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Enfermería Global
On-line version ISSN 1695-6141
Enferm. glob. vol.10 n.23 Murcia Jul. 2011
https://dx.doi.org/10.4321/S1695-61412011000300001
CLÍNICA
A influência do ritmo quaternário sobre a percepção dos estados clínicos e subjetivos de pacientes adultos em hemodiálise
La influencia del ritmo cuaternario en la percepción de los estados clínicos y subjetivos de los pacientes adultos en hemodiálisis
Bechert Caminha, L.*; Da Silva, M.J.P.**; Ribeiro Leão, E.***
*Graduando do 7o semestre de Enfermagem.
**Profa. Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgico da Escola de Enfermagem. Coordenadora do Grupo de Estudos das Práticas Complementares de Saúde do CNPq.
*** Doutora en Enfermagem e Pós-Doutorada da Universidade Marc Bloch (França). Vice-coordenadora do Grupo de Estudo das Práticas Complementares de Saúde do CNPq. Universidade de São Paulo. Brasil.
RESUMO
O tratamento da hemodiálise impõe aos pacientes intensas restrições e a necessidade das constantes sessões dialíticas influencia diretamente na qualidade de vida dessas pessoas. O objetivo deste estudo foi verificar como o ritmo quaternário influencia a percepção de tempo e emoções, bem como a ocorrência das complicações mais comuns (hipertensão arterial e dor) durante uma sessão de hemodiálise em relação à intervenção musical. O estudo foi realizado em um hospital privado, com 38 pacientes em hemodiálise, que se submeteram a uma sessão de improvisação musical em um teclado, nas quais os estados subjetivos, os estados clínicos e a percepção temporal foram avaliados como controle, durante a intervenção musical e após a intervenção. Mais de 80% dos pacientes se sentiu melhor e também percebeu o tempo passar mais rápido após a intervenção. No âmbito clínico, o estudo sugeriu que a música improvisada agiu positivamente, mas não foi fator decisivo para a diminuição dos quadros de hipertensão arterial e dor.
Palavras-chave: Terapias complementares; Música; Hemodiálise; Musicoterapia.
RESUMEN
El tratamiento de hemodiálisis requiere de los pacientes intensas restricciones y la necesidad de seguidas sesiones de diálisis que influyen directamente en la calidad de sus vidas. El objetivo de este estudio fue determinar cómo el ritmo cuaternario influye en la percepción del tiempo y las emociones y la aparición de las complicaciones más comunes (hipertensión arterial y dolor) durante la hemodiálisis en relación con la intervención musical. El estudio fue realizado en un hospital privado con 38 pacientes en hemodiálisis, que se sometieron a una sesión de improvisación musical en un teclado, en la que lo subjetivo, el estado clínico y la percepción del tiempo se evaluaron como controles durante la intervención musical y después de la intervención. Más del 80% de los pacientes se sentían mejor y también notó que el tiempo pasaba más rápido después de la intervención. En el contexto clínico, el estudio sugiere que la música improvisada actúa positivamente, pero no fue un factor decisivo en la disminución de los cuadros de la hipertensión arterial y el dolor.
Palabras clave: Terapias complementarias; Música; Hemodiálisis; Musicoterapia.
ABSTRACT
The treatment of hemodialysis patients requires intense restrictions and the need for constant dialysis sessions directly influences the quality of their lives. The objective of this study was to determine how the pace compounds influences the perception of time and emotions and the appearance of the most common complications (hypertension and pain) during hemodialysis in relation to musical intervention. The study was conducted in a private hospital with 38 patients on hemodialysis, who underwent a session of musical improvisation on a keyboard, in which the subjective, clinical status and time perception were assessed as controls during and after the intervention. More than 80% of patients felt better and also noticed the time go faster, after the intervention. In the clinical setting, the study suggested that improvised music acted positively, but it was not a decisive factor in the decrease of the tables of hypertension and pain.
Key words: Complementary Therapies; Music; Hemodialysis; Music Therapy.
Introdução
A doença renal crônica é uma doença de elevada morbidade e mortalidade. A incidência e a prevalência da doença em estado terminal têm aumentado progressivamente, a cada ano, em "proporções epidémicas", no Brasil e no mundo(1).
A insuficiência renal crônica é uma doença definida como a perda definitiva das funções renais, devendo o paciente seguir rigoroso tratamento constituído por dietas específicas, constante controle médico e, em geral, tratamento dialítico. O tratamento impõe aos pacientes intensas restrições, evidenciando, em conseqüência, várias manifestações psíquicas e comportamentais, a maioria de caráter negativo, vinculadas à máquina de hemodiálise, que de forma ambígua aponta a possibilidade de manutenção da vida associada à restrições, dependência, frustrações e temores difusos, incluindo o temor da morte, gerando estados estressantes tanto em nível físico como psíquico(2).
Tão importante quanto a sobrevida destas pessoas é a qualidade de vida do paciente renal crônico. Dentre os diversos fatores que comprometem a qualidade de vida desses pacientes, destaca-se a necessária realização das sessões constantes de hemodiálise(3).
A Hemodiálise é um método de depuração extracorpórea (realizada em geral 3 vezes por semana com duração de 3 a 4 horas cada sessão) pelo qual o sangue obtido por acesso vascular é colocado em contato com uma solução de diálise em um filtro especial, que usa uma membrana semipermeável artificial, a qual substitui os glomérulos e túbulos renais como um filtro. Por meio dessa membrana ocorrem trocas por difusão, filtração e convecção. O excesso de água é removido do sangue por ultrafiltração. O circuito extracorpóreo tem um equipamento de complexidade variável que prepara, aquece, avalia e fornece a solução de diálise, impulsiona o sangue com uma bomba e monitora uma série de parâmetros do processo. Após purificação do sangue, ele é devolvido ao corpo(4).
Investigando novas formas de cuidado que pudessem melhorar a assistência prestada a esses indivíduos, emergiu a utilização da música como forma de cuidado. A intervenção musical proporciona um cuidado mais humanizado, além de ser um recurso facilitador da comunicação(5) e ter elevado nível de aceitabilidade pelos pacientes(6).
A música constitui parte da natureza dos seres humanos, pois seus componentes básicos como ritmo, melodia e harmonia são comuns à composição do nosso organismo. Esta semelhança é evidenciada ao se observar o ritmo cardíaco, o sincronismo ao caminhar, a melodia e o volume de nossas vozes ao falar(7).
A Enfermagem deve avaliar os pacientes portadores de Insuficiência Renal Crônica em tratamento dialítico como um ser biopsicossocial, uma vez que os aspectos emocionais são determinantes para o sucesso do tratamento e para a melhoria da qualidade de vida(8). A música, conforme os estudos apontam, se intencionalmente bem conduzida, pode ser um recurso terapêutico relevante e trazer contribuições favoráveis ao indivíduo ao ajudá-lo a desenvolver novas estratégias de enfrentamento(9) e pode interferir nos estados subjetivos.
Os estados subjetivos podem ser compreendidos como fatos da consciência caracterizados por diversas percepções e, em grande parte, por emoções, sentimentos e humor(10). O bem estar subjetivo refere-se ao que as pessoas pensam e como elas se sentem sobre suas vidas, sendo definidos em termos da experiência interna do indivíduo, isto é, é avaliado a partir da perspectiva do próprio indivíduo, a partir de seu próprio quadro de referência(11). Na gama de estados subjetivos, inclui-se, dentre outros, a percepção temporal, as emoções e os estados de ânimo, os quais podem ser modulados de forma positiva pela música no ambiente hospitalar(12). O ritmo é o elemento musical que desempenha importante função perceptiva no momento presente de toda e qualquer experiência musical, uma vez que se desenvolve em uma matriz temporal. A música é constituída por som. O som é uma onda sonora que se transmite para a atmosfera sob a forma de uma propagação ondulatória e nosso ouvido é capaz de captá-la, fazendo com que nosso cérebro a interprete, dando-lhe configurações e sentidos. Essa onda sonora é um sinal oscilante e recorrente, que retorna por períodos (repetindo certos padrões de tempo), ou seja, obedece a um pulso, razão pela qual se pode pensar em uma correspondência entre as escalas sonoras e as escalas corporais com as quais medimos o tempo(13). Como o paciente submetido à diálise tem a percepção de que o tempo passa de forma arrastada no período de 4 horas, nas quais ele fica "preso" à máquina dialítica, questionamo-nos se existiria algum ritmo específico que fosse percebido por ele como mais benéfico no enfrentamento dessa experiência.
A música tem aplicação clínica variada e há vasta literatura sobre sua utilização como recurso terapêutico na prática da Enfermagem. Todavia, estudos sobre sua utilização na assistência aos pacientes submetidos à hemodiálise são bastante restritos.
Tal escassez de literatura reforçou a necessidade de continuidade do estudo anteriormente realizado, no qual buscamos verificar a influência do ritmo na percepção dos estados subjetivos de pacientes adultos submetidos à Hemodiálise. Foram utilizados 2 ritmos: Marcha e Valsa, cujos compassos simples são classificados em binário e ternário, respectivamente. Os achados revelaram que o tipo de ritmo parece não ter influenciado na resposta da percepção temporal dos pacientes, já que ambos levaram os pacientes a ter a sensação de que o tempo passou mais rápido. No entanto, o ritmo influenciou o tipo de experiência emocional apresentada pelos pacientes (14). Outros estudos já haviam demonstrado o caráter positivo dessa prática quanto à alteração nos mais diversos estados subjetivos(15).
Outro aspecto que nos chamou a atenção é que talvez os indivíduos em programa de hemodiálise constituam um dos grupos de pacientes que tenha a sua pressão arterial aferida o maior número de vezes. Estudos demonstraram uma prevalência de hipertensão arterial de 71% nessa clientela(16). A dor também é outra complicação bastante comum(17). A partir daí, questionamo-nos também sobre o impacto clínico que tais complicações podem trazer aos pacientes e se a intervenção musical poderia exercer alguma influência positiva no enfrentamento dessas possíveis complicações (hipertensão e dor), não investigadas no estudo anterior.
Sendo assim, para aprofundarmos essa temática em torno dos ritmos, emergiu esta pesquisa para o estudo de um ritmo que contenha um compasso quaternário, para que possamos ampliar a discussão sobre essa temática que favoreça a utilização da música no cuidado ao pacientes em programa de hemodiálise.
Objetivos
Conhecer a influência do ritmo quaternário nos estados subjetivos de pacientes adultos submetidos à hemodiálise.
Verificar a ocorrência das complicações mais comuns durante uma sessão dialítica, hipertensão arterial sistêmica e dor, em relação à intervenção musical (semana que antecede a intervenção, durante a intervenção e semana pós intervenção).
Método
Trata-se de um ensaio clínico não controlado realizado em um serviço de hemodiálise de um hospital geral, de médio porte da cidade de São Paulo em Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009. O projeto é continuação do estudo de Iniciação Cientifica realizado anteriormente sobre essa temática no mesmo serviço de hemodiálise(14).
A amostra, por conveniência, foi constituída por 38 pacientes que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: adultos submetidos à hemodiálise, com diagnóstico de insuficiência renal crônica, sem déficit auditivo referido, sem diagnósticos médicos associados que implicassem em alteração cognitiva, com comunicação oral preservada e que aceitaram participar da pesquisa.
O estudo foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição e foi aprovado sob no 15/08 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em conformidade com a legislação brasileira para realização de estudos com seres humanos (Resolução Conselho Nacional de Saúde 196/96), após tomarem conhecimento sobre o objetivo da pesquisa.
A técnica de improviso foi executada por um dos pesquisadores, que é também pianista, no ritmo proposto: um Samba-Canção (quaternário). A escolha recaiu sobre o Samba-Canção por se tratar de um gênero mais neutro em relação aos demais gêneros que se utilizam do compasso quaternário (rock, bolero, forró, os quais determinam mais fortemente as preferências musicais, quando não se excluem entre si). Os improvisos não foram realizados com temas conhecidos visando a minimizar a evocação de memórias pessoais e assim, possibilitar melhor avaliação da influência do ritmo.
No Samba-Canção sua célula rítmica é formada por quatro tempos (1-2-3-4). O pulso é forte-fraco-forte-fraco, ou seja, o primeiro tempo do compasso é forte, o segundo tempo é fraco, o terceiro tempo é forte e o quarto tempo é fraco.
Os improvisos tiveram duração de 20 minutos em uma única sessão, conforme Quadro 1, compostos por músicas e sons instrumentais executados em um teclado Yamaha PSR 620.
Os pacientes foram divididos em 4 turmas, a saber, sendo a primeira turma na 2a feira pela manhã; segunda turma na 2a feira à tarde; terceira turma na 3a feira pela manhã; quarta turma na 3a feira à tarde.
Os estados subjetivos de cada paciente foram verificados na semana que antecedeu a intervenção musical em dois momentos em um mesmo dia, na vigência da hemodiálise, com intervalo de 20 minutos entre as verificações, como controle. Nos dias correspondentes à intervenção musical (2a semana de intervenção), os estados subjetivos foram avaliados imediatamente antes e imediatamente após cada intervenção musical, utilizando instrumento adotado em estudo sobre o impacto da música nos estados de ânimo de pacientes hospitalizados(18). A percepção temporal foi verificada por uma questão específica para que o paciente indicasse se o tempo passou de forma igual, se foi mais rápido ou se a sessão de hemodiálise lhe pareceu durar mais.
Foi verificada também a ocorrência das complicações mais comuns durante uma sessão de hemodiálise antes e após a intervenção musical, que foram registradas no formulário de ocorrência. Essas complicações foram verificadas uma semana antes das intervenções, durante as semanas de intervenção e uma semana após as intervenções musicais. Os dados foram extraídos de ficha de controles já existente no serviço para o monitoramento clínico.
Os resultados foram submetidos à análise estatística descritiva e estatística inferencial. A codificação estatística utilizada foi: X_1_1: antes controle; X_1_2: depois controle; X_2_1: antes intervenção; X_2_2: depois intervenção; X_3_1: antes após intervenção; X_3_2: depois após intervenção. Os testes utilizados foram McNemar-Bowker.
Resultados
Na amostra de 38 pacientes, a média de idade do grupo estudado foi de 56 anos, com variação de 18 a 85 anos. Apenas 5 (13%) tinham menos de 30 anos, sendo que 20 (52,6%) eram idosos (acima de 60 anos).
Quanto ao gênero, 57,9% eram do sexo masculino e 42,1% do sexo feminino. Com relação ao tempo de diálise ao qual os pacientes do estudo estavam submetidos, constatou-se que 28 pacientes (73,7%) apresentavam menos de 5 anos de diálise, 6 pacientes (15,8%) apresentavam entre 5 e 10 anos de diálise e 4 pacientes (10,5%) faziam diálise há mais de 10 anos. A média de tempo de participação no programa de diálise foi de 3,8 anos, com variação de 1 mês a 13,5 anos.
Quanto à preferência musical, verificamos uma grande diversidade entre os pacientes, variando nos mais diversos estilos musicais. Onze dos 38 pacientes (29%) afirmaram ser ecléticos. Nenhum paciente relatou não ouvir música ou não gostar da mesma, o que demonstra, mais uma vez, o caráter universal e a grande aceitação dessa prática complementar de saúde.
A Tabela 1 demonstra e corrobora nosso estudo anterior(14) que, para a maioria, a percepção foi de que o tempo passou mais rápido em relação à semana anterior (controle), com relevância estatística (p=0,001).
Novamente, quando comparados ao estudo anterior(14), observou-se que a maioria apresentou uma melhora nos estados de ânimo em relação à semana controle, conforme tabela 2.
Os principais sentimentos apresentados pelos pacientes antes e após o ritmo quaternário proposto, durante as semanas de estudo, são apresentados na Tabela 3.
Observou-se que, após a execução do ritmo Quaternário, houve algumas diferenças nos sentimentos experimentados pelos pacientes, aumentando os relatos de sensações ditas positivas (tranqüilidade, alegria, calma, paz, distração, animação) e diminuindo os relatos das sensações negativas (preocupação, tristeza, desanimação, ansiedade e raiva). Foi verificada relevância estatística entre as semanas controle e sem intervenção, com p=0,029.
Quanto à Hipertensão Arterial, foi coletado o valor da pressão arterial de cada paciente na semana que antecedeu a intervenção musical. Considerando os parâmetros normais (120X80 mmHg), são apresentados na Tabela 4 as respectivas classificações de pressão arterial nas semanas de estudo.
Diversos mecanismos podem estar relacionados à fisiopatogenia da hipertensão arterial na hemodiálise. No entanto, parece haver um consenso de que a etiopatogenia da hipertensão arterial na hemodiálise está intimamente dependente do balanço de água e sódio.
Durante a semana de intervenção musical, na chegada dos pacientes ao serviço, a pressão elevada se mostrou rotineira. No entanto, na semana de intervenção musical e aferição da pressão por parte da equipe de enfermagem ao final da diálise, obteve-se um maior número de pacientes com sua pressão arterial normalizada e um menor número de pacientes saindo do serviço com um quadro de pressão arterial elevada, quando comparados à semana anterior (controle). Todavia não foi observada relevância estatística (p= 0,375).
Os quadros álgicos também foram observados conforme Tabela 5:
Os quadros de dor foram observados em menor frequência na semana de intervenção musical, mas que não chegaram a apresentar relevância estatística (p= 1,000a).
Discussão
A caracterização da amostra nos permitiu observar alguns pontos importantes. O tratamento dialítico é responsável por um cotidiano monótono e restrito, e as atividades dos respectivos pacientes são limitadas após o início do tratamento(19). No local do estudo, a televisão e os livros particulares constituem as únicas formas de entretenimento dos pacientes, o que torna as sessões diárias extremamente rotineiras. A inclusão da música nesse ambiente constituiu outra opção, na qual, a aceitação foi quase que unânime, corroborando a alta aceitabilidade dessa prática(7).
Conforme Tabela 2, nenhum paciente relatou se sentir pior após a intervenção o que corrobora a influência da música no bem-estar das pessoas no ambiente hospitalar e a grande aceitabilidade da música neste ambiente(18).
Quando comparados ao estudo anterior sobre tal temática(14), observou-se que independentemente do ritmo utilizado (Binário, Ternário ou Quaternário), não há diferenças de interferência na percepção temporal, ou seja, todos influenciam essa percepção da mesma forma, parecendo não haver um ritmo específico que contribua menos ou mais. Porém, parece que o tipo de ritmo tem sido um fator determinante para o tipo de experiência emocional que os pacientes apresentaram. Tanto o ritmo Binário, quanto o Ternário e o Quaternário contribuíram relevantemente para o aumento do bem estar em detrimento dos sentimentos ditos negativos. No entanto, a métrica determinou mais fortemente a ênfase em alguns sentimentos, o que permite afirmar, por exemplo, que o ritmo Ternário (Valsa), dentre o Binário e o Quaternário, é o mais adequado para trazer a sensação de paz.
Neste estudo, chamou a atenção o fato da relevância estatística para a percepção temporal (o tempo ter passado mais rápido) ter se configurado também na semana subseqüente à semana de intervenção, o que não era esperado em relação à semana controle. Isso aponta para um efeito carry-over, o qual não sabemos exatamente a quem ou a quê pode ser aferido, pois pode ser tanto decorrente da "memória" da experiência vivida anteriormente, ou ainda, pode ser influenciada pela "presença física" do pesquisador, que estava todas as manhãs interagindo e tocando ao vivo, mesmo que nessa ocasião ele não tenha desenvolvido nenhuma intervenção além da interação para avaliação do paciente. Tais processos, isoladamente ou em conjunto, não devem ser descartados e podem ter sido responsáveis indiretamente por tais resultados na última semana de coleta.
A audição musical alegra o ouvinte e o torna sutilmente ligado ao ambiente sonoro. Sendo assim, a música é, com frequência, preferível ao silêncio, em particular para pessoas com dores, porque o silêncio (fora de situações meditativas) pode ampliar sua consciência de desconforto. Dentre os mecanismos que se relacionam com esse alívio, encontram-se a distração, a alteração do foco perceptual e a liberação de endorfinas(20), bem como o relaxamento(21). Todavia, ao contrário do que demonstram diversos estudos(12), a audição musical não influenciou significativamente os escores de intensidade dolorosa.
Embora na literatura(20) seja considerada que as ondas cerebrais, frequência cardíaca, respiração, tom emocional e outros ritmos orgânicos podem mudar sutilmente de acordo com o que se ouve(20), não observou-se neste estudo influência significativa da música na experiência de dor e na própria pressão arterial. Os resultados sugerem que a música agiu positivamente em todos os âmbitos estudados, porém não foi fator primordial para que os quadros fisiológicos (Pressão Arterial e Dor) fossem alterados para valores mais próximos do desejado.
Considerações finais
Este estudo permitiu verificar e confirmar algumas proposições que já haviam sido observadas em estudo anterior sobre mesma temática(14). Independentemente do ritmo utilizado, este é capaz de alterar a percepção temporal das pessoas e influenciar significativamente a sensação de tempo que cada um traz consigo.
Por outro lado, dependendo do tipo de ritmo ouvido, podem-se ter diferentes experiências emocionais. Apesar dessas diferenças de sentimentos experimentados, o ritmo quaternário se mostrou adequado para trazer sensações ditas positivas em detrimento de sentimentos negativos.
Após execução, não houve maior normalização da pressão arterial ou de sensível melhoria nos quadros de dor relatados pelos pacientes.
A guisa de considerações finais, a seguir são relatados aspectos que não foram objetivados nesse estudo, mas que foram significativos para o autor que desenvolveu a intervenção musical durante a realização da pesquisa e por considerarmos também, que possam suscitar novos alvos de investigação.
Mais uma vez, como no último estudo de 2007(14) desenvolvido no mesmo serviço de Hemodiálise, a aceitação por parte dos pacientes foi espantosa. Poucos pacientes que participaram do estudo anterior participaram novamente desta pesquisa. Alguns se mudaram para outros horários, outros já realizaram transplante, porém a grande maioria se mudou para outras instituições de saúde para continuar o tratamento dialítico. Durante a intervenção musical totalmente improvisada dentro das escalas que o pesquisador resolvia utilizar, muitos cantavam frases, como se a música de fato existisse e não fosse fruto da criatividade do pesquisador que estava ali executando música ao vivo.
Um aspecto interessante a ser observado é que os benefícios que a música traz ficam acentuados com a apresentação ao vivo. A presença do pesquisador que esteve todas as manhãs e tardes durante Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009 (épocas consideradas festivas, onde se engloba o Natal e o Ano Novo) parece ter funcionado como estratégia de acolhimento para os pacientes, diminuindo sentimentos como a solidão que é bastante comum durante as sessões dialíticas. A interação humana faz parte e é uma variável que, embora difícil de mensurar, está presente na pesquisa desenvolvida no ambiente clínico.
Não demorou muito para que os pacientes, ao final da intervenção musical, chegassem mais perto, pedissem músicas específicas dos mais diversos estilos, arriscassem algumas notas e até mesmo se interessassem por aulas particulares de música. A reciprocidade por parte dos pacientes era notória e muitos deles não acreditavam que a intervenção musical com duração impreterível de 20 minutos "durava 20 minutos mesmo". Muitos chegaram a desconfiar, dizendo que a execução não havia durado nem 5 minutos. Isso nos resume claramente a sensação referida de que o tempo "passou mais rápido".
Da mesma forma que no estudo passado, houve pacientes que choraram durante e ao término da intervenção musical, reforçando nossa observação anterior, de que mesmo improvisando melodias diferenciadas e desconhecidas, eles eram capazes de ter os mais diversos estímulos de imaginação e trazer memórias passadas.
Um dos pacientes era músico. Talvez pela sua audição mais apurada e diferenciada dos demais, suas expressões não verbais eram marcantes. Ele fechava os olhos e, nitidamente, se voltava para dentro de seu próprio mundo, seu próprio eu, sem falar nada, simplesmente ouvindo. Ele voltava a interagir quando a intervenção musical cessava. Por curiosidade, percebendo suas expressões não verbais, durante o improviso dentro de uma escala menor harmónica, propositadamente ocorreu um "erro" em uma sequência específica, distonando dentro de uma escala musical que estava sendo explorada. Na mesma hora, ele abriu os olhos espantados, olhou fixamente para o executante sem entender e o riso se instalou entre ambos. A necessidade de ligarmos a teoria musical dentro da prática é essencial para que a música faça sentido e possibilite interpretações próprias. Notas distonantes e improvisação sem sentido não surtem efeito nenhum, pelo contrário, provocam espanto e alvoroço, como se os ouvidos "doessem", o que pode interferir nessa "viagem" dentro do próprio eu. Assunto como esse merece ser investigado oportunamente com criterioso rigor metodológico.
O estudo, tal como o estudo anterior a respeito deste tema, apresenta as mesmas limitações: a impossibilidade de isolar na intervenção realizada, somente o ritmo dos demais elementos sonoro-musicais inerentes à utilização de um instrumento harmónico. É provável que estudos desenhados unicamente com instrumentos de percussão possam revelar maior acurácia para esse tipo de análise.
A partir dos resultados obtidos, consideramos a música como um potencial que deva ser mais aperfeiçoado e explorado, visando à melhoria da qualidade de vida e a maior qualificação do cuidado dentro do ambiente, percebido muitas vezes como "triste" e com procedimentos que parecem "durar muito tempo" na Hemodiálise.
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