em sua estrutura usual, não tendo delimitado as etapas e nem mesmo apontando diagnósticos de enfermagem. Entretanto, ressalta-se que foram capazes de estruturar suas atuações a partir das atribuições, como construção do histórico de saúde, avaliação pelo exame físico, levantamento de necessidades, orientações e manejos de situações e reavaliações contínuas das crianças, o que no final correspondem as etapas da consulta(15).

Pensando nessa perspectiva, estudo(17) aponta que a prática clínica do enfermeiro na Atenção Básica deve superar a lógica curativista e biomédica hegemônica dos serviços de saúde e efetivar uma atenção que agregue conhecimentos e atitudes advindos dos campos da promoção da saúde e prevenção. Apontam que a instituição de protocolos que incrementem o escopo de atuação pode melhorar a atuação desses trabalhadores, dando-lhes autonomia.

Dessa forma o enfermeiro deve ser capaz de avaliar e analisar os marcos do desenvolvimento infantil, percebendo quando estes não se fazem presentes no tempo esperado e investigando profundamente para prevenir maiores distorções ou agravos(18). Na pesquisa os enfermeiros estimulam a colaboração dos pais nessa vigilância, pois a criança passa a maior parte do tempo em casa e muitos marcos podem não ser visíveis durante a consulta.

Essa prática, no entanto, não deve eximir o profissional da responsabilidade da vigilância durante as consultas e do registro oportuno do alcance ou não dos marcos, além de realizar os encaminhamentos necessários caso necessite. O enfermeiro tem papel essencial para evitar complicações e auxiliar os pais e cuidadores no estímulo ao desenvolvimento adequado, compreendendo que é uma realidade social, ambiental, familiar, política e econômica(18,19).

A caderneta da criança, em alguns momentos, sofreu detrimento em relação ao registro em Prontuário eletrônico, cabendo discursos de que a realidade da prática é de subutilização do instrumento por parte dos enfermeiros. Autores(20) ressaltam que o Prontuário Eletrônico do Cidadão e a CSC não são realidades distintas e contraditórias, mas instrumentos que mantém o cuidado longitudinalmente na Atenção Básica e fora dela, como no caso a CSC.

Estudos apontam que a CSC é instrumento balizador da vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil, sendo rica em detalhes e informações para pais, cuidadores e família que mantém a atenção à criança no cotidiano(21). É sinal de transversalidade e integralidade do cuidado, ao poder manter informações perenes e de qualidade nos diversos níveis e pontos da rede de atenção à saúde, tendo seu preenchimento correto e oportuno indispensável para tal(22,23).

Nesse interim, a atuação do enfermeiro como educador em saúde torna-se o ápice de seu trabalho na puericultura e vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil(7). Durante a consulta de enfermagem, ele tem o momento oportuno de retirar dúvidas que os cuidadores ou pais tenham quanto aos seus filhos, e de construir novos conhecimentos a partir de uma educação em saúde que se engendra numa dinâmica horizontal de relações e na escuta do saber do outro(24).

Ao partir do saber do outro e com o outro, o enfermeiro pode recriar seu próprio processo de trabalho e se perceber não sendo centralizador do cuidado, mas integrante dele. Também emerge a consciência da existência do outro, de suas vontades, desejos e subjetividades que elaboram conhecimentos a partir de suas vivências. Esse processo possibilita uma maior autonomia e empoderamento dos pais e cuidadores nas suas próprias decisões do cuidado pueril(24).

Ressalta-se as limitações encontradas no decorrer da pesquisa quanto ao método empregado para a coleta dos dados. Talvez a adição observações diretas das práticas dos enfermeiros entrevistados nas consultas de puericultura, guiadas por roteiro e consolidadas em anotações de diário de campo, trouxessem mais elementos para enriquecer a discussão.

Não obstante, sugere-se o uso da Caderneta de Saúde da Criança como fio-condutor das consultas e/ou a construção de roteiros de consulta de enfermagem em puericultura que incorporem os eixos principais de atuação do enfermeiro, no reconhecimento das necessidades, a construção de planos de cuidado individualizados e o seguimento no monitoramento do crescimento e desenvolvimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebeu-se que os enfermeiros conseguem realizar ampla avaliação de saúde das crianças, perpassando o cuidado pelo vínculo e acolhimento e pela educação em saúde. Relataram lançar mão de diversas ações para proporcionar o cuidado de enfermagem em puericultura com qualidade e humanização dentro das capacidades pessoais, estruturais e do serviço e nível de atenção a qual estão inseridos.

A educação em saúde foi identificada como carro-chefe do protagonismo da enfermagem no cuidado infantil. Desvela-se certa carência dos enfermeiros na apropriação do processo de enfermagem dentro da consulta e as dificuldades no uso da Caderneta de Saúde da Criança, símbolo material da integralidade e transversalidade da atenção e do direito à saúde das crianças e que não pode ser subutilizada em valorização de outros instrumentos. Organizar processos de trabalho que contemplem todas as formas de registro é algo a ser estruturado pelos profissionais, pelos gestores do SUS e da Atenção Básica.

Por fim, recomenda-se realizar pesquisas que abordem a consulta de enfermagem a partir dos marcos teóricos da própria profissão, o conhecimento e reconhecimento do uso da caderneta de saúde da criança, o uso das taxonomias de Enfermagem na qualificação da consulta de enfermagem e pesquisas que avaliem a qualidade da consulta de enfermagem em puericultura a partir da visão daqueles a quem ela é destinada: crianças, família e comunidade.

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Recebido: 11 de Junho de 2023; Aceito: 14 de Agosto de 2023

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